Justiça

Luiz Carlos Azedo: Pazuello em Manaus

O ministro do STF Ricardo Lewandowski autorizou a abertura de inquérito para investigar a conduta do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na crise sanitária no Amazonas, onde o SUS entrou em colapso

Em tempos de quarentenas e isolamento social, o filme Operação Final é um dos mais populares da Netflix. Narra o sequestro do criminoso nazista Adolf Eichmann (Ben Kingsley, em interpretação magistral), na Argentina, para submetê-lo a julgamento em Jerusalém pelos crimes que cometeu na Segunda Guerra Mundial. Os principais líderes nazistas, como Adolf Hitler, evitaram a Justiça por meio do suicídio, mas o responsável pelos campos de concentração conseguiu escapar e vivia escondido, até ser identificado e localizado por causa das suas ligações com a extrema direita argentina.

Fugitivo, Eichmann era imaginado como um sujeito brutal e sanguinário, mas o julgamento mostrou outro tipo de personalidade: um burocrata militar (tenente-coronel das SS), cujo objetivo central era vencer na vida a todo custo, incapaz de refletir sobre as consequências de suas ações. Eichmann era o gestor de um conjunto de instruções voltadas à destruição dos judeus. Cumpria ordens para dar cabo dos objetivos genocidas do movimento nacional-socialista alemão, fundado e chefiado por Hitler. Era o mais comum dos homens, educado, inteligente e afirmava que, particularmente, não era antissemita. Era apenas um servidor público cumpridor das leis.

Eichmann foi um dos responsáveis pelo transporte dos prisioneiros judeus para os campos de concentração. Ele cuidava da logística que levaria milhões de pessoas aos mais diversos tipos de torturas e à morte. Entretanto, via sua função como sendo apenas parte do sistema, como se estivesse meramente cumprindo ordens, executando corretamente suas tarefas, sem levar em consideração o que realmente significava sua parte no esquema nazista. Ele era um de muitos do mesmo tipo, indiferente ao sofrimento alheio, com frieza e incapacidade de comiseração.

A filósofa judia-alemã Hannah Arendt acompanhou o julgamento e escreveu um livro (Eichmann em Jerusalém) no qual caracterizou a atuação do oficial nazista como a banalização do mal: “O problema com Eichmann era exatamente que muitos eram como ele, e muitos não eram nem pervertidos, nem sádicos, mas eram, e ainda são, terrível e assustadoramente normais. Do ponto de vista de nossas instituições, e de nossos padrões morais de julgamento, essa normalidade era muito mais apavorante do que todas as atrocidades juntas, pois implicava que (…) esse era um novo tipo de criminoso, efetivamente hostis generis humani, que comete seus crimes em circunstâncias que tornam praticamente impossível para ele saber ou sentir que está agindo de modo errado”, escreveu. O filme Hannah Arendt — Ideias que chocaram o mundo conta muito bem essa história.

Inquérito
Ontem, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski autorizou a abertura de inquérito para investigar a conduta do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na crise de saúde do Amazonas, que entrou em colapso, com superlotação dos leitos hospitalares e desabastecimento de oxigênio. Em depoimento do ministro à Polícia Federal, em data a ser marcada, ele terá que apresentar informações sobre as ações efetivamente adotadas em relação ao estado da saúde pública de Manaus. Lewandowski definiu prazo inicial de 60 dias para a investigações da Procuradoria-Geral da República (PGR) serem concluídas.

O caso foi enviado a Lewandowski pela vice-presidente do STF, Rosa Weber, à frente do plantão judiciário durante o recesso, porque o ministro é o relator de outros processos ligados à pandemia. O pedido de inquérito foi feito pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, com base em uma representação do partido Cidadania e em informações apresentadas pelo próprio ministro Pazuello, além de apuração preliminar dos procuradores federais que atuam na área de Saúde. O ministro soube do colapso iminente do Sistema Único de Saúde (SUS) em Manaus em dezembro, mas só tomou providências efetivas em janeiro. Dezenas de pessoas morreram por falta de oxigênio, enquanto o Ministério da Saúde insistia em prescrever cloroquina para conter a crise sanitária.

Nem de longe as mortes causadas pela pandemia no Brasil, apesar de toda a incúria e falta de empatia do presidente Jair Bolsonaro, se comparam aos horrores do Holocausto. Entretanto, a “banalidade” com que são tratadas é um espanto. O comportamento é o mesmo apontado por Arendt na descrição de Eichmann: alguém que não conseguia perceber a realidade, não se colocava no lugar de outra pessoa, porque internalizou que o que estava fazendo era o correto. Eichmann cumpria ordens sem questionar o certo e o errado, dessa forma tornou-se um dos maiores criminosos de guerra. Bolsonaro manda, Pazuello obedece e, com isso, se tornou o pior ministro da Saúde da nossa história.

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Luiz Fux: A nova face da Justiça

Hoje ela tem intensa participação social na busca de solução para os problemas coletivos

Em tempos de crise, o trabalho, a fé e a criatividade fazem a diferença. Ex nihilo nihil fit. Sem esforço nada floresce, nada vem do nada. Com ele e com muita dedicação, os obstáculos se dissipam e o que não importa perde relevância.

Deveras, a Justiça não se limita ao julgamento de casos difíceis (hard cases) ou escolhas trágicas. A novel Justiça é hoje um órgão de intensa participação social na busca de solução para os problemas coletivos.

Para esse fim a sociedade brasileira conta com o braço forte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão nacional ainda adolescente, com 15 anos de idade, que oferece à luz das suas atribuições um amplo leque de proposições de uma nova justiça social. Trata-se de uma usina com notável capacidade de transformar o ideal em real.

Comecemos por destacar os dois grandes observatórios criados com a participação de personalidades de destaque nacional. O primeiro, o Observatório de Direitos humanos, tem como escopo detectar violações de direitos humanos para, em resposta, propor políticas públicas e ações concretas. Em recente interação virtual, a Corte Interamericana de Direitos Humanos lavrou, por sua presidente, Elizabeth Benito, homenagens ao Brasil pela notável criação.

Com esse mesmo fim, protegendo minorias vulneráveis, o CNJ propôs cotas raciais no âmbito do Poder Judiciário, instituiu o programa Fazendo Justiça, com a inserção de ex-presidiários no mercado de trabalho, criou os Escritórios Sociais e adotou medidas concretas contra o assédio sexual, o assédio moral e a violência doméstica, mediante atos regulatórios a serem aplicados pelo Judiciário nacional.

O segundo, o Observatório do Meio Ambiente, volta-se precipuamente para ações preventivas e repressivas na defesa desse nosso valor intergeracional, com ênfase na Amazônia Legal.

