José Roberto Mendonça de Barros
Crescimento cíclico ou retomada sustentada - parte 2
A última década foi terrivelmente frustrante em termos de crescimento econômico
José Roberto Mendonça de Barros / O Estado de S. Paulo
Foto: Agência Brasil
O crescimento econômico é uma construção de longo prazo. O Brasil tem crescido pouco desde 1980. Imaginamos que o controle da inflação, desde o Plano Real, pudesse abrir as portas para uma nova era. Entretanto, a última década foi terrivelmente frustrante. Paramos de vez.
Para sair de um buraco, primeiro é preciso parar de cavar. Por isso, para voltar a crescer, antes de tudo precisamos deixar de apostar em ações fracassadas.
Não é possível crescer com base em recursos derivados de atividades ilegais. O maior exemplo atual é o que ocorre na Amazônia: grilagem de terras, extração e exportação de madeira vinda de áreas públicas ou com documentos ilegais ou garimpos em áreas invadidas. A Região Norte não crescerá com essa base.
Transferências para segmentos e regiões mais pobres têm mesmo de ocorrer, mas têm de ter propósito: bolsa-escola, médico de família, desenvolvimento da bioeconomia, recuperação florestal, pagamentos por serviços ambientais, pagamentos por serviços comunitários e tantos outros.
Não é possível crescer com projetos inviáveis técnica e economicamente. A lista aqui é enorme. Um exemplo é a indústria naval. Outra é a obrigatoriedade de construir gasodutos e térmicas a gás em regiões sem o gás e sem grande consumo de energia (como está na atual lei sobre a Eletrobrás). Os experimentos fracassados de Ceitec e Unitec, que deveriam fabricar chips, são ilustrativos também.
Também é evidente que projetos decorrentes de voluntarismo político e corrupção emperram o crescimento. As refinarias Abreu e Lima e Comperj torraram mais de US$ 30 bilhões sem retorno. Ao mesmo tempo, o Tribunal de Contas da União apontou a existência de algumas milhares de obras públicas federais inacabadas. O atual sistema de “emendas do relator” é mais um passo para gastar recursos em projetos paroquiais, no mais das vezes sem contribuição relevante para o crescimento ou com retornos sociais modestos. O processo de construção de um Orçamento com propósitos sensatos foi totalmente destruído na atual gestão.
Não se cresce com instituições fracas e capturadas por lobbies e outros grupos de interesse, como é largamente comprovado na literatura econômica. O nome da Codevasf, que agora cuida até do Amapá, vem imediatamente à mente.
Na mesma direção, inúmeras representações empresariais acabaram por se transformar em instrumentos de obtenção de vantagens do governo federal e do Congresso, com pouca preocupação com a evolução da inovação, produtividade e competitividade das empresas.
Precisamos nos concentrar em desenvolvimento, reformas e ações que possam, de fato, trazer de volta o crescimento econômico.
Infelizmente, a política econômica atual pouco avança nesses quesitos, e é por isso que as projeções de crescimento para 2022 e adiante não passam de medíocres 2%.
A desarticulada proposta da atual reforma tributária é mais um exemplo do que não deve ser feito: foi jogada no Congresso, e é seguro que sairá algo desfigurado, mantendo nosso sistema tributário complexo, caro e confuso.
A competitividade e viabilidade da economia têm de ser construídas passo a passo, numa perspectiva de longo prazo, partindo da criação de conhecimento, instituições e desenvolvimento tecnológico. O exemplo do agronegócio é o mais evidente à mão. Já está largamente comprovado que o setor vai adiante com duas bases muito sólidas: constante desenvolvimento tecnológico, base de sua competitividade, e uma participação intensa nas cadeias internacionais de suprimento agrícola. O investimento em educação especializada, técnica e superior, a força do sistema cooperativo e do crédito especializado também têm sido fatores relevantes.
Por outro lado, nossa indústria está encolhendo, fechada em seu protecionismo e é cada vez menos competitiva. Ao mesmo tempo, é possível conhecer muitas empresas bem-sucedidas nestes últimos anos. Na maioria dos casos que conheço ocorreu algo muito semelhante ao já observado sobre o agronegócio: são empresas antes de tudo preocupadas com inovação e produtividade e, ao mesmo tempo, que buscam se colocar no mundo, participando das cadeias globais, criando músculos para superar as deficiências do custo Brasil.
Só voltaremos a crescer de forma sustentada se esses sucessos forem mais generalizados.
*Economista e sócio da MB Associados.
Fonte:
O Estado de S. Paulo
José Roberto Mendonça de Barros: A novela do Orçamento
A questão do Orçamento é só mais um passo no sistema de enfraquecimento do Executivo
A frase é antiga, mas apropriada a esta situação: quando pensamos que já vimos de tudo, algo ainda mais inusitado ocorre. Digo isso a propósito do que se transformou a LOA para 2021.
Jamais havia acontecido uma demora de tal magnitude na aprovação da mais importante lei econômica de qualquer país. Como se sabe, no final do ano passado as lideranças políticas decidiram não votar o Orçamento para não criar problemas nas manobras que antecederam a eleição das mesas da Câmara e do Senado, que só ocorreriam em fevereiro deste ano. Foi o que aconteceu e os trabalhos legislativos a respeito só avançaram a partir de março.
Embora apenas isso já fosse complicado, as discussões, muito tensas, acabaram por produzir e aprovar uma peça orçamentária absolutamente equivocada, possivelmente contendo ilegalidades, e impossível de ser executada. Em resumo, as despesas obrigatórias foram grosseiramente subestimadas para que um volume sem precedentes de emendas parlamentares fosse incluído no Orçamento. Além disso, parâmetros conhecidos, como o valor do salário mínimo vigente, não foram levados em consideração, e ainda há outras impropriedades.
Aprovada a lei, criou-se outra dificuldade: a área econômica passou a argumentar que a sanção sem vetos do Orçamento poderia levar a um crime de responsabilidade, enquanto que as lideranças parlamentares, especialmente as da Câmara, argumentavam que tudo que estava consignado na lei foi discutido e aprovado pelos representantes do Executivo, não abrindo mão da sua aprovação sem vetos.
Daí o impasse criado, pois o governo rachou entre ministros favoráveis aos gastos e a área econômica e, de outro lado, a área parlamentar que, enquanto este artigo está sendo escrito, insiste na aprovação da lei tal como está.
