judeus progressistas
Judeus progressistas em São Paulo e a Casa do Povo
Fluxo migratório para o Brasil dos judeus progressistas (comunistas e socialistas) se intensificou após a ascensão do Nazismo ao poder na Alemanha, em 1933, e por razões econômicas pós crise de 1929, além da fuga das ditaduras fascistas e antissemitas da Polônia e Romênia
Dina Lida Kinoshita / Militante e dirigente do PCB, PPS e Cidadania
Com o estabelecimento das “quotas” por nacionalidade para emigração aos Estados Unidos, nos anos 1920, o Brasil passa a ser uma das possibilidades para os judeus do Leste Europeu. É uma emigração pós pogroms ocorridos durante a Guerra Civil, nas regiões do Império Czarista onde a Revolução de Outubro fracassou, sobretudo na Polônia e na Lituânia. Com a ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha em 1933 e, a política britânica de conter a ida de judeus para a Palestina a partir de 1936, esse fluxo migratório para outros países, entre eles o Brasil, se intensificou. Essa emigração ocorre não só devido ao perigo nazista, mas principalmente por razões econômicas pós crise de 1929 e pela fuga de judeus progressistas (comunistas e socialistas) das ditaduras fascistas e antissemitas da Polônia e Romênia.
Esses judeus progressistas foram forjados nas lutas contra a opressão da autocracia czarista e posteriormente nos países do “cordão sanitário”, criados para que a “praga bolchevique” não se alastrasse. Vinculados aos círculos socialistas surge um novo tipo de intelectual dentro “...da tradição marxista que levou o movimento político fundado nos trabalhadores a dar ênfase particular ao desenvolvimento da teoria, considerado indispensável para orientar uma prática transformadora da realidade...”[1]. Apesar da pouca ou nenhuma educação formal uma vez que vigia ora o “numerus clausus” ora o “numerus nulus”, formavam-se verdadeiros intelectuais autodidatas para quem a questão cultural era central para esse fim. Havia nos estratos populares uma fome de cultura e esses autodidatas tinham uma militância ativa e nada do que é humano lhes escapava. Além do que, antes do surgimento da indústria cultural, os círculos comunistas e socialistas eram os grandes difusores da cultura laica nas classes populares.
Desde os primórdios da imigração judaica do Leste Europeu, os progressistas de São Paulo criaram várias entidades. Nos anos 1920, inicialmente o Tsukunft (O Porvir) e, depois o Yugnt Club (O Clube da Juventude), que privilegiava o aprimoramento cultural, do ponto de vista marxista, dos poucos operários e uma maioria de mascates, muitos deles militantes de bairro.
Esses imigrantes tentaram se integrar ao novo país onde viviam, porém nunca deixaram de lançar seu olhar ao que ocorria no “Velho Lar” onde houve uma Revolução que prometia “pão, paz e terra”[2].
As décadas de 1930-40 talvez tenham sido o auge do que Eric Hobsbawm denominou “A Era dos Extremos”[3]. Embora nos anos 1920 já houvesse ditaduras fascistas na Itália e em Portugal, a ascensão do nazismo ao poder agravou deveras o contexto político europeu. Essa última vitória decorre em grande parte devido à política de “classe contra classe” definida no VI Congresso da Internacional Comunista (IC), em 1928.
Para barrar o avanço do nazi fascismo a IC convoca para julho de 1935, o VII Congresso, onde são aprovadas as teses do búlgaro Gyorgy Dimitrov, de construção das “frentes populares”. Neste congresso houve uma sessão de grandes escritores e intelectuais de todo o mundo, “Em Defesa da Cultura”[4]. A fração judaica que acorreu a essa reunião convocou um congresso para julho de 1936, a ser realizado em Paris. Houve um boicote de alguns no mundo Ocidental, mas no cômputo geral, o Congresso “Em Defesa da Cultura Judaica” obteve grande êxito e ao final, foi criado o “Ídicher Cultur Farband” (ICUF)[5]. O representante do Brasil foi Menachem Kopelman.
A organização do ICUF tinha uma estrutura que consistia de um comitê internacional inicialmente sediado em Paris, posteriormente transferido para os EUA, devido à invasão nazista; os comitês nacionais, nos países onde havia comunidades que se expressavam na língua iídiche, e uma vasta rede de entidades locais. A cada três anos eram previstos os congressos nacionais. Essa estrutura seguia muito de perto, a das Internacionais Socialista e Comunista, bastante hierarquizada e verticalizada. Certamente não corresponde às redes modernas, onde as novas tecnologias propiciam muito mais horizontalidade. Mas com certeza, havia um grande intercâmbio entre estes setores progressistas das diversas comunidades. A II Guerra Mundial e o extermínio dos judeus europeus haviam diminuído a importância do Comitê Internacional e os comitês regionais e nacionais adquiriram mais força.[6]
De toda maneira a frente formada em torno do ICUF, é a que se havia constituído nas organizações clandestinas de resistência nos guetos e nos destacamentos partisans durante a II Guerra Mundial e que perdurou no imediato pós-guerra, onde atuavam comunistas, bundistas e sionistas de esquerda. Basta verificar os nomes e filiações partidárias dos mais destacados comandantes, militares ou intelectuais, da resistência antifascista judaica na Europa Oriental: Mordechai Aniliewicz, Josef Kaplan e Arie Wilner do Hashomer Hatzair (Jovem Guarda), Josef Lewartowski e Itzik Vitenberg do Partido Comunista Polonês, Marek Edelman e Michal Klepfisz do BUND e Dr. Emanuel Ringelblum do Linke Poale Tzion (Esquerda dos Operários de Sion).
Cabe lembrar que enquanto ocorria este Congresso, judeus provenientes do Brasil estavam lutando nas Brigadas Internacionais ao lado da República Espanhola, durante a Guerra Civil. [7].
A grande ausência notável no Congresso, foi de uma delegação soviética de escritores que se expressavam no idioma iídiche.
No plano nacional, a década de 1930 se inicia com a ditadura de Getulio Vargas que simpatiza por muitos anos com o nazi fascismo. Foi um período de muita intolerância do governo e resistência judaica com numerosas prisões e deportações. A espada de Dâmocles pendia sobre a cabeça desses imigrantes, uma ameaça real numa Europa fascista[8]. A construção do aparelho repressivo no Brasil, a partir do começo do século XX até os anos 1930, com a instituição do Estado Novo através da Constituição de 1937, mais conhecida como a “polaca”, a repressão se agrava. Especialmente a política varguista com relação aos imigrantes judeus vindos das regiões do antigo Império czarista e de suas possíveis simpatias com a Revolução de Outubro[9]. Não se pode esquecer que nos fins dos anos 1920 e até meados dos anos 1930 a IC havia dedicado uma atenção especial ao Brasil, na medida em que Luis Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, líder máximo da Coluna Prestes, havia ingressado no PCB e vinha-se preparando o Levante de 1935. Um número expressivo de judeus estava envolvido nisso.
O Uruguai, país com estabilidade democrática, prestou solidariedade e refúgio a perseguidos políticos. Pode-se citar como exemplo, os casos de Hersch Schechter que em sua segunda deportação, ocorrida em 1941, e até sua volta após a democratização de 1945, e em seu exílio entre 1964-68 esteve no Uruguai trabalhando no jornal Unzer Fraint (Nosso Companheiro), ou no caso de Alter Kowalski e de Volf Feldman que se fixaram definitivamente no país vizinho e realizaram um trabalho de enlace político-partidário entre as comunidades desses países vizinhos da região. Srul Fajbus Roclaw também passou vários anos no Uruguai, enquanto Josef Lipski esteve no Uruguai e Argentina.
