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Julianna Sofia: Por que não cobrar dos riquíssimos para dar aos paupérrimos?
O 1% mais rico do país tem 30% da renda; os 5% mais pobres ganham R$ 165 por mês
O ministro Paulo Guedes encontra-se numa encruzilhada na busca por recursos para o Renda Brasil, peça de propaganda capaz de pavimentar o caminho para reeleição de Jair Bolsonaro. A situação falimentar das contas públicas e as travas fiscais vigentes, a incompetência do governo em endereçar reformas estruturais, além do voluntarismo do ocupante do Planalto, fizeram da tarefa bufonaria autêntica.
Propostas a esmo para bancar o programa social de Bolsonaro. Guedes já tentou vincular o gasto à criação da nova CPMF —o imposto digital que não tributa só transações digitais. E alertou que um benefício de R$ 300 ao Renda Brasil exigiria o fim das deduções do Imposto de Renda. Planejou ainda cortar o abono salarial, o Farmácia Popular e o seguro defeso para abrir espaço no teto de gastos e, assim, turbinar com R$ 20 bilhões o novo Bolsa Família.
A um só tempo, atirou na classe média —sempre a pagar o pato— e na população de baixa renda. Levou uma pisa de Bolsonaro ("Não posso tirar de pobres para dar para paupérrimos").
Há mérito na discussão sobre a qualidade do gasto público, reavaliando a eficiência de programas sociais e benefícios fiscais. Mas é imprescindível incluir os super-ricos no encontro de contas.
Só na pandemia, mais de 70 bilionários da América Latina e do Caribe aumentaram suas fortunas em US$ 48 bilhões, segundo a Oxfam. A maioria dessa turma está no Brasil. Em 2019, o 1% mais rico do país ganhou R$ 29 mil mensais. O grupo concentra quase 30% da renda total. Os 5% mais pobres receberam R$ 165 por mês.
Tributar lucros e dividendos e tornar mais progressiva a taxação de altos salários são formas de financiar um programa para miseráveis. Ademais, faz-se urgente o empenho do governo para tirar da gaveta a reforma administrativa e dirimir distorções de renda que se perpetuam em polpudos contracheques.
Por que não cobrar dos riquíssimos para dar aos paupérrimos?
Julianna Sofia: Porta da rua
Haverá poucos direitos e encargos trabalhistas reduzidos
Nas palavras do ministro Paulo Guedes (Economia) foi uma ideia “espetacular” do presidente Jair Bolsonaro a proposta de estender o auxílio emergencial por três meses em parcelas de R$ 500, R$ 400 e R$ 300. De tão estupenda, Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) não se conteve. Num —improvável— lapso, antecipou nas redes sociais medida que horas mais tarde coube ao chefe anunciar, sem oficializar.
Decerto, Ramos não é um tolo a atropelar por descuido a hierarquia do Palácio do Planalto. Assim como Guedes não acha a proposta lá essas coisas —há algumas semanas defendia apenas R$ 200 por um, dois meses. E Bolsonaro está longe de ser uma mente privilegiada, segundo avaliam 54% dos eleitores no Datafolha. Recentemente chegou a dizer que vetaria qualquer valor aprovado pelo Congresso que superasse duas parcelas de R$ 300.
Diante do abismo da desigualdade social, que se acentua com os efeitos da pandemia, o governo revela inabilidade em lidar com o tema. Pressionado a prorrogar o auxílio emergencial e vendo avançar o debate na sociedade e no Legislativo pela criação de um programa de renda mínima permanente, passa a agitar canhestramente bandeira que nunca empunhou.
Em ritmo acelerado, prepara o Renda Brasil a reboque da visibilidade conquistada com o auxílio de R$ 600. O programa se propõe ambicioso na sucessão do Bolsa Família, via extinção de iniciativas sociais, como o seguro-defeso e o abono salarial.
Por descrer em políticas de transferência de renda como solução, receberá de braços abertos os beneficiários do Renda Brasil, mas já com o dedo a lhes indicar a porta da rua. Num eufemismo guediano, a saída do novo programa ganha nome de “rampa de acesso”. Quem por ela passar, estará habilitado a um plano de empregos para pessoas de baixa renda e sem qualificação. Será possível ao empregado manter o benefício assistencial, com valor menor.
Haverá poucos direitos e encargos trabalhistas reduzidos.
Julianna Sofia: Criar meta para dívida pública é diversionismo
Guedes e seu time oscilam entre respostas escalafobéticas e ausência de planos
A equipe econômica segue obstinada em dar sinais aos investidores de que não arreda o pé de sua cruzada fiscalista. Em apuros para cumprir os parâmetros que hoje regem a gestão das contas públicas, propõem os defensores do pensamento único --e liberal-- criar mais uma regra para orientar a política fiscal. O plano é definir meta para a dívida do setor público.
Indispensáveis, os gastos para atenuar o impacto da pandemia na vida das famílias e das empresas devem levar o endividamento a quase 100% do PIB. Nada que não esteja ocorrendo mundo afora. Mas o raquitismo crônico da economia brasileira e a instabilidade política alimentada diariamente pelo ocupante do Palácio do Planalto completam o vórtice a nos tragar.
A proposta ventilada pelo Ministério da Economia é estabelecer gatilhos para redução da dívida a partir de 2021, fixando patamares em escadinha. A venda de ativos e de parte das reservas internacionais garantiria o abatimento inicial.
Se norma ou meta fossem solução, as contas do país resplandeceriam no azul anil. Há teto de gastos, resultado primário e regra de ouro, todas a perigo.
Na falta de diagnósticos claros e de previsões realistas frente à crise que arrasta o planeta, Paulo Guedes e seu time oscilam entre respostas escalafobéticas e ausência de planos, enquanto entoam o mantra das reformas liberalizantes.
Em março, o ministro traçou como cenário mais dramático para o PIB um avanço de apenas 1% com a pandemia. Seus auxiliares chegaram a dizer que o calor brasileiro conteria a propagação do vírus. Hoje, o ministério projeta retração de 4,7%, enquanto há consenso sobre um mergulho além de 7%.
"Estamos finalizando os nossos programas emergenciais e voltando para as reformas. E nos próximos 60, 90 dias, vamos acelerar", disse nesta semana. Para o ministro, sem o avanço das mudanças estruturais, o Brasil caminhará para uma depressão.
Não há de ser por falta de metas.
Julianna Sofia: Quem sobe e quem desce na crise da pandemia
Perda de dois ministros exprime deterioração acelerada da gestão bolsonarista
Causa aturdimento a perda de dois populares ministros do governo Bolsonaro num lapso inferior a dez dias. A exoneração de Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e a saída de Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), subprodutos do capricho e da inépcia presidenciais, exprimem a deterioração acelerada da gestão bolsonarista em meio à pandemia. São frenéticos os movimentos da gangorra do poder.
Caiu o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, depois de nove meses de fritura e 48 horas após o STF autorizar inquérito para apurar quem está por trás do protesto pró-ditadura militar do qual participou o presidente. À queda se seguiu o pronunciamento apocalíptico do agora ex-ministro e ex-juiz. Moro acusou o presidente de tentativa de interferência na PF e de fraude no ato de demissão de Valeixo.
Também em baixa, o ungido Paulo Guedes (Economia). O Posto Ipiranga pena para deglutir sete slides de intervencionismo estatal em estado bruto, chamado Pró-Brasil. Enquanto Guedes repisa o script das reformas estruturais e privatizações para o pós-crise, a ala militar do governo recicla o PAC, programa petista para gerar crescimento.
Até ontem poderoso "primeiro-ministro", Rodrigo Maia é outro a tocar o chão. Visto como o homem a apertar o botão do impeachment, ele vem sendo isolado pelo Planalto, que oferece cargos aos partidos do fisiológico centrão em troca de votos.
