Juan Arias

Juan Arias: Por que choram os brasileiros

Choram os brasileiros não porque gostariam de ver o Congresso fechado, mas porque gostariam que fosse a casa do povo

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), em polêmica com a jornalista de O Estado de S. Paulo Vera Magalhães, pelas manifestações anunciadas para o próximo dia 15 contra o Congresso e o STF, se perguntava irônico se os brasileiros chorariam no caso de “uma bomba H cair no Congresso”.

A verdade é que o pranto dos brasileiros seria outro diferente do sonho dos bolsonaristas mais radicais que prefeririam a volta da ditadura militar ao Brasil. Tanto é assim que uma pesquisa internacional acaba de revelar que entre os brasileiros está crescendo o amor pelos valores da democracia, talvez porque os vejam ameaçados.

Os brasileiros choram sim, em relação ao Congresso e há tempos, não porque prefeririam fechá-lo como gostaria esse punhado de bolsonaristas, e sim porque os que o ocupam, que deveriam responder somente e com o exemplo dos que os elegeram, se mostram tantas vezes indignos do cargo.

Choram os brasileiros não porque gostariam de ver o Congresso fechado, mas porque gostariam que fosse o que deveria ser pela Constituição, a casa do povo, com todos os sentidos abertos para ouvir os desejos e as dores das pessoas.

Choram porque em vez de oferecer um serviço à população dando exemplo de austeridade, porque o dinheiro gasto é das pessoas, fruto de seu trabalho às vezes pesado e mal remunerado, utilizam o cargo para aumentar seus privilégios, para enriquecer e enriquecer os seus. Choram porque parecem estar lá para pensar mais nos interesses pessoais e partidários do que nos problemas reais da nação.

Choram porque o que custam ao Estado, entre salário e privilégios, a maioria desnecessária e injustificável, acaba escandalizando os que precisam trabalhar duro para quase não chegar ao final do mês. Li que somente a lavagem dos carros oficiais dos deputados custa mais caro do que o orçamento separado ao Museu Nacional do Brasil.

Choram porque se perguntam se é necessário um Congresso com gastos bilionários com mais de 500 deputados quando na realidade os que estão verdadeiramente preparados à delicada tarefa de legislar à sociedade são uma pequena minoria. O restante passa anos sem produzir uma só lei importante, como foi o caso dos quase 30 anos como deputado do hoje presidente da República, Jair Bolsonaro, que já peregrinou por nove partidos menores e que sempre fez parte desse baixo clero que desprestigia a função sagrada do Congresso com suas maracutaias.

Choram porque gostariam que algum Governo tivesse a coragem de fazer uma profunda reforma da instituição sagrada do Congresso que representa os anseios de toda a sociedade. Uma reforma política séria, discutida com a nação, que reduzisse, por exemplo, a uma dezena os partidos políticos e não essa loucura de partidos sem identidade.

É o que estão pedindo os chilenos nas ruas contra os abusos dos políticos injustos e aburguesados mais preocupados em agradar o novo capitalismo excludente do que suas vítimas.

Choram os brasileiros porque gostariam de poder elegê-los com outro sistema eleitoral para que não chegassem ao Congresso candidatos que eles nunca teriam escolhido.

Querem um Congresso que seja capaz de escutar os gritos das ruas, os anseios mais verdadeiros das pessoas, de todos, não só de uma minoria de privilegiados.

Sim, choram os brasileiros porque gostariam de um Congresso mais sintonizado com os que mais sofrem, os sem trabalho, os das filas de espera da Bolsa Família, nos corredores dos hospitais, os que voltaram a cair na pobreza e até na miséria.

Choram os brasileiros das comunidades periféricas das cidades, carne de canhão de todas as violências juntas, a da pobreza e a do Estado incapaz de tirá-los de seu inferno e do da polícia, cada vez mais com carta branca para matar impunemente.

Choram os heroicos professores com salários de fome e seu assédio para que ensinem de acordo com as ordens do Governo e não com os critérios da moderna pedagogia para formar homens livres, capazes de se defender na vida contra a tirania das ideologias totalizantes.

Choram os trabalhadores que veem impotentes como perdem direitos conseguidos com tanta dor e tantas lutas ao longo de sua vida.

Choram os aposentados que precisarão trabalhar mais anos para compensar as aposentadorias dos privilegiados que continuarão aproveitando-as.

Choram os indígenas aos que pretendem expulsar de suas terras sagradas, de suas tradições, de sua sabedoria milenar para lançá-los ao inferno da alienação das periferias modernas.

Choram os artistas, os pensadores, os que fazem cultura, a quem desejariam castrar e domesticar sua criatividade que é o coração da democracia.

Choram as mulheres e todos os diferentes que não se encaixam nos modelos pré-fabricados pelo poder. Por que costumam ser eles os mais desprezados por todos os ditadores da história? Não será pelo medo que causam ao deixar a descoberto suas frustrações e misérias ocultas e inconfessáveis?

Esse é o pranto dos brasileiros que, apesar de ser vítimas de tantas injustiças, continuam confiando nas instituições e nos valores da democracia porque, os pobres, melhor do que ninguém, sabem que têm pouco a esperar da tirania dos ditadores.

Que não se iluda essa minoria de exaltados e saudosos do autoritarismo barato com vontade de voltar aos tempos das trevas que o Brasil já sofreu e condenou.

Não, os brasileiros não querem uma bomba H contra o Congresso como ironiza com raiva o filho deputado frustrado de Bolsonaro. Querem, pelo contrário, que alguém tenha a coragem de devolver a essa casa do povo sua verdadeira sacralidade para que deixe de ser, em expressão dura do evangelho, um “covil de ladrões”.

Que não se iludam Bolsonaro e família que os brasileiros sonhem como eles com modelos políticos autoritários. Essa país já viveu a atroz ditadura da escravidão e mais tarde a ditadura dos que fizeram da política um instrumento de domínio dos poderosos contra os mais fracos. Os brasileiros aprenderam a pensar e não querem ser transformados nos novos escravos dos modernos tiranos do momento.


Juan Arias: Os partidos políticos ainda servem para manter a democracia?

Será que os partidos tradicionais, em vez de serem meras correias de transmissão das necessidades e desejos das pessoas, se transformaram em donos e senhores dos mesmos?

Em meio à crise da política em nível mundial e especificamente aqui no Brasil, surge uma pergunta difícil, mas necessária: os partidos políticos ainda servem para sustentar a democracia, ou estão virando um estorvo? E, neste caso, como a participação dos cidadãos no governo dos povos poderia mudar e ser mais representativa?

Neste momento, o Chile, por exemplo, está sendo um laboratório mundial que pôs em carne viva, com suas grandes manifestações de protesto contra as injustiças sociais, a fragilidade das instituições políticas e especificamente dos partidos. Conforme noticiou este mesmo jornal, os partidos políticos no Chile estão perdendo milhares de filiados, e hoje só um pequeno percentual da população acredita neles como instrumentos para manter viva a democracia. Será que os partidos tradicionais, em vez de serem meras correias de transmissão das necessidades e desejos das pessoas, se transformaram em donos e senhores dos mesmos?