Casa do Povo Monumento Vivo
Havia também decretos secretos proibindo a entrada de judeus no país[10].
Se a difícil situação econômica e a perseguição são condições gerais para os judeus do Leste Europeu, os judeus de esquerda em todas as suas vertentes, são duplamente perseguidos. Embora a história dos judeus de esquerda hoje seja escamoteada e pertença à história dos silenciados e vencidos, sua importância pode ser conferida pelo papel desempenhado pelo BUND na formação do Partido Operário Social Democrata da Rússia, bem como em obras literárias como “A Família Muskat”[11] de Isaac Bashevis Singer, nas memórias de velhos militantes como Hersz Smoliar[12] ou em livros como Le Yiddishland Revolutionaire[13], ou ainda “Le Pain de la Misére” de Weinstok[14]
Enquanto alguns preferiram inserir-se nas lutas gerais do povo brasileiro, a maioria, ao chegar a terras de língua, hábitos e costumes estranhos, reproduz os seus modos de organização dos países de origem.
Parte dos comunistas judeus nascidos no Brasil ou que chegaram aqui bem jovens, entre os quais poder-se-ia citar Leôncio Basbaum, Hersch Schechter, Sara Becker (mais tarde Sara de Mello), Felícia Itkis (mais tarde Schechter), Noé Gertel, Jacob Wolfenson e José Gutman, abraçavam em primeiro lugar, as lutas gerais do povo brasileiro, já que a comunidade era e continua relativamente pequena e nunca se respirou o “idishkeit” (atmosfera judaica) da Europa Central e Oriental com muita intensidade. Porém, vários imigrantes que já vinham dos círculos socialistas europeus, como Jacob Frydman, tentaram inserir-se inicialmente nessas lutas do povo brasileiro, e só após muitas perseguições e deportações, os que permaneceram no país, muitas vezes se organizaram no meio judaico. Talvez, o Levante de 1935 organizado pelo PC em consonância com a IC, tenha propiciado um acerto de contas internacional, uma vez que os integralistas, que tinham forte simpatia pelas forças do Eixo, participavam do governo Vargas[15]. De toda maneira, a violenta repressão que se abate a partir dos anos 1935, praticamente liquidam essa primeira onda de entidades da esquerda judaica.
Em 1942 Vargas muda de posição após uma negociação com o Presidente Franklin D. Roosevelt, em que os Estados Unidos construiriam a Companhia Siderúrgica Nacional, em troca de permissão para construção de uma base militar em Natal, no Rio Grande do Norte, ponto estratégico para a travessia do Atlântico rumo à África. Esse acordo dá margem a fissuras no regime brasileiro. As forças que lutam pela democracia começam a se reorganizar.
Os judeus progressistas também buscam os caminhos para satisfazer as melhores aspirações populares. Num caminho de vai e vem, abraçavam todas as causas condutoras ao enraizamento na nova terra e ao mesmo tempo preservavam os valores político-sociais, humanistas e literários adquiridos em suas terras natais da Europa Oriental. Foi nesta época que surge o Centro Cultura e Progresso. É um momento de muita efervescência política bem como cultural.
Merece uma menção especial o papel desempenhado pelo teatro nessa entidade. Unindo o ensinamento de I. L. Peretz, “O teatro é escola para adultos”, e o de Romain Rolland, “O teatro deve compartilhar o pão do povo, de suas inquietudes, de suas esperanças e de suas lutas”, o Dramkraiz (Círculo Dramaático) de São Paulo fez “...do trabalho teatral uma prática deliberada não só de arte, como de educação e política, sem renunciar contudo, nos vários momentos de sua trajetória e de suas preferências ideológico-estilísticas, à busca da artisticidade, senão da forma, na linguagem dramático cênica.”[16] Há indícios de que ainda em 1938, no tempo do Yugnt Club, Riven Hochberg encenou uma peça teatral. O espetáculo ocorreu no teatro do Clube Luso-Brasileiro. Mas no período do Estado Novo e da II Guerra foram proibidas todas as atividades de estrangeiros.
Porém por volta de 1942, com a “abertura” surge o Centro Cultura e Progresso e as atividades teatrais são retomadas a todo vapor.
Outra atividade essencial era a biblioteca. Havia uma quantidade grande de livros, a maioria em iídiche e português mas também em russo e polonês. Quem cuidava da biblioteca como voluntário era Avrum Rajnsztajn e posteriormente, também Felícia Itkis Schechter.
Com a mudança de rumo da política internacional do governo Vargas, navios alemães atacam as costas brasileiras e a população começa a se manifestar pela entrada na guerra ao lado dos Aliados. O governo brasileiro vê-se obrigado a organizar a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Muitos judeus se alistam para lutar na Itália, contra o nazifascismo. Entre eles, Boris Shnaiderman, professor de literatura russa da USP; o artista plástico Carlos Scliar; Salomão Malina, o último Secretário Geral do PCB e Samuel Safker, ativista e dirigente da Associaçao Scholem Aleichem do Rio de Janeiro.
Com a derrota do nazi fascismo cai a ditadura de Vargas. Não obstante a pouca atividade das entidades vinculadas ao ICUF durante a guerra, por razões já mencionadas, no imediato pós-guerra, tiveram um grande florescimento e se associaram às congêneres argentinas e uruguaias. Como primeira atividade, trabalharam no auxílio imediato aos sobreviventes do Holocausto que se encontravam, sobretudo na Polônia e, pouco depois nos diversos DP Camps na Alemanha.
A criação do ICIB e outras atividades afins
Em 1942, enquanto se desenrolava na URSS a sangrenta e decisiva Batalha de Stalingrado, turning point da II Guerra, Manoel Casoy prometeu doar uma soma de dinheiro, caso os nazistas fossem derrotados, para erigir um monumento em homenagem aos heróis e mártires tombados. Terminada a guerra, Casoy cumpriu a promessa. Ao tomar conhecimento da barbárie do extermínio das comunidades judaicas no Leste Europeu, formou-se uma comissão que decidiu construir o Instituto Cultural Israelita Brasileiro (ICIB), mais conhecido como o Folks Hois ou a Casa do Povo.
O espaço também abrigaria a Escola Scholem Aleichem e um Clube Infanto-Juvenil. I. L. Peretz, ambos em homenagem a dois patriarcas da literatura iídiche. Outras atividades que não poderiam faltar eram o Clube de Xadrez, o Leinkraiz (Círculo de Leitura) e o Coral que cantava belas canções populares do repertório iídiche bem como músicas revolucionárias e de combate. Os três grupos teatrais, o Dramkraiz e outros dois em língua portuguesa se apresentavam em outros teatros da cidade, inclusive no Teatro Municipal. Esses grupos amadores de alto nível foram premiados por diversas vezes. O Teatro de Arte Israelita Brasileiro (TAIB) só foi inaugurado em 1960.
O edifício é uma espécie de Palácio da Cultura, para preservar pelo menos uma pequena parte do que foi destruído. A comunidade judaica de São Paulo engrossou sua simpatia pela esquerda pois os soviéticos libertaram a maioria dos grandes campos de concentração e de extermínio. Quase toda a comunidade contribuiu ainda que fosse com um tijolo. Foi uma demonstração do apreço pelos progressistas. O ICIB foi fundado em 1948 mas o edifício só foi inaugurado em 1953. A biblioteca já existente nas entidades anteriores foi incorporada à nova sede.