Adicionalmente, não se pode ignorar que a humanidade, que outrora navegava pelos mares, hoje navega na internet. É tempo de uma Justiça virtual, ágil e eficiente. Alguns programas merecem destaque, o Juízo 100% Digital assegura ao cidadão brasileiro o direito de escolher a tramitação integralmente virtual do seu processo judicial. O sucesso é tão grande que em curto espaço de tempo o projeto já é adotado em mais de 900 varas.

A realização de acordos por meio de uma plataforma digital hodiernamente é possibilitada por esse notável instrumento denominado Online Dispute Resolutions (ODRs). Nesse caminhar digital, propõe-se em breve a criação dos balcões digitais, dispensando o comparecimento dos profissionais aos Fóruns físicos para o acompanhamento processual.

Por outro lado, não se podem esquecer os recentes ataques de hackers aos sistemas públicos informatizados. Nesse campo, a expertise há de ser excepcional. Imediatamente a seguir a esses eventos, o CNJ criou o Comitê de Segurança Cibernética do Poder Judiciário, integrado pelos maiores especialistas brasileiros no tema, os quais já produziram protocolos diversos, aprovados à unanimidade pelo conselho.

Não se podem perder de vista, porém, dois outros grandes campos de atuação do CNJ: a corrupção e o ambiente de negócios. O conselho criou programas interligados de eficiência máxima de combate à corrupção e lavagem de dinheiro, esse flagelo que assola o País por intermédio de agentes ímprobos, delinquentes de colarinho branco que atacam os cofres públicos neste momento da tragédia da pandemia, roubando leitos de hospitais, saneamento básico, até mesmo a verba destinada às tão necessárias vacinas. Parcerias de tal modo eficientes foram firmadas pelo CNJ que cada transação com dinheiro sujo será surpreendida pelos órgãos de controle.

Por fim, nosso Brasil reclama soerguimento, que virá do trabalho, da moralidade das licitações e do investimento nas obras e nos setores que geram emprego, capital de giro e recursos para o Estado atender às necessidades coletivas.

Investimento reclama conjurar o risco País. Nessa seara, o que o investidor pretende é segurança jurídica, tanto no campo jurisprudencial quanto legal. A jurisprudência não pode ser instável, não há lugar para surpresas. A Justiça não é método que permita guarda de trunfos.

O excesso de leis e de burocracia torna perplexo o ambiente de negócios. Por isso, por meio do controle do respeito aos precedentes e do controle da euforia legiferante, o CNJ dispõe de um laboratório de sugestões legislativas minimalistas e um monitoramento constante do cumprimento da jurisprudência pacificada.

Essa é a nova face da Justiça em prol da sociedade.

A crise provocada pela pandemia, não tarda, acabará. Mesmo nos momentos mais tormentosos fica a certeza de que no amanhã da Justiça brasileira teremos condições de colher todos os frutos semeados neste difícil período pelo qual passa a humanidade. Ad astra per aspera. É pela dificuldade que se chega às estrelas. E, não demora, o seu brilho, fruto do trabalho árduo, aparecerá em forma de constelação.

PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA


Luiz Carlos Azedo: Espinhos do recesso

Esquentam a disputa pelo comando da Câmara dos Deputados e a polêmica jurídica sobre a Lei da Ficha Limpa, flexibilizada pelo do STF ministro Kassio Nunes Marques

No jargão jornalístico, flores do recesso são os assuntos que tomam conta do noticiário político quando o Congresso e o Judiciário estão sem funcionar, geralmente alimentados pelo Executivo, pelos candidatos ao comando da Câmara e do Senado e pelos ministros de plantão no Judiciário. São tão frondosas como as flores da primavera, porém, menos decisivas do ponto de vista do processo político. Entretanto, nesses tempos bicudos de pandemia do novo coronavírus, com mais de 190 mil mortos e sem data marcada para o começo da vacinação, estamos diante é de flores com espinhos.

As principais são a disputa pelo comando da Câmara dos Deputados, que a oposição encara como uma espécie de batalha de Stalingrado, para conter o avanço de Jair Bolsonaro rumo à reeleição à Presidência da República, e a polêmica jurídica sobre a Lei da Ficha Limpa, cuja flexibilização, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques, o novo integrante da Corte indicado pelo presidente, supostamente possibilitaria — entre outras — a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto em 2022. Esse seria o adversário que Bolsonaro gostaria de ter no segundo turno, para uma espécie de vitória de Waterloo particular. Essas duas disputas, durante o recesso, podem nos trazer alguma emoção política, ao lado da polêmica sobre as vacinas contra a covid-19.

Há momentos que catalisam as forças da história e mudam o seu rumo. A Batalha de Stalingrado, por exemplo, durou um pouco mais de seis meses, do fim de julho de 1942 até 2 de fevereiro de 1943, tempo suficiente para mudar os rumos da guerra, ao preço de 1,5 milhão de mortos. Teve quatro fases distintas: a avassaladora ofensiva alemã; a obstinada reação russa, ao norte e ao sul, que cercou as tropas alemãs; a fracassada tentativa de Hitler de socorrer seu exército; e a rendição do que restou dele, faminto, sem combustível nem munição.

Mesmo com a vantagem numérica, os alemães não conseguiram vencer a resistência do Exército Vermelho, em razão do conhecimento do terreno, das condições climáticas, da experiência em batalhas de rua, das táticas antitanque, da artilharia de barragem e da capacidade logística. O exército alemão rendeu-se em 2 de fevereiro, com cerca de 91 mil soldados, entre eles 22 generais. Entretanto, 11 mil alemães decidiram lutar até a morte, dois mil foram mortos, e os demais foram levados presos. O resto da história todos conhecem.

Napoleão
Outra batalha decisiva foi a de Waterloo, na Bélgica, que durou menos de 24 horas, envolvendo forças francesas, britânicas e prussianas. Iniciada a 18 de junho de 1814, a guerra colocou, de um lado, Napoleão Bonaparte — que já havia sido derrotado na Rússia — e seu exército de 72 mil homens recrutados às pressas, e de outro, o exército aliado de 68 mil homens comandados pelo britânico Arthur Wellesley, duque de Wellington, composto de unidades britânicas, neerlandesas, belgas e alemãs, reforçado, mais tarde, pela chegada de 45 mil homens do exército prussiano.

Napoleão havia fugido da ilha de Elba a 26 de fevereiro de 1815, em direção ao sul da França, e logo conseguiu apoio popular para fazer frente a Inglaterra, Prússia, Áustria e Rússia, montando um exército com 125 mil homens e 25 mil cavalos. Marchou para a Bélgica, a fim de impedir a coalizão dos exércitos inglês e prussiano. Ao alcançar Charleroi, o exército de Napoleão dividiu-se em dois, com uma parte seguindo em direção a Bruxelas, para encontrar as tropas de Wellington, e outra, comandada pelo próprio Napoleão, em direção a Fleuru, contra o exército prussiano de Gebhard von Blücher. A ideia de Napoleão era derrotar um de cada vez.