O crescimento, por exemplo, dos movimentos autoritários e de ultradireita no mundo todo não terá a ver com a crise dos partidos tradicionais, incapazes de representarem os novos problemas que surgiram na sociedade? Terá envelhecido a própria estrutura dos partidos, cada vez mais afastados da realidade das pessoas, sobretudo as mais marginalizadas?

No Brasil, é sintomática a crise que sacudiu, por exemplo, o Partido dos Trabalhadores, que deixou de ser um dos mais modernos e vitais da América Latina, com grande base popular, para se ver envolvido numa crise existencial, porque seus dirigentes se apropriaram do partido e até se corromperam, transformando-se em meras empresas e incapazes de dar lugar a uma geração mais jovem. E não só o PT, mas também muitos outros aos quais de nada serviu mudar de nome na tentativa de renová-los. São disfarces inúteis, que pouco servem para deter o grave câncer que os corrói.

Daí os cientistas políticos se perguntarem hoje em dia se os partidos já não terão concluído sua missão e se não estaríamos necessitados de criar novos organismos de representação dos cidadãos, capazes de responder às mudanças planetárias às quais está fadada a humanidade.

Cabe perguntar se é possível que a vida política e suas novas exigências continuem sendo regidas por velhos partidos, hoje fossilizados e burocratizados. De fato, nada no mundo é para sempre e definitivo, e o Homo sapiens precisa abrir horizontes e procurar respostas e soluções aos problemas novos que se apresentam.

Se a democracia em todo o mundo começa a estar em crise, não é só por estarmos renunciando aos valores de liberdade que tínhamos conquistado. Talvez seja, na verdade, que os velhos conceitos de convivência que nos regiam se tornaram insuficientes por não encarnarem os problemas novos que a sociedade confronta.

Os partidos parecem incapazes de dar resposta aos novos e assustadores problemas da neurociência, da neurotecnologia, da revolução planetária das comunicações e da transformação do trabalho, que estão mudando os antigos paradigmas da existência.

E o que criticamos nos partidos serve também para as outras instituições que foram até aqui os pilares firmes das democracias no mundo, como os Parlamentos, os Governos, os Poderes Judiciários e os sindicatos. Parlamentos que já mal representam a nova sociedade que está surgindo. Parlamentos que foram comprados por partidos que deixaram de ser correias de transmissão dos problemas da sociedade e se tornaram máquinas de fazer votos e grupos privilegiados de poder à margem dos gritos de uma sociedade que exige mais.

Os Parlamentos e os Governos foram por sua vez transformados em fábricas de privilégios pessoais, ferindo os cidadãos que lutam para sobreviver. Junto a eles, um Judiciário burocratizado e gigantesco, com seus processos eternos e seletivos e com o Supremo Tribunal Federal que, de fiador indispensável da Constituição, corre o perigo de se transformar em uma instância a mais de deliberação judicial, onde seus magistrados perdem tempo e dinheiro para decidir, por exemplo, se um cidadão que tinha roubado 28 reais, e inclusive os havia devolvido, devia ser condenado ou absolvido, como acaba de acontecer aqui no Brasil.

São sistemas judiciais que deveriam ser ágeis e em sintonia com a consciência popular e que acabam virando máquinas gigantescas de burocracia, afastadas do sentido comum. Instituições judiciais que no parecer dos cidadãos servem mais para proteger os políticos, os ricos e os poderosos.

E os velhos sindicatos? Que sentido fazem num mundo em que o trabalho está sofrendo uma transformação total, em que o problema já não é mais a defesa dos que trabalham, considerados privilegiados, e sim dos desempregados e sem esperança de conseguir trabalho?

Não, não acredito que estejam hoje em crise no mundo as essências da política criativa, ligada estreitamente à evolução da sociedade e de suas ânsias de bem-estar e felicidade. Uma humanidade nova, como a que está surgindo em todo o planeta, necessitaria de respostas e soluções criativas capazes de sentir o coração destas novas exigências que estão nascendo.

Talvez não seja que a humanidade se cansou de viver em democracia e em liberdade, mas sim que, ao perceber que os velhos partidos e as velhas instituições não são capazes de absorver a nova modernidade, se refugiam, como autodefesa, nos velhos sistemas nazifascistas em que acreditam se sentir protegidos. A liberdade, agora e sempre, infunde mais medo do que a segurança e a conservação.

O problema de fundo é que tudo isso que chamamos de política é visto como o planeta de um grupo de pessoas que se apropriaram do governo do mundo, depois de terem perdido seu sangue genuíno, que, assim como os rios e as florestas, foi envenenado. Envenenado pela cobiça de quem se esqueceu de que a política só faz sentido se estiver a serviço das pessoas, com suas necessidades e sua rica diversidade, e não nas mãos de pessoas e grupos que parecem alienígenas que se esqueceram para que foram eleitos.


Juan Arias: Sergio Moro rumo à disputa eleitoral

Ex-juiz afirma que afirma que Jair Bolsonaro é “uma pessoa muito digna” 

Ex-juiz da Lava Jato, o ministro da Justiça do Governo, Sergio Moro, que declarou que o ex-presidente Lula pertence ao seu “passado”, afirma, ao mesmo tempo, que o presidente Jair Bolsonaro é “uma pessoa muito digna” —o mesmo que que avaliam, segundo ele, “todos que o conhecem de perto”. Já Bolsonaro, que começa a se apaixonar pelo ex-juiz da Lava Jato, diz que na política Moro “está indo bem pra caramba”. Eles até parecem querer disputar juntos a reeleição em 2022.

O encontro de Moro com Bolsonaro, tão criticado, não tinha começado com o pé direito. Chegou-se inclusive a pensar que Moro sairia do Governo. Hoje tudo parece ter mudado, e o ministro da Justiça não descarta concorrer como vice do mandatário, embora destaque, de forma diplomática, que seria melhor que continuasse como tal o general Hamilton Mourão, uma pessoa que disse “respeitar bastante”. Mas acrescentou que essa possibilidade de ser o próximo candidato a vice nas urnas deverá ser construída “lá na frente”, e que cabe ao presidente escolher. Será que já está tudo decidido?

Bolsonaro também está aprendendo a nadar nas águas da política e sabe que hoje as pesquisas dão mais votos a Moro que a ele mesmo. Desperdiçará essa chance? Votos são votos. “E quantos vices, além do mais, acabaram sendo presidentes do Brasil?”, poderá estar pensando Moro.

Restam poucas dúvidas, portanto, de que o ex-juiz se prepara para as urnas. Quanto mais ele nega com as palavras, mais perto aparece, em seus gestos e simbolismos, sua aproximação da política, algo que assombra os próprios profissionais dessa arte. Até o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que havia iniciado mal sua relação com Moro, lembrando que ele era apenas um “empregado do presidente”, hoje comenta, surpreso, que Moro “está aprendendo muito rápido a ser político”. Foi significativo o sorriso do ministro quando, dias atrás, numa reunião no Senado, ele foi apresentado de forma equivocada como “senador Moro”. O ministro comentou, lisonjeado: “É que eu tenho vindo tantas vezes aqui que estou virando senador.”