Os arquivos da Casa do Povo têm muitas lacunas, não por incompetência dos que o organizaram. Os longos períodos de autoritarismo no Brasil, durante o século XX, e a tradição revolucionára do Leste Europeu é rica em silêncios. Muitos eventos não constam nos arquivos, outros não têm data ou são anunciados de uma maneira hermética que só quem estava presente pode recordar do que se trata. Um exemplo disso é um convite para ouvir um camarada que viajou para a Europa. Se visitou em Paris o Moulin Rouge ou a redação do Sovietish Heimland em Moscou é impossível saber.
Porém houve muitas conferências e debates. Escritores e intelectuais importantes, militantes da cultura iídiche como Aron Kurtz (presidente do ICUF nos EUA), os poetas H. Lêivik e SZmerke Kaczerginski, bem como da cultura universal, como, Pablo Neruda (Prêmio Nobel de literatura, Chile), Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles, o cantor Paul Robson, Ida Kaminska (atriz do Teatro Estatal Judeu da Polônia e intérprete principal do filme, A Pequena Loja da Rua Principal, Mario Schenberg (intelectual e eminente físico teórico), entre muitos outros proferiram conferências ou participaram de atividades artísticas na entidade. Marcos Ana, poeta libertado das masmorras franquistas nos anos 1960 também foi ouvido na Casa do Povo. Foram homenageados em seus natalícios ou em datas fúnebres, Scholem Aleichem, I. L. Peretz, Moishe Olguin, M. Gebirtig, Avrum Reisn, bem como W. Shakespeare, Rubén Dario, Euclides da Cunha, Albert Einstein, Julio Cortázar, Machado de Assis, Rafael Alberti, entre outros.
A Escola Israelita Brasileira “Scholem Aleichem” de São Paulo foi a primeira escola de pedagogia moderna, durante muitos anos considerada como escola avançada, servindo de modelo às escolas de aplicação e experimentais implantadas na rede de ensino público mais tarde. Do ponto de vista da educação judaica, o enfoque era laico, sendo a única escola judaica que ensinava no pós-guerra a língua iídiche e não o hebraico. Enquanto os sionistas consideravam o iídiche como a língua dos judeus dos guetos que foram aos crematórios como carneiros, os progressistas afirmavam que em memória aos combatentes e heróis da resistência dos guetos e dos destacamentos de partisans, em memória a toda uma cultura progressista criada em íidiche e destruída durante o Holocausto, e com a esperança de um renascimento sócio-cultural das comunidades judaicas nas Democracias Populares, decidiram manter o iídiche e não ensinar o hebraico. Mas mais importante talvez seja o sentimento transmitido aos alunos de “...serem lutadores invencíveis pelas causas da humanidade.
Além dessas atividades havia outras de caráter nacional:
- O jornal Unzer Shtime (Nossa Voz), cujo redator-chefe nem constava do expediente por ser estrangeiro e havia sido deportado nos anos 1920 e 1940. Quem respondia pelo jornal era o estudante de medicina, Israel Nussenzweig. Mas todos sabiam que Hersch Schechter era a cabeça e a alma do jornal e escrevia todos os editoriais. O jornal se referia às questões da paz e quanto à questão judaica, sempre enfatizava, diferentemente dos jornais sionistas, propostas plurais de experiências das comunidades judaicas, e também demonstrava grande esperança na reconstrução de uma vida sócio-cultural judaica nas Repúblicas Populares e na URSS pós-holocausto. A redação do jornal foi invadida e empastelada logo após o golpe militar perpetrado em 1º de abril de 1964 quando o jornal deixou de ser editado – é difícil prever como esta proposta evoluiria, se houvesse continuidade. Além disso, havia um esforço muito grande, no sentido de encorajar os setores progressistas da comunidade judaica, a se integrarem ao povo brasileiro e às suas lutas mais gerais. O jornal jamais teve uma linha isolacionista. Apesar da década de 1970 ter sido a época de ouro dos jornais alternativos no Brasil, que se colocavam claramente contra o regime ditatorial, como o Pasquim, sucedido pelo Opinião e pelo Movimento, não havia condições de relançar o Unzer Shtime, porque quase ninguém mais lia em íidiche e a Casa do Povo vivia permanentemente vigiada, alguns de seus ativistas e diretores estavam presos no Doi-Codi[17], não permitindo grandes atividades. Quanto à orientação, o Unzer Fraint segue a mesma tônica e também não resistiu ao regime ditatorial uruguaio dos anos 1970;
- A juventude publicava a revista O Reflexo entre 1946 e 1951 sob a direção de Luiz Israel Febrot. Também organizavam bailes e comemorações festivas.
A simpatia da comunidade judaica pela esquerda no imediato pós-guerra, teve reflexos de algum modo no número e destaque intelectual de quadros de origem judaica da geração de 1945, na direção do PCB. Pode-se citar Salomão Malina, Jacob Gorender, Mário Schenberg, Marcos Chaimovitch, Isaac Scheinvar, Maurício Grabois, Moisés Vinhas e Carlos Frydman entre outros. Num determinado momento, o setor judaico do PCB em São Paulo foi a base mais importante e Eliza Kaufman Abramovich, diretora da Escola Scholem Aleichem, foi a vereadora mais votada e a bancada de comunistas majoritária na Câmara dos Vereadores da cidade. Já em 1946, na eleição para a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, foi eleita uma bancada expressiva de deputados comunistas, entre eles, Mário Schenberg. É difícil fazer comparações com eleições anteriores uma vez que de 1930 a 1945 só houve uma eleição direta para a Assembléia Nacional Constituinte de 1934, quando poucos judeus no Brasil puderam votar, por sua condição de estrangeiros ou porque muitos chegaram após esta data;
- A Colônia de Férias Kinderland funcionava como um prolongamento da escola em época de férias. Além das atividades recreativas, havia uma vasta programação cultural e um aprofundamento da noção de vida coletiva em detrimento do individualismo.
A Associação Feminina Israelita Brasileira (AFIB) se espelhava na tradição de Clara Zetkin e Rosa Luxemburg, das mulheres combatentes de todos os tempos pela liberdade e pelos direitos humanos, desde as operárias de Manhattan em greve pela redução da jornada de trabalho, até pelas combatentes Niuta Teitelboim do Gueto de Varsóvia e Vita Kempner do Gueto de Vilna. As voluntárias da AFIB administravam[18] a Colônia.
Passeio sonoro pelo Bom Retiro
Assim, esta frente, paralelamente à atividade política, realizava um trabalho nas áreas de educação e cultura.
Ao analisar as atividades da Casa do Povo, vem à lembrança o texto de T. Grol a respeito do Bund na Polônia: “Paralelamente à atividade política e sindical, o BUND realizava um trabalho ramificado e multicolorido nas áreas de educação e cultura. Quem de nossa geração não se lembra da maravilhosa rede de escolas populares judaicas, bibliotecas, associações culturais, clubes esportivos, sanatórios infantis, jornais, boletins e revistas na Polônia do pré II Guerra Mundial, organizadas pelo BUND?”[19] Se o movimento não adquiriu a mesma pujança é preciso guardar as devidas proporções quanto ao tamanho das respectivas comunidades e ao tempo de enraizamento nos vários lugares.