Napoleão venceu os prussianos na chamada Batalha de Ligny. Partiu, depois, para Waterloo, onde encontrou os ingleses, em 17 de junho, em solo encharcado, que dificultava o posicionamento dos canhões. Estava certo de que as forças prussianas não se reagrupariam e chegariam a tempo para socorrê- los. Seu erro foi dar a tarefa de perseguir os prussianos em retirada ao marechal Grouchy, “homem medíocre, valente, íntegro, honrado, confiável, um comandante de cavalaria de valor várias vezes comprovado, mas um homem de cavalaria e nada mais”, nas palavras de Stefan Zweig, em Momentos decisivos da humanidade (Record).

Iniciada a batalha, a artilharia inglesa surpreendeu Napoleão, com um novo armamento: granadas. Mesmo assim, os franceses avançaram e deixaram Wellington por um fio. Entretanto, o general prussiano Blücher enganou os franceses. Encarregado de persegui-lo, Grouchy recusou-se a voltar para Waterloo, apesar dos apelos de seu Estado Maior, que tomara conhecimento do início da batalha contra Wellington; para não contrariar as ordens que recebera, continuou em busca das tropas prussianas, supostamente em retirada. Blücher, porém, flanqueou os franceses e chegou em socorro de Wellington; as tropas de Grouchy, o disciplinado marechal, não. A contraordem de Napoleão, pedindo a sua ajuda, chegara tarde demais.

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Silvio Almeida: Democracia e desigualdade devem ocupar lugar central no debate político pós-pandemia

Relação entre os dois temas será central no debate político pós-pandemia

Ano de 2021 começará com enormes desafios e não haverá mais lugar para pensamento idealista apartado dos conflitos da realidade.

Utilizo esta última coluna do ano para tratar do que considero os principais assuntos sobre os quais a sociedade terá que se debruçar nos próximos anos: democracia e desigualdade.

O debate sobre democracia e desigualdade não é recente nem uma novidade. Entretanto, a pandemia, a crise econômica e a incapacidade política demonstrada por grande parte dos governos expuseram as imensas contradições do que se convencionou chamar de democracia e a insuficiência das medidas contra a desigualdade.

O ano de 2020 evidenciou que as garantias jurídico-formais da democracia não são suficientes para assegurar a participação popular no processo político. Governos autoritários, com propensões genocidas e “suicidárias” (na expressão de Paul Virillo) foram eleitos e, utilizando-se da forma democrática, desorganizaram social e economicamente seus respectivos países, instalaram desconfiança no próprio sistema que os permitiu chegar ao poder e foram direta ou indiretamente responsáveis pela morte de milhares de pessoas devido ao modo com que se portaram no contexto da pandemia.

Da mesma forma mostraram-se falhas e limitadas as instituições encarregadas de zelar pela democracia. O domínio das fake news, o ambiente anti-intelectual e a distorção provocada pelos algoritmos das redes sociais colocam em xeque um dos postulados máximos do processo democrático, a informação baseada na verdade. Parte do problema também repousa na maneira como os interesses econômicos e o alinhamento às políticas neoliberais têm se refletido na tolerância da grande imprensa e do sistema de justiça com governos autoritários e comprovadamente incompetentes. Caminhamos para um mundo em que a degradação das condições de vida, a destruição ambiental e a desorientação existencial faz com que se instaure um grave dilema entre democracia e ordem social.

Tratar a questão da desigualdade será também assunto prioritário na próxima quadra histórica. Penso que o tema se desdobrará em duas grandes questões. O primeiro desdobramento será um novo debate sobre o papel do Estado na economia. Os delírios neoliberais de “cada vez menos Estado” mostraram-se um retumbante fracasso, inclusive para o mercado. Sem um sistema forte e coeso de proteção social, como é o caso do Sistema Único de Saúde, a tragédia da Covid-19 poderia ser muito maior. Nesse sentido, a instituição de uma renda básica universal está definitivamente na agenda brasileira, não apenas por sua capacidade de fortalecer o sistema de proteção social, mas pelos impactos positivos da medida sobre o conjunto da economia.

O segundo desdobramento será a questão racial. A ascensão de governos ancorados em um “neoliberalismo autoritário” expôs a forma como o racismo é um elemento organizador da desigualdade. O silêncio teórico da economia acerca do racismo foi quebrado, o que revelou ao fim e ao cabo a insuficiência de políticas de desenvolvimento econômico que não tratam da desigualdade racial. A partir de reflexões sobre política industrial, relações de trabalho, tributação, ciência e tecnologia e empreendedorismo terão que observar os impactos sociais do racismo.

O ano de 2021 começará com enormes desafios teóricos e práticos e não haverá mais lugar para que democracia e desigualdade sejam pensadas de modo idealista e apartado dos conflitos da realidade.

*Silvio Almeida, professor da Fundação Getulio Vargas e do Mackenzie e presidente do Instituto Luiz Gama.


Luiz Carlos Azedo: No fio do bigode

Há meses, Lira vem negociando individualmente com as bancadas de oposição; além de verbas e cargos, oferece para cada grupo de interesse uma pauta específica

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou, ontem, o nome do candidato do seu bloco político ao comando da Casa, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), o jovem presidente do maior partido do país e líder de sua bancada federal, com 34 deputados. Rossi conseguiu reverter as resistências da maioria dos deputados do bloco de esquerda, o que levou o deputado Aguinaldo Ribeiro (PB), um dissidente do PP, a desistir de disputar a indicação no grupo de Maia. Formalmente, juntos, os dois blocos somam 282 deputados, número mais do que suficiente para ganhar a disputa com o candidato governista, Arthur Lira (PP-AL), mas isso é apenas uma projeção otimista. A disputa será no corpo a corpo, voto a voto.

É aí que entra a história do bigode. Quando houve a fusão dos antigos esta dos do Rio de Janeiro e Guanabara, em 1975, o brigadeiro Faria Lima, interventor federal, fez um acordo com o ex-governador Chagas Freitas, cacique do MDB da antiga Guanabara, para que fosse possível formar uma maioria que aprovasse a Constituição do novo estado. Para chegar ao acordo, teve que atropelar a líder do governo, deputada Sandra Cavalcanti (Arena), e entregar a relatoria da nova Constituição a um deputado “chaguista”, José Maria Duarte (MDB). Originário do antigo PSP, Chagas era um político populista, dono dos jornais O Dia e A Notícia.

Duarte era amigo do lendário distribuidor de cinema Luiz Severiano Ribeiro, que o chamava para ver os filmes antes da estreia e sugerir a tradução dos títulos, que muitas vezes não tinha nada a ver com o nome original, como em “A morte não manda recado” (The Ballad of Cable Hogue), “Os brutos também amam” (Shane), clássicos do faroeste norte-americano, ou “Django não perdoa…mata” (L’Uomo, L’Orgloglio, La vendetta), o western italiano inspirado na ópera Carmem, de George Bisset. Frasista de primeira, chamava o anteprojeto de Constituição de “boneca” e mantinha segredo absoluto sobre os acordos envolvendo o interventor Faria Lima, Chagas Freitas e o senador Amaral Peixoto (MDB), velho cacique pessedista, que era o líder da oposição no antigo Estado do Rio.