De uma relação inicial conflituosa, Bolsonaro agora tece elogios ao ministro, dizendo que, no campo político, “está indo bem pra caramba” e que ambos estão aprendendo a fazer política. Uma admiração que parece ser recíproca. Se alguém no início se perguntava o que Moro faria se episódios de corrupção aparecessem no Governo e se o caso Marielle se complicasse, Moro acaba de se antecipar.

Sabendo, de fato, que não deixará de haver escândalos de corrupção no Governo Bolsonaro, o ministro da Justiça se apressou maquiavelicamente em dizer que “sempre é possível haver casos de ilegalidade em qualquer governo”. Disse em seguida que o que ocorreu, porém, com os Governos do PT é que foram “esquemas sistemáticos de suborno e corrupção incrustrados na administração pública”. E acrescentou que as lideranças do novo Governo estão “dando um exemplo” nesse campo.

Cabe maior elogio ao Governo Bolsonaro? Ao mesmo tempo, o ex-juiz da Lava Jato justifica assim sua presença cada vez mais forte no novo Governo de extrema direita com o qual se identifica em sua tese de pulso firme contra os bandidos, que, na linguagem de Bolsonaro, “sempre serão melhores mortos do que vivos”.

Mas ainda falta um último passo para a plena inserção de Moro no Governo Bolsonaro. Ele precisará sair ileso das Forças Caudinas do Supremo Tribunal Federal (STF), que deverá julgar se anula ou não suas sentenças contra o ex-presidente Lula, a quem levou à prisão.

Se Lula for inocentado pelo Supremo com as sentenças anuladas, Moro sofrerá um grave revés de credibilidade que poderia frustrar sua carreira política. Até o momento, nesse jogo enigmático de linguagem mariana, cuja semântica deveria ser mais estudada, já adiantou, com sua proverbial frieza: “Lula faz parte do meu passado e acho que do passado do país”. Uma profecia ou um desejo inconsciente? Assim, Lula pertenceria ao passado do Brasil enquanto ele e o novo Governo Bolsonaro seriam seu presente e seu futuro.

Será?


Juan Arias: A grande batalha, agora, é entre autoritarismo e democracia

Esquerda e direita já não nos servem. O mundo e seus medos estão revolucionando a linguagem da política

A linguística se tornou estreita para analisar as convulsões políticas que sacodem o mundo. Os velhos termos “esquerda” e “direita” não nos servem mais. Agora, o debate é entre autoritarismo e democracia. Essa é a grande batalha. Aqui no Brasil e em todo o planeta. Tanto não servem mais os velhos clichês da esquerda e da direita que criamos os termos “extrema esquerda” e “extrema direita”. Dizer que Bolsonaro, Putin ou Trump, por exemplo, são de direita significaria, na prática, fazer-lhes um elogio.

O mundo se dilacera hoje mais entre autoritarismo e democracia. Entre aqueles que lutam para cercear as liberdades individuais e coletivas e a democracia cada vez mais desprezada e ameaçada por nostalgias ditatoriais.

É de esquerda ou de direita o presidente Jair Bolsonaro, que em seus 28 anos como deputado federal quase sempre votou com o Partido dos Trabalhadores, o PT? É nacionalista ou ecumênico? E Lula é de esquerda? Era quando, em seu segundo mandato, quis impor o que chamou de "controle social" dos meios de comunicação com uma cartilha em que uma comissão de fora da mídia deveria atribuir pontos de boa ou má conduta aos jornalistas? É agora que, livre da prisão, busca de novo na sombra conexões com a direita e o centro enquanto o PT sangra?

Bolsonaro é de direita quando ataca o jornal Folha de S.Paulo, ao qual ameaça com sanções? Por que a direita tem que ser contra a liberdade de expressão? Não, Bolsonaro não é de direita ― se fosse, isso não seria um pecado. Ele é um autoritário com nostalgias de velhas ditaduras, paixão pela violência e a tortura e contrário a tudo o que cheire a direitos humanos e liberdades individuais.

Os termos direita e esquerda sempre foram ambíguos, até mesmo na religião. Na Bíblia se diz que Deus colocará "à sua direita" os justos e "à esquerda", os condenados. Deus é de direita ou de esquerda? Na linguagem popular, quando tudo dá errado dizemos que "levantamos com o pé esquerdo".

Não, os velhos rótulos do passado não nos servem mais. Hoje, a grande batalha mundial se dá entre o autoritarismo e o respeito à liberdade de expressão e à cultura. Entre o canibalismo político que se nutre de corrupções e privilégios vergonhosos, seja na direita ou na esquerda, e os valores da democracia cada vez mais ameaçada pelas velhas nostalgias nazifascistas.

O mundo hoje está dividido entre a fidelidade aos valores da liberdade, de todas as liberdades que nos permitam viver sem as correntes do autoritarismo que nos sufoca, e os valores que fizeram a humanidade viver em paz. A guerra e suas ditaduras são o autoritarismo em estado puro. É o ápice da tirania incensada no altar das falsas liberdades.

Que os termos direita e esquerda não nos servem mais para definir políticas concretas está cada vez mais evidente no mundo. Hoje, uma onda de autoritarismo, de negação dos direitos fundamentais, de obsessão contra as liberdades humanas que distinguem o ser racional, atravessa o planeta. Os analistas internacionais quebram a cabeça para tentar entender esse novo fenômeno que percorre o planeta e convulsiona até a velha e moderna Europa, sede dos esplendores do Renascimento.

Talvez seja preciso voltar a Freud, que analisou como poucos a necessidade que o ser humano, frágil e com medo de suas pulsões de morte, tem de segurança e de ordem. O pai da psicanálise nos explicou que a insegurança do ser humano e seus medos ancestrais fazem com que em tempos de turbulência e perda de identidade, como os que estamos vivendo, recorramos à figura paterna e autoritária, que nos oferece segurança.

Todas as grandes neuroses pessoais ou coletivas, as depressões em massa que sacodem todos os continentes, os medos da liberdade e dos diferentes derivam dessa insegurança inata do Homo sapiens, que se debate entre a nostalgia da liberdade perdida no paraíso e o medo da solidão radical, algo que projetamos diante de todos os diferentes, vistos como inimigos.

Mais que entre direita e esquerda, que já pouco significam, o mundo hoje se divide entre os anseios de liberdade, que são a essência da vida pessoal e coletiva, e os medos do autoritarismo castrador que nos corta as asas e nos impede de respirar o ar da liberdade.

Hoje o mundo está cada vez mais dividido de norte a sul e de leste a oeste entre os que, garroteados pelo medo, tentam erguer muros que nos separem, e os que, em nome da liberdade, que é o cerne da existência, preferem eliminar fronteiras.

Parece que estamos diante das velhas guerras ideológicas entre liberdade e escravidão, entre os que preferem viver em liberdade, embora ameaçados, do que em uma escravidão que nos oferece a miragem da segurança. Quem vencerá a batalha entre o autoritarismo que se impõe como um novo dogma e a democracia, que é o espelho dos anseios mais profundos do ser humano criado para cuidar do mundo e não para prostituí-lo?


Juan Arias: A estéril e mórbida impaciência do clã Bolsonaro

Há que se respeitar o que já foi conquistado

Às vezes, o Presidente Bolsonaro e seus filhos me lembram uma síndrome que um psiquiatra descobriu em uma criança. O pequeno não suportava esperar que um botão de rosa abrisse naturalmente suas pétalas para mostrar toda a sua beleza. De raiva, destruía o botão com suas mãos antes de dar-lhe tempo para abrir. Imagino que um dia se curaria daquela loucura, pois do contrário acabaria por destruir a si mesmo como despedaçava a rosa a qual não dava tempo de nascer.

Se alguma coisa um dia diferenciará o lulismo e o dilmismo do recém-nascido “bolsonarismo”, é que esse nasceu contra a natureza, sem respeitar o tempo de gestação. O bolsonarismo, além disso, não só é constituído de um líder, como sobre ele recai a força e a fraqueza de todo um clã familiar.

Hoje o Brasil e sua forma de Governo se parecem mais com uma dinastia imperial e uma família real, do que com uma democracia representativa. Não existe somente um presidente que organiza e cuida da nação, e sim um grupo familiar aguerrido, em cujas mãos se movimenta, querendo ou não, ainda que sabemos que quer, o ex-capitão do Exército, Jair Bolsonaro.

Às vezes chega a parecer que os que tomam as últimas decisões são seus descendentes, seus três filhos: Carlos, o vereador, Eduardo, o deputado federal, e Flávio, o senador. E é possível que também, ainda que em silêncio, sua própria esposa, Michelle, mesmo sendo notório que Bolsonaro não acredita muito na inteligência e competência das mulheres. Já defendeu que devem ganhar menos do que os homens.

Estamos, por isso, diante de uma maneira atípica de governar que mal começou seu percurso, e já se revela atropelando, impaciente, intolerante, de disse e não disse, de volta atrás de afirmações graves. Tudo isso é duplamente perigoso porque acaba sendo paralisante. Bolsonaro e a forma de governo que seu clã tenta impor, convencidos como estão e como verbalizou em público há pouco Carlos, o filho mais arrojado do clã, é que “a transformação que o Brasil quer não acontecerá por vias democráticas”. Por quais então?

A afirmação, a mais grave publicada até hoje desde os tempos da ditadura militar, foi longamente examinada, julgada e condenada pelas forças democráticas do país. É preciso, entretanto, insistir nisso, porque o Brasil, de acordo com os analistas nacionais e internacionais, está vivendo um de seus momentos mais incertos política e economicamente em décadas. Sua ainda frágil democracia pode se desfazer, atropelada pelos cavalos da pressa.

É uma época em que se quer negar a própria essência do brasileiro, que não é cultor da pressa, do atropelo, e sim do ritmo lento da natureza que o envolve e forjou sua identidade. Chamei o bolsonarismo que está nascendo e já assusta fora de suas fronteiras de estéril porque nunca a impaciência foi mestra da construção de um povo. O bolsonarismo que se tenta impor a esse país, que possui problemas graves que nunca foram totalmente resolvidos, não é um laboratório de reconstrução social, espiritual e cultural de um povo em que os marginalizados, que sempre foram a maioria, deveriam ter pressa em sair de seu inferno.

E, triste paradoxo, é justamente a impaciência dos que chegaram hoje ao poder, a que pode exasperar ainda mais profundamente a dor atávica dos excluídos do banquete dos privilegiados que se transformaram em donos do país. E nomeei de mórbida essa impaciência bolsonariana, porque de acordo com o dicionário se trata de algo “que se sente atraído obsessivamente pelo desagradável, o cruel, o proibido e exibe uma obsessão doentia pela morte”.

E isso porque a pressa e a impaciência atropelam qualquer possibilidade de devolver riqueza e dignidade aos que dessas coisas foram excluídos à força. Se o Brasil não precisava de algo, herança do lulismo e do dilmismo com suas luzes e suas sombras, é o galope de um cavalo desgovernado que destrói tudo o que encontra em seu caminho.

O bolsonarismo e seu clã um dia serão vistos como a experiência mais desastrosa que o Brasil poderia ter quando o mundo inteiro ameaça destruir as conquistas de civilização e liberdades que com tanta dor e às vezes sangue foram conquistadas.

Essa impaciência estéril de Bolsonaro é tão grande e perigosa que ainda não sabemos a que veio além de seu programa de discriminar os diferentes e colocar em julgamento os valores democráticos. E o presidente já está praticamente empenhado de corpo e alma em disputar as eleições de 2022, contradizendo suas promessas de campanha de que acabaria com a reeleição em um país no qual sempre os mesmos parecem governar.

O que parece identificar o bolsonarismo do militar reformado é a pressa em ver, em expressão sua nos Estados Unidos, recém-eleito, em “desconstruir” o país mais do que ajudar a melhorá-lo com a ajuda de todos. Parece interessar-se mais pelos escombros que vai criando em seu afã demolidor dos princípios do respeito às diferenças de pensamento, de credo e de maneira de viver, do que melhorar o já construído e devolver a justiça negada aos que nunca puderam se sentar à mesa dos satisfeitos.

A impaciência de Bolsonaro, seu desejo de querer criar um país à imagem de sua pressa e de sua paciência iconoclasta, parece um reflexo do simbolismo das armas que ele tanto ama e cuja imagem delas disparando sempre foi o sinal trágico dos gestos de suas mãos.

Sim, as armas têm pressa, são impacientes. Quanto mais rápidas e certeiras melhor, porque sua missão é matar, destruir, mais do que salvar. Rápidas, como gosta o governador do Rio, Wilson Witzel, quando diz que o policial deve disparar “na cabecinha”. E essa pressa da pólvora parece ter contagiado o atual Presidente desse império que é o Brasil, berço de milhares de experiências de vida e de superação mais do que de morte. De morte já bastam os índices anuais de 60.000 homicídios, as mulheres mortas e estupradas todos os dias pelos homens. Os brasileiros querem hoje que alguém lhes fale mais de vida do que de morte, de esperança do que de intemperanças.

Toda experiência política engendrada no caldo de cultura da impaciência e da destruição, é contra a natureza que só se descompõe quando é sobrecarregada pela pressa. Tudo o que nasce em nosso planeta leva a marca da paciência, da reflexão, do saber esperar e escutar as leis que o regem desde o início do Universo.

O exemplo de que o melhor que nasce no mundo precisa respeitar o tempo de gestação é a vida. A nossa e a de toda a natureza. Tudo precisa de um tempo para crescer e amadurecer. O ser humano poderia ser concebido e nascer imediatamente. Não é assim. O feto vai sendo gestado em silêncio e na espera. E assim é tudo, nascemos chorando, como ainda sentindo o peso do inacabado.

Essa reflexão me fez lembrar de uma de minhas experiências mais difíceis como jornalista e entrevistador na Itália. Foi com o à época famoso diretor e criador de um estilo novo de cinema, Federico Fellini, autor de obras imortais como Roma e A Doce Vida. O gênio era tímido como um adolescente. E não gostava de ser entrevistado. Chegava a dizer que ele “não existia”, que havia sido criado pelos jornalistas. Uma manhã, entretanto, acabou combinando comigo uma entrevista “rápida”, me disse.

Já me desmontou na primeira pergunta. Eu queria saber como ele tinha as ideias dos títulos de seus filmes. Ele, para sentir-se mais seguro, sempre usava um cachecol de lã, fosse inverno ou verão e com um chapéu de feltro. E durante a entrevista tinha diante de seus olhos folhas de papel em branco nas quais, para se distrair e não olhar o entrevistador, rabiscava. Fellini me contaria depois que seu primeiro amor havia sido desenhar quadrinhos.

Minha pergunta lhe pareceu boba. Demorou a responder. Após alguns segundos de reflexão me disse que não há milagres nas coisas que fazemos. Que tudo tem seu tempo e seu ritmo. Eu começo, afirmou, a trabalhar em um filme, as ideias vão surgindo, vou transformando-as em imagens e como acontece no milagre de um parto, o título vai se formando em minha mente, crescendo até que nasça sozinho.

É a diferença entre a pressa da impaciência mórbida e a sabedoria lenta da natureza, que não atropela, que sabe esperar até estar madura. Foi uma experiência que nunca esqueci e que hoje, com minha vivência, me confirma que tudo o que é filho da pressa inútil e dos atropelos e violências é infecundo e mortal.

Sou crítico ao bolsonarismo como já o fui com alguns outros ismos dos quais sofri pessoalmente e que costumam ser fruto mais do populismo e da pressa estéril do que da sabedoria que sabe usar mais a paciência do que o atropelo das armas.

Se o Brasil, como dizem, precisa ressuscitar de sua letargia e dos atropelos sofridos no passado, isso só será possível, mais do que destruindo, começando por respeitar o já conquistado, às vezes, com tanta dor e tantos tropeços. Sem pressas estéreis e mórbidas. E sem atalhos mortais.


Juan Arias: Na guerra sobre a Amazônia, o Brasil ganhou e Bolsonaro perdeu

Quem sai engrandecido dessa guerra são, de fato, os brasileiros e sua luta na defesa do meio ambiente

Na guerra sobre a destruição da Amazônia, o presidente, Jair Bolsonaro, saiu derrotado enquanto o Brasil e suas riquezas naturais foram defendidos em todo o mundo. As ideias destrutivas do líder brasileiro e seus comentários depreciativos e até grosseiros pronunciados, por exemplo, sobre presidentes europeus como Emmanuel Macron, da França, e Angela Merkel, da Alemanha, acabaram ofuscando ainda mais sua já surrada figura no exterior.

O presidente brasileiro que havia dito, dias atrás, que não iria ser um presidente “banana”, acabou sendo visto como tal pelos líderes mais importantes do estrangeiro. Suas chacotas sobre a Amazônia apelando até a uma linguagem de cunho anal como quando disse que bastava “um cocô petrificado de índio” para paralisar uma obra, não foram apreciadas fora do Brasil. O mundo sempre admirou e até invejou o santuário natural da Amazônia que abriga o maior bioma do planeta e que é reconhecido como um dos maiores tesouros ecológicos ainda vivos da Terra.

Também se tornaram um bumerangue as zombarias sobre o Presidente Macron nas redes sociais aplaudidas por Bolsonaro sobre a comparação entre sua esposa, Brigitte, já idosa, e a jovem Michelle, a esposa do Presidente brasileiro. E mesmo as brincadeiras de mau gosto do vice-presidente, o general Mourão, sobre os tremores que às vezes afetam a líder alemã Merkel. Todas essas atitudes serviram principalmente para que o mundo constatasse que o Brasil, possuidor não somente de imensas riquezas naturais, como também humanas, merecia alguém mais digno e preparado para ser governado.

A atitude do Presidente brasileiro e de seu governo durante o episódio da Amazônia, que abalou o mundo, serviu também para expor a ausência dramática de uma política externa à altura das circunstâncias, algo que sempre foi considerado como uma das glórias e acertos da política brasileira, seja de direita ou de esquerda.

Basta observar nesses dias as manchetes dos grandes jornais internacionais para constatar a condenação universal sobre as opiniões e posturas de Bolsonaro sobre a Amazônia. Nas análises de tais jornais, que pautam a opinião mundial, fica bem clara a distinção que se faz no exterior entre as posturas iconoclastas do líder brasileiro sobre a Amazônia e a postura de resistência dos brasileiros.

Fica claro, internacionalmente, que é o novo Presidente Bolsonaro e não os brasileiros que prefere ver a Amazônia transformada em pasto para gado, cultivo de soja e em túneis abertos em suas entranhas para a extração de minerais, o grande sonho dos capitalistas. Assim como gostaria de ver os indígenas expulsos dessas terras que sempre foram suas e têm o direito de habitar.

Ao mesmo tempo, na abundante informação mundial sobre o conflito do novo Governo de extrema direita sobre os incêndios cada dia maiores e mais numerosos vistos na Amazônia, criminosos em sua grande maioria, ficou clara a distinção entre as posturas de Bolsonaro e o que os brasileiros mereciam ter na liderança para resolver seus problemas.

Quem talvez melhor o tenha expressado e que honra a todos os brasileiros e os que decidiram fazer desse país sua casa, foi o Presidente francês Macron com essas palavras; “Como tenho uma grande amizade e respeito pelo povo do Brasil, espero que tenham rapidamente um presidente que se comporte à altura”.

Quem sai engrandecido dessa guerra são, de fato, os brasileiros e sua luta na defesa da Amazônia, que continuam angariando a simpatia do mundo. E isso, nesse momento, é o que mais importa, já que os presidentes e os governos passam, e os brasileiros continuarão sendo vistos com estima e afeto, merecedores de estadistas capazes de defender suas essências e suas riquezas.

Alguém poderia dizer que Bolsonaro pouco se importa com a opinião dos líderes estrangeiros. Que o que lhe serve são os votos de seus fanáticos defensores, por certo sempre menores, a quem parece querer especialmente agradar. Ele se esquece que o mundo hoje mudou e que, às vezes, a um líder pode ser tão ou mais perigoso o repúdio internacional que o de seus próprios compatriotas.

Os nacionalismos exasperados, os sonhos de muros e barreiras para não se deixar contaminar com o que vem de fora estão ficando cada vez mais obsoletos. Apesar das tentações totalitárias e do ressurgir dos novos patriotismos que a globalização destruiu, hoje é mais fácil, às vezes, ganhar e perder eleições presidenciais fora do que dentro do país.