A questão da paz é recorrente ao longo de todas as décadas, com ênfase especial na obtenção de uma paz negociada, justa e duradoura no Oriente Médio, que contemple todos os povos da região. Mas nunca deixaram de lutar por um mundo mais igualitário e pacífico e pelo banimento dos artefatos bélicos nucleares. Transcrevo abaixo um trecho de uma convocatória do XXV aniversário do Levante do Gueto de Varsóvia:
“... Hoje, quando comemoramos o XXV Aniversário do Levante do Gueto de Varsóvia, que tão tragicamente nos lembra a II Guerra Mundial, sentimo-nos inquietos com os conflitos que surgem e se desenvolvem no mundo. Inquieta e nos revolta a tragédia do Vietnã, onde diariamente milhares de preciosas vidas de homens, mulheres e crianças são impiedosamente ceifadas e que poderá culminar com o emprego de armas atômicas, e como conseqüência, provocar uma III Guerra Mundial, com o perigo de aniquilamento de grande parte da humanidade. Portanto, é nosso dever unirmo-nos a todos os povos amantes da Paz, para clamar contra os conflitos que surgem e se desenvolvem no mundo. .”
“...A Israel cabe criar condições de vida e segurança para o País e aos seus cidadãos, como também achar soluções pacíficas para os problemas de fronteiras ou outros, com seus vizinhos Árabes.
No interesse do Estado de Israel e do povo judeu espalhado pelo mundo, no interesse, felicidade e bem estar de toda a humanidade, é necessário que juntos, todos os povos, empreguem os meios e esforços para que a paz e a liberdade sejam preservadas.” (1968)
A política soviética com relação aos judeus durante
a II Guerra Mundial e no imediato pós guerra
É inegável que, durante os anos do Grande Terror stalinista foram liquidados muitos judeus, Mas, ninguém atribuía este fato ao antissemitismo. Era considerado como um acerto de contas genérico do stalinismo com todos que não rezavam nesta cartilha: trotskistas, bukhrinistas e outros “istas” menos conhecidos por quem não é íntimo da história do PCUS e do regime soviético.
E nos anos da Grande Guerra Patriótica, como os soviéticos denominavam a II Guerra Mundial, os judeus se destacaram não só por seu heroísmo e bravura em combate contra o invasor nazista, mas também, pela proximidade entre os idiomas iídiche e alemão que lhes rendeu missões militares especiais.
Durante o período de guerra, abriram-se certas brechas no regime stalinista uma vez que Stalin estava empenhado em demonstrar que não estava interessado em exportar a Revolução, mas, tão somente, na aliança com os Aliados do Ocidente para derrotar os nazistas. Foi neste contexto que a comunidade judaica soviética havia logrado criar o Comitê Judaico Antifascista. Por outro lado, até 1944 os Aliados do Ocidente ainda não haviam aberto a II Frente na Europa e o peso do conflito nesta região era suportado pelos soviéticos. Stalin constituiu em 1943 uma Comissão Antifascista Judaica para visitar os EUA visando angariar fundos para o esforço de guerra soviético e, conclamar a grande comunidade judaica norte-americana oriunda da antiga “Zona de Residência” para se manifestar pela abertura da II Frente.
Esta comissão era composta pelos próceres da intelectualidade judaica soviética que se expressavam em iídiche: Solomon Mikhoels, grande ator e diretor do Teatro de Arte Judaico de Moscou, e os poetas Itzik Feffer e Peretz Markish. Esta Comissão acabou tendo contatos com intelectuais e artistas como o ator e cantor negro Paul Robeson que participou do maior evento pró-soviético promovido nos EUA pela comunidade judaica de Nova Iorque, com o apoio de Albert Einstein. O evento em favor da abertura da II Frente na Europa, ocorreu no dia 8 de julho de 1943. Logo após a II Guerra, a URSS era vista como a grande vitoriosa da guerra na Europa e gozava de muito prestígio.
No imediato pós guerra a URSS estava interessada em meter uma cunha no Oriente Médio contra os países colonialistas, a saber, Grã-Bretanha e França. Quem presidiu a Assembleia Geral da recém criada ONU, em novembro de 1947, foi o diplomata brasileiro Oswaldo Aranha, mas quem encaminhou e defendeu a proposta da partilha da Palestina, que deu ensejo à criação de um Estado judeu — e de um Estado árabe-palestino — , foi Andrey Gromyko, embaixador soviético neste organismo. Os Estados Unidos votaram a favor da proposta com muitas reticências, a Grã-Bretanha se absteve. Todos os países árabes rejeitaram a partilha e declararam guerra ao Estado recém-criado, com o apoio tácito dos britânicos. A República Popular da Checoslováquia fornecera, em grande medida, as armas utilizadas pela Haganá, embrião do Exército israelense, na Guerra da Independência (1948). Note-se que o processo de descolonização na Ásia e África estava em marcha com o apoio decisivo da URSS. No entanto o Estado Palestino não existe até os dias de hoje.
TVFAP: Entrevista de Dina Lida Kinoshita
Foi um momento de grande unidade do povo judeu. Sionistas e progressistas apoiam a criação do Estado de Israel – se para os primeiros essa criação simboliza a realização de um sonho milenar de volta à “Terra Prometida”, para os segundos, trata-se de um movimento de libertação nacional em que o apoio soviético para um Estado judeu, afetaria os interesses imperialistas numa região altamente estratégica como tem sido ao longo de séculos, o Oriente Médio. Por outra parte, não se pode ignorar que embora houvesse um apoio firme da URSS e das Repúblicas Populares na ONU à criação do Estado de Israel, a atitude dos comunistas sempre foi matizada por um outro sentimento: havia a esperança de um reflorescimento das comunidades judaicas no Leste Europeu, que seria a experiência socialista, e não sionista, de solução da “questão judaica”.
Esse momento durou pouco: a frente constituída nos anos da guerra que perdurou no imediato pós-guerra sofreu uma fratura. Retiraram-se das organizações progressistas, primeiro os sionistas de esquerda e mais tarde outros grupos socialistas. Os sionistas de esquerda, em nível mundial, se alienam das políticas locais e passam a privilegiar uma política de fortalecimento e consolidação do Estado de Israel que pretendiam democrático e socialista. Esta política se expressa na prática por um apoio financeiro, cultural e uma emigração expressiva para o Estado de Israel, entre 1948 e 1965, principalmente de jovens que se dirigem para Bror Khail, Guivat Oz e Gash, conhecidos como os kibutzim de brasileiros.
Contudo, para entender as mudanças, não se pode deixar de fazer uma reflexão a respeito da política brasileira no que diz respeito ao antissemitismo. Durante o Estado Novo, o governo brasileiro foi muito influenciado pelo integralismo, com grandes simpatias pelo Eixo, e praticou uma política cujo conteúdo tem fortes matizes antissemitas. Nesta conjuntura, um grupo de imigrantes que se sente marginal, acaba ingressando num partido de propostas internacionalistas que também é marginal, clandestino e ilegal como o PCB, embora houvesse um número reduzido de anarquistas e trotskistas. Segundo Hobsbawm[20]. talvez, por falta de opções. Outro fator que deve ser levado em conta, é a “política de substituição de importações” implantada no Brasil que propicia às novas gerações de judeus nascidos na região uma ascensão social e cultural. Estas comunidades deixam de sentir-se marginais, e nos momentos de democratização tem maior leque partidário para escolha.
Mas a lua-de-mel dos Aliados dura pouco. Este quadro começou a mudar de rumo, por várias razões:
Menos de um ano após a vitótia Aliada, Winston Churchill profere em 5 de Março de 1946, na cidade de Fulton, EUA, o famoso discurso sobre a Cortina de Ferro, dando início à Guerra Fria.
