Justiça

Fernando Santa Cruz | Foto: CEPE / Divulgação

Nas Entrelinhas: Recordações da distensão — o estudante desaparecido

Faculdade de Direito de Niterói concedeu o título de bacharel a Fernando Santa Cruz. E propôs ao Conselho Universitário que lhe agracie com o título de Doutor Honoris Causa

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Eleito deputado federal pelo antigo estado da Guanabara, em 1970 e 1974, o jurista e político carioca Célio Borja passou a representar o novo estado do Rio de Janeiro a partir de 15 de março de 1975, após a fusão dos dois, por força de lei sancionada no governo Ernesto Geisel, cujo objetivo era reequilibrar a balança geopolítica do país com São Paulo. No projeto nacional-desenvolvimentista do então presidente Geisel, o Rio de Janeiro seria a capital do setor produtivo estatal, pois abrigava a sede das mais importantes empresas públicas do país — entre as quais a Petrobras, a então Vale do Rio Doce, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Embratel, o BNDE (não tinha o S) e o BNH (antigo Banco Nacional de Habitação).

Enquanto o ministro do Planejamento da época, João Paulo dos Reis Veloso, articulava o tripé do ambicioso II Plano Nacional Desenvolvimento de Geisel — setor estatal, empresários brasileiros e multinacionais —, caberia a Borja liderar a bancada da Arena na Câmara Federal e dar continuidade ao projeto de “distensão lenta, gradual e segura” — que havia sido abalado pela espetacular vitória do MDB, o partido de oposição, nas eleições de 1974.

Mas ou menos nessa época, Borja foi convidado para uma palestra na centenária Faculdade de Direito de Niterói (UFF), que ainda hoje funciona no velho prédio em estilo neoclássico da Avenida Presidente Pedreira, no Ingá, bairro nobre de Niterói. O novo líder da Arena havia sido encarregado por Geisel do operar a “Missão Portela” na Câmara — assim batizada por causa do senador Petrônio Portela (PI), presidente da Arena à época. Borja seria ministro da Justiça de Geisel, mas foi vetado pelos militares “linha dura”. Por muito pouco também não foi impedido de assumir a Presidência da Câmara.

Borja era um político liberal, defendia a abertura política com sinceridade. Mal começou a sua palestra, foi interrompido por um grupo de estudantes que protestava contra o sequestro e desaparecimento de um dos alunos da Faculdade de Direito, Fernando Santa Cruz. Sua mulher, Ana Lúcia Santa Cruz — mãe daquele que mais tarde seria presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, que tinha pouco mais de dois anos —, aos prantos gritava: “Vocês sequestraram meu marido. Cadê o pai do meu filho?”

Não foi somente a palestra de Borja que acabou ali. Na verdade, o processo de abertura estava sendo interrompido, em razão da derrota eleitoral de 1974, por violenta repressão à oposição de esquerda ao regime. A pá de cal seria o Pacote de Abril, de 1977, do então ministro da Justiça Armando Falcão. O corpo de Fernando Santa Cruz nunca foi devolvido à família, mas o tempo se encarregou de esclarecer as circunstâncias de seu assassinato.

Em 23 de julho de 2014, a Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara, de Pernambuco, recebeu documentos inéditos da Operação Cacau, de 1973, realizada pelo IV Exército, com órgãos e agentes da repressão na Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Todo o material estava guardado no Arquivo Nacional.

Honoris causa

Juliana Dal Piva, repórter do jornal O Dia, do Rio de Janeiro, ao investigar o destino dos mortos e desaparecidos da Casa da Morte, de Petrópolis, para um mestrado no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getulio Vargas, havia encontrado os documentos sobre a operação para desmontar a Ação Popular Marxista-Leninista (APML), da qual Fernando Santa Cruz fazia parte.

O relatório confirma que Eduardo Collier Filho, Fernando Santa Cruz, Gildo Lacerda, José Carlos da Mata Machado, Paulo Wright e Umberto Câmara Neto, dirigentes da organização, que não havia aderido à luta armada contra o regime, foram mortos pelos militares. Em fitas gravadas em 1983, Gilberto Prata, cunhado de José Carlos, relata detalhes de sua colaboração remunerada com o Centro de Informação do Exército (CIE).

O caso de Fernando Santa Cruz foi motivo de uma polêmica entre seu filho Felipe e o ex-presidente Jair Bolsonaro, que negava a existência dos documentos. São mais de 300. Um deles, da Aeronáutica, datado de 22 de setembro de 1978, confirma que Fernando foi preso em 22 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro. Ele já integrava uma lista com mais 48 desaparecidos do Comitê Brasileiro de Anistia. No Arquivo do DOPS/SP, na sua ficha consta: “Nascido em 1948, casado, funcionário público, estudante de Direito, preso no RJ em 23/02/74”. Em outro, o antigo Ministério da Marinha informa que “foi preso no RJ em 23/02/74, sendo dado como desaparecido a partir de então”.

Cinco dias antes da fala de Bolsonaro sobre Fernando, em 24 de julho de 2019, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada ao seu governo, havia emitido uma retificação de atestado de óbito do pai de Felipe Santa Cruz, reconhecendo o desaparecimento “em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro”. No atestado de óbito, também consta que Fernando morreu provavelmente em 23 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro.

Ontem, por proposta do seu decano e ex-diretor Manoel Martins Junior, o Colegiado da Faculdade de Direito de Niterói concedeu o título póstumo de bacharel em direito a Fernando Santa Cruz. E propôs ao Conselho Universitário a concessão do título de Doutor Honoris Causa, também post mortem, ao jovem desaparecido, que será homenageado com uma placa no prédio onde estudava e que testemunhou a denúncia de seu sequestro. Detalhe: sua ficha havia desaparecido dos arquivos da faculdade.


Garimpo Tatuzão, na região do rio Uraricoera na TI Yanomami - Bruno Kelly/Amazonia Real

Garimpeiros matam três jovens indígenas Yanomami, denunciam lideranças

Brasil de Fato*

Lideranças Yanomami relataram o assassinato de três jovens indígenas na região de Homoxi, Terra Indígena Yanomami (RR). Os autores dos crimes seriam garimpeiros que atuam ilegalmente na área.

A denúncia foi repassada ao presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye'Kuana (Codisi-YY), Júnior Hekurari, e divulgada por ele neste domingo (5). As circunstâncias do crime não foram esclarecidas. Cogita-se que os homicídios tenham sido obra dos garimpeiros em fuga. Os cerca de 20 mil garimpeiros ilegais que estavam na região vêm fugindo da Terra Indígena após o governo federal anunciar um plano para a proteção da reserva. 

“O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Funai já solicitaram ações imediatas do Ministério da Justiça para uma ação de retirada dos corpos, para que a família possa ao menos realizar o ritual cultural de morte”, informou em nota o MPI. 

A Terra Indígena Yanomami vive uma crise humanitária provocada pela mineração clandestina e pela omissão dos órgãos responsáveis pela proteção dos povos originários. 

Fuga de garimpeiros

Duas semanas após o governo Lula (PT) declarar emergência em saúde na Terra Indígena Yanomami, as medidas de combate ao garimpo ilegal começaram a fazer efeito. Os primeiros registros de garimpeiros fugindo da área protegida foram identificados por lideranças indígenas e pelos governos federal e de Roraima.

Na Terra Indígena Yanomami, a escalada da violência contra indígenas é uma das consequências da invasão garimpeira, que se acentuou desde 2017 e cresceu quase sem controle durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL), notório apoiador do garimpo em terras indígenas. 

Criança morre com desnutrição severa 

No domingo (6), uma criança de um ano e cinco meses morreu com desnutrição severa e desidratação na região Haxiu, uma das áreas mais afetadas pelo garimpo ilegal, perto da fronteira com a Venezuela. 

A criança seria levada para tratamento em Boa Vista (RR), mas as chuvas intensas impediram que o helicóptero levantasse voo. Segundo Junior Hekurari, o transporte já havia sido autorizado pelo Exército. "Foi uma fatalidade", lamentou a liderança. 

Outro resultado da mineração ilegal é o crescimento da fome, desnutrição, malária, pneumonia e contaminação por mercúrio. O Ministério Público Federal de Roraima (MPF-RR) estima que 20 mil garimpeiros atuam no território onde vivem 30 mil indígenas Yanomami e Yek'uana.   

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


"Sem anistia": Atos golpistas devem ser contidos com punição severa, declara jurista

Brasil de Fato*

“Estamos diante de uma crônica de terrorismo anunciando, tornado público nas redes sociais e vangloriado por aqueles que diziam que iam invadir os poderes”. A afirmação é do advogado, ex-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, ao comentar os atos classificados como terroristas, que ocorreram em Brasília no decorrer da tarde do domingo (8).

Membro honorário vitalício da OAB, Britto considerou que a intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal, anunciada pelo presidente Lula, foi necessária. “Se você anuncia que vai praticar um ato de terror e a Segurança Pública não coíbe, ela se torna cúmplice, então a intervenção é necessária, é um ato de sobrevivência da democracia. Se o terrorismo anunciado não é combatido, se torna terrorismo instaurado e o Estado deve promover a segurança”.

Cezar Britto nomeou categoricamente os atos como terroristas. “Não foi um ato tentado, é crime de terror realizado, por isso se justifica a intervenção e a promessa de punição imediata”.

O jurista destacou ainda que a punição deve ser direcionada a quem financia, executa e a quem faz apologia ao crime e que é necessária uma punição severa e sem anistia. “Há muito tempo que os bolsonaristas e fascistas têm pedido a intervenção militar, tem pedido o golpe militar. O ato deste domingo é a concretização de uma promessa. Tem que evitar que esses atos se repitam, é necessária uma punição severa, sem anistia”, observou.

“Ninguém ficará impune”

Em pronunciamento realizado na noite de domingo (8), o presidente Lula nomeou Ricardo Cappelli, como o interventor da Segurança Pública no Distrito Federal, até o dia 31 de janeiro. “Ninguém ficará impune. O Estado Democrático de Direito não será emparedado por criminosos”, destacou o interventor em rede social.

Prisões

Na noite deste domingo (8), a Polícia Civil do Distrito Federal informou que 260 pessoas foram presas. “Os procedimentos policiais estão sendo finalizados pelas unidades do Departamento de Polícia Especializada (DPE) da PCDF. Todos são suspeitos de participar dos atos criminosos praticados contra as sedes dos Poderes da República”, informaram na rede social.

Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.


Segurança Pública de Lula mira arsenal pesado de CACs e pode cassar licenças de clubes de tiro

Alex Mirkhan*

O governo de transição planeja conter o fluxo de armas de fogo e munições de civis para grupos criminosos e milícias privadas. Coordenador da equipe de justiça e segurança pública, o senador eleito Flávio Dino (PSB-MA) tem falado em revogar decretos de Bolsonaro para iniciar um plano de desarmamento da população.

Nesta quarta-feira, dia 23, o político maranhense voltou a atacar os decretos e portarias editados pelo governo de Jair Bolsonaro, que que fizeram o número de armas nas mãos dos civis quase triplicar, segundo levantamento do Instituto Sou da Paz.

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“Existe uma decisão do presidente Lula de mudar a legislação que foi mutilada nesse período bolsonarista no sentido de voltarmos ao controle responsável sobre armas. O que temos em debate é como vai ser a regulamentação dos CACs [caçadores, atiradores e colecionadores] em relação aos arsenais que foram adquiridos nesse período em que reinou o vale-tudo. Daqui pra frente não há dúvidas de que as portarias, as normativas que foram editadas inclusive contrariando a lei serão revistas”, adiantou Dino em entrevista concedida à imprensa no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em Brasília.

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Apesar de ainda reunir propostas e estratégias, o governo Lula não deve promover mudanças drásticas de imediato para a maior parte das pessoas que já possuem armas. O foco será cortar excessos nas liberações dadas aos CACs, aumentar a fiscalização sobre clubes de tiro e recolher armas de grosso calibre.

Sob Bolsonaro, cada CAC pôde adquirir até 15 fuzis e 6 mil munições por ano, ampliando os arsenais de civis tanto em quantidade quanto em calibre.  Ao mesmo tempo, os clubes de tiro se proliferam pelo Brasil e mostraram sua influência política e financeira, sendo um dos principais financiadores de protestos pró-armas realizados nos últimos quatro anos. 

“A gente estima que tenha entrado ali, no mínimo, 1,2 milhão de armas só na mão de civis, dezenas de milhares de fuzis, muitos dos quais que já se sabe hoje estão sendo comprados por laranjas e desviados para o crime organizado, para milícias”, aponta Bruno Langeani, gerente de projetos do Sou da Paz.

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Ele também refuta ilações feitas por grupos armamentistas que têm difundido desinformação sobre a abrangência dos planos do governo Lula para o tema. Inclusive, um dos desafios previstos pelo próximo governo passa por campanhas de comunicação e conscientização, tentando evitar o pânico e a resistência às proposições. 

“Ninguém está defendendo a proibição da compra de arma, o fim do tiro esportivo, não tem nada a ver com isso. Agora, esses excessos absurdos que foram criados, permitindo um único CPF ter 60 armas, comprar 180 mil munições, são coisas incompatíveis com o estado de direito e com a garantia de promoção de segurança pública prevista na Constituição Federal”, afirma.

Mudanças exigirão nova postura das forças de segurança

Com o apoio da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, pretende-se verificar a frequência de integrantes de clubes de tiro, a comprovação de participação de atiradores esportivos em competições e outras medidas de controle sobre os arsenais já existentes.

Há a expectativa de que as ações sejam respaldadas por outras políticas de segurança pública, mais afirmativas do que pautadas pela repressão e o encarceramento em massa. É o que agrega Bella Gonçalves (PSOL-MG), eleita deputada estadual por Minas Gerais e membro da equipe de Cidades do governo de transição.

“Nós temos muitas armas nas mãos dos civis, talvez até mais do que nas mãos das forças policiais e isso é gravíssimo. Eu entendo que a gente vai ter que construir algumas medidas que foquem num modelo de segurança pública cidadã e consiga pensar em formas de estimular os civis a devolverem as armas, uma campanha de conscientização e a essa cultura de violência”, afirma a socióloga. 

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Porém, as metas traçadas pelo governo de transição esbarram nas atribuições dadas ao Exército e à sua própria competência para cumpri-las. Além de controlar as autorizações dadas aos CACs, o braço terrestre das Forças Armadas também é responsável pelo cadastramento de armas e artefatos. 

De acordo com Langeani, membros do Exército foram lenientes com as alterações de normativas feitas pelo governo federal e devem ser responsabilizados pelo crescimento de ocorrências envolvendo arsenais provenientes de CACs. Ele menciona como exemplos o aumento de ocorrências de fuzis dessa procedência sendo usados em roubos a banco e apreensões de armas de grosso calibre junto a integrantes de grupos criminosos com extensa ficha criminal pregressa. 

“A nossa avaliação é que o Exército teve uma atuação vergonhosa nesse campo. A gente faz o acompanhamento de controle de armas e munições há décadas e sempre teve críticas sobre a qualidade da fiscalização das Forças Armadas, com casos de conflitos de interesse claro por militares que foram trabalhar na indústria de armas. Mas o pior de tudo foi ver o Exército dizendo ‘amém’ a todas as vontades que o governo eleito quis fazer”, enfatiza.

Atribuições do Exército podem ser revistas no futuro

O ex-governador do Maranhão Flávio Dino é o nome mais cotado até o momento para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública e já se reuniu, no dia 17 de novembro, com o atual ministro Anderson Torres.  Além do tema das armas, sua equipe se debruça sobre outros cinco temas principais: Amazônia, homicídios, fronteiras, drogas e o papel das polícias, em especial da PRF (Polícia Rodoviária Federal). Um relatório deve ser divulgado até 12 de dezembro.

Dino também se reuniu nesta quarta-feira (23) com secretários de segurança pública estaduais, que foram convidados a participar da elaboração de planos de ação a partir de janeiro. Uma das preocupações já declaradas é com regiões que apresentaram uma explosão no número de clubes de tiro e armas regularizadas, que seriam incompatíveis com o número de caçadores, atiradores e colecionadores cadastrados.

“Um dos lugares onde mais cresceu o registro de armas e clubes de tiros foi a região Norte, que é a região que também teve a maior alta de homicídios nos últimos anos, na contramão do que tivemos no resto do Brasil. E quando a gente analisa o número de clubes de tiros por unidades da federação, vemos que há cidades muito pequenas com dois clubes de tiro, algo que de fato perguntar qual a intenção mesmo desse crescimento”, alerta o porta-voz do Sou da Paz.

Como meta de longo prazo, há também um anseio antigo de organizações da sociedade civil em reverter uma lógica que permaneceu imtacta após a redemocratização do Brasil após a ditadura militar (1964-85). 

“O que o tiro esportivo tem a ver com a missão constitucional do Exército brasileiro, que é prioritariamente de defesa nacional? O que a caça, que na verdade nem é permitida no Brasil, tem a ver com a missão do Exército? É uma série de perguntas que o Brasil vai precisar enfrentar e a gente espera que, cada vez mais, para que isso seja unificado, centralizado e debaixo de um controle civil”, finaliza Langeani.

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato


Inflação Brasil economia | Imagem: Andrii Yalanskyi/Shutterstock

Nas entrelinhas: PEC da Transição esconde disputa pelo controle do Orçamento

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin iniciou ontem as conversas sobre o Orçamento de 2023 com o relator geral do Orçamento, Marcelo Castro (MDB-PI), o nome mais cotado para assumir a relatoria da PEC da Transição, cujo objetivo seria abrir espaço para o cumprimento das promessas de campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão final sobre a relatoria cabe ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com quem Lula deve se encontrar para tratar do assunto hoje. A opção pela PEC é polêmica e envolve questões jurídicas que estão sendo analisadas também no Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

“Essa PEC não tem nenhum sentido, a não ser encobrir o rombo fiscal de 2022 e institucionalizar o Orçamento Secreto (RP9). Tudo pode ser resolvido por Medida Provisória (MP) no dia 2 de janeiro, sem necessidade de mexer-se na Constituição”, avalia o ex-presidente do Senado Eunício de Oliveira (MDB-CE), que está de volta ao Congresso como deputado federal eleito. Segundo Eunício, durante a campanha eleitoral, houve uma avalanche de recursos federais por meio de emendas do Orçamento, que desequilibrou a disputa em razão do abuso do poder econômico em favor dos que foram beneficiados pelas emendas. “Consegui me eleger sozinho, mas a disputa foi muito desigual, porque as emendas foram usadas para comprar apoios e até esvaziar campanhas alheias”, declarou.

As negociações para aprovação da PEC corroboram as reclamações de Eunício, porque envolvem parlamentares da base do governo e também setores da oposição que se beneficiaram da PEC. Marcelo Castro está sendo escolhido relator a dedo, porque é um dos poucos que conhecem a destinação dos recursos do chamado orçamento secreto e, em tese, poderia compatibilizar os interesses do Centrão com os do novo governo que está se formando. Entretanto, mesmo o PT está dividido em relação ao assunto. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), por exemplo, avalia que a PEC deve ser mais estudada e pode até se tornar matéria vencida, se a presidente do STF, ministra Rosa Weber, decidir pôr em votação a constitucionalidade do orçamento secreto.

“Orçamento secreto é inconstitucional, isso não existe; as emendas ao orçamento precisam ser transparentes. Além disso, juridicamente, o ajuste a ser feito no Orçamento de 2023 pode vir por medida provisória”, avalia Teixeira. Entretanto, há um problema político, que precisa ser levado em consideração: um confronto com o Centrão nessa matéria seria desastroso para o governo Lula já na largada do mandato. “Precisamos levar em consideração o Congresso, é possível negociar uma PEC que regulamente as emendas e atenda aos parlamentares, com o governo estabelecendo prioridades que seriam observadas nas emendas de bancada, por exemplo”, sugere o deputado Carlos Zarattini (PT-SP).

Suprema decisão

Quem terá de descascar o abacaxi é o vice-presidente Geraldo Alckmin, que coordena a equipe de transição e ontem nomeou os economistas que vão discutir o Orçamento: André Lara Resende, um dos idealizadores do Plano Real, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no governo Fernanda Henrique Cardoso; Persio Arida, outro dos pais do Plano Real, que presidiu o BNDES entre 1993 e 1994 e o Banco Central, em 1995; Guilherme Mello, professor de economia e coordenador do programa de pós graduação em desenvolvimento econômico da Unicamp, que foi assessor econômico da campanha de Lula; e Nelson Barbosa: ex-ministro do Planejamento e ex-ministro da Fazenda no governo Dilma Rousseff. A opinião da equipe econômica da transição é crucial para compatibilizar o que for aprovado com a política econômica do novo governo.