Nessa época, o time de jornalistas que fazia a cobertura da Constituinte da fusão era de primeira linha: Mauricio Dias, Marcelo Pontes, André Luiz Azevedo, Rogério Coelho Neto, Carlos Vinhais e Dácio Malta, entre outros. Mesmo assim, a crise no dispositivo parlamentar do interventor era mantida em sigilo, até que Sandra Cavalcanti resolveu chutar o balde. Nessa época, o antigo Diário de Notícias ainda era o jornal dos professores e dos militares. Graças a isso, fui escolhido por Sandra Cavalcanti para uma entrevista exclusiva, na qual denunciou o acordo e renunciou à liderança, em caráter irrevogável. Foi então que resolvi perguntar ao líder do MDB, Cláudio Moacir, deputado eleito por Macaé, homem ligado a Amaral Peixoto, se a oposição pretendia formar a nova base do governo. Em off, para minha surpresa, respondeu: “Não, nós vamos ficar como bigode: na boca, mas do lado de fora”.

Traições
Esse é o problema de Baleia Rossi. O Palácio do Planalto está jogando muito pesado para eleger Arthur Lira, o principal líder do Centrão, que articulou a nova base governista na Câmara e sempre teve o apoio dos deputados do baixo clero. Tece sua candidatura com a promessa de liberação de verbas e cargos no governo, acenando com uma reforma ministerial que estaria prevista para o começo do próximo ano. Arthur Lira anunciou sua candidatura com apoio dos 135 deputados do Centrão — PL (41), PP (40), PSD (33), Solidariedade (13) e Avante (8). De imediato, recebeu apoio do PL (41), do PTB (11), do Pros (10), do PSC (9) e do Patriota (6), ou seja, teoricamente, de mais 77 deputados. Tenta montar uma espécie de rolo compressor, já integrado por 212 deputados, que avança nos bastidores para seduzir os deputados de oposição.

O grupo de Maia soma 158 deputados, dos seguintes partidos: DEM (28), MDB (34), PSDB (31), PSL (53), Cidadania (8) e PV (4). O PT, com 54 deputados, lidera a oposição, que soma 124 deputados, com as bancadas do PSB (31), do PDT (28), do PSol (10) e da Rede (1). Esse acordo de bancada precisa ser confirmado por cada deputado, que negocia no fio do bigode; porém, como o voto é secreto, a palavra empenhada não pode ser cobrada depois. Como dizia Tancredo Neves, a vontade de trair é muito grande na cabine de votação.

Ninguém sabe o que vai, de fato, acontecer. Lira vem negociando individualmente há meses, inclusive com as bancadas de oposição, com uma agenda que não pode ser subestimada, porque além de verbas e cargos, oferece pra cada grupo de interesse uma pauta específica. Aos evangélicos, promete levar adiante a agenda dos costumes; aos ruralistas, desmontar a legislação ambiental; aos sindicalistas, a volta do imposto sindical; aos enrolados na Lava-Jato, blindagem contra o Ministério Público Federal (MPF) e a flexibilização da contagem do tempo de ilegibilidade da Lei da Ficha Limpa, na linha da liminar do novo ministro do Supremo Tribunal federal (STF) Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro. Muitos estão comprometidos com Lira.

Em tempo, feliz Natal!

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Luiz Carlos Azedo: Cidade Maravilhosa

E não é que, ontem à tarde, já havia virado meme, nas redes sociais, uma marchinha sobre a prisão do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos)

Refrão: “Cidade maravilhosa,/ Cheia de encantos mil!/ Cidade maravilhosa,/ Coração do meu Brasil! (Bis)”. Primeira parte: “Berço do samba e das lindas can- ções/ Que vivem n’alma da gente,/ És o altar dos nossos corações/ Que cantam alegremente”. Segunda parte: “Jardim florido de amor e saudade,/ Terra que a todos seduz, /Que Deus te cubra de feli- cidade, /Ninho de sonho e de luz”. O velho Sérgio Cabral, pai, foi quem me chamou a atenção para o fato de que o famoso hino carioca Cidade Maravilhosa, de autoria de André Filho, começa como se a orquestra fosse tocar uma sinfonia e logo vira marchinha de carnaval.

Coube ao maranhense Coelho Neto — que hoje empresta o nome a um dos subúrbios cariocas da antiga Central do Brasil —, cunhar a expressão “cidade maravilhosa”, num artigo publicado no jornal A Notícia, em 1908. Mais tarde, em 1928, publicaria um livro de contos com esse título. Era época em que a antiga capital da República fervilhava, em todos os sentidos, aspirando à condição de Paris dos trópicos, ambição criada após a reforma urbana do prefeito Pereira Passos, no começo do século. O jornalista Ruy Castro relata essa época no livro Metrópole à beira mar (Companhia das Letras).

A marchinha surgiu logo depois, em 1934, mas somente fez sucesso no carnaval do ano seguinte. A primeira parte da música é realmente sinfônica, plagiada de Mimi é una civetta, o terceiro ato da ópera La Bohème, de Puccini. André Filho era amigo de Noel Rosa, com quem divide a autoria do samba “Filosofia”, gravado por Mário Reis, em 1933. A amizade entre ambos, porém, gerou controvérsias sobre a autoria do hino carioca, que alguns atribuem ao poeta de Vila Isabel, como registrou Jacy Pacheco, em Noel Rosa e sua época: “Aqui nos lembramos de composições que ele deu e que vendeu. Que foram divulgadas com outros nomes… dentro da cidade maravilhosa, cheia de encantos mil…” Pode ser pura maldade.

André Filho morou na casa da mãe do músico Oscar Bolão entre o final dos anos 1950 até início dos 1960. Como sofria de problemas psiquiátricos, acabou internado no hospital da Ordem do Carmo. Ali, quando soube, tempos depois, por meio de um repórter do Diário da Noite, que “Cidade maravilhosa” tinha sido reconhecida como marcha oficial da cidade do Rio de Janeiro — por meio da Lei no5, de5 de maio de 1960—, segundo Bolão, enfiou a cabeça dentro do vaso sanitário e, dando descarga, gritava: “Tô rico, tô rico”. Multiinstrumentista (piano, violão, bandolim, violino, banjo, percussão), compositor, cantor e radialista, ficou órfão muito cedo, sendo, por isso, criado pela avó. Começou a estudar música erudita aos 8 anos, com Pascoale Gambardella, e formou-se em ciências e letras no Colégio Salesiano de Niterói, RJ, onde foi colega de Henrique Foréis Domingues, o radialista Almirante.

