João Domingos
João Domingos: Madura, mas difícil
A articulação política precisa ser entregue a alguém com poder de convencimento
Nunca desde a redemocratização do País o debate sobre a reforma da Previdência esteve tão maduro. Nunca o governo teve tantas oportunidades de aprovar seu projeto. O governo de Jair Bolsonaro tem maioria para aprovar emenda constitucional numa e noutra Casa. O ex-ministro da Fazenda de Dilma Rousseff Nelson Barbosa defende a reforma da Previdência, não necessariamente o projeto que será enviado, mas algo que equilibre as contas previdenciárias e garanta a sobrevivência do instituto.
Quer dizer então que o governo de Bolsonaro já pode contar com a aprovação da reforma da Previdência? É claro que não. Mesmo as maiorias governistas, e a do governo atual é menor do que as que foram arregimentadas durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula, não costumam dar colher de chá para os governos aos quais pertencem. Fernando Henrique não conseguiu aprovar a reforma que desejava. Teve de se contentar com um projeto que foi muito desfigurado, a ponto de não estabelecer a idade mínima para a aposentadoria do INSS. Dois deputados foram os responsáveis pela supressão da idade mínima. Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que apresentou destaque derrubando a idade, e o ultragovernista Antonio Kandir (PSDB-SP). Na hora de apertar o botão do voto eletrônico, Kandir confundiu o sim com o não. Aberto o placar eletrônico, a idade mínima somou 307, um a menos do que os 308 exigidos para a aprovação de emenda constitucional. Nem é preciso dizer que a reforma da Previdência feita por Fernando Henrique em 1998 ficou capenga até hoje.
Lula apresentou a sua reforma previdenciária em 2003. Vários petistas contrários ao projeto foram expulsos do PT, sob alegação de boicote ao governo, entre eles a ex-senadora Heloísa Helena (AL), hoje na Rede. Lula concentrou a sua reforma mais no setor público. Os lobbies das corporações que representam o setor se levantaram e a reforma previdenciária petista ficou a dever.
Sobre a força do governo de Jair Bolsonaro no Congresso já é possível dizer alguma coisa. A base de apoio ao Palácio do Planalto deverá girar em torno de 330 votos na Câmara e 55 no Senado, isso contando o MDB, um partido eternamente dividido. A sobra para a aprovação de uma emenda constitucional deverá ser de 22 votos na Câmara e 6 no Senado. Não é muita coisa, porque congressistas quase nunca aparecem em peso para votar. Uma ausência é um voto não.
Outro ponto chama a atenção: a articulação política de Bolsonaro é fraca. Não conseguiu impedir a aprovação do reajuste do Judiciário e da isenção fiscal para empresas instaladas nas regiões da Sudam e da Sudene durante o governo de Michel Temer. O rombo ficou para o atual governo.
Alguém pode dizer: “Mas o presidente tem 55 votos no PSL, seu partido, o que já ajuda muito”. Ajuda, mas é pouco. A bancada do PSL é constituída, em sua maioria, de novatos. E mesmo que os deputados estejam doidos para trabalhar, para ajudar seu presidente, e já tenham recebido o apelido de “talibã”, dada sua forma agressiva de atuar, é uma bancada nova e ingênua. O presidente e sua coordenação política terão de correr atrás de muito mais votos para garantir a fidelidade ao Planalto.
A articulação política precisa ser entregue a alguém com poder de convencimento muito forte. A equipe que Bolsonaro montou não tem nada disso. O ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) tem pouca influência no Congresso. Ele se notabilizou pelo enfrentamento ao PT, não por ser um bom articulador. Na eleição da Câmara e do Senado agiu de forma atabalhoada, deixou rastros e, pior, não conseguiu nada do que queria. O ministro Paulo Guedes (Economia), que não é político, tem muito mais poder de convencimento do que Lorenzoni.
João Domingos: O fazedor de crises
Na tentativa de evitar frustrações, Bolsonaro procura respostas rápidas, mas incompletas
Pelo gigantismo, pelos mais variados interesses que os circundam, pela falta de partidos que os sustentem, pelo personalismo de seus ocupantes e até por serem tocados por seres humanos falíveis como todos somos, governos são fazedores de crises políticas. No Brasil, então, de sua oficina governamental jorram problemas. O de Jair Bolsonaro, que completa 19 dias hoje, tem superado as expectativas.
Há razões para isso. Na tentativa de evitar frustrações por parte de seu eleitorado, muito ativos e de reação imediata nas redes sociais a tudo o que ocorre no governo, com promessas populistas para cumprir, como a da flexibilização da posse de armas, mas sem um plano maior de segurança montado, e com um discurso de palanque de combate à corrupção ainda ativo, Bolsonaro tenta dar algumas respostas rápidas. Na pressa, ele erra, pois são incompletas. Se é criticado, rebate. Se é rebatido, explica. Se explica, oferece argumento para os críticos. O novelo cresce.
Bolsonaro não tem um sistema de comunicação bem estruturado. Seu porta-voz ainda não começou a trabalhar. Nesse período, o próprio presidente se tornou o principal comunicador de seu governo, com respostas, ataques e contra-ataques pelo Twitter.
E tem os filhos. Bolsonaro é o primeiro presidente da História do País que tem três filhos em cargos eletivos: um deputado federal, Eduardo; um senador eleito, Flávio; e um vereador no Rio de Janeiro, Carlos. Todos eles ativos, beligerantes. Declarações de Eduardo têm causado problemas constantes, como a feita durante uma palestra, no Paraná, antes da eleição de Bolsonaro, de que para fechar o STF seriam necessários apenas um cabo e um soldado. Ou que a embaixada do Brasil será transferida de Tel-Aviv para Jerusalém. O que falta definir é a data.
Flávio, ao trazer do Rio de Janeiro para Brasília uma investigação sobre movimentação bancária atípica de seu ex-motorista Fabrício Queiroz, jogou um problema sério no colo do pai. Tal atitude forneceu à oposição munição que ela não tinha. Afinal, tanto o pai presidente quanto o irmão deputado tinham feito declaração contra o foro privilegiado. E tem o cheque de R$ 24 mil de Fabrício para Michelle, esposa de Bolsonaro, que, segundo o presidente, é parte do pagamento de um empréstimo de R$ 40 mil que ele, Bolsonaro, havia emprestado ao ex-motorista, de quem era amigo.
Com tudo isso, em vez de gastar sua energia para aprovar projetos necessários para a economia, como a reforma da Previdência, ou o plano de privatização, boa parte do governo, certamente o senador Flávio e o presidente da República, vão passar o tempo dando explicações sobre o recurso. A partir de agora o Ministério Público pode recorrer ao próprio STF para derrubar a liminar de Luiz Fux. Assim, uma ação que corria no Rio de Janeiro veio parar em Brasília, queimando etapas da tramitação.
Outro fator de crises para o governo é a bancada do PSL. Entre seus parlamentares há muitos sem nenhuma experiência. Outros, voluntaristas, dispostos a defender o governo de qualquer jeito. Tem até os que são partidários da porrada para a resolução das diferenças. Quando o Congresso retomar suas funções, em fevereiro, não será nenhuma surpresa se a parte brutamontes do PSL cair em provocação das oposições e partir para a briga.
Essa bancada foi eleita com um discurso moralizador, contrário à velha política. Uma parte dela aceitou convite da China para uma visita ao País, contrariando orientação da direção partidária. Rapidamente, o filósofo Olavo de Carvalho, guru do governo de Bolsonaro e do próprio PSL, chamou os parlamentares de “idiotas” e “palhaços”. A cobrança por um comportamento diferente do partido de Bolsonaro por certo vai continuar.
João Domingos: Ministros classe A e B
Problemas de Bolsonaro não são os recuos, mas auxiliares que podem entrar para o folclore
O governo de Jair Bolsonaro teve tantos recuos desde seu início que boa parte dos meios de comunicação foi às contas. A conclusão é de média de um recuo por dia. Tal situação refletiria falta de planejamento, improvisação, divergências entre ministros das áreas política e econômica, pouco diálogo entre os integrantes do primeiro escalão e o presidente da República. Quem sabe, até a existência de ministérios classe A e classe B.
Os passos atrás vão da economia à diplomacia, da assinatura de um decreto que aumentaria o IOF, anunciado pelo próprio presidente, à inexistência desse ato. Na verdade, Bolsonaro assinara a sanção do projeto de lei que prorrogou os subsídios para empresas instaladas nas áreas da Sudene e da Sudam, com veto para a extensão do benefício às companhias do Centro-Oeste.
Bateção de cabeça no início de governo não é um privilégio de Bolsonaro. Já foi registrado antes, no de Lula, principalmente, e por certo ocorrerá noutros governos que virão. A máquina é gigante, o voluntarismo se faz presente e as promessas feitas na campanha são cobradas.
Se os recuos podem passar a impressão de que o governo vive à base do improviso, eles não podem ser considerados o fim do mundo. Muitas vezes podem vir para o bem. E não há como negar que também passam a ideia de humildade. Se houve erro, que seja consertado a tempo. Portanto, Bolsonaro não precisa perder o sono porque seu governo acumula uma alta média de recuos.