A opção pela PEC é defendida tanto pelo Centrão quanto por parlamentares ligados ao presidente Lula, mas há vozes críticas ao encaminhamento no próprio PT. “Estamos fazendo muitas concessões ao Centrão, não vejo necessidade de tratar desse assunto com tanta pressa, pois ele pode ser resolvido em janeiro”, questiona o ex-senador Lindhberg Farias, que também está voltando à Câmara como deputado federal eleito. Segundo ele, o economista José Roberto Afonso, com quem conversou, uma dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal, sugeriu que o governo utilize a legislação vigente para gastar um duodécimo do Orçamento em janeiro e remanejar o Orçamento por medida provisória. Apesar da polêmica, a expectativa é de que a PEC comece a tramitar no Senado, assinada pelo líder do PT na Casa, senador Paulo Rocha (PT-PA), além de outros parlamentares de diferentes partidos. A bancada de senadores do PT votou a favor do orçamento secreto e da PEC das bondades.

Dentre as ações sobre a RP9, a mais importante é a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 854, apresentada pelo PSol. Ao analisar o caso em novembro de 2021, a ministra Rosa Weber suspendeu o pagamento das emendas. Depois, flexibilizou a decisão, permitindo o pagamento, desde que houvesse mais transparência. A derrubada das emendas RP9 pelo Supremo era considerada um confronto como o Congresso e o Centrão, mas a derrota do presidente Jair Bolsonaro, que perdeu a eleição, abre espaço para uma decisão que pode facilitar a vida do presidente Lula, sem impedir a negociação de um acordo com Congresso, que contemple o Centrão.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/pec-da-transicao-esconde-disputa-pelo-controle-do-orcamento/

Bolsonaro e Lula reforçam pré-campanha. Fachin alerta para acusações | Foto: reprodução/GazetadoPovo

Nas entrelinhas: Estratégia de Lula tipo “bateu, levou” favorece Bolsonaro

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O comentário é de quem entende de marketing eleitoral, Luiz Gonzales, veterano de campanhas do PSDB: “Eu acho que a estratégia da campanha Bolsonaro de rolar na lama emparedou a campanha de Lula. Atacada com tantas barbaridades, a campanha de Lula ataca igual. Mas já está tudo na conta. Ninguém subiu. Mas Lula não projeta esperança e, com isso, não captura votos dos eleitores sem preferência partidária e sem rejeição brutal ao Bolsonaro”. O diagnóstico é compartilhado por aliados de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não petistas, apreensivos, principalmente, com a situação eleitoral de São Paulo, onde uma vantagem de 10% dos votos a favor do presidente Jair Bolsonaro pode leva-lo à reeleição.

Segundo esses aliados, Bolsonaro trouxe Lula para um confronto no pântano das fake news e das baixarias eleitorais como uma estratégia de quem não tem mais nada a perder nesse terreno. O problema é que os ataques de Lula não fazem grande efeito, a não ser em alguns casos em que a imagem de Bolsonaro no seu próprio campo poderia ser abalada, como a história das meninas venezuelanas, que Bolsonaro tratou como se fossem prostitutas e teve que ir até elas pedir desculpas, para minimizar o estrago que sofreu.

Bolsonaro desgasta Lula para virar o “menos pior” na guerra de rejeições. “Ao repetir o repertório de ladrão, corrupto, aliado de traficantes e do PCC; comunista, fechador de igrejas etc., Bolsonaro coloca um obstáculo à subida de Lula”, comenta Gonzales. “Tem mais 10 dias de televisão. Mas não pode ser só crítica. Tem que ter a confiança, a esperança”, sugere. Nove de cada 10 analistas concordam com a tese de que o petista entrou no jogo de Bolsonaro ao adotar a estratégia “bateu, levou” no debate eleitoral. E não ficou apenas nisso, a mesma coisa está acontecendo nos programas eleitorais e nas redes sociais. Segundo Gonzales, há muitos temas que poderiam ser explorados por Lula na campanha para atacar os pontos fracos de Bolsonaro, sem ter que rolar na lama.

Ninguém entende, por exemplo, por que razão Simone Tebet (MDB), que vem fazendo uma campanha intensa a favor do petista, não entra na agenda de Lula, principalmente em São Paulo, onde obteve 1,6 milhão de votos e a diferença de Bolsonaro para petista foi de 1,7 milhão de votos. A batalha de São Paulo começa a ser considerada perdida por aliados de Lula, em razão da deriva do PSDB, MDB e Cidadania (que apoia Lula), em direção a Tarcísio de Freitas (Republicanos), o candidato de Bolsonaro, que está em grande vantagem eleitoral em relação ao petista Fernando Haddad e atraiu toda a base do governador Rodrigo Garcia (PSDB). Uma diferença de 10% em São Paulo pode anular a vantagem de Lula no Nordeste e em Minas, porque é o maior colégio eleitoral do país, com 34,6 milhões de eleitores, 22,16% dos 156,4 milhões aptos a votar no país.

Estado-maior

A campanha está mostrando que Bolsonaro tem um “estado-maior” formado por políticos (Ciro Nogueira, Mario Frias, Flávio Bolsonaro), militares (Braga Neto e Luiz Ramos) e estrategistas de campanha (Fabio Wajngarten, Duda Lima e Carlos Bolsonaro) capaz de administrar seus erros de campanha, manter a iniciativa política e construir alianças nos estados, principalmente do Sudeste, que estão alterando o cenário eleitoral. Mas o fator decisivo vem sendo mesmo um novo modelo de campanha eleitoral, o mesmo que adotou em 2018, com a vantagem de que agora controla o poder central e tem o apoio das estruturas de poder dos três estados mais importantes do Sudeste: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas.

“Até 2016, os candidatos consolidavam seus aliados fiéis, seduziam os simpatizantes e se moviam para o centro”, destaca Gonzales. Com as redes e a emergência de uma extrema-direita organizada, a campanha mudou completamente. Bolsonaro fala para sua bolha, consolida os votos raiz por identidade e ataca Lula à exaustão para desmotivar os eleitores indecisos a votar. A abstenção o favorece com toda certeza.

Aliados de Lula se queixam de que o petista está prisioneiro em uma “jaula de cristal”, situação muito comum nos palácios de governo, com a diferença de quem nem foi eleito. Seu comando de campanha é monolítico, formado pela presidente do PT, Gleisi Hoffman; o ex-senador Aloysio Mercadante; o deputado federal Rui Falcão; e o prefeito de Araraquara, Edinho Silva. O marqueteiro baiano Sidônio Palmeira é pragmático e segue orientação do grupo, que não é permeável à colaboração externa na formulação da campanha.

Havia muita expectativa de que Lula venceria no primeiro turno e certa disputa por ocupação de espaços de poder no futuro governo, o que atrapalhou a ampliação da campanha em direção ao centro. Os apoios que Lula recebeu no segundo turno não foram devidamente aproveitados na campanha, como é o caso da adesão dos economistas Pedro Malan, Armínio Fraga, Pérsio Arida e Edmar Bacha e de lideranças políticas importantes, entre as quais a própria Simone Tebet, que faz campanha para Lula com seus aliados e sem muito envolvimento do PT.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-estrategia-de-lula-tipo-bateu-levou-favorece-bolsonaro/

Debate político entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro na Band para o segundo turno | Foto: reprodução/CNN

Nas entrelinhas: Talvez a pergunta seja “quem perdeu com o debate?”

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Sempre achei muito complicado analisar o resultado de debates entre candidatos a partir da minha própria percepção. O debate da Bandeirantes, entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) não foge à regra. É possível fazer uma leitura racional dos debates a partir do conteúdo das respostas dos candidatos, mas existe fatores subjetivos que alteram completamente a percepção da imagem dos debatedores pelos eleitores. Tanto é assim que as pesquisas mostram uma divisão de opiniões sobre a atuação dos candidatos que mais ou menos gravita em torno dos índices de intenção de voto. Quando o resultado destoa muito, aí sim podemos afirmar que fulano ou beltrano venceu o debate. Mas não é o caso. Por isso, alguns acham que Lula se saiu bem, outros apontam Bolsonaro como vitorioso.

Como numa luta de boxe, num debate eleitoral todo mundo apanha. Alguém somente vence inequivocamente quando o adversário vai a nocaute. Quando isso não acontece, a decisão é por pontos, depende dos jurados, e nem sempre corresponde ao gosto do público.

No plano das subjetividades, diria que o Bolsonaro entrou no debate em desvantagem por causa do “pintou um clima” no caso das jovens refugiadas venezuelanas que visitou. O assunto virou meme petista nas redes sociais e deixou o presidente na berlinda durante o fim de semana. Entretanto, a decisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, mandando tirar do ar a live do presidente que relatava o caso, por ter sido descontextualizada, resgatou Bolsonaro do canto do ringue. Foi como se o juiz interrompesse a luta por causa de um golpe sujo.

Na troca de socos, Lula manteve a ofensiva no caso da pandemia, responsabilizando o presidente pelas mortes que poderiam ter sido evitadas se o seu negacionismno não tivesse atrasado a compra das vacinas. Mas isso não foi suficiente para abater Bolsonaro, até porque sua falta de empatia com as vítimas também serve de couraça para que esse assunto não abata o seu ânimo.

Mesmo em desvantagem nas pesquisas de opinião, na campanha eleitoral, em nenhum momento, Bolsonaro se sentiu espiritualmente derrotado. Passou à ofensiva num tema em que o petista tem revelado muita dificuldade de se defender: o escândalo da Petrobras. Lula não respondeu à altura e ainda gastou o tempo que tinha desnecessariamente, deixando o presidente em grande vantagem ao final do bloco, porque falou por último, com tempo de sobra. Esses dois momentos influenciaram muito as opiniões dos analistas.

