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BBC Brasil: Enquanto Bolsonaro patina em se aproximar de Biden, oposição brasileira ganha terreno com democratas
Se o presidente brasileiro Jair Bolsonaro demorou 38 dias para reconhecer a vitória de Joe Biden à Presidência dos Estados Unidos e patina para estabelecer conexões com os democratas, a oposição ao seu governo no Brasil tem se mostrado mais efetiva em construir pontes com a nova administração, que começará oficialmente no dia 20 de janeiro.
Mariana Sanches, BBC News Brasil em Washington
E uma parte importante dessa conexão tem sido operada por meio de lideranças indígenas, com quem Bolsonaro tem acumulado embates.
A última prova disso é o lançamento de uma parceria entre a parlamentar americana democrata Deb Haaland e a deputada federal brasileira Joênia Wapichana (Rede-RR).
Na semana passada, as duas conversaram pelo telefone para coordenar esforços interamericanos para avançar em pautas de respeito aos direitos dos povos nativos e proteção ao meio ambiente nos dois países.
"Continuaremos colocando Bolsonaro na fogueira enquanto ele cometer violações dos direitos humanos, seguir no esforço para destruir a Floresta Amazônica e colocar nosso planeta em risco de um desastre climático ainda maior", afirmou Haaland em nota enviada à BBC News Brasil.
Entusiasta da gestão do republicano Donald Trump, que tentou sem sucesso a reeleição, Bolsonaro já havia se posicionado publicamente em favor de um segundo mandato para Trump, de quem se disse fã.
Seu filho e deputado federal, Eduardo Bolsonaro, que em 2019 acalentou o desejo de ser embaixador em Washington, fez campanha por Trump em suas redes sociais.
Após a divulgação do resultado do pleito, o Itamaraty mergulhou em silêncio enquanto até duas semanas atrás Bolsonaro dizia ter informações sobre "fraude eleitoral". Na terça-feira (15), o presidente enviou "saudações" a Biden", "com meus melhores votos e a esperança de que os EUA sigam sendo "a terra dos livres e o lar dos corajosos".
E acrescentou: "Estarei pronto a trabalhar com o novo governo e dar continuidade à construção de uma aliança Brasil-EUA".
Haaland: crítica a Bolsonaro e cotada para o gabinete de Biden
O caminho dessa cooperação, no entanto, pode ser acidentado. Isso porque existe uma sincronia de movimentos de atores políticos nos legislativos tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos que dificultam a aproximação.
"A gente tem visto um Itamaraty disfuncional, declinante, com o filho do presidente (Eduardo) como uma eminência parda da política externa. Então outros atores políticos passaram a atuar, como o legislativo brasileiro, que geralmente não têm protagonismo no tema. Do lado do Brasil, vemos uma politização histórica da política externa", afirma Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas.
"Ao mesmo tempo, pela primeira vez, o Congresso americano mostrou interesse em se aproximar do legislativo brasileiro e a vitória de Biden empoderou esse grupo de deputados democratas que está na Câmara."
Primeira mulher indígena a ser eleita para o Congresso americano, Haaland é cotada para ser a secretária do Departamento de Interior do presidente-eleito Joe Biden, o que a colocaria no primeiro time da nova administração.
Haaland se tornou uma das principais críticas de Bolsonaro no partido — e na Câmara —, e tem trazido nomes proeminentes da agremiação consigo para as manifestações públicas contra o mandatário brasileiro, como o senador Bernie Sanders e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez. Ela passou a atuar tanto na pressão pública a Bolsonaro, por meio de cartas, quanto na proposição de medidas contra os interesses do governo brasileiro no Congresso americano.
A deputada americana tentou, por exemplo, barrar a aprovação do status do Brasil como aliado militar extra-OTAN, uma das conquistas mais comemoradas pelo Itamaraty sob Bolsonaro.
Nas últimas semanas, ela se empenhava em cortar do Orçamento de Defesa dos EUA a previsão de verba pública para o acordo de salvaguardas tecnológicas entre os países, que deve viabilizar lançamentos de satélites americanos da base de Alcântara, no Maranhão.
Em maio de 2019, pouco depois do anúncio do acordo para uso da base de Alcântara, Haaland conseguiu angariar assinaturas de 54 congressistas americanos para uma carta enviada ao secretário de Estado americano, Mike Pompeo, na qual alertava para "violações dos direitos humanos de comunidades indígenas e quilombolas no Brasil".
Meses antes, além de Wapichana, a política americana recebeu no Congresso dos EUA as parlamentares oposicionistas Erika Kokay (PT-DF) e Fernanda Melchionna (PSOL-RS).
Em junho desse ano, voltou à carga com uma carta enviada ao presidente da Câmara brasileira, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em que pedia a derrubada de um projeto de lei que previa ampla regularização fundiária na Amazônia e que acabou batizado pelos críticos de "PL da Grilagem".
"Entendemos que esse projeto é muito prejudicial para a floresta amazônica, uma vez que legalizará grandes áreas de terras públicas que já foram ocupadas e desmatadas ilegalmente", escrevia Haaland, na carta assinada por 18 de seus colegas.
No mesmo período, seus colegas da Comissão de Orçamento e Tributos da Câmara enviaram comunicação às autoridades comerciais americanas dizendo que se opunham a qualquer avanço em tratados comerciais com o Brasil de Bolsonaro.
E em dezembro, Haaland assinou com outros 21 colegas um pedido de proteção à deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ), em que qualificava as políticas de Bolsonaro como "antidemocráticas e xenófobas".
"O que estamos fazendo é expor para o mundo as ações do governo Bolsonaro que precisam parar e teremos intercâmbio de relações legislativas intensas", afirmou à BBC News Brasil a deputada Joênia Wapichana.
Segundo ela, o governo Bolsonaro deveria "ter atuado de forma mais diplomática e menos de acordo com preferência individual" com os democratas. Questionado repetidas vezes sobre o assunto, o embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster, afirma manter bom trânsito nos dois partidos.
Mas não para por aí. Em outubro de 2020, enquanto a disputa para a Presidência da Casa Branca chegava à reta final, em Washington D.C., a líder indígena Alessandra Korap Munduruku recebia o prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos.
Korap ganhou proeminência ao pedir a expulsão de garimpeiros das terras de seu povo, motivo pelo qual passou a ser ameaçada de morte.
A líder tem denunciado que desde a chegada ao poder de Bolsonaro, a situação das populações nativas se deteriorou.
Bolsonaro já se posicionou publicamente a favor do garimpo em terras indígenas, contra a destruição de maquinário usado por madeireiros para derrubar ilegalmente a floresta na Amazônia e, durante a campanha, prometeu que não demarcaria mais nem "um centímetro quadrado" de área para essas populações.
No evento de homenagem a Korap, coube a John Kerry, recém-nomeado por Biden como enviado especial de mudanças climáticas para o Conselho Nacional de Segurança, fazer o principal discurso da noite. Ali, ele disse à Korap que se comprometia a lutar a seu lado.
"O povo Munduruku no Brasil é guerreiro de muitas formas diferentes. Tem resistido ativamente à pressão constante, violenta, ilegal e, às vezes, patrocinada pelo Estado, de madeireiros e mineradores para explorar suas terras. Alessandra, você falou e continua a falar a verdade ao poder. E é extraordinária a maneira como você luta pelos pulmões do planeta, a maneira como você luta para proteger nossa terra e por todos os bens comuns que precisamos nos esforçar para salvar", disse Kerry, responsável pela formulação das propostas para meio ambiente da campanha de Biden.
Naquele mesmo mês, o democrata surpreendeu o governo brasileiro ao citar o desmatamento na Amazônia como um exemplo de como mudaria sua liderança global em relação à gestão Trump durante um debate televisivo entre os candidatos.
Ao anunciar que pretendia criar um fundo para a preservação do Bioma, Biden afirmou: "Aqui estão US$ 20 bilhões, pare de destruir a floresta. E se não parar, vai enfrentar consequências econômicas significativas". A fala foi vista pelo governo Bolsonaro como uma ameaça à soberania do país.
O poder da oposição americana a Bolsonaro
Para Casarões, é difícil dimensionar o poder desse grupo de deputados democratas, no qual Haaland é uma liderança. Isso porque, diferente do Brasil, o presidente americano depende essencialmente do legislativo para aprovar medidas centrais e por enquanto a Câmara é a única das duas casas que os democratas controlam por enquanto — a maioria no Senado para o próximo ano ainda está indefinida.
Considerado um moderado e centrista entre os Democratas, Biden terá que fazer concessões à ala mais à esquerda do partido para poder governar.
E um tema no qual seria mais fácil chegar a um consenso é justamente a agenda ambiental, na qual Bolsonaro é visto como um antagonista claro para o partido. Biden já anunciou, por exemplo, que recolocará os EUA no Acordo de Paris, de onde Trump retirou o país, em um movimento que Bolsonaro admitiu ter vontade de copiar.
No final de novembro, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostraram que a Amazônia brasileira perdeu mais de 11 mil quilômetros quadrados de área de floresta no período entre agosto de 2019 e julho de 2020.
É o maior desmatamento registrado nos últimos 12 anos. Nesta quarta, dia 16, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo de países do qual o Brasil quer se tornar membro, divulgou relatório em que aponta que o Brasil tem falhado em coibir a devastação ambiental.
"As discussões políticas enviaram sinais contraditórios sobre o compromisso (do governo) com a estrutura de proteção ambiental existente", afirma o relatório, que exorta o governo a aumentar o orçamento para a fiscalização.
Reservadamente, democratas afirmam não ver condições de interlocução nesses temas com o chanceler Ernesto Araújo, que, em setembro de 2019, deu uma palestra em um think tank conservador na capital americana no qual questionava premissas científicas do aquecimento global.
"O negacionismo climático que uniu Bolsonaro a Trump simplesmente não funcionará com Biden, que priorizará ações climáticas globais ambiciosas, incluindo a proteção da floresta Amazônica. O problema não é apenas dos ministros atuais e seus discursos públicos, mas as políticas destrutivas do governo Bolsonaro no assunto continuarão a isolar o Brasil de governos e investidores internacionais", afirma Andrew Miller, um dos diretores da organização ambiental Amazon Watch.
O Globo: Diplomatas afirmam que contato com equipe de Biden deveria ter começado ainda na campanha
Chanceler disse que momento certo para iniciar relação é depois da posse, mas esta não foi a experiência da diplomacia brasileira em transições anteriores de governo
Camila Zarur, O Globo
RIO — Apesar de o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ter afirmado que “ainda não é o momento” de se aproximar do futuro presidente americano, Joe Biden, pois ele ainda não tomou posse, a história das relações entre Brasil e Estados Unidos mostra o oposto. Em outros períodos de transição de poder em Washington, o contato com a gestão seguinte se dava antes mesmo da definição de quem assumiria a Presidência, segundo contaram ao GLOBO diplomatas que trabalharam na capital americana e especialistas em relações internacionais. Para eles, a demora em estabelecer uma relação com Biden pode dificultar o trato entre os dois países.
Segundo explica o ex-embaixador em Washington Rubens Ricupero, a aproximação é feita durante a corrida eleitoral com ambos os partidos. Além de estabelecer e estreitar os contatos, esta é também uma forma de se manter a par dos acontecimentos e informá-los ao governo brasileiro. Ricupero vivenciou isso em dois momentos: na eleição de Bill Clinton, em 1992, quando foi embaixador na capital americana; e em 1976, quando era chefe do setor político da embaixada e alertava o governo do general Ernesto Geisel de que o democrata Jimmy Carter venceria o pleito daquele ano.
— Nos Estados Unidos é considerado normal ter relação com os dois partidos, ninguém acha esquisito. Pelo contrário, todo embaixador e todo bom diplomata cultiva contatos com todos os lados políticos, sobretudo num posto em Washington, onde o Congresso tem uma influência grande sobre a política externa — explica Ricupero, que completa: — Em qualquer país no mundo é assim. Aqui no Brasil, não só o embaixador americano, como os cônsules de São Paulo e Rio convivem com pessoas de ambos os lados políticos. O normal é ter um contato permanente, não ficar esperando por uma oficialização.
Assim como Ricupero, Rubens Barbosa, que também foi embaixador em Washington, acredita que o período de transição é o momento para estreitar a relação com o futuro governo, que já deveria ter sido estabelecida durante a corrida presidencial. Foi o que diplomata fez em 2000, na conturbada eleição de George W. Bush, cujo resultado foi decidido após o julgamento da Suprema Corte sobre a votação na Flórida. Barbosa escreveu sobre isso em seu livro “O Dissenso de Washington”:
“Quando Bush tomou posse, esses contatos estabelecidos ainda no período eleitoral fizeram com que a embaixada brasileira já fosse interlocutora do novo governo e facilitaram muito o acesso à nova administração”, relata o embaixador no livro publicado em 2011.
Imagem negativa
Para Roberto Abdenur, também ex-embaixador nos EUA, durante a campanha americana o presidente Jair Bolsonaro e seu governo só mantiveram contato com o lado republicano, se posicionando explicitamente a favor da reeleição de Donald Trump. Isso, segundo ele, gerou uma imagem negativa do brasileiro entre os democratas, que foi agravada com a postura que Bolsonaro teve após a eleição.
O presidente só reconheceu a vitória de Biden após o Colégio Eleitoral confirmá-la, no último dia 14, mais de um mês após o resultado ter sido projetado. Ele também endossou a narrativa de Trump de que houve uma suposta fraude na votação, embora o republicano não tenha apresentado evidências que comprovassem isso e nenhuma das mais de 50 ações impetradas tenha sido bem-sucedida em reverter ou anular votos.
— Entre os democratas, é terrivelmente negativa a imagem de Bolsonaro, seja como pessoa ou de seu governo em geral. Devemos agora correr atrás do prejuízo, procurando abrir pontes com congressistas e com os membros do governo que vêm sendo indicados pelo novo presidente americano. Não faz sentido só entrar em campo depois da posse. Não há tempo a perder — afirma o diplomata.
Abdenur acrescenta ainda que a demora para estabelecer esse contato não ajuda a melhorar os ânimos com os democratas e pode piorar o estado de espírito em relação ao Brasil por parte da equipe de Biden.
Essa percepção ruim em relação ao presidente brasileiro pode ser um obstáculo ainda maior para a aproximação entre os dois governos, salienta o cientista político e pesquisador de Harvard Hussein Kalout, que foi secretário de Assuntos Estratégicos no governo de Michel Temer.
— Não depende apenas de o Brasil querer se aproximar. Depende se Biden vai querer abrir as portas para o governo Bolsonaro. O governo fez uma grande e única aposta em Trump, queimando todas as pontes com os democratas já na largada. Faltou à política externa brasileira maturidade, realismo e pragmatismo para entender a complexidade dessa eleição. A equipe de Biden pode não querer se aproximar de um governo que questionou o resultado que o elegeu presidente.
Segundo fontes em Washington, diferentemente do que Araújo afirma, integrantes do governo brasileiro já teriam tentado o contato com a equipe de transição do democrata, mas não foram recebidos. A repórter na Casa Branca da GloboNews, Rachel Krähenbühl, já havia noticiado essa tentativa de aproximação antes da votação, em 3 de novembro. No entanto, o próprio presidente Bolsonaro negou que isso tivesse acontecido.
Posição defensiva
Segundo o embaixador Celso Amorim, que foi chanceler no governo de Itamar Franco e nos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva, a retórica do atual ministro das Relações Exteriores indica uma posição defensiva do governo brasileiro diante de eventual resistência da equipe de Biden, que já apresenta uma série de divergências com a gestão Bolsonaro em temas como meio ambiente, direitos humanos e questões relativas aos direitos indígenas e quilombolas.
— Eles parecem estar assustados em tentar uma aproximação e receber uma negativa por parte de Biden. Então, para eles não terem esse dissabor, adotam essa narrativa de que não é o momento de ter esse contato — diz o ex-ministro, que vê nesse início um indício de como será difícil a relação entre os dois líderes — Dificilmente Bolsonaro se tornará amigo de Biden. Isso demandaria um esforço que acredito que não será feito. O governo Bolsonaro já tem um compromisso com a extrema direita no Brasil, que é ligada à extrema direita americana.
Amorim explica também que Biden, por sua vez, terá que fazer concessões em seu mandato para tentar unir um país e o próprio partido divididos e, por isso, deverá adotar uma postura mais dura com Bolsonaro nas questões em que os dois divergem.
Como o Brasil pode ter inserção positiva na economia mundial? Bazileu Margarido explica
Em artigo publicado na revista de dezembro da FAP, engenheiro diz que país tem grande potencial de desenvolvimento da bioeconomia
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“O Brasil deveria buscar inserção positiva na economia mundial através da diversificação e agregação de valor à sua pauta de exportações e do investimento em inovação e tecnologia e nas novas oportunidades que estão surgindo na transição para uma economia de baixo carbono”. A análise é do engenheiro de produção e assessor econômico da liderança da Rede no Senado, Bazileu Margarido, ex-presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro.
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Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. De acordo com Margarido, há um cardápio extenso de atividades econômicas que deveriam ser incentivadas para a recuperação da economia depois da pandemia da Covid-19.
“O Brasil tem grande potencial de desenvolvimento da bioeconomia, das fontes distribuídas de energia renovável e limpa, da agricultura de baixo carbono, da exploração sustentável de florestas nacionais, da universalização do saneamento ambiental, entre outras”, assinala. De 2003 a 2007, ele foi chefe de gabinete da então de meio ambiente, Marina Silva, antes de se tornar presidente do Ibama, de 2007 a 2008.
Segundo Margarido, esses investimentos têm capacidade para gerar milhões de empregos verdes e atrair capital externo ávido por um portfólio de atividades sustentáveis. Isso, segundo ele, para satisfazer as exigências de um novo consumidor, mais consciente dos limites das bases naturais que dão sustentação ao desenvolvimento.
“Insistir na ocupação da Amazônia pela grilagem de terra, por pastos para criação extensiva de gado e pela mineração ilegal só vai nos levar ao atraso e ao isolamento político e econômico”, alerta o engenheiro. Ele também é mestre em economia e, de 2001 a 2002, foi secretário de Fazenda de São Carlos (SP).
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Em artigo publicado na revista mensal da FAP, professor da Unesp avalia o que chama de ‘Ano 2’ do presidente
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O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mostra-se “despreparado para o exercício do governo, sequer consegue ganhar uma posição no contexto dramático de combate à pandemia, empreendendo ‘gestão’ desastrosa que não evitou os mais de 180 mil mortos em menos de 12 meses”. A afirmação é do historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio, em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de dezembro.
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Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. Em seu artigo, Aggio também critica incapacidade do governo diante de “questões mais estruturais como as reformas tributária e administrativa que vão ficando para as calendas”.
“Sem liderança e sem rumo, a filiação de Bolsonaro a algum partido do Centrão tornou-se disputa rasa, quase um leilão, com vistas a um transformismo que garanta ao presidente um ‘novo’ protagonismo em 202’”, diz o professor da Unesp, em outro trecho de sua análise na Política Democrática Online de dezembro. “Num cenário ainda difuso, já se pode divisar, contudo, outros transformismos em projeção, todos visando alcançar o poder nas próximas eleições”, assevera.
Se, no Ano 1, o governo foi uma usina de péssimas ideias, no Ano 2 a imagem é de desolação, de acordo com o artigo do historiador. “2022 já começou e aos brasileiros importa superar a pandemia que nos assola bem como a crise que desorganiza a nação depois da sanha destruidora que se instalou no poder”, afirma Aggio, para acrescentar: “Só assim se poderá conceber em que termos avançaremos para o futuro, depois da breve – assim esperamos – ‘era Bolsonaro’”.
Em seu artigo, o professor da Unesp lembra que, no final do ano passado, publicou um artigo com o título “Bolsonaro, Ano 1”. “Mobilizei, intencionalmente, a demarcação temporal recorrendo àquilo que Benito Mussolini estabeleceu para a Itália quando instituiu o fascismo. Contava-se a sequência dos anos da ‘Era Fascista’, com início em 1922, ano da tomada do poder com a ‘Marcha sobre Roma’. Como todo aspirante a ‘revolucionário’, Mussolini acalentava a ideia de alterar o tempo histórico”, explica.
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Revista da FAP analisa o resultado das eleições em direção diferente a da polarização de 2018; acesso gratuito no site da entidade
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O recado das urnas em direção oposta à da polarização de dois anos atrás, o desastre da gestão governamental de Bolsonaro que gerou retrocesso recorde na área ambiental e a incapacidade de o presidente exercer sua responsabilidade primária, a de governar, são destaques da revista Política Democrática Online de dezembro. A publicação mensal foi lançada, nesta quinta-feira (17), pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que disponibiliza a íntegra dos conteúdos em seu site, gratuitamente.
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No editorial, a publicação projeta o que chama de “horizonte sombrio”. “Na situação difícil que se desenhou em 2020, é preciso reconhecer que o governo obteve vitórias inesperadas. Conseguiu, de maneira surpreendente, eximir-se da responsabilidade pelas consequências devastadoras, em termos de número de casos e de óbitos, da progressão da pandemia em território nacional”, diz um trecho.
Em entrevista exclusiva concedida a Caetano Araújo e Vinicius Müller, o professor do Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo), José Álvaro Moisés, avalia que existe, no Brasil, um vácuo de lideranças democráticas e progressistas capazes de interpretar o momento e os desafios do país e que possam se opor com chances reais de vencer Bolsonaro nas eleições de 2022.
Moisés, que é coordenador do Grupo de Trabalho sobre a Qualidade da Democracia do IEA (Instituto de Estudos Avançados) da USP, o grande desafio da oposição para superar o Bolsonarismo é o de se constituir em uma força com reconhecimento da sociedade. Isso, segundo ele, para garantir a sobrevivência da democracia e, ao mesmo tempo, adotar estratégias adequadas para a retomada do desenvolvimento do País.
Outro destaque é para a análise do historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio, que avalia que “o Ano 2 – como dizem os jovens – ‘deu mal’ para Bolsonaro”. Ao final de 2020, diz o autor do artigo, o destino o presidente é cada vez mais incerto, com popularidade declinante e problemas políticos de grande magnitude. “Com a derrota de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas, perdeu seu principal referente ideológico”, afirma Aggio.
“O isolamento internacional do País é sem precedentes, depois de desavenças com a China e a União Europeia. Sob pressão, Bolsonaro estará forçado a uma readequação na política externa. Não haverá futuro caso não se supere a redução do Brasil a ‘País pária’ na ordem mundial, admitido de bom grado pelo chanceler Ernesto Araujo”, acrescenta o professor da Unesp.
Ex-ministro da Reforma Agrária, Defesa Nacional e Segurança Pública e ex-deputado federal, Raul Jungmann analisa, em seu artigo, a necessidade de dialogar e liderar as Forças Armadas na definição de uma defesa nacional adequada ao Brasil. Isso, segundo ele, “é um imperativo da nossa existência enquanto nação soberana”. “Construir essa relação, levar a sério nossa defesa e as FFAA, assumir as responsabilidades que cabem ao poder político e as nossas elites, é também uma questão democrática, incontornável e premente”, assevera.
O conselho editorial da revista Política Democrática Online é formado por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.
Veja lista de todos os conteúdos da revista Política Democrática Online de dezembro:
- José Álvaro Moisés: ‘O Bolsonarismo entrou em crise porque ele não tem conteúdo nenhum’
- Cleomar Almeida: Vítimas enfrentam longa via-crúcis no combate ao estupro
- Charge de JCaesar
- Editorial: Horizonte sombrio
- Rodrigo Augusto Prando: A politização da vacina e o Bolsonarismo
- Paulo Ferraciolli: RCEP, o maior tratado de livre-comércio do mundo
- Paulo Fábio Dantas Neto: Em busca de um centro – Uma eleição e dois scripts
- Bazileu Margarido: Política ambiental liderando o atraso
- Jorio Dauster: Do Catcher ao Apanhador, um percurso de acasos
- Alberto Aggio: Bolsonaro, Ano 2
- Zulu Araújo: Entre daltônicos, pessoas de cor e o racismo
- Ciro Gondim Leichsenring: Adivinhando o futuro
- Dora Kaufman: Transformação digital acelerada é desafio crucial
- Henrique Brandão: Nelson Rodrigues – O mundo pelo buraco da fechadura
- Hussein Kalout: A diplomacia do caos
- João Trindade Cavalcante Filho: O STF e a democracia
- Raul Jungmann: Militares e elites civis – Liderança e responsabilidade
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Bernardo Mello Franco: Diplomacia da desinformação
O Brasil foi o último país do G20 a reconhecer a vitória de Joe Biden nas eleições americanas. A birra não se limitou ao presidente Jair Bolsonaro e ao chanceler Ernesto Araújo. Os dois contaram com o aval do embaixador em Washington, Nestor Forster.
Em telegramas enviados a Brasília, o diplomata se comportou como tiete de Donald Trump. Em vez de aconselhar o governo a cumprimentar o democrata, endossou a falsa versão de fraude contra o republicano.
“Ele comprou o discurso trumpiano quando a vitória de Biden já era inquestionável. Isso demonstra uma falta de profissionalismo no trabalho de informação”, critica o embaixador Roberto Abdenur, que representou o Brasil nos EUA entre 2004 e 2007.
O dever de um diplomata no exterior é retratar os fatos de modo sereno e objetivo, explica Abdenur. “Ele não pode deformar o fluxo de informações por se identificar com a linha ideológica do presidente”, ressalta.
O embaixador conta que tinha “certo respeito” por Forster, que já esteve sob seu comando em Washington. “Confesso que agora fiquei muito decepcionado”, lamenta, referindo-se aos telegramas revelados ontem pelo jornal “O Estado de S. Paulo”. “Ele era um profissional sério e correto. Não dava a impressão de ser um fanático de extrema direita”.
Forster apresentou o atual chanceler ao ideólogo Olavo de Carvalho, guru da família presidencial. No fim de 2019, foi recompensado com o cargo mais disputado entre diplomatas brasileiros no exterior.
“Há uma seita fanática na essência do governo Bolsonaro. A política externa atual está enraizada nesse extremismo”, diz o embaixador Abdenur. “O Brasil se desmoralizou e se isolou no mundo. Estamos hostilizando a China e agora vamos ficar mal com os EUA”, alerta.
Na terça, o Senado rejeitou a indicação do diplomata Fabio Marzano a um cargo em Genebra. Ele é apontado como um dos líderes do núcleo olavista do Itamaraty. Apesar da recusa, Abdenur não vê sinais de mudança no comando da diplomacia brasileira.
“Acho que ainda vamos permanecer como párias por muito tempo”, prevê.
Folha de S. Paulo: Votação do Colégio Eleitoral deve frear estratégia 'golpista 2.0' de Trump
Envio dos votos dos delegados marca fim do prazo para contestar resultados da apuração
Rafael Balago, Folha de S. Paulo
Nesta segunda (14), as tentativas de Donald Trump de mudar o resultado da eleição americana encontrarão uma espécie de muro: o prazo legal para resolver queixas sobre a apuração e para que os delegados enviem seus votos para Washington. São estes votos, afinal, que decidem o nome do novo presidente dos EUA.
Contagens, recontagens e dezenas de derrotas judiciais apontam que Trump perdeu para Joe Biden na votação popular de 3 de novembro. Mas o republicano não admite isso e segue tentando reverter o placar, em uma atitude que pode ser considerada uma nova forma de golpismo, avaliam vários especialistas ouvidos pela Folha.
Eles apontam que o conceito tradicional de golpe não se aplica plenamente ao caso atual, mas que tentar mudar as regras do jogo para se manter no poder, como Trump vem fazendo, não pode ser considerado algo normal, ou a sensação resumida na frase "as instituições estão funcionando".
"No contexto do populismo do século 21, vemos um novo tipo de ameaça interna, que são lideranças que corroem a democracia de dentro para fora. A democracia morre por meio de novos mecanismos, e Trump contribui para ser visto como um tipo de golpista '2.0', com roupagem diferente do que estávamos habituados", analisa Fernanda Magnotta, coordenadora do curso de relações internacionais da Faap.
A data de envio dos votos dos delegados é considerada o limite legal para questionamentos da apuração. "Depois do dia 14 de dezembro, não há mais o que fazer fora da institucionalidade", diz Felipe Loureiro, coordenador do curso de relações internacionais da USP.
“Se definirmos que um golpe envolve o desrespeito às leis, estamos caminhando para um cenário golpista, embora o conceito seja heterogêneo”, considera.
Em 2000, quando o resultado da eleição foi parar na Justiça, a Suprema Corte vetou uma nova recontagem na Flórida porque isso faria com que votos do Colégio Eleitoral fossem enviados depois do prazo máximo. Essa decisão, que confirmou a vitória de George W. Bush, foi baseada no Código Eleitoral de 1887, e virou jurisprudência.
Na eleição atual, a Suprema Corte se recusou a julgar um pedido republicano de recontagem. Semanas antes da eleição, Trump nomeou Amy Coney Barrett para aquele tribunal, e disse esperar que a maioria conservadora naquele tribunal pudesse ajudá-lo a vencer processos, caso a apuração fosse judicializada.
Nesta segunda (14), os delegados se reúnem nos estados e, em seguida, enviam seus votos para Washington. No entanto, as cédulas só serão somadas pelo Congresso em 6 de janeiro, em uma sessão conjunta, comandada pelo vice-presidente Mike Pence. Nesta data, Joe Biden será oficialmente proclamado como vencedor da eleição. A posse está marcada para 20 de janeiro.
Biden será eleito porque os votos dos delegados seguem a preferência mostrada nas urnas. Os resultados da apuração, certificados pelos estados, mostram que o democrata obteve 81,3 milhões de votos, contra 74,3 milhões de Trump. Com isso, Biden conquistou 306 delegados no Colégio Eleitoral. Seu rival, 232.
Na sessão de abertura dos votos, há uma brecha para que parlamentares questionem os resultados. Loureiro explica que, para pedir uma revisão da decisão de um estado, é preciso que ao menos um deputado e um senador daquele estado façam uma petição. Em seguida, o pedido é debatido em reuniões separadas da Câmara e do Senado, em até duas horas, e precisa ser aprovado em ambas as Casas para avançar. Como os democratas têm maioria na Câmara, a chance de que um esforço como esse prospere é nula.
No sistema eleitoral dos EUA, não há um órgão federal que centralize a apuração, como no Brasil. Cada um dos 50 estados soma seus votos de forma separada e declara o vencedor local. Assim, um candidato derrotado que se sinta injustiçado precisa reverter o resultado em vários lugares diferentes para obter uma vitória nacional.
O presidente entrou com dezenas de processos, mas não obteve nenhuma vitória significativa, porque não apresentou provas para as denúncias de fraude que fez. E mesmo nos estados onde houve recontagem, as vitórias de Biden foram confirmadas.
O republicano também fazendo tentativas reiteradas de pressionar autoridades estaduais a mudar resultados que apontam vitória de Biden. Segundo o jornal The Washington Post, ele telefonou ao governador da Geórgia, e pediu que ele anulasse a vitória do democrata no estado.
“Com suas ações, o que Trump está pedindo é que haja um golpe de estado, para que ele possa permanecer no poder”, diz Federico Finchelstein, professor da universidade The New School, em Nova York, e especialista em fascismo.
“Mas este é um golpe falido. As ditaduras triunfam quando as instituições, como a Justiça e o Congresso, falham e a população fica apática. Isso não aconteceu agora”, avalia Finchelstein.
"Tecnicamente é um autogolpe, uma tentativa de se manter no poder de forma ilegítima”, considera Jenna Bednar, professora de ciência política na Universidade de Michigan. “Ninguém produziu evidências de fraudes, então a Justiça não tem base para desqualificar os resultados eleitorais. E ele não tem apoio militar para seguir no poder usando a força", prossegue Bednar.
Para Juliana Cesário Alvim, professora de direito na UFMG, o conceito de golpe vem mudando a partir de casos como o da resistência de Trump. “A teoria ainda está correndo atrás de dar conta destes novos fenômenos. Esse cenário não pode ser considerado normal, mas há um uso político da palavra golpe", pondera.
"Enquadrar as ações de Trump em 'golpe' e 'não golpe' obscurece muitas das questões sociais e políticas importantes pelas quais os Estados Unidos têm passado nos últimos anos", questiona Celly Inatomi, pesquisadora do INCT-INEU (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os EUA).
Os pesquisadores apontam que a recusa de Trump em aceitar a derrota é parte de uma estratégia de longo prazo, que não começou agora e deverá se estender pelo futuro, para buscar mantê-lo em evidência e manter seus milhões de apoiadores engajados.
“Ele tem um objetivo sub-repitício que é criar uma narrativa para tumultuar a democracia americana. Trump perdeu, mas continua a fazer discursos, no qual o assunto é a fraude na eleição”, diz Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da USP e colunista da Folha. “E é uma narrativa, um comportamento golpista, que ele vinha preparando bem antes da eleição.”
Durante a campanha, o presidente se recusou a dizer que reconheceria a derrota, caso perdesse. Também afirmou que só seria vencido em caso de fraude. E durante a apuração, houve protestos contra o resultado feitos por seus apoiadores. Em Nevada, foram feitos atos do lado de fora de um centro de contagem de votos, com discursos que chamavam os resultados de "roubo".
Há um consenso entre os pesquisadores de que as ações do presidente colocaram a democracia dos EUA em risco, ao questionar sua legitimidade de forma tão forte. "Ele exacerbou e esgotou as linhas morais e legais para questionar a eleição. Por mais que tenha direito de acionar a Justiça, questionar uma eleição tem uma repercussão muito grave. E ele fez isso com base em fofocas. É abusivo ao extremo", diz Mendes.
O Judiciário, os governos estaduais e o Congresso resistiram às pressões de Trump, mas a postura de parte do Partido Republicano gera preocupações. A legenda se divide entre alguns nomes que apoiam o presidente abertamente, outros que reconheceram a vitória de Biden e um terceiro bloco que prefere guardar silêncio e esperar.
Há também o debate se Trump poderá ser processado por agir desta maneira, após deixar a Presidência. Em seu mandato, o republicano premiou aliados com o perdão presidencial, e surgiu o debate se ele poderia dar um benefício do tipo a si mesmo, algo nunca feito na democracia americana. “Se ele se perdoar, assumirá que houve crimes", aponta Finchelstein.
PRÓXIMOS PASSOS DO CALENDÁRIO ELEITORAL
O que falta para Joe Biden se tornar o próximo presidente
14.dez
Delegados do Colégio Eleitoral se reúnem nos estados e enviam seus votos para Washington. Termina prazo de contestação legal do pleito
6.jan
Votos serão contados em sessão do Congresso, na qual Joe Biden será oficialmente proclamado vencedor
20.jan
Joe Biden tomará posse como novo presidente dos EUA
El País: Suprema Corte enterra a tentativa de Trump de reverter as eleições
O tribunal rejeita ação iniciada no Texas, com o apoio do presidente, para anular os votos de quatro estados, o que deixa quase morta a cruzada republicana contra sua derrota
Amanda Mars, El País
A Suprema Corte dos EUA rejeitou nesta sexta-feira uma ação movida pelo procurador-geral do Texas para anular os resultados eleitorais de quatro estados-chave na derrota do ainda presidente Donald Trump―Geórgia, Michigan, Pensilvânia e Wisconsin― e deixou praticamente morta a cruzada legal em andamento para reverter as eleições, acenando com o espectro da fraude. A resolução se soma à da terça-feira passada, que também rejeitou uma tentativa republicana da Pensilvânia na mesma direção, e deixa claro que a mais alta autoridade judicial do país, com maioria conservadora, não participará da campanha incomum do presidente.
Sim, participaram disso vários altos funcionários e membros do Partido Republicano, companheiros de viagem em mais de cinquenta iniciativas judiciais, todas e cada uma delas malsucedidas. Este último processo no Texas foi um dos mais desconcertantes, apresentado pelo procurador-geral Ken Paxton diretamente à Suprema Corte para anular o escrutínio de quatro outros territórios. “O Texas não demonstrou interesse judicial em sua jurisdição na forma como outro estado conduziu suas eleições. O resto das moções pendentes é rejeitado como discutíveis “, disse o tribunal superior em sua decisão.
Além do apoio do próprio presidente, a tentativa do Texas teve o suporte de uma centena de republicanos no Congresso e de mais de uma dúzia de advogados de estados da mesma cor política. Paxton alegou perante o tribunal superior que Joe Biden havia vencido graças a “votos ilegais” naqueles territórios, uma fraude causada pelo relaxamento das regras de votação antecipada e por correio (que um grande número de Estados promoveram pela pandemia). Assim, solicitou que sejam as câmaras legislativas desses Estados a conceder o voto final.
Trump lançou alegações infundadas de fraude ao longo da campanha, alegando que a enxurrada de votos pelo correio era um terreno fértil para irregularidades. Assim que a derrota foi percebida, já na noite das eleições, ele disse que o levaria à justiça. Com os resultados finais, Biden é o claro vencedor das eleições, com seis milhões de votos à frente de Trump, e depois de ter recuperado para os democratas aqueles territórios que o republicano reivindicou para si em vários processos: Wisconsin, Pensilvânia, Michigan , Arizona e Geórgia.
No entanto, nenhum juiz, independentemente de sua cor política, nem seu próprio Departamento de Justiça encontraram vestígios de fraude nas urnas com entidades que alterariam esse resultado. Ainda há algumas questões legais pendentes, mas a Suprema Corte deixou a batalha de Trump mortalmente ferida. Nesta segunda-feira, o Colégio Eleitoral dará os votos finais ao democrata. Os norte-americanos elegem seu presidente de forma indireta: seus votos populares servem para eleger delegados que são os que, na próxima segunda-feira, 14 de dezembro, confirmarão a vitória de Biden. Ele obteve 306 dos 538 votos eleitorais em jogo (são necessários 270 para vencer), em comparação com 232 para Trump. Em 6 de janeiro, o Congresso deve contar esses votos e, no dia 20, Biden toma posse.
Mas Trump não planeja admitir a derrota. Seus seguidores mais leais também não. Neste sábado, eles convocaram novamente uma manifestação em Washington para protestar contra esta suposta fraude e pedir ao seu líder que não ceda.
El País: Saída de Trump prenuncia volta do multilateralismo nos organismos econômicos globais
Substituição na Casa Branca obriga que vários indicados pelo republicano no BID, Banco Mundial e FMI se realinhem com as prioridades de Biden
Ignacio Fariza e Isabella Cota, do El País
As ramificações da troca de guarda na Casa Branca são quase infinitas. Não só em chave interna: o abandono do unilateralismo, marca de Donald Trump, gera a necessidade de uma guinada na retórica imposta pelo republicano em vários organismos internacionais em que manobrou nos últimos anos para colocar nomes de sua confiança. “Quero dizer claramente: a América está de volta, o multilateralismo está de volta, a diplomacia está de volta”, sintetizou na semana passada Linda Thomas-Greenfield, futura embaixadora dos EUA na ONU na era Biden. Trata-se de uma declaração de intenções que deixa a baliza muita alta para os próximos quatro anos.
Desde sua chegada à Casa Branca, em janeiro de 2017, Trump dedicou-se o quanto pôde a colocar três homens de sua confiança na ponte de comando do Banco Mundial (David Malpass, nomeado em 2019), do Fundo Monetário Internacional (Geoffrey Okamoto, primeiro-subdiretor-gerente desde março passado) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (Mauricio Claver-Carone, empossado em outubro). Nos três casos, a intenção era buscar reformar essas entidades à sua medida —sempre com a mentalidade de “a América [EUA] em primeiro lugar”— e reduzir ao mínimo as chances de colaboração multilateral: este Governo foi, afinal, marcadamente nacionalista, em que a condição para levar outros países em conta era que fosse Washington quem desse as ordens. E estas ordens deviam, acima de tudo, beneficiar os EUA.
“Não terão o mesmo peso que até agora, mas são pessoas não designadas diretamente pelo Governo dos EUA, e sim escolhidas pelos diretórios destas instituições”, recorda Arturo Valenzuela, subsecretário de Assuntos Hemisféricos dos Estados Unidos nos mandatos de Barack Obama, tendo o próprio Biden como vice-presidente. “Cabe perguntar por sua possível substituição, mas não há razão para esperar, de antemão, que não cumpram seus mandatos”, completa Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial e ex-membro do conselho do FMI, que prevê em todo caso um giro radical nos valores e prioridades que terão que representar.
Cada caso, entretanto, é um mundo. Tanto Malpass como Okamoto têm sua continuidade praticamente garantida. O primeiro soube distanciar-se de seu padrinho político quase desde o primeiro dia, adotando uma invejável discrição. Embora crítico no passado quanto ao papel dos organismos multilaterais, como o que hoje comanda, modulou seu discurso e optou mais por reforçar um perfil de “reformista construtivo”, e não um mero espantalho de Trump no Banco. E não se deve esquecer que a nomeação do chefe do Banco Mundial sempre correspondeu aos EUA.
O segundo, Okamoto, embora muito próximo a Trump, também parece ter pista livre para esgotar seu mandato no FMI sem grandes sobressaltos: é o contrapeso norte-americano da búlgara Kristalina Georgieva —a cota europeia de um organismo que sempre esteve encabeçado por alguém com passaporte do Velho Continente. Com mil e uma frentes abertas, não parece que a nova Administração norte-americana vá querer abrir outra no fundo monetário.
O terceiro, Claver-Carone, é outra história, tanto pela poeira que sua nomeação levantou, a primeira de um não latino-americano à frente do BID, como pelo próprio perfil do cubano-americano, um falcão e membro da ala mais dura do Partido Republicano para assuntos do subcontinente. Também porque chegou ao cargo com a corrida eleitoral norte-americana já lançada e com boa parte das pesquisas contra Trump. “Vai ser difícil para ele trabalhar com o Governo Biden”, observa Valenzuela, recordando no entanto que o cubano-americano insistiu recentemente em nomear seus vice-presidentes no banco, que também precisam ser aprovados pelos Governos regionais, e não conseguiu: “Os países da região simplesmente disseram não”.
Seja como for, tanto Claver-Carone como Malpass e Okamoto se verão fadados a se alinharem com um direcionamento político oposto em muitos sentidos à sua própria visão de mundo. Terão, dito de outra forma, que deixar de lado sua própria ideologia e suas pulsões internas para defender princípios muito diferentes dos da Administração que os nomeou. “O presidente-eleito se apoiará no Banco Mundial, no FMI e no BID para enfrentar as dificuldades econômicas e sociais da pandemia, e esperará que estas pessoas respondam à direção da sua política”, esboça, em conversa com o EL PAÍS, Thomas Shannon, antecessor de Valenzuela nos tempos de George W. Bush. Poderão conviver com Biden no poder? “Dependerá de cada um deles: terão que se adaptar a um entorno completamente diferente em Washington”.
Mudança de retórica
Tudo indica que os anos de unilateralismo ficarão para trás a partir do próximo 20 de janeiro, quando Biden já estiver definitivamente instalado no número 1.600 da avenida Pensilvânia, em Washington. A julgar pelo discurso dele e da sua equipe, o democrata tratará de recolocar os EUA no centro da política econômica global, procurará tecer laços e cumplicidades com outros países em vez da política do “comigo ou contra mim”, defendida por seu antecessor e reforçará a capacidade de ação dos organismos internacionais quando o mundo mais precisa deles, em plena saída da crise do coronavírus. As indicações de Janet Yellen, ex-presidenta do Fed, como chefa do Tesouro e de Anthony Blinken como secretário de Estado são uma clara amostra dos rumos a partir de agora.
“Biden retornará à abordagem multilateral de Obama. Entre outras coisas, porque ficou demonstrado o fracasso das guerras comerciais unilaterais de Trump”, projeta Canuto. “O presidente-eleito utilizará o multilateralismo para demonstrar que os EUA voltam a se comprometer com o mundo, promovendo a cooperação e a colaboração”, salienta Shannon. “Se algo Biden fará é justamente recuperar o multilateralismo e fortalecer as instituições internacionais que ficaram à margem neste Governo”, conclui Valenzuela. À margem do FMI, do Banco Mundial e do BID, o caso da Organização Mundial do Comércio (OMC) brilha com luz própria: acéfala há meses e esmigalhada pelo impulso da retórica protecionista de Trump, deveria ser uma das entidades onde mais a substituição em Washington seria sentida. Sopram ventos de mudança na Casa Branca e nos principais organismos econômicos internacionais.
Fernando Gabeira: Mensagem na garrafa
Quais as fontes de Bolsonaro para dizer que houve fraude na eleição nos EUA? A Abin descobriu fatos que escaparam ao FBI e à CIA?
‘Minha vida é uma desgraça. É problema o tempo todo, não tenho paz para absolutamente nada. Não posso mais tomar um caldo de cana na rua, comer um pastel.’
Quando Bolsonaro fez esse discurso, os acólitos aplaudiram. Entendi, no entanto, que estava pedindo socorro, de alguma maneira.
No mesmo discurso, disse que não podia tomar um guaraná, pois era assediado pelos urubus da imprensa. Era uma referência ao guaraná Jesus, que descreveu com uma piada machista ao tomá-lo no Maranhão.
Os sensíveis olhos e lentes da imprensa contam uma história cotidiana de Bolsonaro. E as fotos e relatos que saem de Brasília indicam que Bolsonaro está, no mínimo, descompensado.
Ultimamente, sai das solenidades correndo e olhando para o relógio. Às vezes, para para olhar o céu, cercado de segurança; outras, acena para o vazio da Esplanada. Foi visto falando no ouvido de um dragão da Independência e, quando há mulheres bonitas em solenidade, lança olhares sedutores.
Quando veio ao Rio, fez uma declaração importante: houve fraude nas eleições dos EUA, e ele sabia por fontes próprias.
Ninguém se incomodou com isso. A imprensa considerou apenas mais uma frase de Bolsonaro, o Congresso silenciou, os próprios americanos ignoraram.
Quais foram as fontes de Bolsonaro? A Abin do general Heleno descobriu fatos que escaparam ao FBI e à CIA? Ou as fontes seriam agentes do esquema pessoal de Bolsonaro: um sargento na Filadélfia, um delegado em Las Vegas?
Bolsonaro não responde por suas palavras. Isso lhe dá uma sensação de onipotência que atenua, de certa forma, a vida desgraçada de cada dia. Às vezes, ele usa um imenso helicóptero para viajar dois quilômetros do Alvorada ao Planalto. É irracional, mas um brinquedo compensatório.
Na relação com a vacina, o mundo de Bolsonaro é muito cinzento. No mesmo dia em que declarava que não se responsabiliza pelos eventuais danos de uma vacina, anunciava-se algo diferente nos EUA: três ex-presidentes, Obama, Clinton e Bush, vão se vacinar diante das câmeras para estimular os americanos.
São atitudes opostas não apenas sobre a ciência, mas sobre a vida. Preocupa-me também a amargura de Bolsonaro, que se expressa tanto na hostilidade à natureza, na sua compulsão de destruir toda a estrutura legal de proteção ao meio ambiente.
Escrevi artigos mostrando que a destruição da Amazônia, no ritmo de agora, significa queimar dinheiro, perder inúmeras oportunidades econômicas que se abrem num mundo ambientalmente mais atento.
Começam a surgir no exterior, em núcleos militares que estudam o aquecimento global, textos que mostram que, além do desastre econômico, a destruição da Amazônia torna-se ameaça também para a segurança nacional do Brasil.
A dupla negação da Covid-19 e do aquecimento global não pode ser considerada uma reação normal num governante. Alguém dirá que isso aconteceu nos EUA com a passagem de Trump. Mas lá morreram mais de 3 mil pessoas num só dia, e há 100 mil internados. Os resultados são tenebrosos como são no Brasil, em menor escala.
Assim como a epidemia me fez reler “A peste”, de Camus, a vida desgraçada de Bolsonaro me arrasta para a peça “Calígula”, do mesmo autor.
Não há espaço nem tempo para analisar as duas trajetórias. Mas o “Calígula” de Camus, longe de fabulações vulgares, é uma excelente reflexão sobre o absurdo e o poder.
“E de que me serve ter as rédeas na mão, de que me serve meu espantoso poder, se não posso alterar a ordem das coisas, se não posso fazer com o que o Sol se ponha ao nascente, com que o sofrimento diminua, e os homens não morram?”
Bolsonaro é mais prosaico, não quer que o Sol se ponha ao nascente, apenas tomar um caldo de cana e comer um pastel na rua. Estamos longe do tempo dos imperadores romanos, isso não quer dizer que, numa democracia, a delicada relação entre equilíbrio mental e poder tenha sido superada.
Escrevo isso como se lançasse uma garrafa ao mar, gostaria muito que fosse apenas uma mensagem vazia, e que as suspeitas da loucura se voltassem contra mim nessa etapa crepuscular. Certamente, os estragos seriam menores.
Dorrit Harazim: Natal gordo
O ocupante da Casa Branca nem sequer precisa simular que trabalha
Natal não é para amadores, e poucos percebem os desvios que cometem quando hipnotizados pelo festivo arrastão. Basta citar um único excesso coletivo da vida brasileira a cada dezembro. Desde que as luzinhas de decoração vindas da China passaram a custar uma ninharia, elas engolem prédios, lojas, ruas, interiores de casas, postes e praças. Você acorda de manhã, e as árvores que até a véspera pareciam árvores sumiram. Viraram espantalhos, assombrações. Estão de tronco e galhos estrangulados por fileiras cerradas dessas luzinhas que piscam dia e noite, montadas com diligência para lhes esconder qualquer vestígio de natureza. Poderiam fazer parte de algum sonho natalino do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, mas não fazem mal a ninguém. Apenas deveriam ser usadas com mais temperança.
Nos Estados Unidos de Donald Trump, Natal é coisa séria. “Se eu me tornar presidente”, prometeu ao longo da campanha de 2016, “vamos voltar a nos cumprimentar desejando Feliz Natal, e podem esquecer o Boas Festas”. Equiparava esse cumprimento genérico e inclusivo a um ataque contra as tradições cristãs por parte de terroristas politicamente corretos. Também na campanha de 2020, o presidente alertou seus seguidores para o risco de o Natal estar sob ataque. Caso o democrata Joe Biden fosse eleito, ele seria capaz de abolir as festividades em todo o país.
Como se sabe, Biden venceu, será o segundo presidente católico dos EUA a partir de 20 de janeiro (John Kennedy foi o primeiro) e tem problemas concretos para lhe tirar o sono. Na questão natalina, Trump deveria ter olhado com mais afinco à sua volta, pois o perigo morava na própria Casa Branca. Fitas gravadas à sorrelfa em 2018, e vazadas este ano por uma ex- amiga da primeira-dama, atestam a impaciência de Melania com a tarefa que lhe cabia. Como o linguajar usado pela First Lady foi pouco festivo, cabem asteriscos. “Eu ralo pra c*** com essa coisa de Natal, apesar de ninguém dar p* nenhuma pro Natal ou pra decoração natalina. Mas sou obrigada a fazê-lo, certo?”, desabafou em tom de queixa por ter de responder a perguntas sobre crianças enjauladas na fronteira quando seu tempo estava sendo tomado pelo planejamento da decoração.
Naquele Natal, Melania, toda de preto para a filmagem enviada às mídias, inspecionou lentamente a obra finalizada, a começar pela galeria presidencial que decorara com 40 imensas árvores vermelho-sangue, destituídas de qualquer adereço. Em dois outros salões nobres da Presidência, foram instaladas 29 árvores cobertas só de ornamentos escarlates. Foi um auê, com a inevitável enxurrada de memes. Houve quem visse na decoração satânica um quê de Jack Nicholson em “O iluminado”, o clássico de Stanley Kubrick baseado no romance homônimo de Stephen King.
Esta semana o presidente e a primeira-dama inauguraram os festejos natalinos de 2020. Teve pompa, circunstância, não teve máscaras nem distanciamento social, e haverá várias recepções para convidados. Na Casa Branca, não é bem-vinda a lembrança de que o país está de joelhos pela Covid. A decoração deste final de feira foi mais convencional, mas nem por isso mais comedida — nada é excessivo, nenhuma exuberância é over para este casal presidencial.
O primeiro reinado de Trump termina em poucas semanas, e já passa da hora de o mundo não descartar como tolas bravatas a verborragia de superlativos do presidente. Eugene R. Fidell, pesquisador sênior da Escola de Direito da Universidade Yale, recomenda levar a sério alguns delírios verbais do comandante-em-chefe, sobretudo quando são repetidos à exaustão. Não raro Trump proclama de antemão exatamente o que pensa em fazer. E faz, pegando no contrapé o senso comum universal.
Em poucas semanas de entrincheiramento na Casa Branca após a derrota de 3 de novembro, ele conseguiu o impensável: emplacou uma narrativa ficcional de uma nota só — a eleição foi roubada — e mantém galvanizados os 74 milhões de americanos que o inundaram de votos. Dessa fantasia não arredará pé, até porque ela lhe permite deletar a realidade. É provável que historiadores do futuro tenham dificuldade em compreender como essa narrativa surrealista tenha durado mais do que cinco segundos na longeva democracia americana.
Mas é por meio dessa ficção que Trump já conseguiu arrecadar mais de US$ 200 milhões desde a derrocada nas urnas — oficialmente as doações se destinam a financiar a blitz judicial de um circo de advogados farsescos, que simulam reverter a alegada fraude. Em breve, porém, o mote “estamos tentando ficar mais quatro anos” precisará ser aposentado. As doações, então, se voltarão a uma hipotética “reeleição triunfal” em 2024.
Embora tudo isso seja ficcional, as doações, essas sim, são em dinheiro de verdade. Assim como são concretos os 75% do total já reservados para uso pessoal de Trump. Natal gordo, apesar da derrota. O ocupante da Casa Branca nem sequer ainda precisa simular que trabalha. Já conseguiu transtornar o país como seu vigarista-em-chefe.
Folha de S. Paulo: Trump implodiu direita intelectual e deixa legado populista
Mesmo derrotado, presidente ampliou votação entre negros e latinos e pode moldar futuro do Partido Republicano
Carlos Gustavo Poggio, Folha de S. Paulo
[RESUMO] Mesmo derrotado, presidente se firma como a maior referência simbólica do Partido Republicano desde Reagan. Rejeitado pela elite partidária, ele implodiu a vertente conservadora mais intelectual, impôs uma agenda nacional populista no lugar da liberal internacionalista e ampliou a votação de sua sigla na classe média pouco instruída e entre negros e latinos, o que pode levar a uma completa reformulação trumpista do partido.
As eleições de 2020 nos Estados Unidos confirmaram o diagnóstico que já havia ficado claro em 2016: os republicanos enfrentam um desafio demográfico, ao passo que os democratas estão diante de um dilema geográfico.
A dependência dos republicanos em relação ao eleitorado branco e mais velho em um país que se torna cada vez mais diverso tem sido um problema que há anos assombra as lideranças do partido. Por outro lado, o apoio aos democratas se concentra crescentemente nos grandes centros urbanos.
Como eles perceberam dolorosamente em 2016, em um país que elege presidentes via Colégio Eleitoral e não por voto popular, não basta ser mais votado: os votos precisam estar distribuídos nos lugares certos.
O futuro da política norte-americana vai depender de como ambos os partidos vão lidar com esses impasses. O resultado das urnas neste ano pode nos dar algumas pistas.[ x ]
O caminho para o Partido Democrata, como a vitória de Joe Biden deixou claro, é contar com um alto índice de comparecimento às urnas para aproveitar a vantagem demográfica —e torcer para que a margem de vitória nos grandes centros urbanos de estados-chave seja grande o suficiente para compensar a vantagem republicana no interior.
Pode parecer uma fórmula relativamente simples, mas depende de algum fator que mobilize o eleitorado. Em 2008, esse fator foi Obama. Em 2020, Trump. A má notícia para os democratas é que uma candidatura que gere o tipo de entusiasmo verificado em 2008 e 2020, seja por estímulos positivos ou negativos, não ocorre com frequência.
O desafio dos republicanos, porém, é bem mais complexo. Antes de mais nada, terão de lidar com uma profunda crise de identidade. Até 2016, a referência central do partido era o ex-presidente Ronald Reagan —reconheça-se, contudo, que mesmo antes da eleição de Trump esse apelo dava sinais de enfraquecimento.
Em 2010, Lindsey Graham, senador republicano pela Carolina do Sul, chegou a dizer que mesmo Reagan, fosse vivo, teria dificuldades em se eleger pelo partido naquela ocasião. Todavia, foi com a vitória de Trump que, pela primeira vez em quase 40 anos, surgiu uma figura para disputar a influência simbólica no partido.
Reagan subiu ao poder em 1980 depois de anos de articulação intelectual do conservadorismo norte-americano, a partir da fundação da revista National Review em 1955, por William Buckley Jr. Por outro lado, Trump é produto da implosão dessa vertente conservadora. A questão agora é o que os republicanos vão fazer com os cacos.
A captura trumpista do Partido Republicano ocorreu de baixo para cima e não no nível do establishment —que, a propósito, ainda tem dificuldades em lidar com a novidade. Um dos poucos apoios da elite partidária a Trump veio de Bob Dole, que disputou a eleição presidencial de 1996.
Mitt Romney, candidato em 2012, tem sido um dos maiores críticos de Trump entre os republicanos. John McCain, que morreu em 2018, também rejeitou o atual presidente no pleito de 2016, e a sua esposa fez campanha para Biden neste ano. George W. Bush tem adotado uma postura mais discreta, mas sabe-se que não votou em Trump nem em 2016 nem em 2020. O filho de Reagan chegou a declarar em entrevista recente que o pai ficaria horrorizado com o governo que se encerra agora.
Parte do apelo de Trump, contudo, reside justamente na rejeição a esse establishment. Ele soube identificar uma parcela significativa do eleitorado americano que não se sentia representada, por exemplo, pela globalização e seus acordos de liberalização comercial, por uma postura aberta com relação à imigração e por uma política externa assertiva de promoção dos valores americanos ao redor do mundo, mesmo que pela via militar.
Como alternativa a essa postura liberal internacionalista, Trump requentou um nacional-populismo que até então se encontrava às margens no Partido Republicano. Em 1992 e 1996, o representante dessa vertente foi Pat Buchanan, que concorreu às primárias republicanas nas duas ocasiões defendendo uma pauta de caráter nacionalista, isolacionista, protecionista, de combate ao multiculturalismo e fortemente anti-imigração.
Tudo isso estava na contramão dos valores defendidos pela elite republicana nos anos 1990. A rejeição à retórica de Buchanan ficou clara quando ele deixou a legenda e concorreu às eleições de 2000 pelo Partido Reformista. Com o slogan “America first” (“Estados Unidos em primeiro lugar”), obteve menos de 0,5% dos votos e hoje poucos se lembram de sua campanha.
Ajudado pelas novas ferramentas de mídias sociais, que não estavam disponíveis à época de Buchanan, e pelas sequelas da crise econômica de 2008, Trump reuniu uma nova coalizão eleitoral que se mostrou vencedora em 2016 e competitiva em 2020, mesmo com os problemas demográficos enfrentados pelo Partido Republicano.
Da base que sustentava o partido desde Reagan —formada principalmente por defensores do livre-comércio, neoconservadores que advogam uma política externa intervencionista e os conservadores sociais representados pelo eleitorado evangélico—, Trump preservou apenas este último grupo. Os dois primeiros permanecem como os principais críticos internos do trumpismo, mas a sua influência parece ter diminuído consideravelmente.
Para o lugar deles, Trump cooptou uma parcela significativa da classe média e de brancos sem ensino universitário que costumavam votar nos democratas, enfraquecendo a chamada muralha azul em estados como Wisconsin, Michigan e Pensilvânia.
Assim, quando Trump ressuscitou a agenda de Buchanan em 2016, encontrou uma audiência mais receptiva nos eleitores que se afastaram do Partido Democrata tanto por razões econômicas quanto culturais. Esse eleitorado passou a não enxergar diferenças significativas nas pautas econômicas dos dois partidos, dado que ambos levantavam a bandeira do livre-comércio, por exemplo.
Tal diferenciação deslocou-se então para o campo cultural, a partir da rejeição à agenda progressista na esfera dos valores, como a defesa de pautas identitárias e do aborto, e da percepção de que os democratas falavam apenas às elites costeiras, ignorando o interior do país. Nesse contexto, a adoção de uma linguagem politicamente incorreta por Trump ajudou a capturar esse eleitorado.
Não foi à toa que, na convenção republicana de 2016 em que foi sacramentado candidato, Trump voltou-se para o que chamou de os esquecidos pela elite política e bradou: “Eu sou a sua voz”.
O Partido Republicano deve responder agora se a coalizão reunida por Trump será uma divisão interna de relevo ou a nova base de toda a sigla. No médio prazo, parece descartada a hipótese de que a derrota neste ano signifique um retorno completo ao período anterior a 2016. O partido foi profundamente modificado pelo trumpismo.
A questão é de grau, ou seja, se o Partido Republicano irá se reformular completamente à imagem e semelhança de Trump ou se vai simplesmente absorver algumas mudanças, ao mesmo tempo que tenta preservar características da era pré-Trump.
Parte da resposta a essa pergunta passa por compreender quais lições os republicanos vão tirar de 2020, em especial no que se refere aos desafios demográficos —e elas não são óbvias.
Nas últimas oito eleições, da de 1992 à de 2020, os republicanos tiveram três vitórias (duas de Bush, em 2000 e 2004, e uma de Trump, em 2016), mas apenas a segunda de Bush também ocorreu no voto popular.
Desde 1964, nenhum candidato republicano em disputas presidenciais atingiu mais que 15% do voto negro —desde 1980, esse número tem flutuado entre 4% e 12%. Em 1992, um artigo na revista Political Science Quarterly indicava que os republicanos deveriam ter como meta capturar 20% do voto negro para permanecerem competitivos no futuro.
Em 2016, o partido obteve 8% do voto de negros com Trump. A estimativa para 2020 é de 12%, um crescimento de 50%, e apenas a terceira vez em 40 anos que os republicanos chegam a esse índice.
Se considerarmos somente homens negros, Trump chegou a 19%, bem próximo da desejada meta. Mesmo entre mulheres negras, Trump foi de 4% em 2016 para 9% em 2020, um incremento de mais de 100% nesse grupo.
Além disso, para serem eleitoralmente viáveis, os republicanos precisam se esforçar para atrair parcelas expressivas do eleitorado latino, o grupo minoritário que mais cresce nos Estados Unidos e que hoje representa parcela idêntica à do eleitorado negro: 13%.
Aqui também o trumpismo demonstrou ter algum apelo, conseguindo expandir a votação nesse grupo, de 28% em 2016 para 32% em 2020, o melhor índice para o partido em quase duas décadas, com ganhos expressivos em estados como Texas, Flórida e Nova York.
Assim como a expressiva votação obtida por Biden é em grande parte produto da rejeição a Trump, o desempenho de Trump entre alguns grupos demográficos pode ser mais uma rejeição da agenda democrata que um apoio explícito ao trumpismo. Afinal de contas, muitos eleitores negros e latinos, em especial os mais velhos, definem-se como conservadores.
A questão crucial sobre esses dados é se representam uma tendência ou se são pontos fora da curva. Ainda é cedo para responder. Uma hipótese plausível é que o aumento do apoio a Trump em determinados segmentos demográficos deve-se a uma percepção de melhora econômica, terreno em que a avaliação do presidente sempre foi relativamente boa.
Uma pesquisa do instituto Gallup publicada em setembro indicou que 56% dos americanos diziam que estavam em uma situação melhor que quatro anos atrás, um recorde desde que essa pergunta foi feita pela primeira vez, em 1984.
De qualquer forma, dado que muitos analistas estimavam que a retórica de Trump tenderia a afastar grupos minoritários, esses números apresentam um enigma a ser desvendado por estrategistas de ambos os partidos.
Se os republicanos concluírem que um efeito colateral não antecipado do trumpismo foi uma melhora no desempenho entre negros e latinos, isso pode ter impactos significativos para os rumos que o partido deve tomar a partir de 2021.
*Doutor em relações internacionais e especialista em política dos Estados Unidos, é autor de "O Pensamento Neoconservador em Política Externa nos Estados Unidos" (Unesp, 2010)