Sísifo
Cronista esportivo e historiador do samba, o velho Cabral dizia que Cidade Maravilhosa era uma síntese da alma do Rio de Janeiro: “Tudo vira marchinha de carnaval”. E não é que, ontem à tarde, já havia virado meme, nas redes sociais, uma marchinha sobre a prisão do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos). Intitulada “Bispo no xadrez”, a marchinha é muito cruel: “Crivella, Crivella/ Pode entrar / Já abençoamos a sua cela”, diz o refrão. E segue adiante: “É essa aqui que escolhemos pro senhor/ Fica ao lado da do governador/ Tem um palquinho pra fazer os seus sermões/ Os carcereiros são seus novos guardiões (…)”. É mais uma música de carnaval que vai para o acervo do Museu da Imagem e do Som (MIS), criado por Almirante. A verdadeira história dos cariocas é contada pelo samba e pelas marchinhas de carnaval. Está registrada no acervo do MIS, com cerca de 305 mil documentos, entre discos, partituras, fotos, cartas, textos e vídeos.

Voltando ao prefeito Crivella, havia sérias dúvidas sobre a necessidade de sua prisão, a 10 dias de passar o cargo para o prefeito eleito, Eduardo Paes (DEM). Era preciso comprovar que estava obstruindo a Justiça e tentando eliminar provas. Horas depois, o Superior Tribunal de Justiça acabou por revogar a detenção preventiva, mandando-o para a prisão domiciliar.

A prisão do prefeito carioca abre um novo ciclo de investigações criminais no Rio de Janeiro, envolvendo o partido Republicanos e a Igreja Universal do Reino de Deus. A prisão de Crivella deve ter deixado o presidente Jair Bolsonaro bastante cabreiro, devido às investigações que envolvem seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), muito próximos de Crivella, também no âmbito do Ministério Público e da Justiça fluminenses. A postagem bolada de Bolsonaro no Twitter, ontem à tarde, alusiva à Síndrome de Sísifo, tem tudo a ver com a cidade maravilhosa.

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Luiz Carlos Azedo: O espelho estilhaçado

É impressionante o paralelo do governo Bolsonaro com o governo Trump, a partir da crítica de Hannah Arendt à degradação política do governo de Nixon

Instigante artigo do ex-chanceler Celso Lafer, professor emérito da Faculdade do Largo do São Francisco (Direito-USP), publicado no último domingo, no O Estado de S. Paulo, faz um diagnóstico político preciso do governo de Donald Trump, que merece muita reflexão entre nós, pelo paralelo que podemos projetar, a partir do texto, para o governo do presidente Jair Bolsonaro.

O “mote” do artigo é uma carta enviada, em 1975, pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, à filósofa judia-alemã Hannah Arendt, autora de Origens do Totalitarismo (Companhia de Bolso) e a A Condição Humana (Forense Universitária), na qual solicita à escritora que lhe envie o texto de uma palestra que fizera nas comemorações do bicentenário da independência dos Estados Unidos. Intitulada Tiro pela culatra, na tradução para o português, seu texto fui publicado no Brasil, na coletânea Responsabilidade e Julgamento (Companhia das Letras), organizada por Jerome Kohn.

Lafer destaca a iniciativa de Biden, quando integrante da Comissão de Relações Exteriores do Senado, como uma espécie de preocupação germinal do que pode vir a ser a linha de atuação do novo presidente dos Estados Unidos, de resto já anunciada na campanha eleitoral. O texto de Arendt trata da crise do governo Nixon e da degenerescência da política norte-americana nos anos 1970, cujos elementos se reproduzem durante o governo Trump, na visão de Lafer:

(1) a mentira por princípio, para manipular o Congresso e o povo americanos e, nesse caminho, pôr em questão a credibilidade dos EUA perante outros Estados;

(2) o empenho em abolir qualquer lei, constitucional ou não, que se interpusesse aos objetivos da presidência;

(3) o inserir da criminalidade nos processos políticos do país;

(4) o valer-se do “privilégio do Executivo” para proteger os colaboradores atraídos pela aura do poder;

(5) o não aceitar a derrota, qualquer derrota, da maior potência sobre a Terra, cujo poder estava em declínio;

(6) o equívoco de respaldar uma economia de desperdício, sem atentar para “as ameaças ao nosso ambiente” (Arendt);

(7) o cobrir com um tecido de mentiras os problemas do desemprego e da automação.

Espelho quebrado
A dimensão histórica da vitória de Biden vem sendo destacada não somente por Lafer como por outros analistas da cena brasileira. Sua repercussão na política mundial já se faz sentir, em todos os aspectos, inclusive em relação à pandemia da covid-19. Como ignorar, por exemplo, o gesto de ontem, quando o novo presidente dos Estados Unidos foi a um posto de saúde de sua cidade para tomar a vacina da Pfizer-Biontech? Quanta diferença em relação ao nosso presidente da República, que já disse e repetiu que não vai tomar e vacina e põe em dúvida a eficácia e segurança de qualquer uma delas. A troca de comando e rumo nos Estados Unidos, porém, transcende esse plano imediato das políticas públicas: a prática dos costumes democráticos repercute no fortalecimento das instituições republicanas e servem de exemplo para o mundo.

“A campanha eleitoral americana deste ano teve entre suas características uma batalha pela ‘alma’ dos Estados Unidos”, destaca Lafer. Nessa batalha, Biden personificou os valores e as instituições americanas, suas práticas e seus costumes. “Foi uma contraposição aos modos de proceder da presidência Donald Trump, que trouxe com o personalismo do seu bullying a erosão generalizada do softpower de atração dos Estados Unidos.”

E, aqui, no Brasil? É impressionante como Donald Trump serviu de espelho para o presidente Jair Bolsonaro, nas mais diversas áreas. Na política externa brasileira, por exemplo, toda a respeitabilidade de nossa diplomacia está sendo jogada pela janela, apesar de sua cultura secular, cujas raízes são as negociações com os países vizinhos, nas quais garantimos a consolidação de nossas fronteiras, sem derramamento de sangue. Ou na questão ambiental, na qual nosso protagonismo, da Rio-92 ao Acordo de Paris, deu lugar à vexatória condição de “pária” internacional, nas palavras do chanceler Ernesto Araújo.

As mentiras (1); as afrontas legais aos demais poderes (2); a promiscuidade com as milícias e outras atividades transgressoras (3); a proteção aos apaniguados (4); o não-reconhecimento dos fracassos (5); os incentivos à grilagem de terras, ao garimpo ilegal e ao desmatamento (6); e a terceirização dos problemas nacionais (7) tecem impressionante paralelo do governo Bolsonaro com o governo Trump (derrotado na reeleição), a partir da crítica de Hannah Arendt à degradação política do governo de Nixon (afastado por impeachment). Com a vitória de Joe Biden, esse espelho se quebrou.