O Estado de Israel era economicamente inviável. Embora a URSS tenha se empenhado na criação deste país, não tinha condições de prestar ajuda econômico-financeira, dado que necessitava reconstruir o seu próprio país que sofrera perdas humanas e materiais incalculáveis durante a Grande Guerra. O Plano Marshall possibilitou uma recuperação mais rápida à Europa Ocidental. Ao ser criada a República Federal da Alemanha, seu primeiro chanceler, Konrad Adenauer, firmou um tratado com o Estado de Israel (1951) pelo qual os sobreviventes do Holocausto teriam indenizações vitalícias, e a soma referente aos 6 milhões de assassinados destinar-se-ia ao novo Estado, o que deu um certo alento econômico.
Com o surgimento do macartismo nos Estados Unidos, houve um certo temor de que ocorressem perseguições aos judeus norte-americanos, uma vez que havia manifestações antissemitas e racistas em vastos setores do país. Portanto, não interessava o confronto com esta superpotência.
Em 1951, se reorganiza a Internacional Socialista (IS), totalmente destroçada com a ascensão do nazismo, uma vez que o Partido Social-Democrata Alemão havia sido o grande sustentáculo desse campo político. Os partidos trabalhista (Mapai) e socialista (Mapam), majoritários na fundação do Estado de Israel, ingressaram na IS.
Mais adiante, num contexto absolutamente polarizado da Guerra Fria, os países europeus, dirigidos por partidos pertencentes à IS, alinharam-se com os Estados Unidos, bem como Israel, A URSS passa a investir nos países árabes para fincar uma posição estratégica no Oriente Médio. Os países da OTAN já haviam cercado os países do bloco soviético e, a URSS buscava manter bases militares nos países do Terceiro Mundo.
A comemoração realizou-se com pleno êxito com a presença de um grande número de delegações estrangeiras, sem, no entanto, nenhum delegado soviético. Todos se indagavam onde estava a antiga Comissão Antifascista. E os rumores começaram a se espalhar pelo mundo.
Mas as manifestações antijudaicas já aparecem no início de 1948. A primeira envolve URSS e Polônia ainda no início de 1948. Hersz Smoliar recorda em suas memórias: o Comitê Central dos Judeus Poloneses, hegemonizado por velhos quadros do PC polonês, decidiu realizar um grande evento internacional, por ocasião do quinto aniversário do Levante do Gueto de Varsóvia com a inauguração do Monumento em homenagem aos Heróis e Mártires do Gueto. Organizações judaicas de quase todos os países, não só aprovaram a ideia, como a apoiaram financeiramente. O Comitê polonês considerava de suma importância que uma delegação soviética de grande representatividade comparecesse ao evento apesar das dificuldades havidas naquela época para cidadãos soviéticos saírem do país, ainda que para as Repúblicas Populares. Smoliar, em nome do comitê polonês, havia contatado Itzik Feffer para dar andamento ao projeto além dos trâmites legais requeridos.
Combinaram de se falar por telefone semanalmente, sendo que a chamada era feita alternadamente por um deles. Num determinado dia agendado, Smoliar esperou por um longo tempo ser chamado de Moscou, mas foi em vão. Decidiu então ligar e, a secretária de Itzik Feffer, com voz embargada e muito alterada comunicou-lhe que Itzik Feffer não se encontrava e que Solomon Mikhoels já não está de todo... o primeiro reflexo de Smoliar era, que haviam levado Shlomo Mikhoels, detido... talvez também a Feffer. Voltou a ligar em seguida ao redator do Einikeit (Unidade), que lhe transmitira tudo que sabia então, a respeito da morte de Shlomo Mikhoels. Smoliar transmitiu imediatamente tudo que soubera à fração comunista do Comitê Central dos Judeus Poloneses e ninguém teve qualquer desconfiança de que esta morte tivesse sido planejada.
A comemoração realizou-se com pleno êxito com a presença de um grande número de delegações estrangeiras, sem, no entanto, nenhum delegado soviético. Todos se indagavam onde estava a antiga Comissão Antifascista. E os rumores começaram a se espalhar pelo mundo.
Mas os camaradas poloneses tinham um outro desgosto. Wladislaw Gomulka, secretário-geral do Partido Comunista Polonês e chefe do governo daquele país, se jactava em afirmar em seus discursos que a Polônia pós-guerra era um Estado uni nacional, negando a existência de minorias ucranianas e alemãs e jamais se referindo aos 10% de judeus desaparecidos como vítimas do Holocausto nazista[21].
Entrementes, nos EUA grassava o macartismo e ninguém escapava às investigações extremamente agressivas da Comissão de Investigação de Atividades Antiamericanas. Funcionários públicos, cientistas, intelectuais e artistas eram os mais visados. Carreiras eram destruídas, muitos perdiam seus empregos e alguns eram presos. Um dos investigados foi Paul Robeson que saiu do país.
De acordo com várias versões biográficas de Feffer e Robeson na Wilkipedia, seis anos depois, Robeson havia chegado a Moscou por ocasião das comemorações do 150º aniversário do poeta Alexander Pushkin. Ao chegar a Moscou, preocupado com a situação dos artistas judeus soviéticos, Robeson solicitara às autoridades soviéticas um encontro com Feffer, que havia conhecido e se tornaram amigos, durante a guerra, nos EUA. Foi-lhe dito que Feffer estava passando férias na Criméia e se demoraria naquela região. Diante da insistência de Robeson, as autoridades soviéticas tiveram que retirar Feffer, muito debilitado, da prisão, mantê-lo sob cuidados médicos por um tempo para que se restabelecesse, e então, o levaram ao encontro com Robeson. Um encontro estranho onde ambos se abraçaram, sem que Feffer pudesse emitir mais que uma palavra, pois, a sala havia sido grampeada pela NKVD (antecessora da KGB). Feffer conseguira transmitir a Robeson por meio de gestos que Mikhoels havia sido assassinado pela polícia secreta bem como a real situação dele e de muitos outros intelectuais e artistas. Desafiando as autoridades soviéticas, em sua apresentação na sala Tchaikovsky, no dia 14 de junho de 1949, homenageou seus amigos Feffer e Mikhoels e cantou o Hino dos Partisans de Vilna, em iídiche e russo.
Os sionistas já denunciavam esses fatos mas a esquerda judaica não sionista, não acreditava no que ocorria, dizendo que eram invencionices dos imperialistas. Um emissário soviético chegou a circular entre as comunidades judaicas da América Latina desmentindo os fatos.[i]
Outro acontecimento inusitado ocorreu poucos meses antes. Golda Meir tornou-se a primeira embaixadora do recém criado Estado de Israel na URSS. Pouco depois de sua chegada a Moscou ela foi à Grande Sinagoga por ocasião de Rosh Hashaná. Costumeiramente, apenas uns dois mil judeus moscovitas participavam destas cerimônias e, nesta ocasião compareceram cerca de cinquenta mil pessoas, obviamente para prestigiá-la e não por razões religiosas. As autoridades soviéticas interpretaram este gesto como um renascimento do nacionalismo judaico o que deu ensejo a novo expurgo. Desta vez os julgados foram acusados de “cosmopolitismo”. Poucas semanas depois os embaixadores foram convidados para uma recepção, em homenagem ao 31º aniversário da Revolução Russa. O Ministro de Relações Exteriores da URSS era Vyascheslav Molotov. Durante a festividade, a esposa do Ministro, Polina Molotov, havia se dirigido a Golda Meir em iídiche, exortando-a a frequentar mais vezes a sinagoga.
Poucos dias depois, Polina Molotov foi detida, obrigaram-na a se divorciar e, em seguida, enviaram-na para um campo de trabalhos forçados na Sibéria. Foi julgada por alta traição por desconfiarem que houvesse transmitido segredos do Estado Soviético à líder sionista[22].
