José Márcio Camargo
José Márcio Camargo: A pandemia e o mercado de trabalho
Medidas direcionadas a gerar empregos no setor de serviços são fundamentais neste momento
O efeito da pandemia sobre o mercado de trabalho brasileiro foi devastador. Ainda que o País não tenha adotado lockdowns tão restritivos quanto em outras regiões, como França, Itália, Espanha e alguns Estados americanos, entre outros, os efeitos sobre a atividade, a ocupação e a renda da população foram extremamente negativos. O Produto Interno Bruto (PIB) da economia brasileira caiu 11,4% no segundo trimestre de 2020, em relação ao mesmo período de 2019, e o nível de ocupação mostrou queda de mais de 10% entre março e abril (12 milhões de trabalhadores ficaram desocupados).
Os trabalhadores menos educados, os mais jovens e os informais foram os que tiveram maior perda. Dos 12 milhões de novos desocupados, 8 milhões (70%) eram informais e 4 milhões (40%), formais. Entre os mais jovens (14 a 17 anos) a redução no número de ocupados no segundo trimestre de 2020 em relação ao segundo trimestre de 2019 foi de 35,2%, enquanto para os trabalhadores com idade acima de 40 anos a queda foi de 5,5%. Trabalhadores com ensino superior completo ou incompleto tiveram aumento de 2% na ocupação no segundo trimestre de 2020, em comparação com o mesmo trimestre de 2019, enquanto a queda da ocupação dos trabalhadores sem instrução ou com fundamental incompleto atingiu 21,7%.
Com a diminuição do isolamento social, os primeiros sinais de recuperação da atividade começaram a aparecer já em junho. Agropecuária, indústria, construção civil e o comércio mostram forte crescimento da atividade e da geração de postos de trabalho formais. Na agropecuária, após dois meses de queda da ocupação formal, totalizando 12 mil demissões líquidas, foram gerados 86 mil postos de trabalho formais. No setor industrial, após terem sido destruídos 300 mil empregos formais, foram gerados em julho e agosto 150 mil empregos formais. Na construção civil, a redução de 120 mil postos de trabalho já foi compensada entre junho e agosto, e no comércio, dos 400 mil postos de trabalho destruídos, já foram repostos 90 mil postos.
Entretanto, o setor de serviços, que é o maior gerador de postos de trabalho, principalmente para os trabalhadores jovens, informais e menos qualificados, continua bastante defasado. Depois de destruir 600 mil postos de trabalho formais, somente em agosto o setor retomou a trajetória positiva, tendo gerado 45 mil postos de trabalho. Estes dados sugerem que medidas direcionadas a gerar postos de trabalho no setor de serviços são fundamentais.
O setor de serviços no Brasil é um setor que tem uma tecnologia flexível, de baixa produtividade, com uma porcentagem relativamente grande de trabalhadores informais, pouco qualificados e jovens – exatamente os grupos que mais sofreram com a queda da atividade na pandemia. Em razão do baixo valor da produtividade do trabalho neste setor, comparado ao valor do salário mínimo, uma grande parte dos trabalhadores não tem carteira assinada ou são trabalhadores por conta própria sem CNPJ.
Neste contexto, medidas que reduzam ou que evitem um aumento do custo de contratação destes trabalhadores, como não aumentar o salário mínimo até que o mercado de trabalho se estabilize e desonerar a folha de salários, seriam muito efetivas, não apenas para aumentar a ocupação, mas também para reduzir a informalidade.
É, também, importante simplificar as normas trabalhistas e evitar criar instituições que enrijecem o mercado de trabalho. Em especial, seriam particularmente negativas medidas que têm por objetivo regular formalmente fatores subjetivos do trabalho não presencial, como a jornada de trabalho e tratar acidentes domésticos como se fossem acidentes de trabalho, e criar regulações que tornem mais cara ou mais difícil a intermediação de mão de obra via aplicativos. Aumentar o custo de contratação e tornar o mercado mais rígido, ainda que o objetivo seja proteger os trabalhadores, vai apenas mantê-los desocupados.
*Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista-chefe da Genial Investimentos
José Márcio Camargo: O pós-pandemia – ‘os anos loucos’
Só o tempo dirá se os fatores que dominaram o mundo após a gripe espanhola se repetirão
Pandemias são eventos raros. A última grande pandemia foi a gripe espanhola dos anos 1918/1919. Matou 50 milhões de pessoas, 3% da população mundial. Se o mesmo se repetir hoje, o que parece pouco provável, teremos cerca de 300 milhões de mortes.
A pandemia começou no início de 1918, desapareceu em novembro do mesmo ano, sem vacinas ou remédios, e teve uma segunda onda no início de 1919. Coincidiu com o fim da 1.ª Guerra Mundial.
A gripe espanhola atingiu fortemente o Brasil, inclusive vitimando o presidente eleito, Rodrigues Alves. Imagens e relatos de caixões se acumulando nas portas das casas e falta de vagas em hospitais e cemitérios foram uma constante nos jornais da época.
Prever como a sociedade vai se comportar quando a pandemia acaba é muito difícil. Vários fatores afetam o comportamento das pessoas diante de tragédias desta magnitude e, a priori, é impossível saber que fator será dominante.
O sentimento que tem prevalecido entre analistas hoje é de que, como agentes que tinham mais reservas quando a pandemia começou têm maior capacidade de superar a tragédia que agentes com menos reservas, o fator dominante será mais cautela e precaução. Medo do futuro. Do ponto de vista econômico, mais poupança e menos consumo, o que significa uma retomada lenta da economia.
Além disso, como, para evitar a disseminação da doença, foi necessário diminuir o contato entre as pessoas, as relações de trabalho e comerciais foram quebradas, capital físico e humano foi destruído. O resultado é que a retomada pode se tornar lenta e difícil.
Entretanto, o que ocorreu após a pandemia da gripe espanhola sugere exatamente o oposto. A década de 20 do século passado foi bastante positiva tanto em termos econômicos quanto culturais, no Brasil e no mundo. A economia mundial cresceu a taxas elevadas, a economia americana se tornou economicamente hegemônica e a economia brasileira cresceu a taxas relativamente altas.
Foi, também, uma década caracterizada por movimentos importantes nas artes (surrealismo, dadaísmo), na música (jazz, Charleston, blues), na literatura e no teatro (Scott Fitzgerald, Sinclair Lewis, Eugene O’Neill) e no cinema (cinema falado, Charlie Chaplin, Luís Buñuel). No Brasil, foi uma década fértil nas músicas popular e erudita (Noel Rosa, Heitor Villa-Lobos) e na literatura (Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira). A Semana de Arte Moderna revolucionou a literatura e a arte brasileiras (Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti). E houve muita liberdade na pauta de costumes. Diante de tamanha efervescência, entrou para a História como “os anos loucos”.
Por outro lado, provavelmente como reação ao liberalismo, preparou o terreno para um forte retrocesso nas liberdades individuais na década seguinte. No Brasil, várias tentativas de golpe de Estado, presidentes governaram em estado de sítio, culminando com a ditadura Vargas em 1937. No mundo, a ascensão do nazismo e do fascismo, que resultou na 2.ª Guerra Mundial.
Que fatores poderiam explicar este comportamento? Do ponto de vista econômico, em episódios como estes, em geral, são os mais eficientes e produtivos que sobrevivem, o que aumenta a produtividade da economia após a pandemia.
Pandemias são cisnes negros, cuja probabilidade de existir, antes que surjam, é percebida como sendo zero. Quando um cisne negro aparece, fica claro que ele existe, o que aumenta a probabilidade de que poderá reaparecer no futuro. No caso da pandemia, isso significa uma redução da expectativa esperada de sobrevida das pessoas. A consequência é uma diminuição da poupança e aumento do consumo desejados.
Após meses de confinamento, as pessoas estão ávidas para retomar o convívio social, frequentar eventos culturais e artísticos. Estes parecem ter sido os fatores dominantes após a gripe espanhola. Que fatores vão dominar a retomada desta vez, só o tempo dirá.
