João Domingos
João Domingos: Lições de 2018
Direta ou indiretamente, o PT foi responsável pelo crescimento de Jair Bolsonaro
Cientistas políticos, sociólogos e outros estudiosos da situação brasileira indagam quais foram as razões que levaram o País a essa polarização extrema entre os apoiadores de dois candidatos antípodas. Situação que, mesmo com a eleição de amanhã, que escolherá um deles presidente da República, dificilmente acabará.
É possível que esses estudiosos venham a se concentrar sobre o tema por muito tempo. Pode ser que a resposta nunca seja encontrada. Ou que não exista apenas uma resposta, mas várias.
O que se pode dizer nesse momento é que o eleitor se cansou. De tudo. Do serviço público de pouca qualidade na saúde, educação, transporte, saneamento básico. Da insegurança que leva à mortandade dos mais pobres. Dos privilégios que integrantes de todos os poderes se dão, como verbas de gabinete para gastos quase ilimitados, auxílio moradia para juízes e parlamentares, mordomias.
O Brasil se cansou dessa vida de abusos quase que diários no que se refere ao ir e vir do cidadão. Ele sai de sua casa de madrugada, a duas horas do trabalho, quando tem trabalho, e corre o risco de encontrar a rua bloqueada por algumas pessoas que, também descontentes com alguma coisa, resolvem botar fogo em pneus e fazer o bloqueio da passagem por horas.
É quase que uma vida de castas. Mesmo que não hajam regras regulamentando isso, a prática mostra que existem os cidadãos de categorias A, B, C, D, e assim vai. Um detalhe: esses cidadãos votam.
Os partidos políticos não perceberam o descontentamento que tomou conta da população desde 2013. Em junho, protestos tiveram início nas ruas de todo o País. A princípio, contra o aumento das passagens de ônibus. Depois, contra o escândalo da construção dos estádios superfaturados da Copa da Fifa, ou contra coisa nenhuma.
Dilma Rousseff, a presidente mais sem noção do período recente, viu naquilo um desafio à sua própria pessoa, não ao sistema de privilégio de uns e maltrato de outros. Os manifestantes gritavam: “Não vai ter Copa”. Dilma respondia: “Vai ter Copa. Será a Copa das Copas”. (Nem é preciso lembrar que o Brasil tomou uma surra da Alemanha por 7 a 1 e a Copa das Copas foi esquecida). Quando a situação saiu do controle e a sede do Itamaraty quase foi incendiada, Dilma convocou uma reunião de emergência de governadores e prefeitos de grandes cidades.
Anunciou um plano com cinco eixos, um deles uma reforma política a ser feita por uma Constituinte exclusiva, que seria aprovada por meio de um plebiscito. Um delírio. Os outros pactos tratavam da saúde, educação, transportes e responsabilidade fiscal.
Nada se cumpriu. Da responsabilidade não se falou mais. Em 2016 o País entrou na maior recessão de sua História. Dilma acabou afastada, pois sem base parlamentar.
O PT e seus estrategistas disseram que as manifestações faziam parte de um movimento de direita, destinado a sabotar o governo. As prisões de dirigentes do partido por envolvimento em corrupção pesada foram todas jogadas nessa suposta orquestração, da qual participariam os meios de comunicação e o Judiciário.
Os petistas acharam que as coisas se acomodariam. Nem perceberam que um deputado do baixo clero, considerado quase que folclórico por seus pares, viu na rejeição ao PT sua oportunidade. Começou a trabalhar.
De repente, outdoors com fotografias gigantes de Jair Bolsonaro começaram a aparecer por diversos cantos do País. O PT avaliou a situação e concluiu que Bolsonaro era sua oportunidade de voltar ao poder. Era muito melhor enfrentá-lo do que a Geraldo Alckmin. Assim, orientou seus militantes a centrar fogo no tucano e a poupar Bolsonaro durante a pré-campanha. Direta ou indiretamente, o PT foi responsável pela candidatura de Jair Bolsonaro.
João Domingos: Capacidade de governar
A governabilidade depende de credibilidade, diálogo, base forte no Congresso
Em uma eleição nada parecida com as anteriores, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) já falaram mal um do outro até não ter mais jeito. Buscam se mostrar como opostos. E são. Até na forma de divulgar o programa de governo. Bolsonaro libera o dele a conta-gotas, o que é uma prática bastante comum na política de todo o mundo, pois torna possível medir a aceitação ou rejeição de determinada proposta. Haddad apresentou um programa completo, um catatau que aos poucos vai sendo modificado para se adaptar ao pensamento do próprio candidato, visto que o primeiro fora pensado para a eventual candidatura do ex-presidente Lula, como a convocação de uma Assembleia Constituinte.
Como essa é uma eleição carregada de novidades e atipicidades, o brasileiro não deverá ver um debate entre os dois finalistas ao Palácio do Planalto. Pelas redes sociais e pela propaganda no rádio e na TV, os mais de 140 milhões de eleitores tentam entender o que um e outro pensam a respeito de temas que dizem respeito ao cotidiano do cidadão, a exemplo do combate ao desemprego, da melhoria dos serviços públicos de saúde, transporte, segurança, educação e também em relação ao futuro do País. Vamos para a frente ou vamos para trás?
O futuro do País. Essa é uma questão muito importante. Um deles, Bolsonaro ou Haddad, será eleito daqui a oito dias. Terá o escolhido pelas urnas, e essa é a decisão que vale, independentemente de tendências ideológicas, competência para governar o País, pacificar a sociedade? Ou se sentará na cadeira de presidente, no Palácio do Planalto, por um gosto pessoal ou para cumprir uma tarefa partidária?
Eleito em 1989 com uma votação expressiva, Fernando Collor mostrava tanta confiança que, um dia depois da posse, baixou uma medida provisória que confiscou todos os ativos financeiros dos cidadãos que o haviam elegido presidente, o chamado confisco da poupança. Foi uma medida tão drástica e traumática que em 2001 o Congresso aprovou uma emenda constitucional proibindo o presidente da República de editar medida provisória “que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro”. Collor assumiu o mandato em 15 de março de 1990. Em 2 de outubro de 1992, sem nenhum apoio no Congresso, e com o processo de impeachment contra ele já instaurado no Senado, foi afastado da Presidência. Em seu lugar assumiu Itamar Franco, que fez um governo de pacificação e salvação nacional.
A construção da governabilidade depende de vários fatores. Um deles é básico: a capacidade que o eleito tem para montar uma equipe de credibilidade, ter o comando sobre ela, mas não centralizar tudo em torno de si, uma base forte no Congresso, diálogo com os outros poderes e com os diversos setores da sociedade. Lula, por exemplo, conseguiu montar uma equipe forte e variada. Ante a desconfiança do mercado buscou no PSDB, com o qual havia disputado o segundo turno da eleição, o seu presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que construíra a carreira no BankBoston. Seu ministro da Fazenda foi o médico Antonio Palocci, que durante a campanha tivera uma aproximação muito forte com o mercado e com os empresários.
Já Dilma Rousseff foi apresentada como a gestora das gestoras. Sua gestão, no entanto, foi um fracasso. Ela não tinha jogo de cintura para negociar com o Congresso, não gostava de se reunir com os políticos, centralizava tudo e provocava tanto medo físico em alguns de seus ministros que vários preferiam ficar longe do Palácio do Planalto. Como Collor, Dilma sofreu um processo de impeachment e teve o mandato cassado. Talvez a marca maior dela tenha sido a mudança que impôs ao substantivo comum de dois gêneros presidente, trocando-o por presidenta.
João Domingos: Constituição ameaçada
Estado democrático de direito foi testado inúmeras vezes. Continuará a sê-lo. Resistirá?
Ao longo de seus 30 anos, completados ontem, a Constituição brasileira e seus valores democráticos foram testados um sem-número de vezes. Dos quatro presidentes da República eleitos pelo voto popular de 1989 para cá, dois – Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff – responderam a processo de impeachment e tiveram os mandatos cassados. O então líder do governo Dilma, Delcídio Amaral, foi preso no exercício do mandato, por suspeita de obstrução aos trabalhos da Justiça. O ex-presidente Lula, o mais popular líder vivo do País, está preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Uma legião de seguidores tentou impedir que a ordem de prisão fosse cumprida.
Do lado oposto, o deputado Jair Bolsonaro (PSL) sofria em Juiz de Fora (MG) um atentado à faca que o tirou fisicamente da campanha. A Polícia Federal foi acionada, iniciou suas investigações, tirou suas conclusões, indiciou o autor do atentado, Adelio Bispo, na Lei de Segurança Nacional, uma lei remanescente da ditadura militar, e a vida seguiu seu curso. Apesar das crises, o estado democrático de direito não sofreu abalos significativos.