Nesta conjuntura mundial ocorreu outro fato, desta vez, um expurgo na Checoslováquia. Rudolf Slansky, secretário geral do PC Checoslovaco e outros 13 altos dirigentes do partido foram presos sob a acusação de alta traição à Pátria. Todos, velhos quadros experimentados, dos quais dez eram judeus, foram acusados como, burgueses, sionistas e titoístas. Foram condenados à morte. Arthur Londor, apesar das violentas torturas sofridas sobreviveu, condenado à prisão perpétua e, mais tarde, confirmou que os outros foram liquidados[23]. Este processo espetáculo ocorrera mais ou menos na mesma época que o de Julius e Ethel Rosenberg, vítimas do macartimo nos EUA, também condenados à morte por alta traição porque teriam fornecido à URSS, segredos referentes à bomba atômica.
Em 1953, pouco antes de morrer, Stalin havia determinado que os seus médicos judeus fossem assassinados porque estariam metidos num complô para assassiná-lo ministrando-lhe substâncias venenosas.
Há quem atribua todos esses fatos à mente doentia e conspiratória de Stalin. Contudo, ao analisar os fatos em seu conjunto, é crível que o alinhamento do Estado de Israel com as democracias ocidentais havia provocado uma “limpeza” de judeus nos altos postos da URSS e das Democracias Populares.
No fim de fevereiro de 1956 ocorreu o XX Congresso do PCUS quando Nikita Khruschev denunciara os crimes stalinistas e afloraram vários dos episódios aqui relatados entre muitos outros[24]. Esse Relatório Secreto provocou um verdadeiro terremoto em todos os partidos e organizações de esquerda do mundo. Não foi diferente em São Paulo. Em particular, houve debates muito acirrados na Casa do Povo entte os que continuaram apoiando o bloco socialista ainda que criticamente e os que pretendiam uma postura de rompimento total. Em 1957 formaram-se duas chapas para eleger a Diretoria. Tentando um consenso pela unidade em três assembleias. Mas na primeiras não houve consenso. Na segunda, Manoel Casoy, presidente de honra, assumiu a Presidência pro tempore. E na terceira, decidiram que as duas chapas formadas teriam direito de ter um número proporcional de diretores e conselheiros de acordp com a quantidade de votos obtidos. Mas a chapa capitaneada por Godl Kon, apesar de obter 40% dos votos, não indicou ninguém para os cargos que lhe cabiam e se retirou da Casa do Povo. Foi impossível o consenso. Num mundo onde só havia branco e preto, sem tons e semitons, muitos quadros e ativistas da chapa derrotada se retiraram; alguns passaram a trabalhar em organizações sionistas, outros simplesmente se afastaram de qualquer atividade sócio-cultural. Alguns poucos ficaran nuito deprimindos e houve até um caso de suicídio.
História Oral Wexler do Yiddish Book Center
Enquanto a aproximação do Estado de Israel com os EUA atingira seu ápice logo após a Guerra dos Seis Dias (1967), quando os israelenses ocupam a Cisjordânia, Gaza, o Golan, o Sinai e a parte oriental de Jerusalém, a URSS e grande parte da comunidade internacional condenaram veementemente essa decisão. A URSS e as Democracias Populares do bloco soviético romperam relações diplomáticas com este país. Num processo binário de “bandido e mocinho”, se deu apoio integral aos palestinos e a clivagem se tornou absoluta.
Após o golpe militar ocorrido no Brasil em 1964, há um esvaziamento do movimento popular de um modo geral. A despeito disso, a Casa do Povo ainda exerceu alguma influência na comunidade até 1967. Muitos dos que não se deixaram abater, mesmo em momentos críticos para os judeus progressistas, tiveram uma atitude diferente em 1967. Poucos dos judeus progressistas mantiveram sua serenidade, o emocional falou mais alto, e a maioria apoiou Israel posteriormente. Foram pouquíssimos os que condenaram a ocupação desde o início, previram as dificuldades que os israelenses teriam se não desocupassem logo a região e continuaram apoiando a URSS e o Leste Europeu, por seu papel na descolonização da África e Ásia, por se contrapor à política agressiva do imperialismo americano e por entender que era justo criar um Estado Palestino, do mesmo modo que havia sido justo criar o Estado de Israel.
Muito poucos tiveram uma visão profundamente internacionalista, tendo clareza de que embora os interesses do Estado Soviético e os do Movimento Comunista Internacional, nem sempre caminhassem juntos, mas disciplinadamente jamais criticaram a URSS, para não dar munição ao inimigo imperialista. Neste período, no contexto da lógica binária da Guerra Fria, Israel tornou-se o principal aliado estratégico dos EUA no Oriente Médio enquanto a URSS e todo o bloco do “socialismo real” rompeu relações com o Estado de Israel e apoiou decididamente a OLP e alguns países árabes. A situação política e sócio-cultural das comunidades judaicas do Leste Europeu deteriorou-se culminando com um verdadeiro êxodo de velhos quadros comunistas na Polônia, todos cassados e aposentados compulsoriamente.
Os soviéticos nem podiam emigrar para não fornecer dados sigilosos aos países capitalistas. Esse quadro desloca o voto da maioria da comunidade judaica para a direita. Entretanto, perante parte da juventude de esquerda sionista o modelo de um Estado de Israel democrático e socialista sofrera forte abalo com a ocupação dos territórios. Muitos abandonaram a militância sionista e abraçaram uma militância socialista no Brasil. Entretanto não engrossaram as fileiras dos progressistas. Estes grupos ingressaram preferencialmente em organizações trotskistas ou nas dissidências armadas. Muitos pagaram com a própria vida por esta opção. Alguns entendiam que o PCB era muito moderados; outros declararam que Israel ainda estava nos seus horizontes apesar do abalo, e não poderiam ingressar em um partido profundamente vinculado à URSS e às Democracias Populares que haviam rompido relações com o Estado de Israel, apoiando irrestritamente os países árabes e a OLP.
Durante o governo do general Garrastazu Médici, ocorreu uma inflexão no Brasil. O país teve uma acelerada acumulação capitalista no período, passando a ser um exportador de manufaturados. Dentro da perspectiva do “Brasil, Grande Potência”, a questão energética necessária para o desenvolvimento dos grandes projetos mínero-metalúrgicos, petro e cloro-químicos foi considerada prioritária. Como corolário o Estado brasileiro decide implementar também o projeto de desenvolvimento da tecnologia nuclear, para satisfação daqueles que desde os anos 1940 defendiam essa alternativa energética. Além de aumentar a energia hidroelétrica com a construção de Itaipu. Ambos os projetos criaram contenciosos com os americanos e com a Argentina.
O afastamento do Brasil dos EUA levou à política do “pragmatismo responsável” caracterizada pelo reconhecimento imediato, junto com Cuba, da República Popular de Angola e por uma abertura para o mundo árabe, que acabou culminando com a assinatura de uma moção na ONU, denunciando o “caráter racista do sionismo”. Pouco a pouco, o “establishment” da comunidade judaica foi então se afastando do regime militar brasileiro. Por outro lado, a direita passa a governar o Estado de Israel, e apesar dos acordos de Camp David com o Egito (1981), houve uma escalada de atrocidades nos territórios ocupados que culminam com o massacre nos acampamentos de Sabra e Chatila em 1982.