*Professor do departamento de economia da PUC/Rio, é economista-chefe da Genial Investimentos
José Márcio Camargo: O Centrão, as reformas e a austeridade fiscal
A história recente mostra que, na verdade, este grupo de partidos não é contrário a essa agenda reformista
Os primeiros 16 meses do governo Bolsonaro representaram uma mudança importante na forma de fazer política no Brasil. Ao contrário dos governos anteriores desde a redemocratização, o presidente se negou a montar uma base parlamentar no Congresso por meio da distribuição de cargos a pessoas ligadas aos partidos.
Ainda que o Executivo tenha aprovado reformas importantes, como a reforma da Previdência, o cadastro positivo e a Lei da Liberdade Econômica, a ausência de base parlamentar, além de fazer com que várias medidas provisórias caducassem e vetos presidenciais fossem derrubados, agravou o conflito entre Executivo e Legislativo, que quase gerou uma crise institucional no final de abril.
Diante deste cenário, o presidente da República iniciou uma negociação com os partidos do chamado Centrão, com o intuito de formar uma base parlamentar capaz de lhe dar suporte. O pedido de demissão de Sérgio Moro e as acusações do ex-ministro de que a causa do pedido era a tentativa do presidente de interferir na Política Federal e ter acesso a investigações em andamento – o que, no limite, poderia levar a um pedido de impeachment – aceleraram as tratativas.
O Centrão é um conjunto de partidos com perfil conservador, composto por políticos importantes em nível regional, em grande parte quase desconhecidos nacionalmente. Para manter a fidelidade de suas bases eleitorais, necessitam de cargos para colocar à disposição de seus apoiadores nos Estados. O grupo esteve no centro de várias denúncias de corrupção nos governos Lula e Dilma: venda de votos no Parlamento (mensalão) e corrupção na Petrobrás (Operação Lava Jato).
Existe um receio legítimo na sociedade de que episódios como estes possam voltar a acontecer. Mas isso depende mais do Executivo do que do Centrão. Se um não quer, dois não brigam!
Por outro lado, o apoio destes partidos parece já começar a dar resultados concretos nas votações no Congresso. Em especial, na negociação da ajuda a Estados e municípios. O projeto aprovado na Câmara dos Deputados propunha uma compensação integral aos Estados e às prefeituras pela redução de receitas com ICMS e ISS em 2020, na comparação com 2019, e foi considerado pela equipe econômica do governo fiscalmente insustentável, por não se conseguir prever a despesa em que se incorreria e por gerar incentivos perversos para governadores e prefeitos.
Apesar dessa oposição, o projeto foi aprovado na Câmara e enviado para o Senado. Em lugar de colocá-lo em votação, o presidente Davi Alcolumbre, após negociações com o Executivo, o substituiu por outro projeto, que atendia às demandas da equipe econômica: criou um limite nominal de transferência de recursos (R$ 60 bilhões em quatro meses) e introduziu o congelamento dos salários dos funcionários públicos até o fim de 2021. Uma importante vitória do Executivo, que será confirmada caso o prometido veto imposto ao artigo que cria exceções ao congelamento de salários seja aprovado pelo Congresso.
O acordo com o Centrão tem, também, deixado alguns analistas pessimistas quanto à capacidade do governo de persistir com a agenda de austeridade fiscal e reformas estruturais. Na verdade, a história recente mostra que o Centrão não é contra essa agenda. Ele foi um dos sustentáculos do presidente Michel Temer no Congresso quando o governo aprovou grande conjunto de reformas estruturais, sem as quais teria sido impossível reduzir as taxas de juros da economia brasileira sem gerar pressões inflacionárias. Sem o Centrão, nenhuma reforma teria sido aprovada. E sem abrir mão da austeridade fiscal. Afinal, os cargos colocados à disposição do Centrão já estão no Orçamento. Não precisa de gasto adicional.