Hoje é cada vez mais evidente, por exemplo, que o ex-presidente brasileiro, o ex-operário Lula, deve suas duas eleições e as de sua pupila Dilma, tão ou mais que a seu consenso interno, onde muitos o temiam ao chegar, ao indiscutível consenso e aplauso que possuía internacionalmente. Aplauso que mantém ainda hoje na prisão e que, se não me engano, ainda será fundamental para que possa recuperar sua liberdade.

Deveriam explicar a Bolsonaro que sua sobrevivência no poder depende hoje não só dos brasileiros, e sim também de sua imagem no exterior. Esquecer e desprezar tal conselho pode lhe ser fatal. Ou já está sendo?


Juan Arias: O desprezo do presidente pelo melhor da alma do Brasil

O desprezo do presidente pelo melhor da alma do Brasil

Entre as muitas barbaridades pronunciadas irresponsavelmente pelo presidente Jair Bolsonaro nos primeiros sete meses de seu Governo, que Eliane Brum qualifica neste mesmo jornal de perversas em seu magnifico artigo Doente de Brasil, há uma que, talvez por ser estrangeiro, ofendeu-me de modo especial. É quando ele afirma: “Temos uma profunda repulsa por quem não é brasileiro”.

A afirmação, no plural, daria a entender que não só ele, mas também todos os outros brasileiros, alimentam essa repulsa contra aqueles que não são, o que é uma injúria com milhões que sempre acolheram os estrangeiros com admirável gentileza, respeito e até carinho. Porque, além do mais, nas veias dos brasileiros pulsa o sangue de tantos povos vindos de todo o mundo. Basta pensar que só em São Paulo convivem em paz, sentindo-se brasileiros e sendo aceitos como tal, pessoas de 90 países diferentes.

Embora estejamos acostumados às palavras de desprezo do presidente de ultradireita por tudo que não sejam suas ordens autoritárias e seus horizontes mesquinhos de civilização, afirmar que sente repulsa por quem não é brasileiro é algo grave em quem deveria ser o defensor de todos e de cada um daqueles que habitam este grande continente, o quinto maior país do mundo. Todos, de algum modo, somos brasileiros. Aqui não há estrangeiros.

Segundo o dicionário Michaelis, repulsa é sinônimo de “repugnância, asco, aversão, revolta”. Se é isso que ele pensa daqueles que, como eu, escolheram livremente este país para viver e o sentem como seu, está fazendo uma tremenda injustiça que o define melhor do que todas as suas bravatas. Mais uma vez, com rejeição e repulsa em relação àqueles que não são brasileiros, o presidente revela que nele predominam os sentimentos negativos, suas pulsões de morte, sua atração por tudo que significa destruição e desqualificação do próximo.

Significa, acima de tudo, uma injúria e uma ofensa ao melhor deste país, que, apesar de todos os seus defeitos, tem uma virtude indiscutível, a acolhida aos estrangeiros. Estou aqui há 20 anos e posso dizer que me sinto mais querido do que em minha própria terra.

Bolsonaro despreza e até persegue o melhor dos brasileiros, a rica pluralidade de suas diferenças étnicas, culturais, humanas e religiosas. Quando eu ainda estava fora do Brasil, pude observar em minhas viagens pelo mundo que a palavra “Brasil” despertava principalmente simpatia e vontade de conhecer o país. Em um mundo no qual está sempre à espreita o perigo das guerras, o Brasil, apesar de sua carga de violência institucional e de suas grandes injustiças sociais, era visto como um povo que deseja viver em paz e que não lembra quando teve sua última guerra.

Agora, pela primeira vez em muito tempo, o Brasil vive sob um Governo que fala mais de guerra do que de paz, de matar do que de dar vida, que assassina a cultura e despreza as diferenças, o que significa renegar a alma deste país, que até ontem era visto pelos sociólogos europeus como um caldeirão de experiências positivas em sua convivência pacífica com os estrangeiros, aos quais poderia oferecer o sonho de um futuro com espaço e liberdade para todas as experiências em um clima de paz e desejo de felicidade.

Talvez seja este o maior pecado do novo presidente, o de estar criando um clima de guerra entre os brasileiros, incitando seus sentimentos de ódio e desprezo por tudo o que significa buscar caminhos novos de convivência e liberdade para experimentar novas formas de viver a existência sem que ninguém os ameace ou assuste.

Bolsonaro, que se apresenta como cristão, parece ter esquecido que os tempos do “olho por olho, dente por dente” morreram há mais de 2.000 anos e que foram os primeiros cristãos aqueles que pregaram: “Agora já não há judeu nem gentio, escravo nem livre, porque todos são um em Cristo”. Semear, como o presidente faz, sementes de morte e divisão, de desprezo e até de ameaças a todos aqueles que não se ajoelhem diante de sua visão autoritária e estreita do mundo, é ofender este país e segregá-lo do mundo moderno sem fronteiras, querendo impor novos muros que nos separem uns dos outros.

É precisamente essa a missão de satanás, dividir e semear ódios para impedir as pessoas de ser felizes, de ser como elas querem e não como pretende um Governo que parece apreciar mais as armas do que a paz, a discórdia do que a concórdia. Isso, na verdade, é assassinar o país em vez de abrir novos horizontes para ele em um mundo que está com dores de parto e tudo de que precisa é que o ajudem a criar uma nova vida, em vez de se deixar arrastar pelos demônios que tentam destruir seus sonhos.


Juan Arias: “Até pensava em votar em Bolsonaro, mas agora não”

São os sem privilégios os que melhor sabem como bate o coração do país. E são eles os que têm em suas mãos o maior número de votos a depositar nas urnas

Nós jornalistas deveríamos falar menos com os políticos e mais com as pessoas comuns, que são o verdadeiro Brasil. E mais nesses momentos de suspense às vésperas de uma das eleições mais confusas e imprevisíveis da democracia do país. Minha experiência me confirma que os que nunca aparecem nos jornais, os mudos, que são 99% da população, são os que melhor conhecem a vida real que precisam conquistar o tempo todo. São eles, os sem privilégios, os que melhor sabem como bate o coração do país. E são eles os que têm em suas mãos o maior número de votos a depositar nas urnas.

Digo isso porque nessa manhã, enquanto pensava no que escrever para minha nova coluna, encontrei um taxista jovem, negro, simpático. Fazia um calor de verão e me surpreendeu ao comentar, bem informado, sobre o drama dos problemas do meio ambiente. De repente, me perguntou em quem eu pensava em votar para presidente. Disse que não votava no Brasil e aproveitei para perguntá-lo em quem ele pensava em votar. “Está difícil. Até pensava em votar em Bolsonaro, mas agora não” e acrescentou: “O problema é que os que teriam de nos dar exemplos de vida são os que mais nos envergonham a cada dia”.

Fiquei sem saber em quem ele votaria, mas entendi uma coisa importante: não era do partido dos derrotistas que acham que todos são iguais. Eu o vi sofrendo para encontrar algum candidato que merecesse seu voto. São esses a verdadeira população, os que sofrem o mal exemplo dos governantes e ao mesmo tempo não renunciam a um Brasil em que eles tenham voz, porque são os que o constroem com seu trabalho.