Mas como reagiram os eleitores? Quem tentou responder essa pergunta foi a AtlasIntel, empresa de pesquisas que se destacou por ter o melhor desempenho do primeiro turno. Usou um recurso que as campanhas utilizam para avaliar os debates: pesquisas qualitativas. A AtlasIntel ouviu 100 eleitores que não votaram em Lula ou Bolsonaro. A maioria (54%) considera que Lula ganhou o debate, 32% acham que foi Bolsonaro e 14% não souberam responder.

A maioria dos eleitores que votaram em Simone Tebet (60%), Ciro Gomes (60%), outros candidatos (50%), branco/nulo (57%) e também não votaram (57%), em nove grupos, concorda que Lula venceu o debate. Os grupos focais foram formados em Paraná/Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Tocantins, Bahia, Acre e Mato Grosso/Mato Grosso do Sul. Esse tipo de estudo, porém, não tem valor estatístico para avaliar a opinião da população. É um instrumento para avaliar tendências e informar análises, como essa aqui.

Rejeição

A disputa política do segundo turno está se dando em torno de quatro grandes temas: a situação da economia, os serviços prestados à população, a ética na política e a questão democrática. O debate não é programático, voltado para o futuro imediato e/ou o programa do novo governo. O debate está ancorado no passado, nos governos Lula e Dilma Rousseff e no primeiro mandato de Bolsonaro. Mira a rejeição dos candidatos, que manteve a polarização e certamente decidirá a eleição.

Lula cresce quando sai em defesa da democracia e das políticas públicas, principalmente na área social; Bolsonaro, quando ataca a corrupção nos governos petistas. Na questão econômica, o petista leva vantagem, mas não mais como no primeiro turno. Um tema subjacente, ora à questão democrática, ora às políticas públicas, é a pauta dos costumes, na qual Bolsonaro tenta surfar para neutralizar o fracasso administrativo do governo em área como a saúde e a educação. De outro lado, a mudança dos costumes serve de linha de resistência para os militantes das causas identitárias, que são pro-Lula.

Nos programas eleitorais, nas redes sociais e nos debates, esses são os eixos da disputa desde o primeiro turno. Em termos de intenções de votos, Lula se mantém na dianteira, mas Bolsonaro encurta a distância. Haverá tempo para uma virada? Uma projeção linear das pesquisas diz que não, mas as eleições são uma caixinha de surpresa e, na reta final da disputa, sempre pode haver alterações.

É aí que os dois outros debates programados, no SBT e na Globo, podem fazer a diferença. Nesse caso, será decisivo o fator subjetivo do desempenho pessoal dos candidatos e sua capacidade de emocionar os indecisos.

Mas quem perdeu com o debate? Todos que esperavam boas propostas para o futuro.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-talvez-a-pergunta-seja-quem-perdeu-com-o-debate/

Luiz Inácio Lula da Silva

É possível dizer que Lula foi inocentado na Lava Jato?

Mariana Schreiber*, BBC News Brasil

O petista havia sido considerado culpado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas o STF anulou essas condenações por entender que Lula não teve seus direitos respeitados ao longo dos processos conduzidos pelo então juiz Sergio Moro.

Hoje candidato à presidência, Lula cita o fim das condenações como prova da sua inocência e afirma que foi perseguido pela Lava Jato.

"Eu tinha certeza que esse dia chegaria. Esse dia chegou com o voto do (ministro do STF Edson) Fachin, de reconhecer que nunca teve crime cometido por mim, de reconhecer que nunca teve envolvimento meu com a Petrobras. E todas as amarguras que eu passei, todo o sofrimento que eu passei, acabou", disse o ex-presidente no ano passado.

A declaração se referia à determinação do ministro Edson Fachin para que os processos julgados por Moro em Curitiba fossem anulados e julgados por outro juiz, em Brasília. Na decisão, Fachin entendeu que o Ministério Público (MP) não demonstrou que havia envolvimento da Petrobras nos supostos crimes de Lula, requisito necessário para o caso ser julgado na vara de Moro.

Essa decisão foi confirmada pela Segunda Turma do STF, que depois também julgou Moro como tendo sido um juiz parcial nos processos contra o petista, o que reforçou a anulação das condenações.

Para críticos do ex-presidente, como os processos foram anulados por razões técnicas, não ficou provada a inocência de Lula frente às acusações. Na visão desse grupo, ele não foi "inocentado" pela Justiça. Seu principal adversário na eleição, o presidente Jair Bolsonaro, inclusive, costuma se referir ao petista como "descondenado".

"Quando o Supremo Tribunal Federal anulou o caso Lula, muitas pessoas passaram a falar que ele foi inocentado, quando ele não foi inocentado. Três tribunais, primeira, segunda e terceira instâncias, juízes independentes, mais os ministérios públicos que atuavam perante essas instâncias de modo independente, entenderam que existiam fortes provas, não só de corrupção, mas de lavagem de dinheiro também", disse o ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol, em um vídeo compartilhado em julho nas suas redes sociais.

"E aí o Supremo vem e ele não inocenta o Lula. O Supremo não disse que não existiam provas. Ele não entrou no mérito. O Supremo anulou por uma questão formal, do mesmo modo como anulou, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o Supremo, os grandes casos contra corrupção no país. O sistema de Justiça nosso foi feito para garantir impunidade dos poderosos que roubam nosso país. Essa é a verdade", disse ainda o ex-procurador e agora candidato a deputado federal.

Nesta reportagem, a BBC News Brasil relembras as principais acusações contra Lula, explica porque as condenações foram anuladas e traz a opinião de diferentes juristas para a questão: afinal, Lula foi inocentado na Justiça?

Mas antes de abordar esses três pontos, é importante entender o princípio da presunção da inocência, previsto na Constituição brasileira. Segundo esse princípio, toda pessoa é considerada inocente até que se prove o contrário em um julgamento realizado dentro da lei. Dessa forma, com a anulação dos processos contra Lula, ele recuperou seu status de inocente perante a Justiça.

Já a opinião pública segue bem dividida. Uma pesquisa da consultoria Quaest de junho mostrou que 48% dos eleitores acreditam que Lula foi condenado corretamente, contra 43% que têm opinião contrária.

1. Relembre os processos contra Lula

O petista enfrentou uma série de acusações na Operação Lava Jato. Hoje, todos os desdobramentos na Justiça estão encerrados ou suspensos.

Grosso modo, houve dois caminhos para a conclusão desses processos: em alguns deles, Lula foi absolvido, ou seja, a Justiça considerou que não havia provas de que havia cometido crimes; em outros, as condenações foram anuladas porque os direitos do petista foram desrespeitados.

Um dos casos em que ele foi absolvido, por exemplo, foi o processo conhecido como "Quadrilhão do PT", em que Lula, a ex-presidente Dilma Rousseff e outros petistas eram acusados de formar uma organização criminosa.

"A denúncia apresentada, em verdade, traduz tentativa de criminalizar a atividade política. Adota determinada suposição — a da instalação de 'organização criminosa' que perdurou até o final do mandato da ex-presidente Dilma Vana Rousseff — apresentando-a como sendo a 'verdade dos fatos', sequer se dando ao trabalho de apontar os elementos essenciais à caracterização do crime de organização criminosa", escreveu o juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal em Brasília, na sentença que absolveu os acusados.

Na maioria dos casos contra Lula na Lava Jato, porém, os processos foram anulados ou interrompidos porque a Justiça entendeu que houve ilegalidades contra o ex-presidente.

Ou seja, nessa segunda situação, não houve uma análise final de mérito das acusações, para decidir se elas eram verdadeiras ou falsas, por que não é possível fazer essa análise em um processo em que os direitos do acusado foram desrespeitados.

Isso ocorreu, por exemplo, nos dois processos mais conhecidos, em que Lula chegou a ser condenado: o do tríplex do Guarujá e o do sítio de Atibaia.

No primeiro, o petista foi acusado de receber uma cobertura no Guarujá, cidade no litoral paulista, do grupo OAS como um suposto acerto por desvios de recursos da Petrobras durante o governo petista.

No segundo, Lula foi acusado de ser beneficiado por obras realizadas por OAS e Odebrecht em um sítio em Atibaia, no interior de São Paulo, que pertencia a um amigo seu e que o ex-presidente frequentava com sua família. Também nesse caso, a força-tarefa da Lava Jato dizia que essas benfeitorias foram bancadas com dinheiro desviado da estatal.

O que dizia a defesa do petista?

Em ambos os casos, a defesa de Lula argumenta que os dois imóveis jamais pertenceram a Lula. Os advogados também afirmaram que não havia qualquer prova concreta de que as obras foram pagas com dinheiro desviado da Petrobras, já que essas acusações se baseavam na palavra de delatores ou de outros réus do processo, que estariam tentando se beneficiar na Justiça ao acusar Lula.

No caso do tríplex do Guarujá, o petista havia comprado com sua então mulher, Marisa Letícia, um apartamento de dois quartos no mesmo prédio do triplex. Mas a cooperativa que iria construir o empreendimento faliu e a obra foi assumida pela OAS.

Foi após essa mudança que a cobertura teria sido reservada para Lula ao invés do apartamento de dois quartos. Ele e Marisa Leticia chegaram a visitar o imóvel para ver as obras realizadas pela OAS no triplex.

Na visão da acusação, o apartamento estava sendo personalizado para o casal e não havia sido passado formalmente para nome de Lula como forma de ocultar o crime.

Já a defesa diz que a OAS estava tentando vender o tríplex ao ex-presidente, que o casal visitou o apartamento para avaliar sua compra, mas que acabou desistindo do negócio.

Lula no local do velório do neto, quando deixou a carceragem da Polícia Federal em Curitiba durante seu período na prisão

Lula e seus advogados sustentavam ainda que as acusações seriam fruto de uma perseguição da Lava Jato contra Lula, com apoio de parte da imprensa brasileira, para tirá-lo da vida política.

Nos dois processos, Lula foi julgado culpado pelo então juiz Sergio Moro. Nas sentenças, Moro considerou que os imóveis não estavam no nome de Lula como forma de ocultar os benefícios que estaria recebendo ilegalmente e, por isso, o condenou por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

As duas condenações foram confirmadas depois pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região. No caso do triplex, isso ocorreu ainda em 2018, o que tornou Lula inelegível naquela eleição. Ele também foi preso naquele ano porque o STF autorizou a prisão após condenação em segunda instância.

2. Por que os processos julgados por Moro foram anulados?

Primeiramente, o STF entendeu, em março de 2021, que esses processos não deveriam ter tramitado na Justiça de Curitiba. Pouco depois, em junho, a corte decidiu também que Moro não julgou Lula com imparcialidade.