Em outras palavras, se o governo negociar com cuidado, não ceder às pressões para aumentar os gastos públicos (o que sempre acontece) e não permitir corrupção, o apoio do Centrão poderá ser instrumental para ter reformas com austeridade fiscal.
*Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista-chefe da Genial Investimentos
José Márcio Camargo: Como confinar?
Algumas peculiaridades de países como o Brasil são especialmente preocupantes
Como enfrentar a pandemia do novo coronavírus? Essa a questão que domina hoje o debate no Brasil e no mundo. Confinamento horizontal, com todas as pessoas recolhidas em casa e um mínimo de contato físico entre elas, ou confinamento vertical, quando apenas as pessoas que fazem parte do grupo de risco, acima de 60 anos e que tenham um histórico de doenças anteriores, ficam confinadas?
Com o rápido aumento do contágio e do número de mortes em diferentes países, a solução pelo confinamento horizontal tem sido recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotada pela maioria dos países ocidentais. Entretanto, os casos mais bem-sucedidos, Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan e Japão, adotaram uma estratégia diferente: incentivar o distanciamento social (manter pelo menos dois metros de distância de outra pessoa), maximizar o número de testes e isolar os infectados.
Independentemente da estratégia adotada, a dinâmica da pandemia é a mesma: rápido aumento do número de pessoas contagiadas no início, que, eventualmente, leva a um rápido aumento do número de mortes. O Brasil está neste estágio. A questão é qual a estratégia mais eficiente no sentido de minimizar os custos pessoais, econômicos e sociais, para fazer com que o número de infectados pare de crescer e entre em trajetória de queda.
As duas estratégias têm custos. No confinamento horizontal, como as pessoas não podem sair de casa, a economia é quase totalmente paralisada, com forte queda da produção, do emprego e da renda. Dependendo do tempo necessário para fazer com que a curva de contaminação estabilize – o que não sabemos –, o custo econômico, social e até mesmo de vidas humanas é muito elevado.
No caso do confinamento vertical, a economia continua funcionando, certamente a uma taxa menor. A questão é qual a evolução da curva de contágio e qual o número de mortes. A OMS tem declarado que os custos, em termos de vidas humanas perdidas, nesta estratégia podem ser significativamente maiores, em razão da maior probabilidade de contágio.
Algumas peculiaridades de países como o Brasil são especialmente preocupantes. Nas grandes cidades brasileiras, uma boa parte da população vive em favelas. Nessas comunidades, famílias de quatro, cinco ou mais pessoas, de diferentes idades (crianças, adultos e idosos), vivem em residências de um cômodo, com menos de dez metros quadrados, muitas vezes sem janelas e, em alguns casos, sem as mais básicas condições de higiene. O potencial de transmissão e de letalidade do vírus neste ambiente deve ser extremamente elevado. Antes de impor um confinamento horizontal, o poder público deveria isolar o grupo de risco, por exemplo, transferindo os idosos para hotéis ociosos ou abrigos públicos.
Como as residências são pequenas, com pouca ventilação, é praticamente impossível permanecer dentro de casa durante o dia. Esta, certamente, é uma das razões pelas quais as ruas de muitas das favelas do País, durante o dia, continuam cheias. Neste contexto, será que as crianças estão menos expostas ao vírus nas comunidades ou nas escolas?
Como a decisão de confinar generalizadamente as pessoas começou a ser implementada no Brasil há aproximadamente dez dias, poderemos ver um trágico aumento do número de contaminados e de mortes nessas comunidades nas próximas semanas.
Considerando que, no início, a dinâmica da contaminação é similar nas duas estratégias; que cada país está num diferente estágio da evolução da doença; que alguns dos países bem-sucedidos não fizeram confinamento horizontal; além da precariedade das condições de moradia e higiene nas comunidades pobres das cidades brasileiras, não temos como saber, com certeza, qual das duas estratégias terá o menor custo em termos de vidas humanas no Brasil. Entre outras razões, porque não sabemos quanto tempo o confinamento terá de persistir para que a curva de transmissão se estabilize.
*Professor do departamento de economia da puc/rio, é economista chefe da genial investimentos
José Márcio Camargo: De volta ao paraíso
Suspender ou flexibilizar o teto fatalmente levará a uma reversão da trajetória de queda dos juros
Na semana passada, o Congresso derrubou o veto do presidente Bolsonaro ao projeto que aumenta o limite para receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) de ¼ para ½ do salário mínimo. Segundo o Ministério da Economia, isso significa um aumento de gasto obrigatório de R$ 20 bilhões em 2020 e R$ 217 bilhões em dez anos, o que tornaria impossível o cumprimento do teto para o crescimento do gasto público. Uma decisão em total desacordo com as necessidades do País.
No final de 2019, o governo enviou ao Congresso três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que, em conjunto com a PEC da Regra de Ouro, caso aprovadas, criariam condições para a redução dos gastos obrigatórios do governo e tornariam o teto do gasto sustentável. A derrubada do veto ao aumento do limite do BPC faz com que a aprovação dessas propostas seja uma condição necessária, mas talvez não suficiente, para a manutenção do teto.
A pandemia da covid-19 é uma emergência que vai requerer recursos públicos e, portanto, redução de outras despesas para que o teto seja respeitado. Este é um dos objetivos do teto dos gastos: criar na sociedade brasileira (população, Legislativo e Executivo) a cultura de ordenar e definir prioridades no processo orçamentário. As quatro PECs que estão no Congresso viabilizam essas escolhas ao diminuir os gastos obrigatórios. A opção seria suspender ou flexibilizar o teto, como já sugerem alguns analistas. Por que não adotar essa alternativa?
Um importante objetivo do teto é criar condições para uma redução estrutural das taxas de juros da dívida pública brasileira, que, por décadas, estavam entre as maiores do mundo. Por que a existência do teto atingiria esse objetivo?
Para respeitar o teto, os gastos públicos terão de permanecer constantes em termos reais até 2026. Ou seja, todo aumento de receita terá de ser alocado para reduzir o déficit primário, ou a dívida pública, ou a carga tributária. Portanto, qualquer crescimento real do PIB vai, eventualmente, levar a uma redução da dívida como proporção do PIB. Afinal, se o PIB cresce, crescem as receitas tributárias e, como os gastos estão constantes, eventualmente vão sobrar recursos para diminuir a dívida.
Como a relação entre a dívida pública e o PIB é o principal indicador de solvência do País, a existência de um teto é uma garantia de que o grau de solvência do Brasil vai melhorar no futuro. Quando isso acontecer, a demanda pelos títulos públicos e, portanto, seus preços deverão aumentar, com a consequente queda das taxas de juros.
Mas os investidores só conseguem lucrar com suas aplicações financeiras se forem capazes de antecipar os movimentos dos preços dos ativos. Ou seja, se a expectativa dos investidores é de que os preços dos títulos vão aumentar no futuro, a melhor estratégia é comprar hoje e esperar os preços aumentarem para vender no futuro. Com a antecipação do movimento, o resultado é um aumento dos preços e queda nas taxas de juros no presente.
Não deve ter sido por simples coincidência que as taxas médias de juros reais pagas pelos títulos do governo brasileiro mostraram forte redução (de 21% ao ano para 5% ao ano) desde que o teto para o crescimento do gasto público foi aprovado, em dezembro de 2016.
Suspender ou flexibilizar o teto retira a restrição para o crescimento do gasto público e destrói este mecanismo automático de ajuste, o que fatalmente vai levar a uma reversão da trajetória de queda dos juros que ocorreu nos últimos três anos e meio. E, com juros mais elevados, aumenta a probabilidade de uma volta da recessão. Um tiro no pé.
Também não foi coincidência que, após a derrubada do veto ao aumento do BPC, uma decisão que mostra total irresponsabilidade do Congresso, as taxas de juros dos títulos públicos subiram acentuadamente. Um indicador eloquente do que poderá estar à frente caso o teto seja flexibilizado ou suspenso: a volta do paraíso dos rentistas!
* Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista-chefe da Genial Investimentos
José Márcio Camargo: A polêmica do Copom
Os efeitos da queda de juros estão por vir. Interromper o ciclo agora não significa parar de forma definitiva
Em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil cortou a taxa básica de juros da economia brasileira (Selic) em 0,25 ponto de porcentagem (p.p.), para o nível mais baixo da série histórica: 4,25% ao ano. No comunicado e na ata da reunião, os diretores anunciaram que, em razão das incertezas quanto à potência da política monetária e das defasagens entre as decisões de política e seus efeitos sobre o nível de atividade e a taxa de inflação, iriam interromper o ciclo de cortes de juros na reunião de março.
A ata deixa claro que uma das preocupações dos diretores do Banco Central é o nível de capacidade ociosa existente hoje na economia brasileira. Após uma recessão extremamente perversa, com grande perda de capacidade produtiva, destruição e má alocação de capital, ainda que a produção e o Produto Interno Bruto (PIB) continuem muito abaixo dos níveis recordes de 2012/2013 e o desemprego em 11,0% da força de trabalho, a pergunta que ficou no ar é quanto de ociosidade ainda existe na economia, após três anos de crescimento de 1,1% ao ano.
Alguns dias após a decisão, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a taxa de inflação de janeiro de 2020, que surpreendeu positivamente os analistas, mostrando o menor número para janeiro desde a implantação do Plano Real, 0,21%. Ao mesmo tempo, os dados de crescimento da atividade do último trimestre de 2019 mostraram desaceleração em relação ao terceiro trimestre, gerando revisões para baixo das estimativas de crescimento em 2020.
Imediatamente, alguns analistas se prontificaram a anunciar que o Copom havia se precipitado ao anunciar o fim do ciclo de queda da Selic e que, quem sabe já na próxima reunião, tenha de voltar atrás e continuar o ciclo de reduções. Afinal, com desemprego em 11,0% da força de trabalho e a economia crescendo a uma taxa mais próxima de 2,0% do que de 3,0% e as expectativas para a inflação abaixo da meta em 2020 e 2021, certamente há, ainda, muita capacidade ociosa para ser utilizada antes que pressões inflacionárias apareçam no horizonte.
Porém, depois do conjunto de reformas que foram implementadas ao longo dos últimos 3,5 anos – o teto para o crescimento do gasto público, a troca da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela Taxa de Longo Prazo (TLP), a reforma trabalhista, a liberalização da terceirização, a Lei da Liberdade Econômica, a reforma da Previdência, entre outras – e das reformas microeconômicas em implementação pelo Banco Central, ninguém sabe com certeza o efeito de uma redução da taxa Selic em 2,25 p.p., ou seja, 35% de seu valor inicial (6,5% ao ano), nem quanto tempo vai levar para que a decisão de política monetária (redução dos juros) comece a ter efeitos sobre o nível de atividade e a taxa de inflação.
O Copom iniciou o ciclo de queda da Selic em 31 de julho de 2019, ou seja, há seis meses. Antes das reformas, as estimativas indicavam que a defasagem era de aproximadamente nove meses. Caso não tenha ocorrido nenhuma mudança, o que é pouco provável, ainda assim os efeitos da queda de juros estão por vir. Portanto, interromper o ciclo de queda neste momento significa parar para ver como vai reagir a economia diante do volume substancial de estímulos já implementados, e não necessariamente parar de forma definitiva.
Antes da reunião do Copom, nossa avaliação era de que o Banco Central deveria manter a Selic em 4,5% ao ano, exatamente por causa das incertezas levantadas no comunicado e na ata. Nossas estimativas (que, óbvio, não são exatas) apontam para uma taxa neutra (que nem gera pressão inflacionária nem deflacionária) de 2,1% real ao ano e, em decorrência das reformas, caindo 0,31 p.p. por trimestre. Como a previsão de inflação é 3,5% em 2020, a Selic real estaria em 1,0% ao ano, provavelmente abaixo da neutra. Neste cenário, seria mais adequado esperar que os efeitos das quedas já realizadas e as novas reformas em andamento se manifestassem, antes de continuar a reduzir os juros, provavelmente no segundo semestre. A queda de 0,25 p.p. não muda este cenário.
* Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista chefe da Genial Investimentos
José Márcio Camargo: Desoneração, emprego e desigualdade
Hoje, uma redução dos encargos sobre a folha de pagamentos teria um efeito positivo importante
Diminuir os encargos sobre a folha de salários reduz o custo do trabalho e aumenta a demanda por mão de obra. Tecnicamente, significa um deslocamento da curva de demanda por trabalho para a direita. Por outro lado, como esses encargos são pagos pelas empresas e pelos trabalhadores e apropriados pelo governo, sua existência gera incentivo para que empresas e trabalhadores entrem em acordo, negociando relações de trabalho informais, com o objetivo de não pagar os encargos e repartir, entre eles, esses recursos.
Isso é a teoria. Mas e a prática? A experiência recente da economia brasileira parece não validar esses resultados. A presidente Dilma Rousseff implementou uma política agressiva de desoneração da folha de pagamentos e, com base nas avaliações deste experimento, o resultado sobre o nível de emprego parece ter sido pouco expressivo ou nulo. Será mais uma jabuticaba?! Vejamos!
O efeito final da desoneração depende da existência ou não de trabalhadores “sobrando” no mercado de trabalho. Se a taxa de desemprego é alta, um deslocamento para a direita da demanda por trabalho aumenta o nível de emprego, sem afetar os salários. Se o desemprego é baixo, tal deslocamento aumenta o poder de barganha dos trabalhadores já empregados e o salário nominal desses trabalhadores, sem efeito sobre o emprego.
Foi exatamente o que aconteceu no Brasil. Como a taxa de desemprego estava em níveis muito baixos para os padrões da economia brasileira, a desoneração da folha de pagamentos, em lugar de gerar empregos, aumentou o salário dos trabalhadores já empregados e gerou forte aceleração inflacionária. Nada de jabuticaba. Um erro primário de política econômica!
Este não é o cenário atualmente. Após dois anos de recessão, a taxa de desemprego atingiu níveis recordes. Neste contexto, uma redução dos encargos sobre a folha de pagamento teria um efeito positivo importante sobre o nível de emprego, reduziria o desemprego e a informalidade.
Entretanto, em razão da grave crise fiscal por que passa o Brasil, uma questão precisa ser resolvida: como compensar a renúncia tributária resultante da desoneração.
Uma característica do mercado de trabalho brasileiro é o excesso de oferta de trabalhadores pouco qualificados, com salários baixos, e excesso de demanda por trabalhadores qualificados, com salários elevados. Em outras palavras, o desemprego no País é concentrado entre os trabalhadores menos qualificados. Como resultado disso, se a redução dos encargos sobre a folha for homogênea, ou seja, de mesma magnitude para todos os níveis salariais, o resultado será perda de arrecadação tributária, aumento do salário dos trabalhadores qualificados e do emprego dos trabalhadores não qualificados, alguma pressão inflacionária e maior desigualdade da distribuição de salários.
Uma opção seria fazer a desoneração, na margem, inversamente proporcional à faixa salarial. Ou seja, quanto maior for a faixa de salário, menor a desoneração. Tal estratégia reduziria o desemprego e a informalidade dos trabalhadores menos qualificados, diminuiria a perda de recursos pelo Estado, evitaria uma possível pressão inflacionária decorrente do aumento dos salários dos trabalhadores qualificados, reduziria a pobreza e tornaria a estrutura tributária mais progressiva, diminuindo a desigualdade da distribuição dos salários e da renda.
Existe uma estrutura de taxação que zeraria a perda tributária. Pode-se questionar se essa estrutura é econômica e politicamente eficiente, pois poderia significar uma alíquota excessivamente elevada para as faixas salariais mais altas. Mas isso é uma questão de calibragem. Vale a pena fazer a conta!