Os políticos deveriam deixar seus carros blindados na garagem e caminhar a pé pelas ruas e subir nos ônibus. Deveriam escutar as pessoas como anônimos, sem escoltas, para saber o que pensam, porque essa massa que viaja nos transportes públicos poderia ser sua melhor assessora. Dessa forma, tanto a esquerda como a direita poderiam entender por que as pessoas não vão às ruas protestar quando elas querem e por que saem e se manifestam quando elas gostariam que ficassem trancadas em casa. As pessoas não são um robô que se move ao bel-prazer dos políticos. São pessoas que decidem motivadas pela urgência de uma vida com menos dificuldades econômicas e menos perigos para sobreviver.

Um amigo meu muito brincalhão me disse que teve um sonho curioso. De repente, a Brasília política havia desaparecido. Onde hoje estão o Governo e o Congresso era somente um grande parque de diversões para crianças. Os jornalistas, desesperados, tentavam saber onde estava a Brasília do poder. Eles a procuravam nas grandes avenidas de São Paulo e nos bairros ricos do Rio. Nada. Até que em uma rede social alguém contou que viu senadores, deputados e ministros caminhando nos becos de uma favela. Estavam a pé, entravam nos bares, nas escolas. Alguns corriam assustados quando as metralhadoras disparavam.

Contei o sonho de meu amigo ao jovem taxista e ele o levou a sério: “Não sei se Brasília deveria mudar a uma favela, mas os políticos deveriam ir às ruas e falar mais com a gente”, disse. Tentei saber o que ele perguntaria a um desses exilados de Brasília se subissem em seu táxi. E foi rápido na resposta: “Eu perguntaria por que precisam roubar tanto com o que já ganham”.

É essa sabedoria popular que os governantes deveriam escutar de sua própria boca. Eles não são contra a política e contra os partidos. O que faz com que tenham aversão aos governantes é saber que parecem entrar na política não para tentar melhorar o país e sim para enriquecer, eles e suas famílias. Por que cada vez mais os políticos de todos os partidos lutam agora para eleger seus filhos e parentes, começando pelos que estão na cadeia condenados por corrupção? São perguntas que as pessoas que viajam horas a pé nos ônibus também fazem. Alguém se atreve a escutá-las? Ou tem medo delas?

 


Juan Arias: A perigosa miragem de uma solução militar para a crise do Brasil

Com todas as suas limitações, a democracia ainda é a única possibilidade para que um povo possa conviver com o melhor de seus valores

Embora não exista o perigo de querer solucionar a crise política e social do Brasil com a intervenção militar, negada pelo exército, é verdade que essa tentação começa a aparecer em alguns círculos como uma perigosa miragem capaz de condicionar as próximas eleições presidenciais. Acabamos de ver isso no momento mais agudo da greve dos caminhoneiros, na qual se ouviram vivas ao ditador chileno Pinochet e apelos por um governo militar.

Minha amiga Telma, que trabalha com cultura, me conta consternada: “Juan, estão gritando que eu vá embora para Cuba, que sou comunista por defender que a greve dos caminhoneiros pode favorecer o ultradireitista Bolsonaro.” Outro amigo meu, Antonio, aposentado da Petrobras que sabe que sofri a longa ditadura militar franquista na Espanha, confidencia: “Juan, não se iluda, só os militares podem salvar o Brasil, fechando esse Congresso corrupto e assumindo o comando do país.”

Qualquer brasileiro medianamente informado sobre a história deveria, no entanto, saber que, com todos os seus defeitos, ninguém ainda encontrou uma fórmula melhor do que a democracia para que uma sociedade viva em harmonia no tocante a suas liberdades e direitos. Custa-me, por isso, imaginar que um intelectual ou artista, qualquer que seja sua tendência política, possa apostar nos militares para tirar o país da crise, porque se sabe que nenhuma solução autoritária produz bem-estar, convivência e respeito às diferenças. E, no entanto, essas mesmas pessoas que consideramos iluminadas e formadoras de opinião parecem cair na armadilha de apoiar ou alimentar movimentos populares de protesto que, ainda que possam parecer uma forma legítima de pressionar o poder e defender os direitos dos trabalhadores, podem se transformar em um bumerangue em momentos históricos de confusão ideológica como o que o Brasil está vivendo.

A história ensina que, em muitas experiências de cunho fascista, não poucos intelectuais e artistas acabaram colaborando explícita ou implicitamente sob pretexto de defender os oprimidos. A miragem das soluções totalitárias contra as arbitrariedades dos governantes das democracias acabou apoiando totalitarismos e regimes militares que chegaram ao poder não com o voto, mas pela imposição das armas. Já tivemos isso na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini e na Espanha de Franco, para falar apenas da Europa.

No momento em que escrevo esta coluna ainda não é possível fazer um balanço do que representou, politicamente, a greve dos caminhoneiros no Brasil, à qual parece querer seguir a dos petroleiros e, quem sabe, também a de outras categorias que poderiam sair às ruas “contra tudo e contra todos”, que é a fórmula mais perigosa para impedir uma solução dialogada que faça justiça aos abusos que podem ter sido o estopim das manifestações.

Quem viveu e sofreu por muitos anos um regime totalitário sabe que, com todas as suas limitações, a democracia ainda é a única possibilidade para que um povo possa conviver com o melhor de seus valores. Quem, por exemplo, hoje pode gritar nas estradas contra o governo para defender o que considera seus direitos, ignora que não poderia fazê-lo sob nenhum regime totalitário sem pôr em perigo sua própria vida.

Na política, na família ou em qualquer relacionamento humano, nada é capaz de substituir o diálogo se não se quiser viver no inferno da incomunicabilidade. Nunca a força imposta pelas armas fez a Humanidade crescer no melhor que possui, como sua possibilidade de viver em liberdade sem a tirania dos muros, nem os de Berlim nem os do México, emblema, ambos, dos crimes contra a liberdade e a convivência democrática.


El País: O que o Exército está insinuando sobre as eleições?

Comandantes militares pediram um ambiente de tranquilidade política que permita a realização de “um processo eleitoral tranquilo”

Juan Arias

Os comandantes militares exortaram à criação no país de um ambiente de tranquilidade política que permita, ano que vem, a realização de “um processo eleitoral tranquilo”, de acordo com um documento ao qual o jornal Folha de S. Paulo teve acesso. O que a cúpula do Exército está insinuando? Freud alertou que as palavras podem indicar mais do que expressam, porque revelam nosso subconsciente. E não é preciso ser um especialista em semiótica para saber ler o que está implícito na linguagem. Por isso, é importante entender o que os militares entendem por eleições “tranquilas”.