Temos aqui, portanto, quatro grandes problemas de uma única vez:
– Abriu-se um grave problema político, pois o Executivo, muito fragilizado, não consegue decidir se veta parcialmente a LOA ou se a sanciona e, em seguida, envia um projeto de lei para fazer os consertos necessários, como pedem as lideranças legislativas. Enfrentar o Legislativo pode custar caro.
– Por outro lado, sancionar o Orçamento e corrigi-lo com um projeto de lei pode resultar em ajustar os gastos obrigatórios ao real e, ao mesmo tempo, acabar por expandir largamente os gastos totais e os déficits, o que a área econômica não deseja.
– Existe um problema orçamentário concreto, pois, na ausência de uma grande correção nos excessos praticados no Legislativo, o governo poderá ter enormes dificuldades e se inviabilizar no dia a dia por escassez absoluta de recursos em muitas áreas (apenas a título de exemplo, os recursos para o crédito da agricultura familiar, o Pronaf, foram zerados e os recursos para o Plano de Safra foram cortados pela metade).
– Finalmente, existe um grande problema fiscal, ou seja, mesmo que legalizados os excessos de gastos, via créditos extraordinários, ou alguma variante do chamado Orçamento de Guerra, esses terão efeitos deletérios sobre o crescimento da dívida e as expectativas dos agentes econômicos. E boa parte dessas despesas se destina a projetos paroquiais, sem maior relevância social ou econômica.
O que mais chama a atenção é o gigantesco grau de incompetência dos dois Poderes que gerou o monstrengo do Orçamento. O populismo desenfreado, a absoluta falta de coordenação no Executivo e o enfraquecimento crescente do ministro da Economia, Paulo Guedes, se somaram à falta de competência dos líderes do Legislativo. Dizer, como dizem estes, que tudo foi combinado com o Executivo não resolve a questão, pois não transforma um absurdo numa coisa razoável. Tem-se a impressão de que nenhuma das partes acaba por avaliar o volume de problemas que está sendo criado.
A questão do Orçamento e suas consequências políticas representam apenas um passo a mais no sistemático enfraquecimento do Executivo. A incapacidade de lidar com a pandemia está contaminando e derrubando as perspectivas de crescimento, que se espraiam para o ano que vem. Todos os analistas têm reduzido as projeções de crescimento para este ano e para 2022.
O governo está esfarelando e fazendo água por todos os lados.
ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS
José Roberto Mendonça de Barros: Existe futuro para a indústria?
Estamos longe da trajetória de crescimento sustentável, se comparado com o PIB global nas últimas décadas
O Brasil deixou de acompanhar o crescimento global desde 1980. Esse distanciamento se acentuou depois do novo milênio e, em particular, após 2010: nesse período, o PIB global cresceu 31%, enquanto o nosso mal se moveu, expandindo-se até o ano passado pífios 2% na última década.
A pandemia aumentará essa diferença, pois, na estimativa do FMI, o crescimento mundial deste ano será robusto, de 5,5%, e, para o Brasil, de 3,6%. A expectativa da MB é de um crescimento mais fraco, de apenas 2,6%. O cenário está desolador, com recrudescimento da covid, falta de vacinas, recorrentes restrições à mobilidade, piora generalizada nas expectativas, enfraquecimento do mercado de trabalho, fortes pressões inflacionárias e consequente elevação de juros e forte incerteza fiscal. Todos esses elementos dominam completamente a situação, ao contrário do mundo de fantasia que se vive em Brasília.
Mesmo o mais otimista observador do cenário brasileiro há de concordar que estamos muito longe de uma trajetória de crescimento sustentável.
Nos anos mais recentes, observamos uma desaceleração forte e sistemática do crescimento industrial. Isso explica boa parte da perda de dinamismo da economia como um todo. Sugere também que, sem algo novo na indústria, será difícil retomar uma trajetória construtiva.
Ao lado da queda da indústria, observamos uma expansão sistemática da agropecuária, baseada em investimentos e crescimento de produtividade. Esse processo se tornou endógeno e está levando a uma crescente utilização de produtos industriais e serviços no processo de produção (o modelo da agricultura de precisão). Expandem-se cada vez mais a produção de novos energéticos, alimentos e materiais, a partir das matérias-primas agrícolas, gerando uma produção industrial sustentável e biodegradável.
Será possível voltar a crescer sem a participação intensa da indústria? Não creio. Boa parte do progresso tecnológico ainda ocorre no setor. O Brasil ainda não tem maturidade nem massa crítica em ciência e inovação para ser um gerador de tecnologias, de forma a viabilizar a criação de valor sem indústria.
Como, então, explicar sua queda sistemática? Por que o setor agroindustrial tem sustentabilidade em seu crescimento? Existe alguma lição que se possa extrair para a indústria?
Boa parte das análises produzidas pelas lideranças industriais coloca exclusivamente no ambiente externo (o “custo Brasil”) a razão fundamental da perda de dinamismo. Estará aí toda a verdade?
Estamos no momento em que é imperioso debater valores e elementos das estratégias das indústrias para refletirmos a respeito de ações e políticas que possam alavancar seu desenvolvimento.
Junto com João Fernando Gomes de Oliveira, elaboramos um pequeno texto no qual, sob o título desta coluna, buscamos resumir nossa visão sobre como chegamos até aqui e o que deveria ser incorporado na formulação de bases para uma nova fase do setor.
Tendo isso como ponto de partida, combinamos com Marcos Lisboa e o Insper a realização de um webinar no dia 6 de abril, quando analisaremos também casos bem-sucedidos, que podem iluminar caminhos futuros. Participarão adicionalmente do evento João Paulo Gualberto da Silva, diretor superintendente da WEG Energia, Eduardo Augusto Ayrosa Galvão Ribeiro, presidente da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), e Paulo Hartung, presidente executivo da Indústria Brasileira de Árvores. (www.insper.edu.br/agenda-de-eventos/existe-futuro-para-industria)
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Consolidou-se a percepção de que a escassez de vacinas e a piora na situação da pandemia irão reduzir o crescimento esperado para o ano, levando muitos analistas a diminuir as projeções feitas em janeiro.
Embora não tenhamos alterado nossa previsão de crescimento (2,6%), elevamos a do IPCA para 5%.
Em consequência, agiu bem o Banco Central ao iniciar a normalização da política monetária nesta semana, embora tenha demorado para perceber que a pressão inflacionária é mesmo forte e tem de ser enfrentada.
*ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALMENTE
José Roberto Mendonça de Barros: Totalmente sem rumo
A ausência, por quase 3 meses, dos pagamentos do auxílio amplia a fraqueza da demanda
Estamos perdidos no meio de uma tempestade. Antes de tudo, pelo que aconteceu no ano passado. Desde que a pandemia mostrou sua força, mergulhamos numa crise humanitária, com elevado sofrimento e número de mortos, que nos jogou numa forte recessão.
Pior que tudo, o negacionismo do presidente da República e a explosiva mistura de arrogância e incompetência de seu terceiro ministro da Saúde tornaram as coisas mais difíceis, com apelo a poções mágicas e negligência na compra de vacinas, a única forma de combater o coronavírus nos dias de hoje.
Além disso, pego de surpresa, o ministro da Economia começou uma longa corrida atrás dos fatos, desde que declarou que “com R$ 5 bi nós matamos o bicho”. Foi o Congresso que desenhou todas as regras e a estrutura do auxílio emergencial (depois apropriado pelo Executivo), que, a partir de junho, elevou a demanda de consumo e resultou numa melhora da atividade no segundo semestre.
Nesta semana, soubemos que a queda do PIB foi de “apenas” 4,1%, e não os 6% a 8% que se anteviam por volta de junho.
Nesse resultado, merece menção que, do lado da oferta, cresceram apenas o setor financeiro, a agropecuária, os serviços imobiliários e a extrativa mineral.
Do lado da demanda, a queda foi universal, destacando-se o consumo das famílias.
O pior é que não se projeta continuidade da recuperação rumo a um crescimento mais sustentável, como mostra a precariedade da taxa de investimento (que ficou abaixo de 16%, quando se corrige o impacto das importações fictas de plataforma de petróleo), a queda abrupta das expectativas de todos os agentes econômicos neste início de ano e as consequências da desastrada intervenção na Petrobrás.
Ao contrário, até o governo já reconhece que não haverá crescimento no primeiro semestre. Para a MB, o PIB, na margem, será negativo em 0,8% no primeiro trimestre e 0,3% no segundo trimestre, configurando uma recessão técnica. E a recuperação era para ter sido em “V”!
Nada é mais distante da realidade do que declarou o ministro à Veja (23/12/20): “Estamos disparando uma onda de investimentos. O grande desafio de 2021 será exatamente esse. O Brasil será a maior fronteira de investimentos do mundo”.
O conjunto de vetores aponta para um período ainda muito difícil adiante.
Antes de mais nada, a virulência da segunda onda do vírus está produzindo um colapso em muitos Estados, que piora o ambiente e implica restrições à atividade em muitos lugares. O mercado de trabalho continua extremamente fraco e os dados mostram que a população sacou uma quantia apreciável de suas cadernetas de poupança para cobrir seus compromissos.
A ausência, por quase três meses, dos pagamentos do auxílio emergencial amplia a fraqueza da demanda.
Estamos assistindo a uma piora significativa na inflação, que continua puxada pelo custo de alimentação e outras pressões no setor industrial. Isso levará o Banco Central a iniciar uma elevação de juros a partir de março, pressionando a recuperação da atividade através do custo do crédito, já prejudicado pelo avanço da tributação no sistema bancário.
Uma coisa positiva foi a aprovação da PEC emergencial no Senado, por trazer de volta a ajuda às famílias mais pobres. Entretanto, as contrapartes aprovadas contêm apenas promessas futuras de avanços no equilíbrio das contas públicas, que ainda terão muita dificuldade em se materializar.
Finalmente, vemos uma diminuição do peso da equipe e a ausência de uma proposta consistente e convincente de política econômica para enfrentar o momento.
Fica cada vez mais difícil crer que uma aliança do Centrão com o Palácio do Planalto vá resultar em reformas e ajuste fiscal. Mais fácil acreditar em duendes.
Com o País aflito e desarvorado, podemos bater no muro em futuro relativamente próximo.
José Roberto Mendonça de Barros: Teremos novo superciclo de commodities?
Mesmo com as vacinas, mundo continuará bem complicado
Nas últimas semanas, vários artigos começaram a discutir a possibilidade de estarmos entrando num ciclo de alta de preços de commodities, semelhante àquele ocorrido no início deste século. Razões para essa hipótese não faltam: em relação a março do ano passado, quando boa parte do mundo parou por conta da pandemia, os preços em dólar do minério de ferro estavam 90% mais elevados, os do aço, 118%, os da soja, 54%, e os do milho, 60%.
Os defensores dessa tese aliam três grupos de observações.
Na última década, os preços das mercadorias foram relativamente baixos, fazendo com que os investimentos em nova capacidade produtiva fossem se reduzindo. Assim, em muitos casos não há folga disponível na oferta e, dado o fato de que novos projetos levam bastante tempo para se completar, teríamos uma situação na qual há uma baixa elasticidade de resposta da produção frente a um aumento da demanda no curto prazo.
O segundo ponto destacado nessas análises projeta uma forte elevação da procura por esses bens nos próximos meses, uma vez que o avanço da vacinação em massa nos países ricos do hemisfério norte deve liberar o relacionamento social ao longo do segundo semestre. Neste momento, a vontade reprimida de consumir, os recursos poupados durante o distanciamento social e a continuidade das políticas expansionistas alavancarão uma rápida expansão dos mercados. Isso se somará ao crescimento que já ocorre na China e em outros países asiáticos.
Ao lado disso, mudanças induzidas e reforçadas pelo período de pandemia levarão a um maior consumo de certos materiais, especialmente metais.
Falo aqui de digitalização, de energia renovável, de carros elétricos e baterias, e do processo de descarbonização em grandes complexos industriais.
Em outras palavras, a pressão de demanda seguiria forte.
O terceiro fator relevante neste processo resulta da gigantesca liquidez internacional, que está levando a uma explosão de compra de certos ativos que representem esses setores: mercados futuros, ações e bônus. Em vários casos, existem posições vendidas que podem gerar, frente a uma elevação da demanda, uma situação de short squeeze, nos moldes do que ocorreu recentemente com a ação da GameStop.
Ativos financeiros representando os segmentos de commodities podem subir muito, completando o caso a favor de um novo ciclo.
Temos aqui uma disputa entre uma recuperação cíclica e a consolidação de uma nova tendência.
Vale dizer que o exposto até aqui já nos diz que os preços de todas as mercadorias continuarão fortes neste ano. Alimentos, metais e petróleo continuarão trazendo para os países produtores, como o Brasil, o pacote completo: ganho de renda (termos de troca), fartura de divisas, tensões nas cadeias produtivas e pressões inflacionárias.
E o que se pode dizer das tendências para os próximos anos?
Como o espaço é muito pequeno, aqui vai apenas um breve resumo.
Petróleo: os preços estão subindo apenas porque Opep e Rússia conseguiram organizar a substancial redução na produção. Existe, pois, capacidade ociosa no sistema. Entretanto, fatores de curto prazo, como a atual tempestade no Texas e os movimentos do mercado financeiro, poderão elevar os preços acima de US$ 70. Por outro lado, elevações de produção em outros países, como o Brasil, o crescimento da energia solar e da eólica, a entrada de veículos elétricos e a maior eficiência no sistema produtivo não parecem sustentar uma tendência mais persistente de alta de preços.
Alimentos: a situação estatística dos mercados de grãos e proteínas está bastante apertada, tendo como pano de fundo a crise na produção de suínos na China. Eventuais problemas climáticos terão um efeito amplificado sobre os preços. Entretanto, boa parte do mundo sairá mais pobre da pandemia e a oferta agrícola tende a ser razoavelmente elástica num prazo de dois anos à frente. Como no caso do petróleo, teremos problemas garantidos no curto prazo, mas tenho dificuldades de ver um boom de preços consistente a médio prazo.
Minérios e metais: talvez seja o caso mais consistente. Pacotes de investimento em infraestrutura, como o do Presidente Biden, e novos equipamentos e tecnologias farão a demanda crescer significativamente. O longo tempo de maturação de novos projetos também contribuirá para tornar o equilíbrio mais distante.
Mesmo com as vacinas, o mundo continuará bem complicado.
*Economista e sócio da MB Associados
José Roberto Mendonça de Barros: A vacina comanda o cenário
O governo federal desprezou a aquisição de vacinas contra covid 19 num momento crucial
O cenário de 2021 no mundo ocidental será determinado pela velocidade e amplitude dos programas de vacinação. Só depois disso o ambiente ficará melhor e as medidas de distanciamento poderão ser gradualmente reduzidas. Neste momento, os grandes estímulos monetários e fiscais terão seus efeitos plenos e o crescimento na área de serviços moverá o PIB e o mercado de trabalho.
Com a posse de um presidente americano que sempre levou a sério a ameaça do vírus e que fará os maiores esforços para o sucesso da vacinação em massa, é possível imaginar que, na entrada do verão do hemisfério norte, um número crítico mínimo de cidadãos estarão imunizados, permitindo que os países desenvolvidos voltem a crescer de forma mais significativa. Isso se somará ao que já acontece na Ásia, onde o enfrentamento do covid-19 foi bastante bem sucedido (exceto na Índia), com a China liderando a expansão.
O crescimento passará a ser sincronizado em boa parte do planeta. O Banco Mundial, na sua revisão de janeiro, estima uma expansão neste ano de 3,5% nos Estados Unidos, 3,6% na Zona do Euro, 2,5% no Japão, 7,9% na China e 5,4% na Índia.
É um cenário construtivo, que permitirá enfrentar grandes questões já existentes, mas que foram agravadas na pandemia, especialmente a recorrente elevação das desigualdades, em várias dimensões, e a imperiosa necessidade de avançar na transição energética e na agenda de sustentabilidade.
Ainda assim, existirão riscos associados ao aparecimento de novas cepas do vírus, inacessíveis às vacinas atualmente disponíveis.
Lamentavelmente, o cenário brasileiro é muito mais difícil, a começar do fato de termos um governo desde sempre negacionista, que nunca entendeu a dimensão da ameaça colocada pelo covid-19, que se engana com poções mágicas e remédios milagrosos e que passou 2020 militando contra as boas práticas sanitárias e sociais. O governo federal desprezou a aquisição de vacinas num momento crucial, quando ainda era possível fazer compras em larga escala.
Como consequência, a pandemia regrediu muito pouco, após o pico atingido em julho. Pior: vimos o distanciamento social regredir brutalmente no final do ano (e não apenas por culpa do governo), o que levou a uma segunda onda em desenvolvimento nos dias de hoje.
Este movimento vai trazer uma pressão adicional sobre as expectativas (como a da indústria, que caiu em janeiro) e a atividade do início do ano, que se somam a três outros fatores, que já em novembro apontavam para uma desaceleração forte na atividade econômica. O mais relevante, evidentemente, é o fim do bônus pago a milhões de pessoas que, associado ao atraso na discussão do orçamento de 2021, praticamente garante que não haverá transferências financeiras extraordinárias neste primeiro trimestre.
Adicionalmente, a subida da inflação no final do ano passado tirou o poder de compra da população e o mercado de trabalho continua muito fraco. Assim, o fim do bônus, a alta dos alimentos, o aumento da taxa de desemprego e a brusca elevação do número de novos infectados e mortos, já no final de dezembro, sinalizavam que no primeiro trimestre poderemos ter até uma queda do PIB em relação ao último de 2020.
Isso nos levou desde o ano passado a projetar um crescimento de apenas 2,6% no PIB.
O que nos causa mais espanto é que apenas nesses primeiros dias do ano muitos empresários e outros agentes perceberam que, sem o controle da pandemia, não haverá retomada sustentada de crescimento, exatamente o oposto do credo negacionista. Não é surpresa, pois, que a avaliação do governo tenha caído de forma dramática e que o cenário tenha piorado qualitativamente, levando o governo a uma frenética corrida atrás das vacinas. Elas deverão continuar chegando de forma intermitente, reduzindo a eficiência da vacinação em massa.
Sem dúvida, 2021 não será um ano fácil. A volta de um crescimento sustentável ainda vai demorar.
*Economista
José Roberto Mendonça de Barros: Política ambiental é entrave ao crescimento
Instituições que comandam cerca de US$ 45 trilhões participam de movimento que não pretende investir e comprar ativos de companhias que não tenham boas práticas ambientais, sociais e ambientais
Aos poucos, o mundo começa a vencer a crise do coronavírus, embora com velocidades muito distintas em diferentes regiões. Vimos, ao longo de 2020, muitos países – quase todos na Ásia – lidarem bem com a ameaça da covid-19 e que já estão avançados na recuperação do crescimento.
Em contrapartida, Europa e Estados Unidos enfrentam agora uma segunda onda da doença, fato que está barrando uma retomada mais robusta na produção e no mercado de trabalho, a despeito da enorme expansão fiscal e monetária empreendida. Mas com um sinal de esperança nesta virada do ano: o pico dos novos casos e mortes coincide, felizmente, com o sucesso de várias vacinas e o início da imunização em larga escala da população. É, portanto, razoável pensar que a maior parte da economia mundial estará em crescimento no segundo semestre de 2021.
Ao mesmo tempo, deveremos assistir a novas tensões e tendências.
No campo das tensões, destaca-se a percepção, exposta e exacerbada pela pandemia, das grandes desigualdades entre pessoas, setores e regiões. Também é certo que a disputa entre as duas grandes potências globais em diversas áreas vai continuar, a despeito da derrota de Trump.
Muitas coisas novas vão se consolidar. Para mim, as mais importantes são a aceleração do progresso técnico, o enfrentamento da questão ambiental e a consequente aceleração da transição energética.
Esse simples resumo da economia global mostra como a situação brasileira é desoladora neste início de 2021.
Antes de tudo porque o negacionismo e o trato dado à covid-19 pelo presidente Bolsonaro encerraram em grande estilo mais uma década perdida. Como disse recentemente o prof. Antonio Delfim Netto, o Brasil desaprendeu a crescer, algo que já estava presente em meu livro Crescer não é fácil, de 2012.
A piora da atual situação será bastante acentuada pela despreocupação na aquisição de vacinas e pela permanente campanha do governo federal contra o necessário distanciamento social e outros cuidados. O resultado será retardar a volta ao trabalho e à normalidade, ainda mais com o final da ajuda emergencial.
Não é impossível um crescimento negativo no PIB do primeiro trimestre em relação ao último de 2020. O primeiro semestre será muito fraco.
Além dos descaminhos e dos absurdos da política governamental relativa à pandemia, temos mais duas áreas nas quais há que se construir algum horizonte antes de imaginar uma retomada do crescimento. Falo aqui da política fiscal e da política externa/ambiental.
A questão fiscal é fácil de descrever, mas quase impossível de encaminhar de forma adequada nas condições atuais. Trata-se de equacionar o que se quer do orçamento: qual a projeção realista de receitas (com ou sem elevação de impostos), o total de despesas e o consequente déficit. É preciso também compatibilizar gastos obrigatórios, a dimensão dos programas de transferências (novo Bolsa Família?) e o volume de investimentos públicos. Evidentemente, o tamanho do déficit tem de ser compatível com uma trajetória aceitável da dívida pública, sob pena de pressionar o dólar e os juros.
Eventuais alterações de regras (como a PEC Emergencial) terão de ser aprovadas para dar apoio adequado ao programa votado.
Dado que o objetivo prioritário do Executivo é a reeleição, que o apetite da nova base do governo é insaciável e que o nível de atividade é baixo, a missão acima descrita é quase impossível.
Finalmente, devemos considerar as políticas externa e ambiental frente à situação internacional, que entra em nova fase com a eleição de Biden e após as negociações do Brexit.
O primeiro caso é fácil de expor: a derrota de Trump deve levar ao encerramento da carreira do mais medíocre chanceler de todos os tempos. Nunca tivemos um ministro que comemora ter transformado o Brasil num pária internacional.
A retomada da diplomacia civilizada entre Estados Unidos e seus principais parceiros deve, antes de tudo, acelerar a pauta do Acordo de Paris, da luta contra o aquecimento global e da sustentabilidade ambiental.
A situação brasileira nesse quesito ficará insustentável, bem como a posição do ministro Salles. Não há como evitar a percepção de que a política brasileira dos últimos anos enfraqueceu a fiscalização e o zelo na lida contra a derrubada ilegal da floresta, com a consequente elevação das queimadas.
A maioria das empresas globais está se posicionando para reduzir compra de produtos que não tenham claramente demonstração de origem e certificações de boas práticas, como é o caso de muita coisa que vem da Amazônia. E isso é uma ameaça real. Atividades ilegais jamais trarão desenvolvimento verdadeiro para a região.
Além disso, em 2020 consolidou-se o movimento de empresas e fundos de investimento de não comprarem ativos de companhias que não tenham boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, em inglês). Apenas para ver o tamanho da ameaça: assumiram essa posição instituições que comandam a bagatela de US$ 45 trilhões.
Considerando-se, finalmente, que já tem havido uma saída líquida de investidores estrangeiros do País, a conclusão é inevitável: a nossa política ambiental tornou-se um obstáculo ao crescimento econômico e social.
Conteúdo Completo:
A vida de milhões de pessoas vai piorar em 2021
Os desafios da economia em 2021
Nunca estivemos tão perto e tão longe da reforma tributária
Política ambiental é entrave ao crescimento
Privatização mesmo só veremos nos governos estaduais
Reforma administrativa é a agenda que precisa caminhar
O governo Bolsonaro precisaria se reinventar, mas isso é muito improvável
O grande risco para o Brasil este ano é interno, e não externo
Política antiglobalista de Bolsonaro tem um preço
O que é bom para os EUA nem sempre é bom para o Brasil
José Roberto Mendonça de Barros: Andar de lado e enxugar gelo
O desemprego ainda se elevará até o início do ano, quando projetamos taxa superior a 16%
Este é o último artigo do ano de 2020, um período totalmente dominado pela surpresa do aparecimento da pandemia, bem como pelos seus importantes impactos negativos na vida das pessoas e na economia.
O ponto positivo é que o Natal chegará com uma esperança, trazida pelo início da vacinação em vários países do mundo e que também chegará ao Brasil, começando por São Paulo, que fez um belo trabalho com o Butantã.
Entretanto, após o bom número na variação do PIB do terceiro trimestre, passaremos por um período mais difícil agora e no início do ano. Vários fatores concorrem para isso.
O consumo das famílias deve desacelerar bastante por conta do fim dos pagamentos do coronavoucher, o que deixará milhões de pessoas com o caixa reduzido no fim do ano. Devemos lembrar que, para 2021, a única coisa garantida é o Bolsa Família, que paga menos de R$ 200 e atinge aproximadamente 14 milhões de pessoas.
A forte aceleração recente da inflação de alimentos também ajuda a reduzir o poder de compra das pessoas. Na verdade, já começaram a aparecer pressões em outros itens, como energia elétrica, higiene e limpeza. Mais ainda, as projeções mostram o IPCA em 12 meses crescendo continuamente pelo menos até maio, quando, nas nossas projeções, a inflação estará bem acima de 5%.
Em paralelo, a taxa de desemprego, já bastante alta, ainda se elevará até o início do ano, quando projetamos um número superior a 16%.
Finalmente, os casos de coronavírus voltaram a crescer e, com eles, os óbitos, cuja média móvel (de uma semana) atingiu um número próximo de 650 por dia. Com isso, muitos Estados e municípios voltaram a restringir a circulação e, consequentemente, o movimento de compras.