Várias lideranças que anteriormente fizeram parte do arco da esquerda passaram a dar-se conta que o apoio irrestrito a Israel foi um erro. Mas em Israel também surgem vozes influentes discordantes. O Movimento Paz Agora adquiriu força e grande visibilidade, acabando, anos depois, por levar à queda o governo de direita israelense de Shamir. Entretanto a política de Brezhnev com relação aos chamados "dissidentes", muitos deles judeus, e com relação à comunidade judaica soviética como um todo, dificultou a aproximação entre comunistas e os outros grupos que reivindicavam a paz no Oriente Médio. Levando em consideração que o comportamento político da comunidade judaica era balizado em grande medida pela guerra fria e seus desdobramentos no Oriente Médio, é importante lembrar que M. Gorbachev, enquanto secretário-geral, tenha declarado anos mais tarde, que a política soviética para o Oriente Médio foi excessivamente unilateral.
Embora os protestos contra o massacre de Sabra e Chatila tenham chocado setores muito mais amplos e expressivos da comunidade judaica, o único espaço disponível para abrigá-los em São Paulo, foi a Casa do Povo, bastante esvaziada.
Mas este processo de retomada de consciência não implica um reflorescimento da Casa do Povo ou pela esquerda. No plano mais geral, é notório que a "transição democrática" no Brasil ocorre num momento em que o declínio do "socialismo real" já é evidente para muitos. No que concerne a comunidade judaica, é o momento de desaparecimento da geração de imigrantes, de mudanças do perfil sócio-econômico, responsáveis pelo deslocamento das atividades sócio-culturais para regiões urbanas distintas da original. O mais importante e o menos debatido, talvez, se refira ao fato da cultura não isolacionista da esquerda judaica e o encorajamento de integração às lutas do povo brasileiro trazer em si o germe da destruição de uma cultura trazida da Europa oriental que por sua vez não foi substituída por vínculos mais significativos com setores progressistas israelenses. Essa ruptura se dá por duas razões: por um lado os israelenses menosprezam a cultura do judeu do Leste Europeu, chegando em alguns momentos à proibição da língua iídiche e de todas as suas manifestações culturais e por outro, no clima exacerbado da Guerra Fria, os judeus comunistas ignoram que o Estado de Israel é um fato concreto, com sua pluralidade cultural e política e simplesmente o condenam por completo.
Anos de autoritarismo na América Latina e governos de direita em Israel, são fatores que fortalecem os setores democráticos das comunidades judaicas. O esgotamento do modelo do socialismo real e o fim da Guerra Fria caracterizada pelo enfrentamento dos blocos político-militares, pela corrida armamentista e o equilíbrio fundado na ameaça do terror nuclear são fatores determinantes na dinâmica estratégica no Oriente Médio e do papel exercido pelo Estado de Israel de aliado preferencial dos EUA. Os setores da esquerda mais ortodoxa que não atentaram para a crise de civilização que estava se prenunciando, e continuaram a sonhar com o “Birobidjan”[25] acabaram se marginalizando completamente e ficarão na história mas temo que sejam fontes de pensamentos retrógrados e conservadores no futuro. Por outro lado, os setores mais realistas e construtivos vem buscando um novo humanismo, engajando-se nas lutas ambientais, pela cidadania e pela paz e novos meios de superar o sistema capitalista injusto e excludente pela via da democracia e da liberdade. Essa posição implica um aprofundamento dessas questões – a democracia e a liberdade – em condições sociais e políticas novas. É uma posição que pode abarcar as variadas vias contemporâneas de expressão desse humanismo que se redefine, permitindo identificar e criar formas de luta adequadas às também novas formas de fascismo e autoritarismo que afloram hoje. A Casa do Povo não se exime desse debate e tem conseguido trazer mais gente jovem para atividades relacionadas a esse novo judaísmo contemporâneo.
Notas
[1] FREIRE, R., Carta convite enviada a intelectuais brasileiros por ocasoão da criação da Fundação Astrojildo Pereira
[2] LÊNIN, V. I., Discurso proferido por Lênin logo após a tomada do poder pelos Bolcheviques, 1917
[3] HOBSBAWM, E., ”A Era dos Extrtemos”, Companhia das Letras, São Paulo, 1995,
[4]EHRENBURG, I., “Memórias!”, vol. 4, A Europa sob o nazismo, Civilizaão Brasileira, RIO de Janeiro, 1966.
[5] Atas tssaquigráficas do Congresso, Paris, 1937,
[6] KINOSHITA, D. L. “O ICUF como uma rede de intelectuais”, Universum n. 15, Talca, 2000
[7] ”In Gang” (Em Marcha), Editado por Pinie Katz, Abril de 1937 e entrevista oral com Rivka Gutnik.
[8] IOKOI, Z. M. G., “Intolerância e Resistência: a Saga dos Judeus Comunistas”, Associação Humanitas- Univale, São Paulo, 2004
[9] PINHEIRO, P. S,, “Estratégias da Ilusão”, Companhia das Letras, São Paulo, 1995
[10] KOIFMAN, F., “ O Imigrante Ideal”, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2012 2,
[11] Singer, I.B., A Família Moskat, Livraria Francisco Alves Ed., Rio de Janeiro, 1982
[12] Smoliar, H., Oif der Letzter Pozitzie, mit di Letzter Hofnung, Ed. I. L. Peretz, Tel Aviv, 1982
[13] Brossat, Alain e Klingberg, Sylvia, Le Yiddishland Revolutionnaire, Balland, 1983
[14] WEINSTOCK Le Pain de Misère, La Découverte, Paris, 1984
[15] VIAZOVSKI, T. O mito do complô judaico comunista no Brasil, Humanitas, São Paulo, 2008,
[16] Ginsburg, J. Aventuras Língua Errante, Ed. Perspectiva, São Paulo, 1996
[17] Departamento de Ordem Interna, departamento especial formado pelo Serviço Nacional de Informações, Exército e Polícia Militar, encarregado da repressão e tortura de presos políticos nos anos 70
[18] Faziam parte da coordenação Carlota Lachtermacher, Dobe Zonenchein, Ienta Lerner, Ferga Zylbersztajn, Mania Akcelrad, Ita Akcelrad, Tuba Schor, Chaike Lustik, Gitl Rotstein, Clara Steinberg, Regina Landman e Lola Kaufman entre outras
[19] Grol, T., Gueshtaltn un perzenlekhkeitn in der iidicher un velt gueshikhte, Paris, 1976
[20] Hobsbawm, E., Trabalhadores, Ed. Paz e Terra, Petrópolis
[21] SMOLIAR, H., Oif der letzter pozitzie mit der letzter hofnung, Tel Aviv: Ed. I.L. Peretz, 1982. ,
[22] GREEN, D. B., This Day ln Jewish History: Golda’s Soviet welcome, Haaretz, 4/10/2012
[23] Executedtoday.com 1952: Rudolf Slansky and 10 “conspirators”. Acesso em
3/12/2007.
[24] VOLKOGONOV, D., STALIN:triunfo e tragédia, Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 2004
[25] Região Autônoma Judaica na URSS
[i][i] Entrevista com Mina Fridman, militante do Partido Comunista Argentino e ativista social no meio judaico, realizada em Buenos Aires, em outubro de 2000
Dina Lida Kinoshita conta a história de judeus progressistas no Brasil
Professora aposentada da USP cita nomes que considera importantes, como o de seu pai, Wolf Lida
Cleomar Almeida, da equipe da FAP
Nascida em campo de refugiados nos arredores de Munique, na Alemanha, em 1947, a professora aposentada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) Dina Lida Kinoshita, de 74 anos, é a memória viva de um país que recebeu centenas de judeus progressistas desde o início do século passado. Sua história carrega influências diretas de seu pai, Wolf Lida, do físico e cientista Mario Schenberg e do ex-presidente nacional do Partido Comunista Brasileiro (PCB) Salomão Malina.