O próximo presidente da República, é praticamente certo, será ou Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad (PT). Vença quem vencer, a Constituição continuará a ser testada. Ambos já manifestaram o desejo de substituí-la. Ou, no mínimo, de emendá-la com mais força do que as atuais 105 emendas (99 emendas normais e seis de revisão, prevista pela própria Carta para quando fizesse cinco anos). O vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, defende a ideia de que uma comissão de notáveis faça uma nova Constituição, em substituição à atual. O programa de governo do PT fala na convocação de uma Constituinte que teria como finalidade “restabelecer o equilíbrio entre os Poderes da República e assegurar a retomada do desenvolvimento, a garantia de direitos e as transformações necessárias ao País”. Cobrado por Ciro Gomes (PDT), no debate da TV Record, Fernando Haddad respondeu que a ideia é “modernizar o texto, deixá-lo mais enxuto e refazer o sistema tributário que penaliza gravemente os mais pobres, além de reafirmar os direitos estabelecidos pela atual Constituição”.
Se é para reafirmar os direitos da Constituição de 1988, por que não deixá-los lá, como estão? Por si só se reafirmam. O PT costuma defender a ideia de convocação de uma Constituinte, às vezes exclusiva para fazer a reforma política, às vezes exclusiva para outra coisa. É quase que uma ideia fixa. Como é uma ideia fixa dos petistas a criação de um controle social da mídia, tentado desde o primeiro governo de Lula, sem êxito. Em outras palavras, censura prévia ao conteúdo do noticiário jornalístico, o que é vedado pela Constituição.
Do lado de Bolsonaro, além da Constituição a ser feita por notáveis, mais enxuta, menor e mais atual, conforme as palavras do general Mourão, vislumbra-se um cenário estranho pela frente, caso ele vença a eleição. O deputado do PSL já disse que reduzirá o número de ministérios e que, em vez de os entregar para aliados políticos, chamará generais para ocupá-los.
Imagine-se a seguinte situação: um ministro general de determinada área necessita que o Congresso aprove uma lei para que ele possa tomar tal e tal iniciativa. O Congresso rejeita a lei. O que esse ministro fará? Não se sentirá tentado a uma medida mais forte para coagir o Congresso a fazer o que ele quer? Ou, então, imagine-se que o governo, como um todo, espera que o Supremo Tribunal Federal (STF) decida contrário a uma dessas inúmeras ações que provocam rombos bilionários ao Tesouro e a Corte faça o contrário. O que Bolsonaro e seus generais vão fazer em relação ao STF? Vão deixar tudo por isso mesmo? Esse é o cenário que se vislumbra.
João Domingos: Um apelo tardio
Difícil atrair apoios numa negociação a ser feita em cima do que já foi decidido
A carta do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, na qual ele faz um apelo à união das candidaturas de centro para deter a “marcha da insensatez”, parece ter vindo tarde demais. Faltam apenas 15 dias para o primeiro turno da eleição. Uma virada agora, se não impossível, parece pouco provável quando se leva em conta o resultado das pesquisas sobre intenção de voto. Mesmo que as pesquisas sirvam apenas como parâmetro para as campanhas, pois quem decide eleição é o eleitor, suas projeções de resultados são feitas em bases científicas. Não dá para desconhecer que a situação do centro é ruim.
Levando-se em conta a liderança que tem, o poder de convencimento de sua famosa lábia e a defesa que faz da democracia, é de se lamentar que Fernando Henrique tenha demorado para levantar essa bandeira. Desde antes de junho, quando foi lançado o manifesto “Por um polo democrático e reformista”, todo mundo já tinha uma ideia de que poderia haver uma polarização da eleição pelos extremos.
Se errou ao demorar a fazer o apelo pela união do centro, Fernando Henrique errou também ao sugerir, pelo Twitter, que a liderança do processo seja entregue a Geraldo Alckmin, que é de seu partido. Isso fez com que logo a candidata da Rede, Marina Silva, respondesse a ele pela mesma rede social: “Ninguém chama para tirar as medidas com a roupa pronta.” Ciro Gomes, do PDT, que como Fernando Henrique foi ministro da Fazenda de Itamar Franco, está em melhor situação do que Geraldo Alckmin nas pesquisas sobre intenção de voto. Se fosse pelo critério de melhor posição, poderia ser ele o escolhido. Nesses casos, é preciso trabalhar com a realidade do momento, diz o pragmatismo político.
A necessidade de se conter a “marcha da insensatez” à qual Fernando Henrique se refere foi reforçada ontem por um manifesto de intelectuais do PSDB. Eles também defenderam a formação de uma força-tarefa para tornar Geraldo Alckmin competitivo. O que passa a ideia de que, tudo bem, deve-se fazer a união do centro, mas a força hegemônica é o PSDB. Difícil atrair apoios assim, em que a negociação se dará em cima de algo que já está decidido.