No jogo da alternância, sobem: 1) Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), o ex-auxiliar de Guedes virou a casaca e tornou-se defensor do Pró-Brasil; 2) Braga Netto (Casa Civil), com amplos poderes, articula a criação de uma base de apoio parlamentar, tutela a Saúde no combate à crise e é o principal curador do novo PAC; 3) Líderes do centrão —prestes a ganhar cargos, já farejam dinheiro para obras rumo a 2022; 4) Jorge Oliveira (Secretaria Geral) é cotado para o lugar de Moro na Justiça e também para a vaga que poderia ter sido do ex-juiz no STF —não fosse o balanço da gangorra.
*Julianna Sofia é jornalista, secretária de Redação da Sucursal de Brasília.
Julianna Sofia: Pibinho dará impulso a reformas de Guedes?
Com divulgação do pibinho, Guedes se escora na pauta reformista
No manual de usos e costumes do ministério de Paulo Guedes (Economia), a métrica de prazos agora se dá em semanas. Qualquer iniciativa para a qual não se consiga atribuir datas, adota-se a previsão de "duas semanas". Também em semanas, o ministro quantifica o tempo que falta ao Brasil para ser salvo: apenas 15, período que resta para aprovar o "core" da agenda econômica no Congresso antes do recesso parlamentar em ano eleitoral.
A valer os novos padrões e os últimos rumores, ficou para a próxima semana (pela enésima vez?) o anúncio do envio da reforma administrativa ao Legislativo —três semanas depois de o presidente Jair Bolsonaro dizer que a proposta estava madura para ser encaminhada à Câmara.
As mudanças, que prometem revolucionar a gestão pública, alterando a estrutura do funcionalismo para novos servidores, enfrentam o boicote do próprio Palácio do Planalto.
Por essas e outras que a medida provisória que amplia a possibilidade de contratação temporária de servidores sem concurso, recém-editada, é vista como uma minirreforma administrativa camuflada, enquanto a de fato não vem. Embora o governo conteste a tese, a MP entrou na mira do corporativismo estatal.
Com a divulgação do pibinho de 2019, Guedes e companhia consolam-se em ganhar discurso pela pauta reformista, argumentando que somente o avanço dela poderá estimular a atividade econômica, com a atração de investimentos privados.
"As reformas que faltam, como a administrativa e a tributária, ainda não foram implementadas. Quando forem feitas, os investidores virão mais rápido", afirma o ministro.
À retórica guedista, críticos contrapõem a necessidade de o governo pôr em prática medidas de indução ao crescimento, com ampliação do gasto público. Mesmo aliados do mercado e do empresariado, como Rodrigo Maia (Câmara), manifestam incômodo com o mantra da austeridade fiscal per se.
Melodia aos ouvidos de um presidente outrora intervencionista.
Julianna Sofia: Chama o síndico
Com Guedes fora da casinha, reformas e medidas econômicas correm risco.
As falas destrambelhadas do ministro Paulo Guedes (Economia) parecem traços de uma irritação enrustida pelas dificuldades de levar a cabo seus planos. No grito, na prensa, na declaração estapafúrdia, uma forma de fazer o Palácio do Planalto, o Congresso, a sociedade compreenderem a necessidade premente de efetivar suas propostas.
A reforma administrativa da equipe econômica, depois de arestas aparadas e vários reparos a pedido de Jair Bolsonaro, jaz pronta na mesa do presidente. Nem por isso de lá saiu —graças a pressões das alas política e militar do Planalto e à má vontade presidencial com a mudança considerada impopular. Já estava travada quando o "Posto Ipiranga" decidiu chamar servidores públicos de parasitas. Com a manifestação, quase degringolou, e agora Bolsonaro afirma que, se não houver "marola", será encaminhada na próxima semana.