Com essas duas decisões, as condenações foram consideradas nulas, mas Lula ainda poderia responder às acusações em novos processos, a serem realizados na Justiça de Brasília.

No entanto, esse retorno à estaca zero acabou provocando a prescrição da pretensão punitiva. Ou seja, terminou o prazo estabelecido na legislação penal para possível punição dos crimes, caso Lula fosse considerado culpado.

E quando não há mais possibilidade de punição, as acusações são arquivadas definitivamente. Ou seja, Lula não pode mais ser julgado nos casos do triplex e do sítio de Atibaia.

Que diferença faz Lula ser processado em Curitiba ou Brasília?

Existe uma regra no direito penal brasileiro que determina que um processo criminal deve ocorrer na vara do local onde o suposto crime ocorreu. Por exemplo, se um assassinato acontece no bairro carioca de Copacabana, o julgamento ocorre na Justiça do Rio de Janeiro.

Essa regra serve para evitar que um processo seja direcionado para um juiz específico, contribuindo para a neutralidade do julgamento.

Inicialmente, os casos da Lava Jato estavam concentrados na vara do então juiz Sergio Moro. Isso ocorreu porque a operação, que teve sua primeira fase em março de 2014, começou a partir de desdobramentos de investigações contra organizações criminosas que atuavam no Paraná, envolvendo doleiros e o ex-deputado federal do PP José Janene.

No entanto, com o avançar das investigações e as informações obtidas em acordos de delação dos primeiros investigados, a operação passou a apurar crimes em outras regiões do país, nem sempre relacionados a Petrobras.

A força-tarefa da Lava Jato, porém, argumentou que havia uma conexão entre esses crimes e que todos deveriam ser investigados pela operação e julgados por Moro.

Desde o início da Lava Jato, a defesa de vários investigados contestaram essa decisão e pediram que os casos fossem redistribuídos para outras varas de outros Estados.

A partir de 2015, diversos processos foram redirecionados principalmente para Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. No entanto, o STF determinou que todos os casos que envolvessem a Petrobras deveriam ser mantidos com Moro. Como o Ministério Público acusava as empreiteiras de terem usado recursos desviados da estatal para beneficiar Lula, os processos do ex-presidente continuaram na vara de Curitiba.

No entanto, em março de 2021, ministro Edson Fachin acolheu o argumento da defesa de que, na verdade, não havia elementos concretos na acusação comprovando que o petista teria interferido diretamente em contratos da Petrobras para favorecer OAS e Odebrecht em troca do tríplex ou das obras no sítio. Sua decisão depois foi confirmada pela Segunda Turma da Corte.

Para a professora de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e procuradora da República Silvana Batini, que atuou em casos da Lava Jato do Rio de Janeiro, foi um erro não ter se adotado critérios mais objetivos para delimitar a competência dos casos da Lava Jato no início da operação.

"Quando (a Lava Jato) começou, era a primeira vez que você lidava com uma mecânica tão vasta de fatos ligados entre si. Então, você podia ter uma interpretação sobre competência técnica muito extensa, que tornava o juiz de Curitiba quase um juiz universal. Isso aconteceu e o Supremo deixou", afirmou à BBC News Brasil.

"Depois, quando o Supremo veio colocar um freio, colocou, criando um critério que não existia na lei. Disse: 'Olha, (permanece na Vara de) Curitiba só o que for Petrobras'. Não existe competência em razão da vítima. Inventaram aquilo. Então isso tudo, realmente, dá um visão de como (houve) uma insegurança jurídica que o próprio Supremo acabou plantando", disse ainda.

O impacto da Lava Jato

Por trás da decisão de Fachin de tirar os processos contra Lula de Curitiba havia o contexto de enfraquecimento da Lava Jato.

Em 2019, a série de reportagens Vaza Jato, do portal Intercept Brasil, revelou supostos diálogos privados da força-tarefa da operação, inclusive conversas entre o procurador Deltan Dallagnol e Sergio Moro, que indicavam uma espécie de conluio por parte do Ministério Público e do então juiz nos processos contra Lula e outros acusados.

Esses diálogos mostravam, por exemplo, que Moro teria sugerido aos procuradores ouvir uma testemunha que poderia incriminar o petista.

Foi nesse contexto que ganhou força o pleito antigo da defesa de Lula para que Moro fosse declarado suspeito nos processos que havia julgado o petista antes de deixar a magistratura para virar ministro no governo de Jair Bolsonaro.

Um dos argumentos dos advogados era, por exemplo, a condução coercitiva que o petista sofreu em 2016, mesmo sem ter sido previamente intimado a depor, como prevê a lei.

Conversas entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol foram reveladas pelo Intercept Brasil

Com o aumento do desgaste da Lava Jato, foi aumentando a expectativa de que Moro seria declarado parcial nos processos contra Lula. O que se diz nos bastidores de Brasília é que Fachin queria evitar que Moro fosse declarado suspeito e, por isso, decidiu aceitar o pedido da defesa para retirar os processos da vara de Curitiba. O ministro de fato argumentou na sua decisão que, após a mudança dos casos para outra vara, não fazia mais sentido julgar se Moro era ou não parcial.

A preocupação de Fachin seria evitar que a declaração da suspeição do ex-juiz tivesse efeito mais amplo de anular não só as condenações, mas todas as investigações contra Lula realizadas na vara de Curitiba.

A maioria do STF, porém, discordou de Fachin e, com isso, a Segunda Turma analisou a suspeição de Moro e declarou que ele foi parcial contra Lula, provocando a anulação de todas as investigações.

3. Afinal, Lula foi inocentado nos casos do triplex e do sítio?

Gustavo Badaró, advogado e professor de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo (USP), explica que o termo inocentado não existe dentro da linguagem jurídica e é usado de forma coloquial. Dentro das normas jurídicas, lembra ele, uma pessoa acusada pode ser condenada ou absolvida.

Segundo Badaró, com a anulação da condenação de Lula, ele "é tão inocente quanto quem nunca foi processado".

Na sua avaliação, porém, não seria adequado, numa linguagem leiga, dizer que Lula foi inocentado nos casos do triplex e do sítio porque isso passa a ideia de que ele foi absolvido nesses processos.

"Tem um certo jogo de palavras que ao dizer 'o Lula foi inocentado pelo Supremo Tribunal Federal' parece que você está querendo dizer que o Supremo deu um atestado de idoneidade pra pessoa. A mim, parece que dá uma ideia de que o Poder Judiciário declarou absolvição", ressaltou.

Já para Davi Tangerino, advogado e professor de Direito Penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), não faz sentido colocar a questão se Lula foi ou não inocentado, a partir do momento em que os processos foram considerados nulos.

"Para alguém ser inocentado ou condenado, existe um pressuposto lógico, no Estado Democrático de Direito, que ele tenha sido julgado, entre outras coisas, por um juiz imparcial. Então, nos casos da Lava Jato (julgados por) Moro, quando você tem a declaração pelo Supremo de parcialidade do Moro, o binômio condenado ou inocente não faz mais sentido porque ele pressupõe uma denúncia recebida por um juiz competente e imparcial, um julgamento, e aprovação de uma sentença", argumenta

"Quando você retira dessa equação o juiz parcial, desaparece, via de consequência, o binômio condenado ou inocentado, e aí continua a valer o quê? A presunção de inocência", reforçou.

A procuradora Silvana Batini também diz que a discussão é irrelevante do ponto de vista jurídico. Já no campo político, nota ela, cabe a cada eleitor fazer seu juízo sobre Lula.

"No aspecto jurídico, não tem a menor relevância o que aconteceu, o fato de ele ser inocentado ou não ser inocentado. Os processos do Lula desapareceram porque foram anulados", disse.

"Não se obteve nenhum juízo definitivo sobre responsabilidade criminal dele. Se reconheceu que o processo estava nulo, então não é possível fazer juízo nenhum sobre aqueles fatos hoje. Se não tem nenhum juízo definitivo sobre culpa, o que prevalece é a presunção da inocência. Isso é o que a lei diz, o que a Constituição diz. No plano político, isso aí é absolutamente incontrolável, cada eleitor que faça as suas análises", ressalta.

Procurada a conceder entrevista à reportagem, a defesa de Lula se manifestou após a publicação.

"Nosso trabalho jurídico resultou no encerramento, nas mais diversas instâncias, de 26 procedimentos que foram abertos indevidamente contra o ex-presidente Lula durante a perseguição promovida contra ele pela "operação lava jato" e seus desdobramentos. Também conseguimos a primeira decisão proferida pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU em favor de um cidadão brasileiro, reconhecendo que Lula sofreu violação aos seus direitos fundamentais previstos no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU", disse o advogado Cristiano Zanin, por meio de nota.

"Foi um trabalho que necessitou de muita resiliência, muito fôlego e o uso de uma visão multidisciplinar do Direito, pois tivemos que passar quase 6 anos defendendo a inocência de Lula e os inúmeros vícios presentes nos processos e procedimentos abertos contra ele nas mais diversas frentes. Felizmente, conseguimos vencer o caso e permitir que Lula pudesse resgatar todos os seus direitos, inclusive os direitos políticos, permitindo que ele seja o candidato à Presidência da República mais bem posicionado nas eleições deste ano", acrescentou Zanin.

Divisão

Mesmo que cerca de metade da população considere o petista culpado, segundo pesquisa Quaest de junho, diversas sondagens eleitorais têm apontado Lula como favorito para vencer a eleição presidencial em outubro.

Com o acirramento da corrida eleitoral, a tendência é que os adversários de Lula usem cada vez mais o escândalo de corrupção na Petrobras durante o governo petista para tentar tirar votos do ex-presidente.

Mesmo que o STF tenha entendido que a operação cometeu abusos, R$ 6 bilhões desviados da estatal foram devolvidos após acordos de colaboração, leniência e repatriações. A expectativa é que PT rebata esses ataques reafirmando a inocência de Lula e acusando a Lava Jato de ter perseguido o partido politicamente.

Para reforçar esse argumento, os petistas costumam lembrar que Moro e Dallagnol entraram de vez para a política e são candidatos na eleição desse ano.

*Texto publicado originalmente na BBC News Brasil.


Protesto contra assédio | Foto: reprodução/ Flickr

Revista online | Vistos como tabu, casos de assédio no trabalho se alastram

Especial para a revista Política Democrática online (45ª edição: julho/2022) 

“Tudo começou com uma série de pedidos para que eu estendesse o meu expediente de trabalho. Se eu não aceitasse, [o patrão] insinuava que iria descontar na avaliação de desempenho. Virou um inferno. O estopim foi o dia em que ele me disse para acompanhá-lo em um evento fora da empresa e, no meio do caminho, disse que me faria surpresa. Me levou para o motel. Gritei muito dentro do carro”.

O desabafo é de uma engenheira de alimentos, de 45 anos, que pediu para ter o nome mantido sob sigilo. Moradora de Brasília, ela mudou de emprego, mas carrega consigo as memórias de um passado recente que classifica como “terror”. “O assédio parece uma peste, está impregnado. No meu caso, assim que ele [patrão] parou no semáforo, abri a porta do carro e saí correndo. No outro dia, registrei a denúncia na polícia e na empresa. O processo ainda está tramitando na Justiça”, afirmou.

Veja todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online

De acordo com casos julgados na Justiça, os exemplos de assédio moral e sexual são incontáveis: um elogio constrangedor, imposição de metas desproporcionais em relação ao prazo de cumprimento delas, uma piadinha de cunho sexual ou uma investida do chefe ou colega dentro do ambiente de trabalho. 

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) entende que é assédio sexual no trabalho todo tipo de gesto, conversa ou insinuação de natureza sexual feita sem consentimento e que provoque constrangimento na vítima. O órgão define assédio moral, por sua vez, como “a exposição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, de forma repetitiva e prolongada, no exercício de suas atividades”. 

No Brasil, todos os dias, multiplicam-se situações muito parecidas com as que foram relatadas por funcionárias da Caixa Econômica Federal, envolvida no maior escândalo de assédio moral e sexual no mês passado e que provocou, em 29 de junho, a demissão do seu então presidente, Pedro Guimarães, alvo de investigação do Ministério Público Federal (MPF). Já são 60 denúncias registradas no órgão desde a saída dele. 

Confira, abaixo, galeria de imagens:

Assédio sexual no trabalho | Foto: Kmpzzz/Shutterstock
Pessoa pressionada por multidão | Foto: AlejandroCarnicero/Shutterstock
Protesto contra assédio | Foto: reprodução/ Flickr
Assédio sexual no trabalho
Processo por assédio
Pessoa pressionada por multidão
Assédio moral em ambiente de trabalha
Assédio sexual no ambiente de trabalho
Palma da mão escrita não
Invasão de privacidade
Formulário de assédio sexual
Protesto contra assédio
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Assédio sexual no trabalho
Processo por assédio
Pessoa pressionada por multidão
Assédio moral em ambiente de trabalha
Assédio sexual no ambiente de trabalho
Palma da mão escrita não
Invasão de privacidade
Formulário de assédio sexual
Protesto contra assédio
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“Ciclo vicioso”

Casos de assédio se repetem em outros locais de trabalho. No mesmo dia da demissão de Pedro Guimarães da Caixa, um servidor do Ministério Público de São Paulo (MPSP) suicidou dentro do órgão, no centro da capital paulista. Denúncia feita ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em 1º de julho, diz que ele tinha depressão e indica que sofria assédio moral no trabalho.

Segundo o documento, o analista jurídico do MPSP tinha 48 anos e viu um colega do órgão ser demitido “a bem do serviço público’. Por isso, em razão da doença, achou que teria o mesmo fim. “Constantemente, os servidores sofrem assédio moral sem ter onde pedir amparo. Pouquíssimos são os que têm coragem de relatar os fatos. É um ciclo vicioso instalado”, afirma um trecho da denúncia.

Em nota, o MPSP lamentou "o triste episódio" no mês passado e manifestou "condolências à família e aos amigos do servidor, cuja ficha funcional era impecável, não restando, portanto, qualquer óbice quanto ao seu desenvolvimento na carreira." O órgão disse que o bem-estar de membros e servidores é uma preocupação central da atual gestão e que as ações desta área são focadas no Centro de Gestão de Pessoas.

Justiça

Os assédios também se alastram em grandes empresas privadas. A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10), em Brasília, condenou o banco Santander a pagar R$ 274,4 milhões em indenização por danos morais coletivos, por causa de assédio moral cometido contra funcionários. A decisão é de segunda instância e foi publicada em 15 de julho. O banco disse que vai recorrer ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Dados do TST apontam que, somente em 2021, foram ajuizados, na Justiça do Trabalho, mais de 52 mil casos relacionados a assédio moral e mais de 3 mil relativos a assédio sexual em todo o país, o que, segundo especialistas, mostra que as violências são numerosas no mundo do trabalho.

Por outro lado, o desfecho dos processos nem sempre é a punição dos assediadores. De acordo com levantamento da Controladoria-Geral da União (CGU), dois em cada três processos de investigação por assédio sexual na administração pública federal, por exemplo, terminaram sem qualquer penalidade.

No período de 2008 até junho de 2022, foram instaurados 905 processos correcionais para apurar casos de assédio sexual. Desse total, 272 ainda estão em andamento, e outros 633 foram concluídos. Destes, 432 terminaram sem punição, o que representa 68% do total. As demais resultaram em advertência, suspensão ou demissão do agressor.

Preocupação

No caso do funcionalismo público federal, a situação é ainda mais preocupante por não ter um canal centralizado para receber denúncias específicas de assédios moral e sexual, conhecidos pela natureza mais sensível que outros tipos de queixas. Essa falta de estrutura pode afastar e até calar as vítimas.

Essa é a conclusão da advogada e consultora para equidade de gênero Myrelle Jacob em sua dissertação de mestrado. O estudo, que deve ser concluído em novembro, começou há dois anos como um trabalho de consultoria para o Banco Mundial e analisou os mecanismos de denúncias adotados por estados da federação. O objetivo do estudo avança agora para o Executivo Federal.

A pesquisadora explica que o estatuto que regulamenta a parte disciplinar dos servidores federais, a lei 8.112/90, não prevê o assédio como infração e nem como conduta passível de punição. Apesar disso, há diversos canais para denúncias espalhados por órgãos federais. Isso, porém, é um problema, de acordo com a advogada, já que não serve para analisar os casos como um todo.

Veja, a seguir, galeria de fotos:

Foto: SurfsUp/Shutterstock
Foto: Alphavector/Shutterstock
Foto: Dragana Gordic/Shutterstock
Foto: Paulo Pinto/AGPT
Foto: H_Ko/Shutterstock
Foto: My Ocean Production/Shutterstock
Foto: Reprodução/Spirit Fanfics e Histórias
Foto: Reprodução/A Folha Torres
Foto: Reprodução/Jornal do Comércio do Ceará
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Sala de cirurgia

Em outro caso recente, a Polícia Civil e o Ministério Público investigam o presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), Clóvis Bersot Munhoz, por suposto caso de assédio sexual contra uma técnica em enfermagem. Ele chegou a ser indiciado pelo crime, em inquérito sigiloso encaminhado ao Ministério Público, que pediu mais diligências à polícia.

O assédio teria ocorrido em uma sala de cirurgia de um hospital privado da Zona Sul do Rio. Em depoimento, a mulher disse que Munhoz afirmou que ela era "muito quente” e que precisava ter mais relações sexuais por ter se casado muito cedo. Uma testemunha confirmou o caso à polícia. Ela contou que ele colocou a mão no pescoço dela e chegou a perguntar se ela tinha interesse em trair o marido.

No dia 21 deste mês, o Cremerj anunciou, na página e nas redes sociais da entidade, o afastamento de Munhoz do cargo. O conselho informou que a decisão da diretoria preza pela “lisura e pelo comprometimento com a transparência” e que vai abrir uma sindicância contra o médico para apurar a denúncia sobre assédio sexual.

Conhecida por ajudar a combater assédio moral no trabalho, a médica Margarida Maria Barreto já viajou por todo o país divulgando e incentivando discussões sobre a questão que afeta inúmeros trabalhadores. Ela já foi responsável por um site que recebia cerca de 300 denúncias por dia. 

A médica lembra que o assédio moral configura casos que expõem trabalhadores a situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes durante o exercício de sua função, de forma repetitiva e prolongada ao longo da jornada de trabalho. Segundo ela, a batalha é levar o foco da discussão para a área do direito, pois o assédio moral não é uma doença do trabalho e não pode ser atribuído à personalidade e sensibilidade do assediado.

“Tabu nas companhias”

Não existe estatística geral sobre o número de casos. No entanto, quem atua diretamente com vítimas afirma que é crescente a procura de profissionais – mulheres ou homens, jovens ou não – por ajuda e aconselhamento para lidar com a questão. “Assédio sexual e moral é um tabu nas companhias”, afirma Raimundo Sabino, consultor de carreira há 20 anos.

“As empresas estão completamente despreparadas para lidar com esse problema, que é histórico e não pode ser visto meramente como ‘cultural’, porque isso não é cultura. É um crime que precisa ser combatido todos os dias, inclusive com punição por omissão estendida aos superiores que fecham os olhos e ignoram o problema na frente deles”, afirma a defensora pública Gabriela Soares, que atua há mais de 20 anos com vítimas desse tipo de crime. 

A engenheira de alimentos que chegou a ser levada para o motel pelo chefe sem o consentimento dela disse que ainda não tem previsão para o julgamento do seu caso na Justiça. Hoje, ela disse que tem dedicado parte de seu tempo a auxiliar pessoas a escolher melhor as empresas para trabalhar.

“Diversas questões hoje devem ser observadas por um profissional antes de aceitar um emprego, apesar de as oportunidades estarem escassas, mas sempre destaco para as pessoas não aceitarem propostas que vão tirar a saúde mental delas ou que vão acabar em perseguição e assédio no trabalho”, ressaltou a engenheira.

Consultores indicam estratégias para combater assédio no trabalho

No Brasil, 52,64% das denúncias registradas por funcionários se referem ao relacionamento interpessoal, categoria que considera as chamadas “práticas abusivas”, de acordo com ampla pesquisa divulgada no início deste mês pela ICTS Protiviti, consultoria especializada em gestão de riscos, compliance e segurança. As queixas de assédio representam 31%. Os dados são de um estudo realizado a partir de 125.412 registros feitos nos canais de denúncias de 563 empresas no país. 

