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José Carlos Dias: 'Há um aparelhamento de algumas instituições por quadros conservadores e radicais'

José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça e presidente da Comissão Arns, diz ver país caminhando ao autoritarismo. O também ex-ministro Seligman pondera: “Não vejo aparelhamento”

“As instituições estão funcionando”. A frase se tornou um bordão para acalmar os mais ansiosos com o rumos da política brasileira desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016. Agora, ela voltou com força durante a gestão de Jair Bolsonaro, quando analistas e, nos bastidores, políticos e chefes dos poderes, discutem se há em curso a deterioação de princípios democráticos e das ferramentas de peso e contrapeso do sistema de poder no Brasil, especiamente quando se fala do aparato legal, Ministério Público e Judiciário à frente. O debate cobrou força na semana que passou, quando um jornalista crítico do Governo, Glenn Greenwald, do The Intercept Brasilfoi alvo de denúncia do Ministério Público acusado de colaborar na espionagem de autoridades sem sequer ter sido investigado e contrariando as conclusões da própria Polícia Federal. Mas a pauta já estava na ordem do dia quando um juiz de segunda instância decidiu tirar do ar o vídeo humorístico com temática religiosa do grupo Porta dos Fundos (vetado pelo Supremo Tribunal Federal um dia depois). Ou quando um grupo de ativistas em Alter do Chão chegou a ser preso, sob acusação de atear fogo na floresta no Pará em um inquérito considerado frágil por especialistas na área.

“Eu entendo que há um aparelhamento de algumas instituições brasileiras por quadros conservadores e radicais”, afirma José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso entre 1999 e 2000 e atual presidente da Comissão Arns de defesa dos Direitos Humanos, um coletivo de juristas e intectuais de vários matizes políticos criado em 2019 como uma espécie de observatório do estado da democracia no país. “O Ministério Público não está se mostrando imparcial como deveria ser com relação ao Governo, e o mesmo vale para o Judiciário”, diz, apontando a convergência da denúncia contra Greenwald e os interesses do ministro da Justiça, Sergio Moro, e Bolsonaro. Para o advogado, “o momento é perigoso, nossa democracia tem se deteriorado de forma alarmante e estamos caminhando a passos largos para o autoritarismo”. Questionado se sua leitura não é alarmista, Dias responde: “Não. É realista”.

A denúncia contra Greenwald é vista pelo ex-ministro como um sinal claro de aparelhamento do Ministério Público. “O juiz não deve receber [a denúncia, o que tornaria o jornalista do The Intercept réu no processo] porque ela é inepta, não descreve crime. A ação praticada pelo Glenn foi posterior ao hackeamento”, explica. Dias afirma que a peça oferecida pelo procurador Wellington Divino de Oliveira tem “caráter político”, e busca “intimidar e silenciar" a imprensa livre. “Nesse caso, eu acho que se pode, inclusive, pensar em crime de abuso de autoridade por parte dele”. Milton Seligman, ex-ministro da Justiça de FHC em 1997 e atual professor do Insper, também é crítico com relação à ação do MP ante Greenwald: “A denúncia fere o Estado Democrático de Direito e a nossa Constituição”, afirma.

Seligman, no entanto, não se considera um “pessimista” como Dias com relação à força das instituições para reagir a eventuais erros e deslizes autoritários. “Desde que as questões sejam discutidas no âmbito delas [instituições], estamos no Estado de Direito. É previsto e normal, por exemplo, que um juiz tome decisão e depois ela seja revista em uma instância superior”, afirma. Ele também é contrário à tese de que há um aparelhamento do Judiciário e do MP: “Não vejo aparelhamento. Concordamos com algumas decisões, divergimos de outras, mas, no final das contas, tudo avança dentro de um debate que não só brasileiro, é mundial. É um momento de disrupção em vários lugares”.

Apesar da ressalva, o ex-ministro tucano reconhece que “vários setores” da sociedade são favoráveis a uma restrição das liberdades. “Todos os Governos têm, em algum momento, a tentação de implementar mecanismos autoritários. No Governo Lula e Dilma, por exemplo, houve uma tentativa de controle social da mídia que foi debatido. E sob Bolsonaro essa tentação [autoritária] também ocorre”, diz. Seligman aposta em um freio social a esse tipo de pulsão: “A sociedade se organiza e não permite. Não permitiu lá [durante a gestão petista] e não permitirá agora”. Do mercado financeiro, segundo o ex-ministro, não se pode esperar muito. Ele critica setores empresariais que se acomodam diante de uma deterioração democrática desde que haja recuperação econômica. “É uma miopia muito grande, a mesma liberdade de empreender que o mercado defende não pode ser restrita a um lado da calçada. Ou é pra todos ou não há liberdade. Não se pode vislumbrar liberdade de empreender com um governo autoritário”.

Tradicionalmente, um dos principais freios ao autoritarismo de promotores, juízes, parlamentares e do próprio presidente tem sido o Supremo Tribunal Federal. Mas, na avaliação de Dias, a Corte por vezes tem “batido cabeça” na hora de desempenhar esta função. A polêmica mais recente envolvendo os ministros foi a decisão de Luiz Fux de derrubar uma decisão do presidente do STF, Antonio Dias Toffoli, e suspender a implementação do juiz de garantias, aprovada no Congresso como parte do pacote anticrime. Esse segundo magistrado, que atuaria apenas na etapa de instrução do processo, autorizando ou não medidas como prisão coercitiva ou quebra de sigilo bancário, teria como missão impedir abusos contra investigados. O ministro Marco Aurélio classificou a manobra de Fux como “censura”. Dias prevê que a situação do Supremo deve se deteriorar ainda mais. “O decano Celso de Mello deve se afastar no final do ano, o que será uma grande perda para o Brasil, especialmente se ele for substituído por um ministro que tem o paladar do Bolsonaro. O STF só tende a piorar”.


O Globo: 'Governo promove combate aos Direitos Humanos', diz José Carlos Dias

No Dia Internacional dos Direitos Humanos, ex-ministro da Justiça avalia que situação no Brasil é a pior desde a redemocratização

Paula Ferreira, de O Globo

BRASÍLIA - Criada em fevereiro deste ano, a Comissão Arns tem sido uma das principais organizações à frente da defesa dos direitos humanos no Brasil. Em entrevista ao GLOBO, o presidente do grupo e ex-ministro da Justiça, José Carlos Dias, afirma que o governo Bolsonaro promove um "combate aos direitos humanos". Aos 80 anos, ele diz que desde a redemocratização nenhum outro presidente adotou postura tão sistemática contra a área como Bolsonaro. A entidade, inclusive, já o denunciou ao Tribunal Penal Internacional por incitação a genocídio indígena .

Para Dias, o descaso com os direitos humanos também acontece a nível estadual e outros poderes da República não têm sido eficientes na garantia e defesa desses direitos fundamentais. Segundo ele, as violações acontecem em vários âmbitos e vão desde a tortura à censura e ao desrespeito à imprensa. Dias argumenta que os defensores dos direitos humanos precisam ocupar espaço também nas redes sociais para reduzir o impacto dos discursos de ódio propagados, sobretudo, por meio de notícias falsas.

O ex-ministro, que tem mandato na comissão até 2021, condenou a apologia a atos autoritários, como as declarações de pessoas ligadas ao governo sobre o AI-5, e defendeu que o governo desenvolva políticas eficazes, principalmente na área social, garantindo o direito à aprendizagem e ao saneamento básico.

Ao longo de 2019, a Comissão emitiu 11 notas públicas a respeito de violações de direitos humanos no país e em defesa de instituições. Nesse período, o grupo atuou em pelo menos 24 casos em defesa dos direitos humanos, entre eles, a execução de 15 pessoas no morro do Fallet, no Rio de Janeiro; contra mudanças previstas no pacote anticrime do ministro Sergio Moro ; e contra o contingenciamento promovido pelo governo nas universidades públicas. Além de pelo menos sete representações e denúncias, uma delas contra o decreto de extinção do Mecanismo Combate e Prevenção à Tortura. As ações integram uma minuta que servirá como base para o relatório que será lançado em fevereiro de 2020, com o balanço dos trabalhos da Comissão.