Não é, pois, surpresa que várias indicações na ponta começam a relatar queda de vendas no varejo. Por exemplo, dados da GetNet mencionam uma queda superior a 5% para as vendas do comércio em novembro. Ao mesmo tempo, os produtores de material de limpeza relatam que, após o crescimento acumulado de 6,7% nas vendas até setembro, houve uma queda acumulada de 8% em outubro e novembro, devolvendo todos os ganhos do ano. Este quadro deve se manter no início de 2021.
Das outras fontes de demanda, o comércio exterior não parece adicionar algo mais do que já vem ocorrendo, dado o bom desempenho das commodities. Da mesma forma, ainda não existe nenhum sinal de crescimento mais significativo nos investimentos, como poderia ter sido o caso se reformas, privatizações, concessões e segurança jurídica tivessem andado de forma mais significativa.
Conforme era esperado por muita gente, e por decisão política, toda a pauta relevante no Congresso ficou para o próximo ano, exceto a necessária aprovação da LDO, sem o que o governo pararia em janeiro. Com o recrudescimento das discussões para as mesas da Câmara e do Senado, resultante da decisão do Supremo de não permitir a reeleição da antiga direção, tudo parou e não é improvável que a pauta legislativa só seja retomada após fevereiro.
É forçoso reconhecer que não existe nenhum movimento mais significativo, no Executivo e no Legislativo, na direção da discussão de reformas, do ajuste fiscal e de como compatibilizar programas de transferências de renda com corte de despesa e trajetória construtiva na dívida pública.
Embora boa parte do mercado financeiro faça força para acreditar que tudo vai funcionar, o fato é que nos próximos meses seguiremos enxugando gelo e andando de lado, ainda lidando com a pandemia e com um governo ruim, muito ruim.
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- Um primeiro balanço da economia global
- Cenário delicado nos próximos meses
- Ruptura no mercado de petróleo
José Roberto Mendonça de Barros: Um primeiro balanço da economia global
Uma primeira observação é notar o sucesso relativo de várias regiões em lidar com a pandemia; dentro do espaço econômico, porém, a assimetria de situações e ampliação das desigualdades foram a marca universal
A covid-19 dominou totalmente 2020: pela surpresa com que apareceu e velocidade com que se espalhou pelo mundo, por sua durabilidade e pelos catastróficos efeitos sobre as pessoas, as sociedades e o desempenho econômico. O único alívio é a certeza de que teremos vacinas disponíveis já no primeiro trimestre do próximo ano.
Vai levar muito tempo para que análises mais consistentes possam ser feitas quanto aos impactos do vírus. Entretanto, é útil fazermos um primeiro balanço. Uma primeira observação é notar o sucesso relativo de várias regiões em lidar com a pandemia, pois o ano foi mostrando resultados bastante diversos. Dentro do espaço econômico, porém, a assimetria de situações e a ampliação das desigualdades entre pessoas, regiões e empresas foram a marca universal.
Não há nenhuma dúvida de que a Ásia sai ganhadora do enorme desafio de voltar à normalidade. Isso porque a maior parte dos países do continente – a grande exceção é a Índia – acabou por lidar bastante bem com a pandemia. A estratégia bem-sucedida foi similar: quarentena e testagem da população em larga escala. Após um eventual teste positivo, as autoridades sanitárias isolavam todos os contatos do paciente, o que terminou por conter rapidamente a contaminação. Como o vírus apareceu no primeiro trimestre de 2020, já a partir de abril a maior parte dos asiáticos foi voltando ao trabalho. Com isso, alguns países, como a China, apresentarão crescimento do PIB já neste ano. E todos vão crescer com robustez em 2021. Além disso, no dia 15 de outubro, 15 dos países da região assinaram um acordo comercial denominado Parceria Econômica Regional Abrangente, que certamente acentuará a já avançada integração das cadeias produtivas asiáticas, reforçando o crescimento.
Eis aí mais um custo da gestão Trump, que em uma de suas primeiras medidas retirou os Estados Unidos de outro acordo longamente negociado no governo Obama, o Acordo Transpacífico. Essa negociação buscava reforçar a posição dos parceiros americanos na Ásia de sorte a conter a expansão chinesa. A decisão de Trump criou a oportunidade para a China, que dela alegremente se aproveitou. O crescimento de boa parte dos países da Ásia entre 2020 e 2021 será significativo, especialmente na China, cujo PIB expandirá 10%, segundo as últimas projeções do FMI.
Os Estados Unidos, por outro lado, ainda estão sofrendo muito com a disseminação do vírus. Na média móvel de sete dias terminada no dia 23, ocorreram quase 170 mil novos casos e mais de 1.500 mortes por dia, um número elevadíssimo. Isso é o resultado do negacionismo do governo americano – aliás, similar ao do brasileiro. A economia deve se contrair 4,3%, o que não será compensado pela projeção de um crescimento de 3,1% no próximo ano. No biênio, a economia americana, embora apresente dinamismo na área tecnológica e no mercado imobiliário, ainda andará de lado porque largas frações dos serviços e o mercado de trabalho continuarão sofrendo com a imposição do distanciamento social. O resultado da eleição mostrou um país muito dividido, que torna muito mais difícil implantar novas políticas públicas.
Com essas projeções, a distância entre a economia da China e a americana encolherá incríveis 10% em dois anos!
O terceiro bloco econômico relevante é o europeu. O impacto da segunda onda da covid no Velho Continente está sendo muito grande. O FMI projeta queda no PIB em torno de 10% na França e na Itália e de 13% na Espanha. O ponto positivo é que, em meio à tormenta, França e Alemanha se puseram de acordo quanto à política fiscal, decidindo pela emissão de € 750 bilhões em bônus para apoiar a retomada. Além disso, o grupo decidiu também estimular investimentos de uma agenda de futuro: descarbonização e novas energias, baterias e eletrificação da frota, inteligência artificial e outras.
Finalmente, e lamentavelmente, as perdas na América Latina serão enormes, especialmente na Colômbia, no México, no Peru e na Argentina, com retração próxima ou superior a 10% no PIB. Mesmo no Chile, país exemplo da região, a economia deve recuar 6%. Em todos os países, exceto o Uruguai, vemos crises políticas significativas. O Brasil, com nossa projeção de queda de 4%, até que não se sai tão mal no meio desse banho de sangue.
* Economista e sócio da MB Associados.
José Roberto Mendonça de Barros: Vamos bater no muro?