Ainda nos primeiros anos de vida, Dina mudou-se com os pais para o Brasil, que recebeu três levas de judeus progressistas. A primeira delas chegou ao país, na primeira década do século 20, por causa de muitos problemas na Europa Oriental e, também, em razão da frustrada Revolução Russa de 1905. “Houve muita perseguição aos judeus. Então, começaram a migrar para vários países, inclusive para o Brasil”, lembra Dina, em entrevista ao portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.
Depois, perto do fim da Primeira Guerra Mundial, que iniciou em 1914 e se estendeu até 1918, o país recebeu a segunda mobilização de judeus, após a guerra civil e, concomitantemente, a guerra russo-polonesa, que marcaram o cenário lá fora.
“Os judeus foram muito perseguidos, e muita gente veio nos anos 1920. A família de Mario Schenberg chegou, por exemplo, na primeira leva. A família Malina, na segunda. Depois, nos anos 1930, com a ascensão do nazismo, veio, de novo, muita gente para cá, apesar de o Vargas ser ditador também, mas eles preferiram ficar aqui a ficar em zonas que poderiam ser ocupadas pelos nazistas”, conta a professora.
“Velho lar”
É nesse contexto que os judeus foram se “enraizando no Brasil e aprendendo a língua”, como diz a cientista. “Eles tinham um olhar sobre o que ocorria no velho lar, que é onde viveram, nasceram, e essa gente criou muitas identidades culturais. A cultura sempre mesclada com a política. Fizeram teatro, coro, escolas, colônia de férias. Então, já havia uma movimentação muito grande desses judeus que se consideravam progressistas”, afirma ela.
No entanto, no Brasil, segundo Dina, os judeus imigrantes nunca falavam que eram comunistas porque sempre tinham a espada de Dâmocles, por medo de serem deportados já para a Europa nazifacista. Assim, à medida que o tempo foi passando, os filhos deles passaram a nascer em casas comunistas. “Os jovens brasileiros foram se incluindo nesse meio”, relembra a professora, cuja vida é marcada por um enredo distinto do que foi contado até aqui.
“A minha história é um pouco diferente. Meu pai nasceu no começo do século 20, em família religiosa, e saiu da casa dos pais para Varsóvia. Ele acabou se envolvendo com a juventude comunista e chegou a ser membro do Comitê Central nos anos 1930. Lutou na Guerra Civil Espanhola”, recorda Dina.
Wolf Lida era comissário político de um pedaço da Brigada Polonesa, onde lutavam os judeus. O rumo dele, porém, mudou de repente. O Partido Comunista Polonês, em 1938, foi dissolvido pela internacional comunista e não tinha mais força alguma, assim que acabou a Guerra Civil Espanhola.
“Meu pai não pôde voltar para Polônia, não tinha jeito. Ele acabou indo para a União Soviética, não ficou em Moscou porque a cidade era o centro da Internacional. Ele foi morar na região da Ucrânia que está em litígio, começou trabalhando numa mina de carvão e depois trabalhou no correio”, lembra.
Batalha de Stalingrado
No dia em que os nazistas invadiram a União Soviética, em 22 de junho de 1941, Wolf Lida se alistou no exército soviético, e não no polonês. “Ele passou a guerra toda na União Soviética. Lutou, inclusive, na Batalha de Stalingrado e, depois, ainda, foi para o Oriente lutar contra o Japão, mas foram lançadas bombas atômicas. E ele foi desmobilizado, voltando para Polônia”, conta.
Ainda muito criança, no Brasil, Dina passou a viver em uma atmosfera ligada diretamente não só ao PCB, mas aos partidos comunistas do movimento internacional. Ela ingressou no partido em 1961, no primeiro ano do governo de João Goulart. “Nós todos, os mais jovens, éramos mais ou menos filhos da Declaração de Março de 58, quando o partido muda toda a sua política e acaba tendo como estratégia permanente a aliança”.
Em sua juventude, Dina viveu um momento de muita efervescência cultural e política. Além de ver, de perto, o governo Jango, presenciou greves e lutas de camponeses e a série de tentativas de reformas urbanas, na época. Com atuação de destaque, ela chegou a ser dirigente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas. Nomes como os de Mário Schenberg e Salomão Malina passaram a ser ouvidos por ela ainda nos anos 1950.
Mario Schenberg
Aos 15 anos de idade, Dina conheceu Mario Schenberg, em 1962, ano em que ele foi candidato a deputado estadual pela segunda vez, antes de ser eleito suplente, no período da democratização pós-Segunda Guerra Mundial. “Fiz a campanha dele. Ganhou, e ainda tinha mais três deputados eleitos, mas eles não foram empossados, porque o Tribunal Eleitoral disse que eram notórios comunistas e não poderiam assumir”, relata Dina.
Logo depois do golpe militar de 1964, a jovem ingressou na faculdade. Em seguida, Mário Schenberg foi preso. Ele, que era defensor do desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Brasil, já era um dos maiores físicos do mundo e considerado por Albert Einstein como um dos mais importantes cientistas de sua época.
Apesar de ser renomado, conforme descreve Dina, Mário Schenberg, um dos fundadores do Conselho Mundial da Paz, “era uma pessoa muito simples”. Recebia os estudantes em casa para conversar. Além disso, trabalhou com os maiores vencedores de Prêmio Nobel do mundo.
“Ele não era uma pessoa interna do partido, mas era uma pessoa que nós podíamos apresentar em qualquer lugar do país e do mundo como uma pessoa que é preocupada com o Brasil e o mundo, contra guerra e defensor da igualdade entre as pessoas”, diz a professora aposentada da USP. Ela também é autora da biografia “Mario Schenberg: o cientista e o político”. O físico morreu, em novembro de 1990, aos 76 anos.
Salomão Malina
Outro grande nome da história de Dina é Salomão Malina, definido por ela como “figura ímpar do partido”. Ele era de uma turma de descendentes de judeus nascidos no Brasil. Alistou-se na Força Expedicionária Brasileira (FEB) e lutou na Itália. “Ganhou o maior prêmio de heroísmo e bravura, que foi cassado”, conta a professora aposentada.
Na época, Salomão Malina era estudante de engenharia da hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e militava na juventude do partido. Abandonou tudo. Ao retornar ao Brasil, voltou com ainda mais energia política. Ele trabalhava na Tribuna Popular do Rio. Chegou a ser candidato a vereador, mas não foi eleito. Durante a ditadura, ele foi para o exílio.
Dina fortaleceu os laços com Salomão Malina depois da redemocratização do país, que ocorreu em 1985. No ano seguinte, os dois passaram a trabalhar juntos. “Uma pessoa firme, com ideias muito determinadas, mas, também, um ser humano doce, que conversava, na época, com muitos jovens intelectuais, recém-doutorados ou que ainda estavam estudando”, diz ela.
Diplomático, ele foi uma figura bastante emblemática para o fortalecimento do partido e também se preocupou com as relações exteriores. “Ele teve um câncer muito agressivo e parou de viajar. Confiava muito em mim. Como falo muitas línguas e conhecia muita gente no exterior, até por causa das comunidades judaicas, ele me mandava para tudo quanto é canto do mundo. Aprendi muito com ele”, relembra Dina.
“Não era um homem que tinha algum título universitário, mas tinha um nível intelectual muito alto. Ele foi o meu grande professor da política”, orgulha-se a professora aposentada da USP. Ela também integrou a executiva mundial da Associação Internacional dos Educadores para a Paz e o Conselho Mundial da Paz. Além disso, foi membro da Cátedra Unesco de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância.