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Míriam Leitão: Proteger o futuro

Emergência maior entre jovens e negros. Felipe Sacramento tem 10 anos e toca trompete no núcleo do Neojibá do Nordeste de Amaralina, em Salvador. Ele sabe algo que o Brasil tenta não ver: “Nós jovens negros sofremos esse risco, e o bairro que a gente mora é bem violento, né Ester?” Ester é uma menina negra, do mesmo bairro, e que toca flauta na mesma orquestra. Na Bahia, a morte de jovens negros por armas de fogo aumentou 177% de 2003 a 2014.

Os dados não mentem. Não podemos mais nos enganar. O Brasil tem um índice de violência inaceitável, nossos números são os de um país em guerra. No Vietnã, em 15 anos de guerra, morreram 45 mil jovens americanos. No Brasil, morrem 60 mil pessoas por ano. E a primeira pergunta tem que ser: quem corre mais risco? Quando se cruzam as estatísticas de mortes violentas com as de idade, é possível ver o que o gráfico abaixo mostra: o risco aumenta a partir dos 12 anos e chega ao seu auge aos 20 anos. Quando se faz o cálculo por cor, a resposta fica completa: o jovem negro é a primeira vítima.

Toda a sociedade precisa ser protegida, mas há uma emergência maior num determinado grupo etário e étnico. Felipe sabe disso. Na entrevista que me concedeu para uma reportagem da série História do Futuro ele usou a expressão “genocídio negro”. Temos nos acostumado com números diários da violência. Aceitando esses indicadores, o Brasil está reduzindo a expectativa de vida do país e colocando em risco o próprio futuro.

Frequentemente aparecem falsas soluções. Não é armando mais a população que o país vai protegê-la, não é a pena de morte, não é reduzindo a maioridade penal. É aumentando a prioridade desse tema, é integrando as forças de segurança, é tirando o governo Federal do seu papel de coadjuvante, é mobilizando toda a sociedade para a grande tarefa de proteger os jovens.

Neojibá é sigla que quer dizer Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia. Foi criado há dez anos sob o comando do maestro Ricardo Castro, por iniciativa da sociedade civil, tem financiamento também de empresas privadas, e é uma política de Estado que atravessou os últimos governos. Cria orquestras e com a música clássica tem protegido jovens. Nos núcleos que visitei, as crianças e jovens eram principalmente negros.

Eu entrevistava a mãe de Felipe sobre o medo constante das mães, quando decidi perguntar a ele o que pensava sobre o assunto. Ele espanta pela lucidez:

— A música aqui no Neojibá abre as portas da inclusão para nós jovens negros. Aqui dentro nós estamos protegidos. Quando nós chegamos na sala de aula, é quase como se não houvesse nada. Mesmo sabendo que está havendo esse genocídio negro. Nós sabemos disso, mas nos sentimos protegidos na sala de aula. Quis saber o que ele pensava sobre o próprio futuro: — Se eu virar músico de verdade, profissional, eu quero abrir vários núcleos como esse para que muitas crianças como eu, que podem nascer futuramente, sintam-se protegidas dentro desses núcleos. Assim como me sinto protegido aqui, eu quero que muitas crianças tenham essa sensação.

O Brasil precisa falar sobre a proteção do futuro. E não haverá futuro sem o enfrentamento da violência que nos tira vidas preciosas, nos rouba jovens, expõe crianças a riscos intoleráveis e divide áreas da cidade.

A música, a educação, o esporte, a mobilização da sociedade, a consciência da dimensão do problema, o combate ao racismo, a integração das forças do estado. Precisamos de tudo isso. A lista das tarefas é grande, como é vasto e complexo o nosso problema.