A percepção de que a situação fiscal se deteriorou muito é agora universal
Do ponto de vista econômico, a resposta brasileira ao coronavírus foi muito robusta, pois algo como 12% do PIB foi transferido para mais de 65 milhões de pessoas, um valor bastante concentrado a partir de junho. Isso provocou um grande salto na demanda das famílias, que ativou parte do comércio e da indústria. Como resultado, a queda do PIB deste ano será menor do que se projetava, ficando entre -4% e -5%.
Entretanto, boa parte do setor de serviços não viveu essa melhora. Falo aqui de viagens, de toda a cadeia de hospitalidade, da economia criativa e de tudo o que depende de aglomeração. Essa situação não mudará de forma substancial, uma vez que o número de novas mortes e de novos casos vem caindo de forma muito lenta, sem falar no risco de uma segunda onda, como a que ocorre atualmente na Europa.
Em consequência, o mercado de trabalho vem se recuperando com certa lentidão, até porque muitas empresas quebraram ou encolheram, reduzindo a oferta de empregos permanentes. Mais ainda: já dá para perceber que o grande salto do processo de digitalização e da automação que resulta da pandemia também está reduzindo o número de empregos permanentes, processo que se verifica no mundo inteiro. Isso mostra a dificuldade de uma recuperação em “V”. Para citar um único exemplo: pense em quantas agências bancárias se tornaram desnecessárias como resultado do inacreditável avanço do “home banking” e da digitalização dos meios de pagamento – isso sem falar no sucesso que fará o Pix. O mesmo raciocínio se aplica para inúmeros outros serviços, como venda de carros, assistência técnica, ensino etc.
Por outro lado, a demanda de consumo deverá se reduzir no início do próximo ano. O fim do programa do coronavoucher deprimirá a renda disponível de muitas famílias, mesmo que a desejada expansão do Bolsa Família consiga ser operacionalizada, porque cairá drasticamente o número de beneficiários. Essa queda de renda, como já argumentado, não será compensada pela criação de novos empregos permanentes. Além disso, a forte elevação do custo da alimentação, que segue crescendo acima de 10%, reduz o poder de compra de muita gente. Apenas a entrada de uma nova safra, em 2021, reverterá essa tendência.
Em paralelo, não há atualmente qualquer indicação de elevação dos investimentos públicos ou privados. Ao contrário, continuamos a ver uma queda nos investimentos estrangeiros. Alguma surpresa? Basta pensar nos reveses sofridos pelo ambiente regulatório (como no caso da Linha Amarela, no Rio de Janeiro), nos atrasos em projetos que estão no Congresso (Lei do Gás) e nas privatizações que simplesmente não existem…
Tudo indica que o crescimento de 2021 ficará pouco acima de 2% e que a inflação será maior que a deste ano. Além da pressão no preço de alimentos, existem fortes altas em matérias-primas industriais básicas, químicas e metálicas, cujo repasse aguarda apenas alguma recuperação da demanda. Por baixo dessas pressões está a desvalorização do real que, dadas as incertezas atuais, tem pouca chance de ser revertida. A taxa de juros será elevada no próximo ano, ou mesmo antes.
A percepção de que a situação fiscal se deteriorou muito é agora universal. Isso mesmo sem os gastos adicionais que o Executivo e o chamado Centrão querem incluir na proposta orçamentária para o próximo ano. Como resultado, a rolagem da dívida pública agora se faz apenas com papéis mais curtos e as taxas mais longas já subiram no mercado quando comparadas a algumas semanas atrás.
Temos assim um impasse. De um lado, a situação fiscal exige uma resposta: apontar qual a trajetória que se objetiva uma vez passada a emergência do combate ao vírus. De outro, Brasília segue em festa como nos bons tempos, com óbvio apetite por elevar os gastos – e não falo apenas do Executivo, mas também de boa parte do Legislativo e do Judiciário (alguém aí pensou do novo Tribunal Regional Federal em Minas Gerais?).
No meio disso tudo, o Ministério da Economia, cada vez menor e sem rumo.
Daí a pergunta título: se o embate crescer, vamos bater no muro?
*Economista e sócio da MB Associados
José Roberto Mendonça de Barros: Agronegócio, Amazônia e desenvolvimento
Conceito de governança se ampliou e agora inclui também a qualidade do relacionamento com a comunidade, a sociedade e o meio ambiente.
A pandemia está sendo uma experiência única por ter detonado a maior crise global em décadas. Não sabemos ainda como ela vai terminar e nem todas suas implicações. Entretanto, parece seguro imaginar que as pessoas tenderão a valorizar uma vida mais simples e prezar mais a sociabilidade (família e amigos) e a natureza. O desejo que já existe de consumir produtos mais naturais vai se ampliar, o que vai valorizar certos atributos (orgânicos etc.) e, especialmente, exigir o conhecimento de onde e como foi produzido. A percepção da ameaça do aquecimento global é cada vez mais visível no mundo inteiro, o que favorece a transição energética e a descarbonização.
Também as empresas estão sendo fortemente pressionadas a mudar. É muito intensa a percepção de que seu desenvolvimento recente foi quase exclusivamente voltado para o curto prazo e ao retorno do acionista, com resultados para lá de questionáveis: expressiva concentração de renda e poder, redução da competição, limitado avanço da produtividade e agravamento das questões ambientais.
O conceito de governança se ampliou e agora inclui também a qualidade do relacionamento com a comunidade, a sociedade (solidariedade) e o meio ambiente. A covid-19 acelerou drasticamente essas tendências já existentes. Passamos o ano vendo companhias de todos os portes, setores e regiões, incluindo instituições financeiras e fundos de investimento, punindo países e regiões que não se posicionam na luta contra o aquecimento global.
Apenas gente muito distraída não percebeu a seriedade e a perenidade destes movimentos. Assim, tendo em vista a ampliação das exigências referentes ao meio ambiente, à sustentabilidade e à descarbonização, não dá mais para admitir a destruição da floresta amazônica por grileiros e garimpeiros agindo de forma totalmente ilegal.
O documento entregue na semana passada pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura retrata bem a importância do momento atual e apresenta linhas de ação para enfrentar a questão de forma construtiva.
Transformar os estímulos para a preservação da floresta em pé, via bioeconomia, é triplamente importante: pelo impacto na região em si e na população lá residente; pela remoção do que se transformou num obstáculo aos investimentos no Brasil; e, de forma especial, pelo afastamento de uma ameaça mortal ao único setor da economia brasileira que vem atravessando o período recessivo que se iniciou em 2015, crescendo todos os anos sem parar.