Pelo jeito, o País afunilará ainda mais a divisão que começou a se mostrar mais forte na eleição de 2014, quando Dilma Rousseff, do PT, obteve 51,64% dos votos no segundo turno e venceu Aécio Neves, do PSDB, que ficou com 48,36%. Levando-se em conta que as pesquisas costumam trabalhar com margem de erro de 2%, esse resultado poderia ser considerado um empate técnico.
A diferença agora é que uma parcela grande da população passou a ver no deputado Jair Bolsonaro (PSL) a encarnação do anti-PT, aquele que, na visão dela, pode livrar o País das invasões de terras do MST, das ocupações de terrenos pelos sem-teto e da política de defesa dos direitos humanos, que, no discurso do candidato, serviria para proteger bandidos (algo sem sentido, pois direitos humanos não têm viés ideológico, não servem para proteger bandidos, mas a sociedade dos desmandos do Estado e de esquadrões e milícias que surgem à sombra da omissão de suas instituições, além de não terem nada a ver com a política do PT, e, sim, com os avanços civilizatórios).
De outro lado está o PT e sua estratégia bem-sucedida da afirmar que foi tirado do poder por um golpe, de esconder que se envolveu até o pescoço em escândalos de corrupção que muitos acreditam ser o maior já revelado em qualquer lugar do planeta, e de afirmar e reafirmar que há uma perseguição a seu líder, Lula, hoje na cadeia e impedido de concorrer a qualquer cargo eletivo pela Lei da Ficha Limpa.
João Domingos: O papel do PSB
Ao PT interessa buscar um jeito de inviabilizar a candidatura de Ciro Gomes
O anúncio do governador Paulo Câmara, de Pernambuco, de apoio à candidatura presidencial de Lula, e a pressão pela neutralidade do partido exercida pelo governador de São Paulo, Márcio França, desestabilizaram o PSB. E, pelo menos por enquanto, deram uma esfriada nas negociações dos socialistas com o pré-candidato Ciro Gomes, do PDT. O movimento dos dois governadores levou ainda o presidente do partido, Carlos Siqueira, a adiar a reunião do Diretório Nacional que decidiria com qual candidato o PSB seguirá na eleição presidencial.
O partido, no entanto, não pretende se declarar neutro. “O momento é muito importante, é crucial para o futuro do País. O PSB não pode ficar sem uma posição clara na eleição presidencial”, diz Siqueira. Ele não adianta qual será. Como boa parte dos diretórios é a favor da aliança com Ciro Gomes, dirigentes do partido anteveem a retomada das conversações logo que o choque do adiamento da reunião do Diretório passar. Para todos os efeitos, Siqueira marcou a convenção (chamada de congresso) para o dia 5 de agosto. A reunião do Diretório terá de ser feita antes. E o que a for decidido ali, será levado para a convenção.
Nesse período, o PT pretende fazer de tudo para atrair o PSB para seu lado. Não se trata somente da busca de um parceiro que pode ser enquadrado na categoria de partido médio, com uma bancada de 26 deputados, quatro senadores e cinco governadores, três deles eleitos na cabeça de chapa, em 2014, e dois que eram vice e que herdaram o governo com a saída dos titulares: Márcio França, substituto de Geraldo Alckmin, e Daniel Pereira, que assumiu o lugar de Confúcio Moura, em Rondônia.
E por que segurar o PSB do seu lado é tão importante para o PT? Porque atrapalha a vida de Ciro Gomes, que pretendia anunciar os socialistas como seu primeiro aliado de peso. Depois, tentaria negociar com o PCdoB e com os partidos do Centrão. Se conseguir tal feito, Ciro pretende dizer, na campanha, que é um candidato que buscará a conciliação nacional e que a seu lado cabem nomes da centro-esquerda à centro-direita. Em resumo, todo o País estará representado pelas forças que ele pretende unir.
E por que para o PT é fundamental atrapalhar a vida de Ciro? Porque o PT sabe que a candidatura de Lula é inviável, pois o ex-presidente está enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Terá, então, de lançar mão de seu plano B, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Acontece que Haddad é pouco conhecido no Nordeste e dificilmente terá desempenho ao menos parecido com o das eleições passadas. Ciro, ao contrário, é da região. Para se ter uma ideia, não fossem os Estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Piauí, que deram 10,15 milhões de votos de frente para Dilma em 2014, a petista teria perdido a eleição para o tucano Aécio Neves, que conseguiu, com a ajuda de Geraldo Alckmin, 6,8 milhões de votos de vantagem só em São Paulo.