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Luiz Carlos Azedo: O atraso na vanguarda

Estamos diante de uma nova ofensiva do presidente Bolsonaro para aumentar seu poder, desta vez voltada para controlar o Congresso e impor sua agenda política, social e ambiental regressiva

Uma das variáveis fortes das eleições municipais passadas – com exceção da disputa de Macapá, cujo segundo turno será domingo próximo, mas que ainda pode confirmar a regra — foi a atuação de forças centrífugas que fragilizaram a participação do presidente Jair Bolsonaro no pleito. O grande número de candidatos, o fim das coligações e as dimensões continentais do país atuaram nessa direção. O presidente Jair Bolsonaro subestimou esses aspectos e misturou o impacto do auxilio emergencial nas famílias de mais baixa renda e o peso específico da União como se fossem uma mesma coisa que o seu carisma pessoal, o que o levou a apostar suas fichas abertamente em Celso Russomano (Republicanos), em São Paulo, e no prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio, julgando-se o grande eleitor do país. O primeiro sequer foi ao segundo turno; o segundo, perdeu a reeleição. Essas derrotas, como as da maioria das demais cidades onde interferiu no pleito, caíram no seu colo.

Entretanto, é um erro avaliar que as eleições municipais transformaram Bolsonaro num pato manco. Seria uma transposição mecânica do resultado eleitoral para o pleito de 2002. Pode ser até que isso ocorra, mas por outros motivos, que não são propriamente as eleições municipais: a desastrada atuação do Ministério da Saúde na pandemia do novo coronavírus, mitigada graças ao abono emergencial, mas cuja conta já está chegando; a falta de empatia em relação às vítimas da pandemia, que está provocando ojeriza em todo o pessoal da saúde e em parcelas da população que o haviam apoiado em 2018. Em plena segunda onda, vamos entrar o ano sem abono emergencial nem vacinação em massa, com déficit fiscal astronômico, inflação em alta e a economia ainda sem rumo.

Contraditoriamente, porém, o mesmo fator que levou à fragmentação da base eleitoral de Bolsonaro nas eleições municipais, agora, atua a seu favor, ao desagregar as forças de oposição, que continuam dispersas, em razão do mesmo pragmatismo que impera na política local. Além disso, abre-se novo ciclo de centralização política, cujo eixo é a força da União junto aos estados e municípios. Essa é uma tradição da política brasileira marcada por ciclos longos, como já foi demonstrado por Alberto Torres, no começo do século; Oliveira Viana, no Estado Novo; e general Golbery do Couto e Silva, em célebre palestra na Escola Superior de Guerra, em 1980, intitulada Sístoles e Diástolesl. A metáfora da contração e dilatação do coração serviu de base para a estratégia adotada por Geisel para que os militares se retirassem da política em ordem e tutelassem a transição à democracia. A Revolução de 1930, com a posterior implantação do Estado Novo (1937), e o golpe militar de 1964, com a fascistizaçao do regime militar a partir do Ato Institucional no. 5, em 1968 (que hoje completa 52 anos), foram grandes sístoles do período republicano.

Coincidentemente, esses dois ciclos foram encerrados em momentos de grandes mudanças na política mundial: a derrota do nazi-fascismo na II Guerra Mundial (1945) e o fim da guerra-fria, com a derrubada do Muro de Berlim, em 1989. Acontece que o federalismo brasileiro, consagrados nas Constituições de 1891, 1946 e 1988, sempre esteve sobre pressão da União. O mestre José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma no Brasil, 1965), grande estudioso das raízes do pensamento reacionário e das elites conservadoras sempre destacou que a tensa relação entre a União com estados e municípios como vetor um permanente da política brasileira. Em plena vigência do regime democrático, promoveu, desde eleição de Tancredo Neves, para o mal (Plano. Cruzado) e para bem (Plano Real), sucessivas ondas de centralização política e financeira.

Tutela militar
O fim da tutela militar, a partir da Constituição de 1988, que consagrou um Estado democrático ampliado, mais permeável às pressões da sociedade, e as eleições diretas para a Presidência, com alternância de poder, encerraram os ciclos longos, mas as forças de sístole permanecem existindo, sendo que a eleição de Jair Bolsonaro trouxe de volta ao poder, pelo voto, um grupo de militares saudosos do regime militar, que mantem a ambição de tutelar o Estado brasileiro — por favor, não generalizem. A primeira tentativa de tutela se traduziu na ofensiva de Bolsonaro e de setores de ultra-direita contra o Supremo Tribunal Federal (STF), mas esbarrou na reação da própria Corte e do Congresso, apoiados pelas forças políticas mais responsáveis, pela sociedade civil organizada e pelos grandes meios de comunicação de massa. O golpismo que rondava os quartéis não contaminou as Forças Armadas.

Agora, estamos diante de uma nova ofensiva de Bolsonaro para aumentar seu poder, desta vez voltada para controlar o Congresso, com objetivo de impor a sua agenda política, social e ambiental regressiva, o que surpreendeu aqueles que tratavam Bolsonaro como um pato manca. Nunca é demais lembrar que o governo é sempre a forma mais concentrada de poder, mesmo quando é um mau governo; quando nada, porque porque arrecada, normatiza e coage. Mas o que está fazendo a diferença não é a truculência verbal de Bolsonaro, é a velha política de conciliação, que Bolsonaro opera com sinal trocado: desta vez, a vanguarda é o baixo clero do Congresso, que conhece na palma da mão, porque dele fez parte.

Ao atrair para o campo do governo os setores oligárquicos mais fisiológicos e patrimonialistas da política brasileira, principalmente do Norte e Nordeste, Bolsonaro anabolizou o atraso na Câmara, a partir da candidatura de seu principal aliado, o deputado Arthur Lira (PP-AL), que articula um arrastão parlamentar, com farta distribuição cargos e distribuição de verba. No Senado, já estava tudo dominado. Engana-se, porém, quem imagina que mira apenas a reeleição. Seu projeto é inaugurar um ciclo longo de centralização do poder e resgate da tutela militar sobre a democracia brasileira, a partir do controle do Congresso. Para isso, porém, é preciso também subjugar as instituições de Estado, principalmente as que têm o monopólio da força, o Judiciário e os órgãos de comunicação de massa, além de intimidar agentes econômicos e a sociedade civil. Entretanto, ainda não existe correlação de forças favorável, interna e externa.

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Bruno Boghossian: Ministros já consideram 'inevitável' tentativa de Bolsonaro de contestar eleição se perder em 2022

Autoridades trabalham para desmontar teorias e veem orquestração para desacreditar processo de votação

Autoridades responsáveis pelo planejamento das próximas eleições já consideram inevitável uma investida do grupo político de Jair Bolsonaro contra o processo de votação em 2022. Ministros de tribunais superiores começaram a trabalhar para conter a tentativa crescente de desacreditar esse sistema.