“Num meio competitivo como o corporativo, com suas metas de eficiência, discursos repetitivos de meritocracia e bônus, é tênue a linha que demarca o fim do rigor extremo e o início do assédio moral. Sufocados, funcionários humilhados veem a produtividade desabar, criando um círculo em que os ataques se sucedem até que o funcionário é afastado ou fique doente no hospital, com contínuas crises”, afirmou o CEO e consultor de empresas Richard Lemos, que atua no mercado há 30 anos.

A advogada e consultora Danielle Soares Mota, que atua com Direito Empresarial, disse que tem observado aumento no número de pedidos de demissão por parte de funcionários. “São muito comuns algumas negociações de rescisão de contrato de trabalho que já incluem não apenas o cômputo das horas extras, mas também acordos monetários para indenizar casos de assédio moral”, afirmou ela.

De acordo com Richard Lemos, para evitar problemas, primeiramente, as empresas precisam especificar o que esperam em termos de comportamento e reforçar esses detalhes junto aos funcionários. Depois, segundo ele, as pessoas precisam ficar muito à vontade para entender que existe um lugar em que elas podem reportar abusos. “É fundamental criar essa confiança. Não adiantar o profissional denunciar, e os gestores jogarem para debaixo do tapete e fingirem que o problema está resolvido”, alertou.

Consultores de mercado destacam três pontos que consideram importantes para boas práticas. O primeiro é chamado de balanço de consequência. Quando uma denúncia acontece, é preciso que a empresa mostre que não vai aturar situações desse tipo e que medidas punitivas serão tomadas imediatamente. “Isso vai fazer com que mulheres e homens se sintam mais seguros por um lado e, também, vai desestimular os assediadores”, ponderou Lemos.

O segundo pilar é a questão do report. As pessoas têm que ter confiança no repórter, saber que serão ouvidas e que suas denúncias serão levadas em consideração. “Isso nos leva para o terceiro ponto, que é a apuração: as funcionárias precisam saber que a denúncia está sendo investigada e que essa investigação será levada a cabo. O canal de denúncia não pode ser apenas um repositório de queixas”, acrescentou o CEO.

*Título editado.

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Segundo o Código Penal, relações sexuais com menores de 14 anos configuram estupro de vulnerável dpa/picture alliance via Getty

Polícia investiga garoto de 13 anos e circunstâncias de estupro de menina de 11 em SC

Barbara Brambila, Giulia Alecrim, Thiago Félix, Tiago Tortella e Vinícius Tadeu, CNN Brasil*

À CNN, delegado afirma que depoimentos confirmam relações sexuais entre os jovens; especialistas se amparam no ECA para justificar aborto

A Polícia de Santa Catarina confirmou que um garoto de 13 anos está sendo investigado no caso da menina de 11 anos que realizou aborto na quarta-feira (22).

O delegado Alisson Rocha, titular da Delegacia de Tijucas, confirmou à CNN que existe um procedimento para apuração de ato infracional em curso pela unidade, e que depoimentos confirmam que os jovens tiveram relações sexuais e que elas teriam sido consensuais.

Ainda estão sendo feitos exames de elementos biológicos, dentre outros procedimentos, para apuração genética, não sendo possível afirmar que o bebê que a menina esperava era do suspeito.

Segundo o artigo 217-A do Código Penal, uma das classificações para estupro de vulnerável é “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos”.

“O que saltou aos olhos foi que, no geral, houve uma relação de afeto entre os dois, houve uma premeditação para o lado da atividade sexual, em comum acordo, havia consentimento. Em regra, os dois praticaram as condutas com um ato infracional análogo ao crime de estupro de vulnerável do artigo 217-A do Código Penal”, diz o delegado.

Ariel de Castro, presidente da Comissão de Direito à Convivência Familiar de Crianças e Adolescentes da OAB-SP e integrante do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, observa que estupro de vulnerável se configura quando as vítimas têm menos de 14 anos, independentemente do consentimento ou não.

“É uma violência presumida pela legislação, com entendimento de que pessoas de menos de 14 anos não devem manter qualquer tipo de ato libidinoso”, afirma.

Um primeiro relatório de apuração foi encaminhado pela Polícia Civil para o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) há doze dias, porém, o MPSC pediu que a investigação faça mais diligências. Só ao término desta nova fase o delegado analisará se existe responsabilidade de ato infracional análogo ao estupro de vulnerável.

O delegado estima que as diligências devem ser concluídas até a próxima terça-feira (28). Depois disso, o relatório será novamente encaminhado ao MP, que também deve se manifestar sobre o assunto.

Punições possíveis?

Com a possibilidade de a gravidez ter sido causada por relações sexuais entre uma criança e um adolescente menor de 14 anos, juridicamente o caso ganha nova complexidade, de acordo com especialistas ouvidos pela CNN.

“Quando a relação é entre dois adolescentes, um adolescente e uma criança, só o caso a caso vai poder falar. O contexto é importante”, afirma Isabella Henriques, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-SP, ressaltando que é uma definição delicada.

Henriques também destaca que, em casos gerais, existem medidas socioeducativas prevista para os atos infracionais, mas que o caso deve ser julgado por uma justiça especializada pelo fato de o adolescente “também estar em um momento peculiar de desenvolvimento”.

Thales Cezar de Oliveira, procurador de justiça do MP-SP e professor da Faculdade Piaget, pontua que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), quando algum maior de 12 anos pratica um ato infracional ele pode ser passível de medidas socioeducativas até internação, desde que seja comprovado o ato.

O ECA considera crianças as pessoas com até 12 anos incompletos, e são considerados adolescentes aqueles entre 13 anos de idade e 18 anos incompletos.

Ariel de Castro destaca ainda que, se temos “um adolescente de 13 e uma menina de 11”, ambos são considerados vulneráveis.

“Caberiam medidas de proteção para ambos, de inclusão social, educacional, acompanhamento e atendimentos de saúde e psicológicos”, complementa.

Ele pontua também que, se for comprovado que não houve violência ou ameaça contra a vítima, o adequado, na avaliação dele, seria não aplicar uma medida de privação de liberdade para esse adolescente.

“Em casos assim, se não houve violência ou grave ameaça, no processo de apuração do ato infracional do adolescente, os juízes da infância concedem remissão (espécie de perdão judicial), a pedido da promotoria. Essa tese jurídica que tem sido aplicada no Brasil e internacionalmente é chamada de Lei Romeu e Julieta”, explica.

“Precisam ser aplicadas medidas de proteção. Ele precisa ser orientado sobre questões de sexualidade e deve se verificar se ele vive em situação de negligência familiar, abandono etc”, finaliza.

Isabella Henriques defende que o tema da violência sexual contra crianças seja discutido pela sociedade, tendo em mente os impactos na vida das crianças, e que tanto “sociedade e sistema de justiça estejam preparados para acolher as nossas crianças”.

Ariel de Castro ressalta que quando um caso como o da menina de Santa Catarina ocorre, “todos somos co-responsáveis, pela lei. A família, o Estado e a sociedade”, reforçando a importância da educação sexual.

Legalidade do aborto

Uma das exceções para a interrupção da gravidez no Brasil — visto que o aborto é criminalizado no país — é o estupro.

“No caso de uma criança com menos de 14 anos, vítima de estupro de vulnerável, não há dúvida do ponto de vista jurídico que ela pode abortar”, diz Henriques.

Castro, por sua vez, afirma que o caso de Santa Catarina é “sim, um estupro de vulnerável, porque uma menina de 11 anos está grávida”.

Isabella Henriques ressalta que os responsáveis legais precisam dar autorização para o procedimento, mas que o melhor interesse do menor de idade se sobrepõe aos interesses dos responsáveis.

“Se o responsável legal não tomar a decisão no melhor interesse da criança, no sentido de garantir os direitos da criança, o Ministério Público, a Defensoria Pública podem promover, provocar os direitos da criança”.

Thales de Oliveira também destaca que “independente da idade, a gravidez, sendo provocado por uma violência, tem o direito de abortar”. Não está claro, no caso específico, se a suposta relação da menina foi ou não consensual.

“É preciso que você tenha o consentimento da gestante e do representante [para o aborto]. Mas o Estatuto da Criança e do Adolescente confere tanto à criança e ao adolescente o protagonismo do seu direito. Há a prioridade à vontade da criança e adolescente. A menos que perceba que é uma vontade viciada”, pontua o procurador.

Em 21 de junho, a OAB de São Paulo publicou uma nota ressaltando o artigo 128 do Código Penal, que dita que “não se pune o aborto no caso de gravidez resultante de estupro”.

Caso teve repercussão nacional

Em maio, a mãe da menina de 11 anos a levou ao hospital universitário de Florianópolis (SC) logo após constatar que ela estava grávida. Na ocasião, a menina tinha 10 anos de idade.

O hospital constatou que o feto tinha 22 semanas e se recusou a realizar o procedimento, ao dizer que as equipes médicas não realizariam abortos após 20 semanas.
Após a negativa do hospital, a mãe da menina recorreu à Justiça para conseguir autorização para interromper a gravidez, mas não obteve o aval judicial.

O caso tramita em segredo de Justiça e veio a público após o site The Intercept e o portal Catarinas divulgarem trechos da audiência em que a juíza Joana Ribeiro Zimmer, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), faz uma série de perguntas à criança. A CNN entrou em contato com a advogada da família, Daniela Felix, que confirmou as informações da reportagem dos dois veículos.

No vídeo, a juíza questiona a garota se poderia “suportar mais um pouquinho” para, assim, permitir que o feto pudesse ser retirado com vida. Em outros momentos da audiência, Joana Ribeiro ainda perguntou à criança se ela gostaria de “escolher o nome do bebê” e se ela achava “que o pai do bebê concordaria com a entrega para adoção”.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou, em nota, que a Corregedoria abriu um procedimento investigatório sobre a condução do processo.
Zimmer autorizou a ida da menina para um abrigo, justificando em um dos despachos o “risco” da mãe efetuar “algum procedimento para operar a morte do bebê”. A menina já foi retirada do abrigo.

Juíza e promotora envolvidas no caso afirmaram à CNN que não iriam se pronunciar.