Na eleição passada a maior vantagem de Dilma sobre Aécio (2,4 milhões de votos) veio do Ceará, Estado de Ciro Gomes. Pelos cálculos do candidato do PDT, ele poderá tirar cerca de 4,5 milhões de votos sobre os outros candidatos com os quais disputa a eleição. Então, para todos os efeitos, ao PT nesse instante interessa enfraquecer o máximo possível a candidatura de Ciro Gomes no Nordeste, onde o PSB também é forte. Exatamente por isso a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, correu ao governador Paulo Câmara no meio da semana para prometer a ele apoio dos petistas à sua tentativa de reeleição.
Câmara sabe que Lula é imbatível em Pernambuco. Portanto, anunciar uma dobradinha com o ex-presidente tornou-se fundamental para ele. Por isso mesmo é que Câmara anunciou o apoio a Lula e não ao PT ou ao eventual candidato que vier a ser escolhido para o lugar do ex-presidente, como Haddad.
João Domingos: Do céu ao inferno
Diz-se nas rodas políticas de Brasília que a cassação do mandato do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha é apenas uma questão de dias. Três ou quatro, a depender da velocidade da sessão marcada para segunda-feira. O placar apurado pelo Estado mostra que os votos pela cassação podem superar todas as expectativas. A surpresa – exceto liminar numa eventual ação judicial ou manobra regimental de última hora –, se ocorrer, será quanto ao minguado número de votos favoráveis a Cunha, dizem parlamentares que trabalham pela cassação. O que impressiona nessa história toda é a rapidez com que Cunha subiu aos céus e desceu aos infernos. Há pouco mais de um ano ele era muito poderoso.
Tão poderoso que, em 19 de maio de 2015, de forma espontânea foi à CPI da Petrobrás “tirar um sarro”, como se diz por aí, só porque a Procuradoria-Geral da República havia pedido que ele fosse investigado por suspeita de ter se beneficiado do desvio de dinheiro da estatal. Entre um rasgado elogio aqui e outro ali de parlamentares da maioria dos partidos que acompanhavam a sessão da CPI, o deputado Delegado Waldir (PR-GO) perguntou se Cunha tinha contas bancárias no exterior. A resposta foi quase um deboche: “Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu Imposto de Renda”.
Como logo surgiram informações em contrário, corroboradas por autoridades da Suíça, Cunha começou a perder terreno. Ainda na liderança do PMDB, ele alimentava a ideia de ser o candidato do partido à Presidência da República em 2018. De forma correta, ele calculou que o PT passaria por um processo profundo de desgaste, abrindo a possibilidade para uma candidatura conservadora. No caso, a dele mesmo. Para que o plano fosse à frente, Cunha precisaria ocupar um cargo importante, como a presidência da Câmara. Isso foi fácil. A seguir, tudo foi encaminhando do jeito que ele queria.
Conquistava mais e mais poder entre representantes de quase todos os partidos. Sua pauta conservadora para a Câmara era muito bem recebida. Os ataques que fazia ao governo petista também. Mas, aí, veio a ideia de aparecer na CPI da Petrobrás. Cunha imaginava que seria coberto de elogios apenas. Mas surgiu a pergunta das contas. E ele disse que não as tinha. Logo, abriu-se o processo no Conselho Ética. Cunha mentira à CPI, foi a acusação. Para tentar atrapalhar os trabalhos no colegiado, Cunha fez tantas manobras que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF que o suspendesse das funções legislativas.
O STF assim decidiu. Importante tentar entender por que, estando no céu, Cunha caiu tão rapidamente no inferno. Como toda instituição, o Congresso costuma criar anticorpos para se proteger toda vez que se sente ameaçado. Foi assim com os senadores Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho quando se envolveram em escândalos. Sem dó nem piedade, senadores que antes eram quase que serviçais dos dois passaram a defender a cassação. Eles renunciaram antes da instauração do processo e conseguiram manter os direitos políticos. Retornaram na eleição seguinte, como se nada tivesse acontecido.
Fariam o mesmo se estivessem no papel de juízes, como estavam os senadores que os abandonaram. Com Cunha acontece a mesma coisa. Ele se tornou uma espécie de câncer para a Câmara, pois é mais rejeitado do que a ex-presidente Dilma Rousseff. Mantê-lo vivo compromete a imagem de todos os deputados. Cunha tem feito um apelo a todos para que o ajudem. Dessa vez, sem a arrogância que o marcou ao depor à CPI da Petrobrás. Mas os deputados, pensando nas próximas eleições, já estão noutra. Só Cunha não percebeu. (O Estado de S. Paulo – 10/09/2016)
Fonte: pps.org.br