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José Nêumanne: Bolsonaro conduz a Pátria para as trevas de onde veio

Presidente serve a espertinhos que o mantêm no poder a despeito de nossa agonia

Jair Bolsonaro nada fez de relevante em dois anos como vereador no Rio de Janeiro, nem em 28 como deputado federal do mais baixo clero por várias legendas que nunca nada revelaram sobre seu projeto político. Foi eleito presidente da República em 2018 precisamente pelo que ele não fez: dos 13 candidatos era o único cujo nome não fora citado em nenhuma delação premiada da Operação Lava Jato, que devassou o maior escândalo de corrupção da História do Brasil, dito petrolão. E nada foi revelado contra sua honra no famigerado caso anterior, chamado de mensalão. Seus maiores cabos eleitorais foram os corruptos do Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados, incluídos os tucanos, que fingiram ser oposição tão completamente que até eles mesmos acreditaram.

Não é possível calcular quanto de sua votação de 57 milhões, 797 mil e 847 votos no segundo turno se deveu à decisão de afastar dos cofres da República Lula, seus asseclas e seus aliados de conveniência. Nem é viável calcular qual teria sido a participação do fervor anticorrupção dos que o sufragaram desde o primeiro turno para impedir que os suspeitos, investigados, acusados e condenados por Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF) e Justiça Federal paralisassem a devassa. Inédita na História, esta levou o maior empreiteiro de obras públicas e o mais popular contratador delas à barra dos tribunais e à cadeia. O próprio vencedor passou o recibo dessas evidências ululantes ao nomear Sergio Moro, o ex-juiz que condenou Lula e Marcelo Odebrecht, para o Ministério da Justiça, e Paulo Guedes, liberal da escola de Chicago e avesso aos economistas socialistas, populistas, cepalinos e keynesianos que mandaram na Fazenda após a queda da ditadura militar.

Não se pode inculpar a maioria do eleitorado brasileiro por ter escolhido o maior estelionatário eleitoral de todos os tempos. De fato, o capitão nunca escondeu de ninguém suas enormes dificuldades de compreender a vã filosofia. Ou a condenação do politicamente correto que inspira sua devoção a garimpo ilegal, desmate e grilagem de terras na Amazônia, seu amor obsessivo por armas de fogo e seu ódio a radares que inibem o excesso de velocidade em estradas. Tais características explicam sua tendência ao charlatanismo, que o faz odiar a ciência, e ao exercício ilegal da medicina, ao patrocinar picaretagens indefensáveis, tais como a “pílula do câncer” e a hidroxicloroquina, às quais atribui a condição de panaceia universal.

Há, contudo, em nosso Estado de Direito um arremedo de freios e contrapesos que dão ao cidadão algum conforto de pensar que os limites institucionais clássicos impediriam um aventureiro como ele de alcançar objetivos muito além do interesse público. Há todo um sistema legal, produzido pelo Legislativo e fiscalizado pelo Judiciário, que, pelo menos em teoria, deveria tê-lo detido na prática de traições tão óbvias como entregar ao PT de Lula postos-chave, como o Ministério da Justiça para André Mendonça e a Procuradoria-Geral da República, de mão beijada, para Augusto Aras. Isso foi possível com a degola de Sergio Moro, que era o garante de que o combate à corrupção seria inevitável.

O cidadão comum, aqui na planície, não tem culpa de ter sido logrado. E o foi porque a obra de demolição que o presidente preguiçoso empreendeu encontrou armas e armeiros para tanto. Bolsonaro na Presidência está sendo muito mais nocivo à Pátria do que o “mau militar” que o ex-presidente Ernesto Geisel definiu com precisão cirúrgica, sobretudo porque encontrou a cama feita e o negócio encaminhado. Essa evidência está encarnada no apoio que tem recebido do dono do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson, delator da quadrilha do mensalão. E completa-se na denúncia, feita pelo ex-aliado Major Olímpio, da compra explícita de senadores e deputados com verbas públicas para emendas parlamentares, que parece cair na indiferença generalizada com que tudo vira pizza no Brasil.

O Centrão, que derrubou Dilma Rousseff, do PT, e manteve Michel Temer, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), no poder, ao arrepio de tudo o que de ilícito fora praticado pelos governos daquela aliança inquebrantável, é apenas a denominação conveniente que impede Bolsonaro de deixar o poder para pagar mais pelo que deixa de fazer do que pelo que fez de ominoso, que não foi pouco. A criminosa indiferença ao avanço da pandemia, a transferência da incompetência da intendência militar para a gestão do mais precioso patrimônio coletivo, a saúde de nosso povo, a destruição da instrução pública por um analfabeto funcional conduzido por um vigarista a disparar munição pesada contra a inteligência e a sabedoria nacionais chegaram ao nosso convívio para ficar.

Bolsonaro é negacionista, terraplanista e obscurantista militante e está a serviço de espertalhões como Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, que o mantêm no poder. Não há na elite dirigente desta Pátria condenada ao desterro uma voz da razão que o mande de volta às trevas de onde veio e para onde marchamos.