*José Márcio Camargo é professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista-chefe da Genial Investimentos
José Márcio Camargo: O fim da Era Vargas
Ao superproteger o trabalhador, o Estado o tornou incapaz de lutar por seus direitos e deveres
Após décadas de discussões, finalmente foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República uma reforma trabalhista que muda a essência da CLT. Como esta foi uma das reformas mais discutidas no País durante décadas, a crítica de que ela foi aprovada de forma açodada é, no mínimo, desinformação e, no máximo, desonestidade intelectual.
Alguns jovens acadêmicos estão certamente mal informados. Mas, como bons acadêmicos, deveriam se informar antes de se manifestar. Porém, as maiores críticas vêm de corporações, como a da Justiça do Trabalho e dos sindicatos, que sobrevivem do imposto sindical, por serem incapazes de convencer os trabalhadores de sua importância, que estão perdendo seus privilégios e o poder político.
A legislação trabalhista brasileira foi imposta à sociedade pela ditadura do Estado Novo, uma das mais violentas de nossa história. Como foi imposta por um regime fascista, tem estrutura fascista. Um dos objetivos da CLT é proteger o trabalhador da “sanha” das empresas por lucros e evitar o conflito entre trabalhadores e empresas. Sempre que tem um conflito, a solução é dada pela Justiça do Trabalho. E Justiça não se contesta, se obedece. Daí o enorme poder do Estado e a fraqueza dos sindicatos de trabalhadores.
Ao superproteger o trabalhador, o Estado o tornou incapaz de lutar por seus direitos e deveres. Não apenas na relação de trabalho, mas na vida em sociedade. O trabalhador não pode decidir quanto vai poupar para o futuro, isto está determinado pelo FGTS e pela Previdência Social. Não pode decidir como quer dividir suas férias, quantas horas por dia e quantos dias por semana quer trabalhar. Se prefere ter meia hora para almoçar e sair mais cedo para estar com seus familiares. Se prefere ter uma redução de salário, em vez de ficar desempregado. Se quer ou não contribuir para um sindicato ou se prefere ter um contrato individual de trabalho, e assim por diante.
Com a reforma, estas decisões e muitas outras serão negociadas entre o trabalhador e seu empregador. O empregador vai buscar o contrato de trabalho que dará a maior produtividade e o maior lucro possível. O que irá aumentar o potencial de crescimento e de geração de empregos da economia. E o trabalhador irá buscar o emprego que lhe dará o maior salário e bem-estar. Em lugar de esperar pela proteção do Estado, os trabalhadores terão de lutar por suas conquistas.
Se isso significa se filiar a um sindicato, ou investir em treinamento e qualificação, ou investir em educação, ou buscar ofertas de emprego mais compatíveis com suas disponibilidades, será uma escolha do trabalhador. Em momentos de desemprego alto os trabalhadores terão menos poder de barganha e vice-versa. Mas essa é uma característica de qualquer mercado e cabe aos trabalhadores se prepararem para aumentar seu poder de barganha em qualquer situação.
Será uma revolução nos incentivos. Teremos trabalhadores e cidadãos mais responsáveis, mais qualificados, mais produtivos, com mais incentivos a investir na relação de trabalho, mais empreendedores e, portanto, mais capazes de lutar por seus interesses. Teremos menos conflito, mais produtividade, mais crescimento e menos pobreza.
Já em 1994, o então presidente eleito Fernando Henrique Cardoso, em seu discurso de despedida do Senado, apontava para a necessidade de acabar com a chamada Era Vargas, “ao seu modo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista”. Infelizmente, o ex-presidente pouco conseguiu fazer neste sentido.
A aprovação da reforma não é uma demonstração de força de um governo terminal, como sugerem alguns. É o início do fim da Era Vargas. Apesar da enorme crise política, com a aprovação da reforma trabalhista, o presidente Michel Temer começou a cumprir a promessa feita pelo ex-presidente FHC. E por um governo democraticamente eleito. Falta aprovar a TLP e a Previdência. Vamos em frente!
* É professor do Departamento de Economia da PUC/RIO e economista da Opus Gestão de Recursos