O Exército, que em sua alta hierarquia afirma apoiar o processo democrático e sua fidelidade às instituições, deve possuir informações privilegiadas sobre o que ocorre no país. É possível que os comandantes conheçam a existência de interessados em contaminar as eleições criando um clima de desassossego eleitoral. Não é um segredo que nas próximas eleições o Brasil, que não é uma república das bananas, mas um ator essencial dentro e fora do continente, tem muito em jogo. É o final de um ciclo histórico e estão sob suspeita muitos interesses abertos e ocultos, sejam políticos ou econômicos, que podem depender do resultado de eleições limpas.

Não por acaso a presidenta do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, acaba de afirmar que “corremos o risco de não ter eleições com essa crise institucional”. A que crise concreta ela se refere? Está querendo indicar que os brasileiros perderam a confiança não só em seus políticos, mas até em suas instituições democráticas? E se for assim, existe o perigo real de que as eleições possam ser abortadas e com quais consequências? E quem teria interesse em que não se realizassem ou que amanhã sejam impugnadas eleições que deveriam colocar o ponto final do chamado “golpe” contra Dilma, que deixou feridas ainda abertas que Lula tentou cicatrizar com sua frase já célebre e enigmática “estou perdoando os golpistas desse país”?

Gleisi, que fala com menos diplomacia do que os militares sobre o perigo que as eleições podem sofrer, antecipou que os interessados em boicotá-las “são os golpistas”, a direita. Ninguém ainda expressou abertamente, mas é possível que muitos políticos importantes, de direita e esquerda, pelo temor de que tanto eles como seus partidos sejam varridos após as acusações de corrupção que lhes inquietam, possam estar interessados em que as eleições, como parecem insinuar os militares, não se realizem em um clima de tranquilidade. No Congresso já se preparam para “afrouxar”, por exemplo, a lei da Ficha Limpa, que pode impedir que muitos políticos corruptos concorram nas eleições.

O PT, que é um dos grandes que chega mais vulnerável a essas eleições, começou, por exemplo, a considerar a possibilidade de “boicotar” as eleições se a Justiça impedir Lula de disputá-las. A presidenta Gleisi disse, em uma entrevista recente à BBC Brasil, que as eleições poderão ser consideradas uma “fraude” se Lula não puder ser candidato. Confessou que seu partido já está trabalhando nas redes sociais com dois lemas: “Eleições sem Lula são uma fraude” e “Eleições sem Lula são um golpe”. Um correligionário seu, o deputado por São Paulo José Américo foi ainda mais longe. Chegou a dizer que se impedirem Lula de participar, pode ser criada no país, “por não deixarem o povo decidir”, uma situação de “convulsão social e de risco de guerra civil”.

Nesse momento delicado, o mesmo Lula, o maior líder popular do país, cuja candidatura condiciona fortemente o resultado das eleições, teria, de acordo com líderes de seu próprio partido, que esclarecer se pensa em se candidatar a qualquer custo, ou se respeitará as regras eleitorais. Poderia explicitar que só será candidato se existirem as condições jurídicas para que possa fazê-lo, para a tranquilidade do país e para contribuir com a realização tranquila das eleições. Lula tem o direito, como qualquer outro cidadão brasileiro, de disputar as eleições e o PT de defender sua candidatura apesar de seus problemas com a Justiça ainda pendentes de um veredito final. Hoje são milhões que votariam em Lula segundo as pesquisas, mas para que ninguém possa tirar a legitimidade das eleições, isso deveria ocorrer somente se o candidato petista estiver nesse momento amparado pela lei.

É, de fato, nos momentos cruciais para um país, em que podem estar em perigo os valores da democracia, quando os políticos de boa cepa devem saber se inscrever no livro da História.

 

 


Juan Arias: O novo Brasil sem Lula

Já são poucos os analistas que confiam que o Brasil possa voltar a ser presidido por Lula e seu partido

Os países são maiores e mais importantes do que seus governantes. E mais ricos, humana e culturalmente. O Brasil também é, e não pode ficar estagnado no “Lula sim” ou “Lula não”. Se ficar preso à disputa política e às redes de corrupção, o país corre o risco de atrasar a mudança que a sociedade está pedindo.

Já são poucos os analistas que confiam que o Brasil possa voltar a ser presidido por Lula e seu partido, que foi uma peça importante da história recente. Seu ciclo político termina, como indica a chuva de denúncias e acusações que caíram sobre o ex-presidente mais carismático e de maior projeção internacional, esta semana da boca de Antonio Palocci, que foi seu principal ministro, amigo e conselheiro, e, agora, o primeiro líder de seu partido a romper o pacto de silêncio. O Brasil está saindo, ferido e desconcertado, de um período de incerteza política e de medos de voltar ao pior de seu passado. Pode ser que sejam feridas que deixem marcas difíceis de curar ou talvez, como escreveu em uma nota no Facebook minha colega Carla Jiménez, podem ser “os problemas de crescimento da democracia”.

Nessa gangorra entre pessimismo e otimismo, também prefiro pensar como minha colega que, desta tormenta, o Brasil poderá sair mais maduro, com instituições saneadas e fortalecidas, e sem que a democracia tenha sofrido perdas irreparáveis.

Se a etapa histórica do lulismo deu seus frutos e representou um momento importante para o progresso do país, o pós-Lula não tem por que ser um passo atrás na consolidação do processo democrático de um país chave no continente.

Os pessimistas podem ver no pós-Lula e pós-PT uma derrota da democracia e das conquistas sociais. No entanto, se já sabemos como foi o passado, com suas luzes e sombras, o futuro, que começará com as eleições de 2018, ainda está aberto e todos os caminhos são possíveis.

A responsabilidade, neste momento, já não está nas mãos de uma classe política, de esquerda ou de direita, que aparece despida de sua dignidade, maculada pelo descaramento das malas de dinheiro da corrupção de Geddel Vieira de Lima, aliado do presidente Michel Temer, e pela gravidade dos “pactos de sangue” como o selado, ao que parece, entre Lula e o capital para se perpetuar no poder. Essa classe política está agonizando e seu destino estará dentro de um ano nas mãos da sociedade que poderá expressar nas urnas seu poder democrático de mudar as coisas.

Dessa vez, graças sobretudo às redes sociais e à liberdade de expressão dos meios de comunicação que nenhum governo, nem os corruptos, eliminou, a sociedade, até a menos ilustrada, conhece muito bem o resultado da política de corrupção e do enriquecimento fácil. Esta é a hora da verdade. É a hora de um verdadeiro pacto, não de caráter mafioso com o velho, mas de compromisso com a ética e a democracia.

Não será uma mudança fácil, mas nada novo nasce sem dor. Não há na História humana uma única criança que nasça rindo. Nascem todas com medo do novo.

Os pactos de sangue da história da política levam, em sua ambiguidade, à impossibilidade de que apareça sangue novo e renovador. São a gangrena dos processos de liberdade.

Os brasileiros, nas próximas eleições presidenciais, deverão fazer um pacto de esperança de encontrar caminhos novos para demonstrar ao mundo que foram mais fortes que a corrupção e a falta de ética de seus políticos.

É isso, aliás, o que esperam, fora do Brasil, aqueles que gostam e invejam este país, mescla de sabores e culturas, alegre caleidoscópio de felicidade.