A contestação sem provas da estrutura de votação no primeiro turno das eleições municipais foi o sinal de que a orquestração começou. Ainda no domingo (15), informações falsas sobre a segurança das urnas nasceram no submundo das redes e foram abraçadas por políticos da base radical do presidente.

A semana terminou com um dos ataques mais intensos e infundados do próprio Bolsonaro contra as eleições. "Fui roubado demais", disse o presidente a apoiadores, na sexta (20), sobre a disputa que ele mesmo venceu em 2018. "Ninguém acredita nesse voto eletrônico", declarou.

Bolsonaro trabalha numa enganação preventiva. Sem nenhum elemento além de textos conspiratórios e imagens falsas, os aliados do presidente preparam terreno para contestar uma eventual derrota em sua corrida pela reeleição.

O roteiro ficou claro para os ministros que vão organizar a disputa de 2022. Não é coincidência que o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, tenha citado a participação de "milícias digitais" com "motivação política" nos ataques feitos ao tribunal na semana passada.

A ação desse ano abriu uma brecha para a busca de um antídoto contra potenciais tentativas de subverter o resultado da próxima eleição. Investigadores vão buscar vínculos entre personagens da órbita de Bolsonaro e a construção de um mecanismo para difundir o discurso falso de fraude eleitoral.

Ministros acreditam que essa é a única maneira de travar o processo artificial de erosão da confiança na votação. Sem isso, eles dizem que os ataques sem provas vão continuar. Se Bolsonaro for derrotado, a ação de radicais bolsonaristas pode terminar nos tribunais.


O Estado de S. Paulo: Pessimistas sobre luta jurídica, aliados de Trump já falam em volta em 2024

Assessores admitem privadamente que batalha judicial é uma miragem e oficialização da vitória de Biden é uma questão de tempo; para arrecadar fundos, presidente criou comitê que deve ser usado para manter o Partido Republicano em suas mãos 

WASHINGTON - Enquanto o presidente eleito dos EUAJoe Biden, recebe ligações de líderes mundiais e monta seu gabinete, Donald Trump segue encastelado na Casa Branca. Após seis dias sem ser visto publicamente, ele foi ontem a um evento no Cemitério de Arlington, no Dia do Veterano, mas não falou com a imprensa. Privadamente, seus aliados mais próximos admitem que a batalha legal é uma miragem e muitos já falam em lançá-lo como candidato em 2024

Trump desafia sua derrota na Justiça em seis Estados – até agora, nenhuma ação relevante foi adiante. O fracasso levou seus principais aliados, entre eles Ronna McDaniel, presidente do Partido Republicano, Corey Lewandowski, ex-chefe de campanha, e Mark Meadows, seu chefe de gabinete, a reconhecerem, em conversas privadas, que a oficialização da vitória de Biden é menos uma questão de “se” do que de “quando”.  

Por isso, alguns republicanos importantes já apoiam a ideia de uma nova candidatura em 2024, apesar de insistirem publicamente que a eleição “não acabou”. A 22.ª Emenda da Constituição diz que um presidente só pode ser eleito duas vezes. Na história recente, dois perderam a reeleição, mas não se candidataram de novo: Jimmy Carter, em 1980, George Bush pai, em 1992. 

Após Joe Biden ser declarado vencedor das eleições, Trump criou um comitê de ação política, uma espécie de fundação autorizada a arrecadar fundos que podem ser gastos em viagens, pesquisas e propaganda política. O objetivo é garantir sua influência e manter o Partido Republicano em rédeas curtas, mesmo fora da Casa Branca. 

“O presidente sempre planejou fazer isso, ganhando ou perdendo”, afirmou Tim Murtaugh, porta-voz de sua campanha. “A ideia é apoiar candidatos e questões que lhe interessam, como o combate à fraude eleitoral.”

Muitos aliados já sugerem abertamente que Trump concorra novamente. “Eu o encorajaria seriamente a pensar no assunto”, disse o senador Lindsey Graham à Fox News Radio. Mick Mulvaney, ex-chefe de gabinete da Casa Branca, disse não “ter dúvidas” de que ele será candidato em 2024. “Acho que o presidente continuará envolvido na política e estará na lista de candidatos que concorrerão em 2024”, disse. Segundo o site de notícias Axios, dois assessores teriam ouvido do próprio Trump a intenção de se candidatar outra vez. 

O desafio, no entanto, é grande. Paul Waldman, colunista do Washington Post, acredita que Trump deixará sempre subentendida a chance de se candidatar para não perder a atenção da mídia e da base de eleitores. No entanto, ele precisará vencer vários obstáculos. 

O primeiro é a Justiça. O presidente enfrenta investigações criminais em Nova York por fraude e sonegação. O segundo são as dívidas. Ele tem centenas de milhões de dólares em empréstimos que vencem no ano que vem – e suas empresas devem precisar de dinheiro. Por fim, haverá concorrentes dentro do partido, esperando para herdar o espólio de Trump, que terá 78 anos em 2024. / W.Post 


Luiz Carlos Azedo: O golpismo disfarçado

Nossa Constituição é fruto de um amplo processo de mobilização da sociedade e de um pacto de transição à democracia como os militares, derrotados com a eleição de Tancredo Neves

O Chile decidiu em plebiscito convocar uma Constituinte formada por homens e mulheres, meio a meio, e sem a participação dos atuais mandatários, somente cidadãos. Foi o desfecho de um processo de insatisfação popular com o “Estado mínimo” chileno, uma herança do ditador Augusto Pinochet, consagrada na Constituição de 1980. Muita coisa mudou desde então, com sucessivas reformas constitucionais, mas o estigma de uma Carta pinochetista, ou seja, de inspiração fascista, havia permanecido, assim como o caráter privatista de uma legislação que não contemplava os direitos sociais. A convocação da Constituinte chilena, portanto, era uma questão de tempo e representará o fim de um ciclo político de 40 anos de transição do autoritarismo para a democracia plena.

É uma situação completamente diferente da nossa. Temos uma Constituição social-liberal, cujo preâmbulo diz que o nosso Estado democrático é “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”. Nossa Constituição é fruto, simultaneamente, de um amplo processo de mobilização da sociedade e de um pacto de transição à democracia como os militares, que haviam sido derrotados com a eleição de Tancredo Neves, no colégio eleitoral, em 1985, mas se retiraram do poder em ordem.

Entretanto, o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), ontem, no embalo das notícias sobre o Chile, propôs um plebiscito para elaborar uma nova Constituição para o nosso país. Não é uma tese nova. A ex-presidente Dilma Rousseff, após as manifestações de junho de 2013, por exemplo, namorou essa ideia, que foi prontamente rechaçada pelos políticos e pelos juristas. Agora, a proposta vem do outro lado do espectro político, com propósitos igualmente suspeitos, porque sabemos que o presidente Jair Bolsonaro gostaria de uma Constituição que lhe desse mais poderes em relação ao Judiciário e ao próprio Legislativo.