Essa disparidade de desempenhos setoriais é realmente impressionante: em relação a 2014 e usando nossas projeções para 2020 (queda de 4,8% no PIB), teremos no final do ano uma queda acumulada de 32% na construção, 15% na indústria de transformação, 6% nos serviços e uma expansão de 17% na agropecuária!!
Uma implicação lógica desses resultados é que deve ter se ampliado a importância do agronegócio no PIB brasileiro, estimado tradicionalmente em algo como 23%.
Apenas um novo censo pode gerar as informações necessárias para balizar novos cálculos, mas chamo a atenção para o crescimento significativo do valor adicionado em muitos outros produtos fora dos carros-chefe soja, milho, carnes, cana, leite e café. São exemplos frutas (tratadas aqui no jornal pelo ministro Roberto Rodrigues no domingo passado), peixes criados em cativeiro (cuja produção se faz no Brasil inteiro e já se aproxima de um milhão de toneladas), hortícolas, outros grãos, mel, produtos especiais e com certificado de origem (queijos, vinhos, embutidos, azeite de oliva), produtos certificados com certos atributos (especialmente orgânicos) e outros. O consumidor paga com satisfação um adicional para obter o que preza cada vez mais.
Enfrentada a questão amazônica, o agronegócio está pronto para um novo salto. Os 300 milhões de toneladas de grãos estão logo aí adiante. Nossa agenda de avanços tecnológicos já está dada, e dela trataremos no próximo artigo. A coalizão em torno do agronegócio poderá ser o primeiro puxador de crescimento em nosso País no pós-pandemia. Temos muito trabalho, mas um trabalho fascinante: a um só tempo, teremos de ter um adequado tratamento dos recursos naturais, abraçar em definitivo a agenda da sustentabilidade, continuar criando novas tecnologias e novos produtos, integrando indústria e serviços com grau crescente de sofisticação num ambiente de modernidade e respeito aos trabalhadores e aos consumidores. Seria muita burrice – para não dizer um crime – deixar esse futuro se perder nas chamas.
*Economista e sócio da MB Associados.
José Roberto Mendonça de Barros: Implicações do PIB do segundo trimestre
Definitivamente, o País não estava “voando”
Os resultados da evolução do PIB foram muito variados, mas o pior de tudo é que o índice do produto voltou dez (isto mesmo: 10) anos atrás. É melancólico.
Outra surpresa que se observou foi que o período de janeiro a março foi revisado para baixo: ao invés de uma queda de 1,5%, o que se viu foi um encolhimento de 2,5%. Definitivamente, o País não estava “voando” no começo do ano, como tantas vezes mencionou o ministro da Economia.
Será muito difícil conseguirmos repetir uma queda de tal magnitude (-9,7%), decorrente de uma causa totalmente inesperada vinda da área da saúde, que provocou uma parada súbita no sistema econômico.
Os segmentos que mais sofreram foram aqueles dependentes de aglomerações, tais como restaurantes, viagens e serviços correlatos (a chamada cadeia da hospitalidade, que inclui os serviços criativos), que caiu mais de 40%, e, de outro lado, os segmentos industriais que foram obrigados a fechar as fábricas, como automotivo, máquinas e equipamentos.
O tombo da indústria de transformação reforça a crescente fragilidade do setor, o que torna mais longe ainda a possibilidade de que ele volte a liderar o crescimento. Chama a atenção a elevação da assimetria entre empresas, em que uma nata de companhias ajustadas e capitalizadas segue avançando e aproveitando a desvalorização cambial para reforçar sua competitividade, enquanto a maioria das empresas vê seus balanços piorarem e seus produtos envelhecerem, sem fôlego para competir com a importação, mesmo descontando-se a perda de valor da moeda brasileira.
Só os setores de recursos naturais tiveram desempenho favorável: o agronegócio e o petróleo. O agronegócio, em qualquer comparação, e o petróleo, quando comparado com o mesmo trimestre do ano anterior, uma vez que a Petrobrás suspendeu a produção em mais de 40 plataformas no início da pandemia. Além deles, apenas setores que sempre investiram bastante em tecnologia foram bem no período. Menciono aqui o setor financeiro e as empresas preparadas para venda pela internet.
Sem nenhuma surpresa, o investimento, que já vinha fraco, foi desastroso. Vai ser difícil retomar um crescimento sustentado, após a natural ocupação da capacidade de produção depois da liberação das unidades de produção.
As transferências recebidas por mais de 70 milhões de pessoas alavancaram, a partir de maio, o setor de cimento (reformas), móveis e utilidades domésticas. Isso nos levou a uma leve melhora em nossa projeção de crescimento para o ano: de -5,4 para -4,8%.
Olhando adiante, não dá para ver uma recuperação em V, uma vez que as transferências irão começar a cair nestes próximos meses e serão ainda mais reduzidas no ano que vem, quando o coronavoucher estará encerrado. Além disso, muitas empresas ainda irão sair do mercado e/ou diminuir ainda mais o contingente de seu pessoal. Com isso, a renda das famílias provavelmente será reduzida quando comparada com o auge de maio a agosto e o emprego líquido não crescerá muito. Assim, projetamos uma expansão de apenas 2,2% para o ano que vem.
A demanda internacional de alimentos está aquecida. O ponto forte decorre dos grandes volumes de transferências para as famílias, que ainda ocorre em praticamente todos os países do mundo. Com isso, a procura por alimentos se mantém forte.
Ademais, muitos países, perante a pandemia, tentaram elevar suas importações para constituir estoques de emergência. Do lado da oferta, tanto China como Estados Unidos têm tido problema nos últimos anos. Gripe suína, guerra comercial e problemas climáticos estão prejudicando a produção deste ano, pressionando a oferta e provocando uma apreciável elevação nas cotações de Chicago. Tudo isso se traduz em preços e renda bastante elevados no Brasil.
Isto sugere que os setores de recursos naturais continuarão a puxar nosso crescimento e, por conta disso, temos que levar adiante importantes avanços da bioeconomia, de sorte a contribuir para o fim das queimadas ilegais e para a criação de novos produtos, inclusive materiais, vindos do setor agropecuário.
Este caminho exige uma integração entre o setor agro, a indústria e os serviços de tecnologia. Uma consequência importantíssima é que temos que mudar a lógica da representação empresarial: de federações para coalizões em torno de projetos específicos.
Voltaremos a esses pontos num futuro próximo.
*Economista e sócio da MB Associados.