A impaciência de Guedes para lidar com contrariedades e seus espasmos sincericidas provocam danos. Com o PIB rodando abaixo das expectativas, ninguém precisa de um ministro da Economia fora da casinha a fazer companhia ao núcleo ideológico radical do governo, distribuindo munição gratuita a opositores da agenda reformista.
Enquanto Guedes falava a uma plateia esvaziada barbaridades sobre o câmbio e a "festa danada" de empregadas domésticas na Disney com o real valorizado, o governo não conseguia cumprir um acordo para impedir que o Legislativo abocanhe um naco de R$ 30 bilhões do Orçamento. Sem um gerentão, o Executivo não conseguiu elaborar a tempo um projeto de lei para honrar o acerto.
O resultado de muita parolagem e pouca articulação também põe em risco uma das PECs do trio de propostas do ajuste fiscal, em tramitação no Senado. A equipe de Guedes comeu mosca, e uma manobra de aliados pode fazer com que a medida para extinção de 200 fundos públicos permita um furo de R$ 32 bilhões no teto de gastos.
Com o ministro a cometer asneiras, alguém chama o síndico?
Julianna Sofia: Um estranho no ninho
Novo ministro do Minha Casa Minha Vida taxou seguro-desemprego e endureceu regras de aposentadorias
Na gênese da demissão de Gustavo Canuto do comando do Ministério do Desenvolvimento Regional, diferenças irreconciliáveis. Técnico metódico, alheio ao tempo da política, o quinto ministro exonerado por Jair Bolsonaro não só falava dialeto diferente dos ocupantes do Congresso como divergia entre quatro paredes dos gabinetes ministeriais do ideário ultraliberal da equipe de Paulo Guedes (Economia).
Sua instabilidade no cargo começou ao sentar na cadeira. A pasta, que sucedeu o antigo Ministério das Cidades, é cobiçada historicamente pela classe política por seu volume de recursos e capilaridade. É lá que sempre se praticou o toma lá, dá cá das emendas parlamentares com verbas para cisternas, saneamento, habitação e transporte urbano.
Por não ser um animal político, Canuto vinha sendo fritado em fogo brando. No final do ano passado, houve coro de parlamentares pelo acerto de pendências governistas na liquidação da fatura da reforma da Previdência, e a batata passou a assar em temperatura mais elevada.
Foi a dissonância com a equipe econômica, no entanto, que fez Guedes pedir sua cabeça na bandeja. O ex-ministro foi contra o modelo de marco do saneamento do Ministério da Economia por discordar da privatização irrestrita do setor. Em outra frente, divergia da linha do Posto Ipiranga ao defender uma política habitacional para o país.
Se o Minha Casa Minha Vida travou, auxiliares do ex-ministro culpam Guedes: cortou os recursos previstos para 2019 e encolheu o orçamento de 2020 —redução de 40%. A Economia foi contra a reformulação do programa apresentada por Canuto, que previa subsídio federal para baixíssima renda via voucher.
Com Rogério Marinho agora no Desenvolvimento Regional, o Palácio do Planalto pretende azeitar o jogo legislativo e Guedes passa a ter um aliado no ministério. Para elucidar os novos rumos da pasta, essencial buscar pelas palavras-chave: reforma trabalhista e da Previdência e taxação do seguro-desemprego.
Julianna Sofia: Cavalo de pau indesejado
Durou pouco a ideia do governo de congelar o salário mínimo
Não durou 72 horas o balão de ensaio sobre o congelamento do salário mínimo. Perante as amarras do teto de gastos e um cenário fiscal de desolação em 2020, a equipe econômica de Paulo Guedes (Economia) lançou na praça a proposta de vetar reajuste para o piso salarial nos próximos dois exercícios. Seriam poupados R$ 12,3 bilhões no ano que vem se o valor fosse mantido no patamar atual (R$ 998), sem correção.