*Jornalista, poeta e escritor


José Nêumanne: Até quando Jair fará pouco de nossa sobrevivência?

Furto não é ‘rachadinha’; Wassef é cúmplice, não advogado; e Bolsonaro está é apavorado

O Brasil não é mais um Estado de Direito a respeitar, mas um país do faz de conta em que os mandatários recorrem à picaretagem malandra de eufemismos para maquilar crimes abomináveis, dando-lhes nomes simpáticos e leves para agradar a vassalos e enganar os tolos incautos. Dilma, a Weintraub petista de saias, reduziu o peso dos delitos pelos quais seus companheiros foram condenados, chamando-os de malfeitos. Eles, aliás, são malfeitores mesmo.

As enganações do momento têm apodo carinhoso ou são batizados em inglês: “rachadinha”, fake news… A primeira deriva de “rachid”: parlamentares de baixos clero e nível cometem a prática de contratar funcionários fantasmas, dos quais tomam de volta a parte do leão da injusta remuneração que recebem sem dar expediente. O nome do crime de que Flávio Bolsonaro foi acusado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) é peculato, administrado pelo operador, Fabrício Queiroz. O dito representante do povo remunera com dinheiro público quem não tem qualificação para exercer cargo com alto vencimento e furta, no mínimo, 80% deste.

Trata-se de nefanda prática criminosa vigente em Casas Legislativas federais, estaduais e municipais, associada a lavagem de dinheiro, corrupção e organização criminosa. Antes que algum bolsonarista, em defesa do hoje senador, aponte para o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (a Alerj), o petista André Ceciliano, cuja assessoria foi flagrada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com “movimentações” 20 vezes superiores às do gabinete do nota zero um, ele tem de ser investigado. Mas furto é furto, seja qual for o valor. Teria de ser investigado no inquérito do MP-RJ, mas não inocenta Flávio por ser menor sua quantia.

Circula nos meios jurídicos uma boutade sobre inútil busca em foros de alguma petição redigida pelo ex-satanista Frederick Wassef, que defendeu o titular do mandato na Alerj, conquistado pelo voto. Mas isso não elimina o fato de que, como advogado, ele exibe feito memorável, do qual jamais se poderiam orgulhar colegas celebrados como Sobral Pinto, Rui Barbosa ou Victor Nunes Leal. Com sua lábia de “jurista de porta de cadeia”, ele convenceu o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, a suspender todas as investigações do Coaf sobre crimes financeiros no País inteiro, só para manter o cliente longe das grades.

Mesmo, porém, que escape da justa punição da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que deixou de ser uma respeitável instituição da cidadania para se defender do arbítrio e virou mero sindicato de causídicos a serviço de ricaços, responderá pela condição de “coiteiro” de suspeito de miliciano. Esse termo define fazendeiros que davam guarida a cangaceiros no sertão e serviram de tema para um romance de José Américo de Almeida. Foi criminoso o papel que exerceu ao homiziar Fabrício Queiroz num escritório fake em Atibaia. Sua impunidade é um acinte. Por favorecimento pessoal, como acha o professor Miguel Reale Júnior, ou por eventual participação em organização criminosa, como aventa o desembargador Walter Maierovitch. E uma sanção administrativa da OAB.

Não dá para omitir o fato de que o cavalheiro em questão também se jactava de ser, mais que representante legal, íntimo do presidente Jair Bolsonaro. Que tem defendido, em preito à sua insensibilidade desumanista, lares não ameaçados de invasão por “esbirros” de seus inimigos prefeitos e governadores por desobediência à obrigatoriedade de portar máscara nas ruas. É evidente que o capitão cloroquina não leu os tratados antropológicos de Roberto DaMatta sobre a oposição entre rua e casa, mas é lamentável que sua sesquipedal ignorância oportunista o impeça de distinguir ambiente doméstico de espaço público.

Outra obsessão dele, de garantir a asseclas o direito constitucional de ir e vir, levou o mesmo político do mais baixo clero a confundir liberdade de expressão com fake news, associação de palavras inglesas que têm equivalente em português significando mentira, tema que ele domina.

E já que Bolsonaro foi citado neste panorama de proteção por eufemismos, é útil acrescentar que o presidente da República tem sido favorecido pela covardia dos pais da Pátria, que fingem não perceber que sua atual interpretação de “Jairzinho paz e amor”, inspirada em desempenho de seu antípoda e aliado secreto Lulinha, não passa de mera manifestação de pavor. Tendo levado a função presidencial à completa desmoralização mundial por sua indiferença criminosa, quiçá genocida, à maior pandemia do último século e temendo revelações incômodas do colega de paraquedismo, abandonou seu apoio a atos golpistas antidemocráticos e insultos às instituições da democracia representativa. E adotou o hábito de falso monge trapista. Com esse truque não será punido, como deveria, pelos crimes que cometeu no exercício da Presidência e puseram em risco diploma e mandato.

Parodiando Cícero contra o também populista Catilina, até quando Jair vai caçoar de nossa sobrevivência?

*Jornalista, poeta e escritor