Qual é a sua avaliação sobre o atual cenário de direitos humanos no Brasil?
Foi um ano muito difícil para o Brasil, muito penoso pelas violências praticadas em várias áreas. O discurso de ódio foi dirigido pelo presidente da República, estabelecendo em vários ministérios focos de preconceitos e de ataques infundados contra bandeiras de direitos humanos. Em termos de violações de direitos humanos, no caso ambiental, por exemplo, é uma barbaridade; o campo da cultura; da manifestação de pensamento através da imprensa; tudo isso foi atingido pela ação do governo.

O que levou a comissão a fazer representação contra o presidente no Tribunal Internacional?
Entendemos que internamente não teríamos como levar a julgamento a pessoa do Jair Bolsonaro, ao passo que o Tribunal Penal Internacional é uma corte que se destina justamente a julgamento de pessoas que praticam atos de violações aos direitos humanos. Encontramos esse caminho importante, porque afinal de contas a política anti-indigenista do governo está determinada a dizimar as populações indígenas, então entramos com a ação contra isso especificamente. Isso não é rápido, é demorado, mas eles vão ouvir pessoas, testemunhas, a procuradora pode vir ao Brasil e tomar as providências convenientes para apurar as denúncias feitas por nós.

Há um discurso institucional antidireitos humanos?
Há uma política de combate aos direitos humanos. Tivemos isso no período da ditadura, mas durante o período democrático nenhum dos presidentes adotou uma política tão sistemática de combate aos direitos humanos como o governo Bolsonaro. Eu gostaria de ter esperanças, mas não estou achando fácil cultivá-la.

As instituições brasileiras estão operando satisfatoriamente para coibir as violações aos direitos humanos?
Aquém do necessário. O governo impede o desenvolvimento de instituições fundamentais, por exemplo, demitindo membros de conselhos, atuando de forma absurda em presídios. A censura e o trabalho desenvolvido contra a imprensa livre é algo que nos dá muito medo de que o Brasil descambe para o regime autoritário de forma declarada.

Os outros poderes estão cumprindo seu papel?
Nenhum dos poderes está muito bem. O Poder Legislativo está até surpreendendo em certas coisas, a Reforma da Previdência não saiu como a gente desejava, mas saiu. Tem algumas posições em termos de defesa dos direitos humanos, como o pacote do Moro, que não foi aceito integralmente como o ministro queria. O Supremo Tribunal Federal está dividido, há momentos em que assume uma postura corajosa e há momentos em que recua e se torna absolutamente permissivo com discurso de ódio do governo federal.

Recentemente, pessoas ligadas ao governo fizeram afirmações sobre a instituição de um “novo AI-5”. Qual é a sua opinião?
O AI-5 foi o momento mais doloroso da História do Brasil. Dentro da ditadura, foi o golpe dentro do golpe. Em nenhum momento, durante toda a ditadura Vargas e de 1964 nunca houve um momento tão duro e horroroso como AI-5, que provocou mortes, desaparecimento de pessoas. Lembrar do AI-5 neste momento é algo que arrepia. Eu como advogado e defensor de perseguidos políticos sei o que o AI-5 significou em termos de incentivo à tortura, à morte e a violências contra direitos individuais.

Há alguns anos era impensável a defesa aberta da ditadura militar. O que levou a essa radicalização?
É difícil, não saberia dizer. Fico muito impressionado quando vejo como as redes sociais têm sido utilizadas para difundir o discurso de ódio, isso me preocupa muito. Antes, os debates eram feitos de forma absolutamente aberta em televisão, rádio, jornais, comícios, e assim o povo ia formando sua opinião para que pudesse votar. Agora isso é destilado diariamente por meio de fake news e de outras maneiras de incentivar o discurso de ódio. É importante que esse debate aconteça em todos os campos e que nas redes sociais também seja transmitido o discurso em defesa dos direitos humanos, por esse motivo criamos a Comissão Arns. Temos que utilizar todas as formas de comunicação para difundir ideia dos direitos humanos.

Quais os planos da comissão para o próximo ano? Há alguma área específica em que pretendem focar?
Temos que enfrentar o cotidiano, e o cotidiano não somos nós que criamos, temos que pregar a coerência com os ideais democráticos, a defesa dos direitos humanos. Os fatos estão acontecendo, veja o caso de Paraisópolis ( onde nove pessoas foram mortas em ação policial, no início deste mês ), temos que estar presentes e reagir. No Pará, o desastre ambiental, o ataque aos índios. Isso vai exigindo de nós um combate sistêmico em todas as frentes em que houve violações aos direitos humanos de forma forte e violenta.