Um cavalo de pau de Jair Bolsonaro na política de aumento do mínimo, que vigora formalmente desde 2007 —embora desde meados dos anos 1990 tenham sido concedidos ganhos reais ao trabalhador. Uma medida drástica, que exigiria mudança na Constituição, pois a Carta determina a preservação do poder aquisitivo do piso salarial por meio de reajustes periódicos.
Hoje, uma parcela significativa dos gastos do governo está atrelada ao mínimo, como benefícios assistenciais e previdenciários. Assim, a cada R$ 1 de aumento no piso há impacto de R$ 300 milhões na contas do Tesouro Nacional.
Com 94% das despesas para o ano que vem travadas com desembolsos obrigatórios, a trupe de Guedes busca meios de liberar recursos para garantir o funcionamento da máquina administrativa e dar algum impulso ao investimento público. Para isso, ensaia apoiar uma proposta de emenda constitucional em discussão no Congresso que altera regras fiscais, e o congelamento do salário mínimo seria a cereja do bolo.
A alternativa foi vazada à imprensa sem nenhum integrante do governo assumir oficialmente a paternidade. Mas até as pedras da Esplanada sabem que o ministro da Economia é o maior entusiasta da medida e trabalha numa proposta batizada de 3Ds —desobrigar, desvincular e desindexar o Orçamento da União.
Com a chiadeira provocada pela divulgação da ideia de congelamento do mínimo, o Ministério da Economia recuou na intenção mais rápido do que era de se esperar.
Acepipe do que Guedes e seu plano 3Ds encontrarão pela frente.
Julianna Sofia: Notícia que vem dos Alpes
Muitas dúvidas ainda pairam sobre os rumos da reforma da Previdência
Está nos planos do ministro Paulo Guedes (Economia) apresentar “algum detalhe” da reforma da Previdência ao escol de empresários, acadêmicos e autoridades presentes em Davos na próxima semana. Aqui —abaixo da linha do Equador— muito se fala, muito se vaza, mas pouco se sabe oficialmente. Neste domingo (20), o próprio presidente Jair Bolsonaro deve tomar mais conhecimento da proposta, quando lhe for feito um arrazoado.
As mudanças nas regras das aposentadorias tornaram-se a grande curiosidade dos investidores estrangeiros. Sem elas, o governo do capitão reformado —ou o de qualquer zé-ruela que envergasse a faixa presidencial— submergirá no caos, dada a dramática situação fiscal do país.
É curioso e emblemático que o público nos Alpes venha a saber algo antes, enquanto deputados do partido do presidente dão um rolé na China e não ganha forma a amálgama parlamentar que dará sustentação ao governo. Tampouco trabalhadores ou patrões foram chamados a conhecer o que se pretende mudar.
A expectativa é que em até duas semanas o martelo político seja batido. Conselheiros de Guedes ainda tentam dissuadi-lo da ideia de incluir na reforma um regime de capitalização para as aposentadorias de gerações futuras. Mais vale corrigir distorções do sistema atual, que corroem as contas públicas e abrigam privilégios. Não há sinal de recuo.
Até um desfecho, três diferentes núcleos rivalizam na construção da proposta, o que tem contribuído para a indefinição de pontos importantes. Ao Ministério da Economia se contrapõem Onyx Lorenzoni (Casa Civil) & asseclas e os onipresentes militares. Daí, por exemplo, a incerteza sobre a participação das Forças Armadas nas alterações previdenciárias a partir da blindagem montada pelos generais.
Para aplacar a ansiedade geral, Bolsonaro assinou nesta sexta (18) medida provisória para conter ralos e gastos no INSS. Na hora H e depois de muita boataria, o texto saiu bem menos ambicioso do que o esperado.
Julianna Sofia: Com mais carinho
Despetização de comissionados lembra a moenda de Collor na caça aos marajás
Passados quase 30 anos, o Estado brasileiro ainda desconhece a verdadeira dimensão das demissões de funcionários públicos promovidas em massa pelo governo Collor (1990-1992).