*Texto publicado originalmente em CNN Brasil


João Dória | Foto: Shutterstock/Vitor Vasconcellos

Nas entrelinhas: Doria desiste, mas PSDB continua dividido

Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense

O ex-governador de São Paulo João Doria jogou a toalha e desistiu da candidatura à Presidência da República, após ser comunicado pela cúpula da legenda que seria candidato de si mesmo. Doria perdeu o apoio do grupo liderado pelo governador Rodrigo Garcia, que o sucedeu, e pelo presidente do PSDB, Bruno Araújo, aliados aos presidentes do Cidadania, Roberto Freire, e do MDB, Baleia Rossi. Se depender dos presidentes dos três partidos, a candidata da chamada terceira via será a senadora Simone Tebet (MS), do MDB.

Doria foi vítima dele mesmo. Rompeu com seu padrinho político, Geraldo Alckmin, que hoje é o vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A aliança de segundo turno que havia feito com o presidente Jair Bolsonaro, em 2018, rompeu-se no começo da pandemia da covid-19, por causa da política de distanciamento social adotada pelo governo paulista para restringir a propagação da doença. Quando o Instituto Butantan, pioneiramente, começou a produzir a vacina chinesa CoronaVac, Doria se tornou o principal adversário de Bolsonaro, cujo negacionismo combateu em entrevistas diárias pela tevê.

A superexposição na mídia, porém, alavancou sua rejeição nas pesquisas de opinião, embora viesse fazendo um bom governo, dos pontos de vista administrativo e financeiro. Doria nunca teve uma trégua das lideranças petistas de seu estado, muito fortes nas áreas da saúde e da educação, e também sofreu oposição sistemática dos bolsonaristas de São Paulo, principalmente nas áreas do agronegócio e da segurança pública. Lançou-se candidato à Presidência em situação muito desvantajosa do ponto de vista de imagem.

Seu maior erro talvez tenha sido levar o vice-governador Rodrigo Garcia do DEM para o PSDB, o que aprofundou seu isolamento interno, afastando lideranças históricas, como Alckmin, que já estava com um pé fora da legenda, e os ex-senadores Aloysio Nunes Ferreira e José Aníbal. A mudança também provocou o afastamento de sua candidatura do antigo DEM, que viria a se fundir com o PSL e formar o União Brasil. Além disso, Doria terceirizou as articulações políticas com deputados federais, estaduais e prefeitos, deixando-as a cargo de Garcia.

Ungido seu sucessor natural, Rodrigo Garcia passou a operar com os deputados Carlos Sampaio (SP), Rodrigo Maia (RJ), Bruno Araújo e Baleia Rossi para tornar irreversível a saída de Doria do Palácio dos Bandeirantes. As prévias do PSDB, do ponto de vista prático, serviram apenas para isso. Quando Doria ameaçou não disputar a Presidência e permanecer no governo paulista, Garcia e Araujo assinaram um termo de compromisso garantindo que apoiavam sua candidatura ao Planalto. Doria caiu na armadilha: renunciou ao mandato de governador e acabou defenestrado.

Candidatura própria

Doria também nunca teve grande apoio fora de São Paulo. A desistência dele, porém, não unifica o PSDB. Os líderes históricos da legenda desejam lançar uma candidatura própria. Os nomes cogitados são os do ex-governador gaúcho Eduardo Leite, que perdeu as prévias para Doria e retirou sua candidatura, mas está desincompatibilizado para concorrer à Presidência; e o senador Tasso Jereissati (CE), um dos fundadores do partido. O deputado Aécio Neves (MG) e o ex-governador de Goiás Marconi Perillo defendem essa alternativa.

Entretanto, a reunião da Executiva que se realizaria hoje foi suspensa por Bruno Araújo. O grupo paulista não quer uma candidatura própria, para assim poder abrir o palanque de Garcia em São Paulo, numa tentativa desesperada de viabilizar a reeleição do atual gestor. Pesquisa divulgada ontem pelo Real Big Data revela que o candidato petista Fernando Haddad lidera a disputa com 29%, seguido de Tarcísio de Freitas (PR) e Márcio Franca (PSB), com 15%. Rodrigo Garcia tem 7%. Nos cenários sem Haddad ou França, Garcia permanece atrás de Tarcísio, o candidato de Bolsonaro.

A lógica das articulações da bancada paulista para remover a candidatura de Doria foi a da alça de caixão difícil de carregar. Com a desistência, a situação se alterou completamente, porque Garcia não tem mais nenhuma desculpa para explicar sua desvantagem nas pesquisas eleitorais e precisa recuperar a expectativa de poder que perde a cada dia. Ou seja, provar que a rejeição de Doria era seu principal obstáculo. Tem a seu favor o grupo econômico que apoiava seu antecessor e teve um papel decisivo no convencimento de que o tucano deveria desistir de disputar a Presidência. Entretanto, Tarcísio de Freitas também transita entre os empresários paulistas.

Viabilizar o palanque de Simone Tebet em São Paulo é uma prioridade na terceira via, mas tanto Baleia Rossi quanto o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que administra a capital paulista, sabem que essa não é uma prioridade do atual governador. A candidata do MDB tem apoiou político de Garcia para impedir uma candidatura própria do PSDB, porém não tem nenhuma garantia de apoio eleitoral no estado com maior eleitorado do país.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-doria-desiste-mas-psdb-continua-dividido/

Luiz Carlos Azedo: Txai Suruí é a minha candidata ao Nobel da Paz de 2022

A jovem Walelasoetxeige Suruí tem apenas 24 anos e confirma a quebra do monopólio da política internacional de chefes de Estado, diplomatas e militares

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Criado em 1901, o prêmio Nobel da Paz não foi capaz de impedir as duas grandes guerras mundiais do século passado, mas contribuiu muito para que a política internacional deixasse de ser monopólio dos chefes de Estado, diplomatas e militares, projetando personalidades que efetivamente contribuíram para que a paz se consolidasse como um valor universal. Ironicamente, seu criador, Alfred Nobel, era um industrial, inventor e fabricante de armamentos sueco. Por sua decisão, um comitê de cinco pessoas indicadas pelo Parlamento da Suécia anualmente escolhe aqueles que se destacaram por trabalhar pela fraternidade entre as nações, pela abolição ou redução de exércitos permanentes e pela paz. Polêmico, nos últimos anos, o prêmio vem sendo destinado a pessoas que enfrentam situações limites em seus respectivos países, como os jornalistas Maria Ressa e Dmitry Muratov, nas Filipinas e na Rússia, respectivamente, os premiados de 2021.

A jovem Walelasoetxeige Suruí, mais conhecida como Txai Suruí, de 24 anos, filha de Almir Suruí, 47, líder dos Povos Suruí de Rondônia, confirma a quebra do monopólio da política internacional. Até então, era conhecida apenas por ambientalistas e outras jovens lideranças indígenas, mas encantou o mundo ao discursar em inglês na abertura da Conferência da Cúpula do Clima (COP26), em Glasgow, na Escócia, para uma plateia que reunia entre outros o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel. Foi a única brasileira a participar da abertura, num inevitável confronto de imagem e objetivos com o presidente Jair Bolsonaro, que gravou uma mensagem e foi passear pela Itália, desprestigiado. Tornou-se uma personalidade mundial na luta contra o aquecimento global. É minha candidata ao Nobel de 2022.

O veterano líder indígena Marcos Terena, um dos fundadores da Aliança dos Povos da Floresta, com Aírton Krenak e Chico Mendes, não se cansa de me falar que as jovens lideranças indígenas são a grande esperança, e que a causa indígena chegará a um outro patamar. “Nós agora temos índios doutores, médicos, advogados, antropólogos, biólogos, cineastas… São lideranças jovens que mantêm suas ligações com as aldeias e respeitam as lideranças mais velhas, somam os antigos saberes aos novos conhecimentos”. Terena foi o primeiro “índio piloto”, viveu os conflitos da tradução de identidade. Quando jovem, era chamado de “japonês” pelos colegas de escola e por seu próprio instrutor de voo. Mas a consciência indígena falou mais alto: “Indígena é potência de saberes. Seu conhecimento é a universidade do mundo”.

Aquecimento

A jovem Txai ainda está no último semestre do curso de direito, mas já atua no departamento jurídico da Associação de Defesa Etnoambiental (Kanindé), em Rondônia. Em Glasgow, na Escócia, enquanto a jovem ativista sueca Greta Thunberg criticava o blablablá sobre o clima dos líderes mundiais, Txai roubava a cena no plenário, ao falar da importância dos povos indígenas na proteção da Amazônia. Na hora, lembrei-me das conversas com Marcos Terena sobre esse encontro de gerações indígenas: “Meu pai, o grande cacique Almir Suruí, me ensinou que devemos ouvir as estrelas, a lua, o vento, os animais e as árvores. Hoje, o clima está esquentando, os animais estão desaparecendo, os rios estão morrendo, nossas plantações não florescem como antes. A Terra está falando, ela nos diz que não temos mais tempo”, disse Txai.

Os suruís de Rondônia são 2 mil indígenas, mas são articulados, combativos e plugados nas redes sociais. Ao discursar na COP26, Txai relembrou a morte do seu amigo Ari Uru-EU-Wau-Wau, jovem como ela, que trabalhava registrando e denunciando extrações ilegais de madeira dentro da aldeia onde morava. Segundo Txai, ele foi morto por defender a floresta. “Vamos frear as emissões de promessas mentirosas e irresponsáveis, vamos acabar com a poluição de promessas vazias e vamos lutar por um futuro e presente habitáveis”, defendeu. Na extensa pauta da COP26, o eixo da discussão é a necessidade de conter o aquecimento global.

Energia, empoderamento público e da juventude, natureza e uso da terra, ciência e inovação, transporte e cidades, regiões e espaços organizados estão sendo debatidos até o próximo dia 12, por cientistas, ativistas, autoridades governamentais, executivos de empresas da nova economia, mas, nesse debate, a Amazônia tem lugar de destaque. Cerca de 40 lideranças indígenas, de diversos países, estão participando do encontro. O mundo está descobrindo que eles são os verdadeiros guardiões da floresta e têm um papel de destaque na solução dos problemas ambientais. Oficialmente, o Brasil está representado pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que apresentou uma nova meta climática, com redução de 50% das emissões de gases do efeito estufa até 2030.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-txai-surui-e-a-minha-candidata-ao-nobel-da-paz-de-2022