O senhor mencionou o caso de Paraisópolis, que foi fruto de uma ação da Polícia Militar, que está sob o jugo do estado. A postura relapsa em relação aos direitos humanos existe a nível estadual?
Acho que sim, principalmente no Rio de Janeiro. O Estado do Rio é onde existe mais violência contra os direitos humanos. Em São Paulo também há, mas em São Paulo não é tão grave, porque de qualquer forma o governador ( João Doria ) recuou de seu discurso inicial sobre Paraisópolis. Temos que pressionar. Tive uma longa audiência com o secretário de Justiça de São Paulo, e pedi que conversasse com o governador sobre a violência que aconteceu em Paraisópolis. No Rio, estivemos com o Procurador Geral de Justiça e com o Defensor Geral, com o governador ( Wilson Witzel ) não, mas é possível que a gente peça uma audiência com ele. A política de segurança do Rio é terrível, violentíssima. A ordem é abater criminosos.

No Rio também há o caso Marielle, que está sem solução. O que isso representa em termos de direitos humanos?
É um absurdo que até agora não se tenha solucionado. Esperamos que se encontre o caminho da descoberta de tudo o que rodeia a morte da Marielle. Não tenho dados específicos, mas está havendo muita lerdeza na apuração dos fatos. A punição ao Estado brasileiro pela falta de solução desse crime é um caso a ser pensado.

Como avalia a atuação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos?
Não vejo absolutamente nenhuma preocupação de a pasta ser protagonista da nossa luta pelos direitos humanos, ao contrário. Acho que a palavra direitos humanos está sendo mal usada. A política do governo está péssima.

Há algo de positivo na atuação do ministério?
Eu não vejo.


Folha de S. Paulo: 'A democracia corre risco de termos a ditadura pelo voto', diz ex-ministro de FHC

Para José Carlos Dias, Comissão Arns reedita união da sociedade civil em 'luta contra o ódio'

Ricardo Kotscho, da Folha de Paulo

SÃO PAULO - Na mesma sala do 26º andar do Edifício Itália, no centro de São Paulo, onde defendeu 512 presos e perseguidos políticos pela ditadura militar, o advogado criminalista José Carlos Dias mostra disposição para começar tudo de novo.

Aos 80 anos, Dias lidera a Comissão Arns Contra a Violência, criada em março, agora integrada por CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

As três entidades da sociedade civil recentemente renovaram suas direções nacionais e tiveram importante papel na redemocratização durante a campanha das Diretas-Já, em 1984. O movimento será oficialmente lançado em Brasília, no próximo dia 8, na sede da OAB.

Ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, em 1999 e 2000, e ex-presidente da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, nos tempos de dom Paulo Evaristo, o advogado conta o que levou à criação da Comissão Arns.

“Nós nos unimos na luta contra a violência e o ódio”, diz, e faz uma advertência: “A democracia hoje corre risco de termos a ditadura de volta pelo voto”.

Na última entrevista que concedeu à Folha, pouco antes de morrer, o escritor Antonio Callado disse: “Lutei sempre do lado certo. Perdi todas”.

Esse não é o caso de José Carlos Dias, que também lutou sempre do mesmo lado, ganhou muitas batalhas e perdeu outras, mas ainda não desistiu.

O que levou a sociedade civil a se mobilizar novamente, com a criação da Comissão Arns Contra a Violência?
Foi a necessidade de nós reatarmos aquela união que se deu na luta pelas Diretas-Já. Naquela época, nós estávamos todos juntos no mesmo palanque. Depois, nós nos separamos e nos iludimos e hoje estamos vivenciando uma situação terrível. Nós nos unimos de novo na luta contra o ódio e a violência. Nas vésperas do segundo turno, eu disse que só o Bolsonaro era capaz de me fazer votar no PT.

Em que momento você sentiu esse clima de intolerância?
Eu fui junto com outros agentes do direito entregar um manifesto de apoio ao Haddad e, ao sair do hotel para pegar um táxi, passou um carro com duas mulheres que começaram a me insultar, me chamaram de “comunista e filho da puta”. Não posso imaginar agora como podemos continuar divididos quando nós estamos lutando contra um inimigo comum. Até dentro da mesma família tinha pessoas se digladiando.