Muitos criticam a Constituição de 1988 porque é social-liberal. O pomo da discórdia é o seu artigo 3º, segundo o qual “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (I) construir uma sociedade livre, justa e solidária; (II) garantir o desenvolvimento nacional; (III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (IV) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. A existência desses dispositivos, principalmente quanto à economia e aos direitos sociais — ou seja, exatamente aquilo que os chilenos, ao aprovar a convocação da sua Constituinte, pleiteiam —, sempre incomodou os setores mais conservadores da nossa sociedade.

Mais poderes
No nosso caso, muitos podem achar que papel aceita tudo e que as coisas não funcionam por causa da Constituição de 1988. Não é verdade. Como diz o ex-deputado Miro Teixeira, um dos constituintes, nosso problema é cumpri-la. O que vem acontecendo ao longo dos anos é que o Supremo Tribunal Federal (STF), cuja missão é zelar pelo respeito à Constituição, vem sistematicamente tomando decisões que obrigam ao cumprimento de diversos dispositivos desse artigo, sobretudo em relação às liberdades e à igualdade de direitos. Uma parte das críticas à “judicialização da política” e às decisões do Supremo resulta do exercício desse papel, como “poder moderador”, ainda mais quando atua para garantir direitos relativos a mudanças nos costumes ou para conter abusos dos governantes.

Pode ser que Ricardo Barros tenha anunciado a proposta para agradar ao chefe, mas é ilusão imaginar que o líder do governo é um bobo da corte. Parlamentar experiente, que há muitos anos lidera setores conservadores do Congresso, viu no plebiscito chileno uma oportunidade. Muitos gostariam de mudar a Constituição por maioria simples, como acontece nas constituintes. Hoje, essas mudanças só podem ser feitas por três quintos dos membros da Câmara e do Senado, em duas votações, sendo que são cláusulas pétreas, ou seja, que não podem ser alteradas: (I) A forma federativa de estado; (II) O voto secreto, direto e universal; (III) A separação dos poderes; (IV) os direitos e garantias individuais.

Agora mesmo, a propósito da polêmica sobre a obrigatoriedade da vacina contra o novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro investiu contra o Judiciário, com o argumento de que a Justiça não pode decidir sobre esse assunto, embora esteja diretamente relacionado à teoria do dano direto e imediato, consagrada no nosso Código de Processo Civil. Bolsonaro, por diversas vezes, investiu contra o Supremo por acreditar que o fato de ter sido eleito presidente da República lhe dá poderes maiores do que aquele que a Constituição lhe atribuiu. Mudar a Constituição, inclusive para alterar a composição da Suprema Corte e amordaçar a imprensa, reprimir a oposição e se reeleger sucessivas vezes foi o estratagema de muitos mandatários eleitos que governam seus países autoritariamente.

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Luiz Carlos Azedo: A teoria do dano e a vacina

Bolsonaro não leva em conta que uma pessoa infectada, por se recusar a tomar a vacina, pode contaminar as outras, com consequências trágicas e irreparáveis

A ideia de que um presidente eleito por maioria pode tudo é profundamente autoritária e colide com os fundamentos do liberalismo moderno, apesar de agora ter virado moda em algumas democracias do Ocidente, inclusive a nossa. O filósofo e economista John Stuart Mill, um liberal utilitarista britânico que se inspirou nas ideias dos iluministas franceses, em meados do século XIX já classificava essa visão como uma “tirania da maioria”, expressão que causa certo espanto, porque muitos acham que maioria e democracia são exatamente a mesma coisa. Não são.

Sobre a Liberdade (Saraiva), um clássico da ciência política, é um libelo de Mill em defesa da liberdade de expressão e da autonomia dos cidadãos. Nascido em Londres, em 1806, destacou-se também pela defesa do civismo público e dos direitos das mulheres. Era um liberal progressista. Acabou preso por defender o direito ao aborto, a reforma agrária e a democratização da propriedade por meio de cooperativas, ideias social-liberais. Tentou definir um modelo para regular as ações entre os cidadãos, a sociedade e o Estado, que deveria ser capaz de preservar a autonomia individual e, ao mesmo tempo, evitar a “tirania da maioria”, a partir de um conceito simples: tudo é permitido ao indivíduo, desde que as suas ações não causem danos a terceiros.

Mill defendia a legitimidade da mobilização da opinião pública para convencer as pessoas a não tomarem certas atitudes, mas condenava a repressão direta a ações individuais que afetam apenas a própria vida. É possível desenhar a sua “teoria do dano”: todas as pessoas podem desenvolver de maneira autônoma o seu projeto de vida; a sociedade deve proteger a liberdade de indivíduos se desenvolverem de modo autônomo e, em troca, os seus membros não devem interferir nos direitos legais alheios; os danos eventualmente causados por um indivíduo a outras pessoas têm como consequência uma punição proporcional. Mill morreu em 1873, mas suas ideias sobre a liberdade individual continuam atuais.

Rebanho

No Brasil, a “teoria do dano” foi introduzida na nossa jurisprudência no Código Civil de 1916, que estabeleceu um nexo causal entre o dano e o fato que o produziu, e foi consagrada no artigo 403 do Código Civil de 2002. Segundo a teoria do dano direto e imediato, o Estado pode ser processado pelos prejuízos causados aos cidadãos. Por ironia, em tempos de pandemia e de “imunização de rebanho”, ou seja, da necessidade de vacinação em massa para combater o novo coronavírus, um caso analisado pelo jurista Robert Joseph Pothier, um dos autores do Código Civil francês de 1808, é estudado ainda hoje nas escolas de direito: a aquisição de uma vaca pestilenta, que contamina os bois do comprador, impedindo-o de cultivar suas terras. Ciente do vício oculto, o vendedor responde pelo perecimento da vaca como também pela morte do restante do rebanho do comprador.

No caso da vacina contra o coronavírus, que na sua opinião não deve ser obrigatória, o presidente Jair Bolsonaro não leva em conta o dano que pode ser causado voluntariamente por uma pessoa infectada, ao contaminar as outras, por se recusar a tomar a vacina. O governo também pode ser responsabilizado por não utilizar uma vacina disponível. Apesar disso, cancelou o acordo feito entre o Ministério da Saúde e o Instituto Butantã, do governo de São Paulo, para a compra de 46 milhões de doses da vacina da Sinovac, que serão produzidas por aquela consagrada instituição científica, em parceria com o laboratório chinês, com previsão para estar pronta para imunização já em dezembro.

Anulou o protocolo assinado pelo ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, com todos os governadores, para aquisição e aplicação da vacina, com o argumento absurdo de que o “povo brasileiro não será cobaia” da “vacina chinesa do João Doria”, o governador tucano de São Paulo. Alguém precisa avisar ao presidente que isso pode gerar uma enxurrada de pedidos de indenização por “dano direto e imediato” e caracterizar um “crime de responsabilidade”.

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