A caçada aos marajás e o enxugamento da máquina administrativa levaram à defenestração de mais de 100 mil servidores sem estabilidade e celetistas contratados pela União. A revolução liberal extinguiu 24 empresas estatais, e os ministérios foram reduzidos de 23 para 12.
Em 1994, Itamar Franco assinou uma lei para anistiar parte dos desligados, mesmo sob a ameaça demissionária de seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Foram readmitidos 48 mil pela nova norma, que protegia os despedidos ilegalmente —quem sofrera perseguição política ou tinha mandato sindical, por exemplo.
Ao chegar ao Palácio do Planalto, FHC revogou os processos de anistia e revisou todos os casos. Moral da história: apenas 10% dos demitidos voltaram à folha de pagamento do governo, e centenas ainda brigam judicialmente pelo posto perdido.
“Despetizar” cargos comissionados no governo Bolsonaro soa tão arbitrário —só que mais ideologizado e menos disseminado— quanto a moenda instalada por Collor. A caça às bruxas de vermelho na Casa Civil de Onyx Lorenzoni exonerou, por ora, 320 pessoas e emitiu sinal verde para outras instâncias reproduzirem o procedimento. Em órgãos como Apex e ABDI, técnicos dispensados prometem buscar a Justiça.
“Você tem no serviço público funcionários que são realmente funcionários de Estado. O cara passou o governo A, B, C, D e fez ali o trabalhinho dele bonitinho. Não pode pegar esse cara porque estava no governo anterior. O cara é bandido por causa disso?”, disse o vice-presidente Hamilton Mourão, sugerindo que o processo pudesse ter sido feito “com mais carinho”.
O vice vocalizaria a razão nesse tema, não fosse o bla-bla-blá para justificar a promoção questionável do próprio rebento no Banco do Brasil.
Julianna Sofia: Rotação e translação
Discurso lúcido e franco de Guedes perde força com pragmatismo de Brasília
O discurso preceptoral de Paulo Guedes (Economia) ao assumir a superpasta inflamou a banca financista e a elite empresarial por ser lúcido no diagnóstico e franco nas intenções ultraliberais. Bastou um movimento de rotação para o inescapável choque de Brasília dar contornos mais realistas a alguns dos conceitos guedistas.
Para o economista, se o governo Jair Bolsonaro aprovar em alguns meses a reforma da Previdência, estará garantido por dez anos o crescimento econômico. No dia seguinte, o presidente anunciou na TV que aproveitará a proposta de Michel Temer, mas indicou que suavizará o texto.
Bolsonaro quer tratar da escadinha para fixação de uma idade mínima só para o período de seu mandato; e, a despeito da convergência de regras pretendida por Temer, ele não tratará todos de forma igual. A fala vaga e sem detalhes desanimou investidores porque prenuncia desidratação, reduzindo o efeito fiscal da reforma. Sem reversão da dívida pública, não haverá crescimento.
Guedes ainda discorreu sobre um plano B caso a reforma não vingue. Os parlamentares precisarão ingerir remédio mais amargo e aprovar emenda constitucional para desvincular e desindexar o Orçamento.
O sincericídio foi lido como ameaça ou inabilidade política. Desnecessárias 24 horas para os líderes partidários criticarem o roteiro que juntou na mesma cumbuca temas tabus nos trópicos: aposentadoria, funcionalismo, saúde e educação.
Na parolagem de quarta (2), Guedes atacou a política de desonerações, que verte R$ 300 bilhões/ano. Explorou a necessidade de redução da carga tributária (36% do PIB), pois acima de 20% é o “quinto dos infernos”. Pois bem. Na quinta (3), Bolsonaro assinou prorrogação de benefícios para o Norte e Nordeste, com impacto bilionário por cinco anos. Para compensar, anunciou (e recuou) aumento de imposto num bate-cabeça federal com a área econômica.
O Chicago Oldie precisará modular discurso e ideias para resistir aos solavancos de quatro translações.