Na sua família isso aconteceu também?
Também. No fim de dezembro, eu e o Paulo Sérgio Pinheiro começamos a conversar sobre a necessidade de nós nos unirmos outra vez. Marcamos uma reunião na casa dele com outras pessoas, entre elas o Bresser Pereira, a Margarida Genevois, Antonio Mariz de Oliveira, Paulo Vannuchi, André Singer e Belisário dos Santos Junior. Resolvemos criar uma comissão com o nome do nosso padroeiro dom Paulo Evaristo, porque ele foi a síntese de toda a oposição séria deste país desde a criação da Comissão de Justiça e Paz, em 1972.

No ato de criação da Comissão Arns, em março, vocês calcularam mal a presença de público, metade das pessoas teve que ficar em pé do lado de fora. Muita gente estava se reencontrando depois de muito tempo...
É verdade, foi uma beleza. O diretor da Faculdade de Direito da USP abriu para nós o salão nobre, mas acharam que era muito grande e aí se optou pela sala dos estudantes, que tem muita tradição, mas é pequena. Uma comissão foi formada pelos 20 fundadores e outras pessoas de várias entidades foram aderindo com o tempo. O objetivo da Comissão Arns é zelar pela preservação dos direitos humanos e denunciar as graves violações desses direitos no atual governo.

Diante disso, a democracia e o Estado de Direito correm risco nesse momento?
Eu acho que a democracia corre risco de termos de novo a ditadura, agora pelo voto. Porque nós temos como presidente uma pessoa absolutamente desequilibrada. Tenho muito receio de um retrocesso nas conquistas democráticas que tivemos nos últimos 30 e tantos anos. A sociedade civil hoje tem pulmões que a fazem respirar, e a Comissão Arns pretende ser um desses pulmões.

Como jurista, que análise faz das revelações feitas pelo site The Intercept Brasil sobre os diálogos mantidos entre o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato?
É inacreditável imaginar-se que um juiz e um procurador fiquem trocando figurinhas e preparando as jogadas para condenar alguém, para forjar provas. Eu estou absolutamente decepcionado com o Supremo Tribunal Federal. Esse último gesto do Toffoli, envolvendo a pessoa do filho do presidente...

É inimaginável que ele monocraticamente impeça o progresso das investigações e ainda por cima marque para novembro o julgamento pelo plenário. Teria que ser na primeira sessão depois do recesso. Espero que a Procuradoria-Geral da República tome uma posição de contestação a essa decisão do Toffoli.

Até o momento, não se nota nenhuma reação da sociedade civil a todos esses fatos e a Lava Jato continua com forte apoio popular segundo as pesquisas. O que explica esse silêncio?
A sociedade foi induzida em erro, imaginando que a Lava Jato fosse imparcial, fazendo investigações em todos os campos. Hoje, aberta a barriga, o que se vê é a manipulação entre Ministério Público e magistratura. O Moro enganou muita gente. Deu a impressão de que era um juiz independente e, agora, feita essa laparotomia exploratória, o que se vê é que os intestinos estão misturados de tal forma que não existe a preservação da independência. É um grande desaponto.

Que avaliação o sr. faz dos primeiros seis meses do governo Bolsonaro?
Eu tenho um sentimento de medo, indignação e tristeza.

Quais serão os próximos passos da Comissão Arns?
Nós temos o dever agora de debater o problema da violência no plano nacional, com os olhos voltados para as graves violações de direitos humanos em todos os campos —o meio ambiente, a liberdade de expressão, educação, saúde, enfim, é uma variedade de temas que temos de pautar.

Quem vai comandar a Comissão Arns?
Por proposta minha, nós escolhemos o Paulo Sérgio Pinheiro, mas ele está no exterior porque ainda tem a missão da ONU na Síria coordenada por ele, não podia aceitar. Sugeri que fosse outra pessoa, apresentei vários nomes, mas está todo mundo querendo que eu seja. Acho que vai sobrar pra mim. Vou começar tudo de novo...

Como o sr. vê o papel dos militares no governo, com tantos generais em postos de comando no Palácio do Planalto?
Eu acho que nunca teve tantos... Mas eu tenho a impressão de que eles estão muito mais civilizados do que o presidente. O papel deles é conter a fúria do presidente.