Os riscos para o governo de Bolsonaro são outros. Nota-se uma clara diferença no grau de conhecimento de seus ministros em relação às áreas em que atuam. Daí, a impressão de que foram divididos em classes diferentes. Uns já teriam chegado ao generalato, caso da turma da economia e da infraestrutura; outros ainda estariam tentando se firmar como oficiais em início de carreira. Entre os últimos estaria, por exemplo, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Cada vídeo com a participação dela é um desastre anunciado. No último, ela diz que os evangélicos erraram ao permitir que a teoria evolucionista entrasse nas salas de aula. Logo, seu colega da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, a rebateu: “Não se deve misturar ciência com religião”. Não se deve mesmo. Além do mais, há um sério risco de a ministra começar a ser encarada como folclore. Se isso ocorrer, suas ações serão praticamente anuladas, o que seria uma pena num ministério tão sensível.
Na área das Relações Exteriores, não se pode dizer que o ministro Ernesto Araújo é o ó do borogodó. Seu discurso é confuso. E já começa a ser peitado dentro do Itamaraty, como no caso da demissão de Alex Carreiro da presidência da Apex.
Já o ministro da Educação, Vélez Rodríguez, deveria pôr as mãos para os céus pela liberdade de imprensa que vigora no País. Foi essa liberdade que permitiu a divulgação da notícia de que o novo edital do MEC para a compra de livros didáticos flexibilizava os erros de impressão e digitação e acabava com a exigência da publicação de bibliografia para as citações, além de outras medidas. Caso os problemas não tivessem sido identificados, o prejuízo para o Tesouro seria de R$ 1 bilhão, que é o custo de 150 milhões de livros. Para os alunos, seria irreparável. (A regra dos erros deveria ser endurecida. Já caiu em minhas mãos um exemplar de Helena, de Machado de Assis, feito para o MEC. Os erros eram tantos, mas tantos, que parágrafos inteiros foram suprimidos).
Haddad e Bolsonaro. O petista Fernando Haddad tem tudo para liderar a oposição no País. Chamar Bolsonaro de “Bozo”, como ele tem feito, não o engrandece. Assim como Bolsonaro não deveria chamar Haddad de “marmita de Curitiba”. O bom combate não comporta o desrespeito.
João Domingos: A mira é o PT
Bolsonaro não abandonou o discurso de campanha nem na posse nem depois dela
Com menos de uma semana do governo declaradamente de direita de Jair Bolsonaro, é possível identificar na direção da máquina do Estado alguns nichos já muito bem definidos. Uns trabalham em silêncio, ou já adiantam medidas que pretendem tomar, como os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro; outros mostram ponderação, como os ministros das áreas de infraestrutura; e há os que fazem um barulho danado com suas posições polêmicas, seja por declarações, seja por manifestações nas redes sociais. Entre estes últimos estão os ministros da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O presidente da República é outro que está no meio dos barulhentos.
Bolsonaro não abandonou o discurso de campanha nem na posse nem depois dela. É provável que vá mantê-lo por um bom tempo, enquanto sentir necessidade de falar as coisas que seu eleitor gosta de ouvir: liberação da posse e flexibilização do porte de armas, fim do auxílio-reclusão, adeus ao indulto de fim de ano para presos, manutenção da prisão para condenados em segunda instância, salvo-conduto para policiais no enfrentamento com bandidos, ataque à corrupção, combate ao PT para que a bandeira nacional nunca seja vermelha e enxotamento do socialismo do País (dois exageros), para citar alguns dos temas que garantiram popularidade ao presidente.
Jair Bolsonaro sabe que, ao abordar esses assuntos nos discursos, nas entrevistas ou pelas redes sociais, ele consegue falar diretamente com o eleitor que votou nele. Então, mãos à obra. Ao mesmo tempo, seus técnicos, no caso Guedes, Moro e os ministros da infraestrutura, vão preparando as reformas que serão enviadas ao Congresso, o plano de privatização e de investimentos.
Enquanto as medidas na área econômica não vêm, e elas precisam vir para dar à sociedade a sensação de que as coisas vão mesmo mudar, e com profundidade, o presidente fica no palanque, funcionando como aquele que distrai a plateia para que outros possam preparar as atrações principais. É um estilo curioso de governar.
Nesse papel, Bolsonaro se incumbe também de ser o presidente bonzinho para com a população. Quer que ela pague menos imposto, diz que a alíquota de 27,5% do Imposto de Renda da Pessoa Física já está de bom tamanho e que o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) deve ser o menor possível. E também que a idade mínima para a aposentadoria deve ser de 62 anos para os homens e 57 para as mulheres, menor do que a atual para os servidores públicos, de 65 e 60 anos, respectivamente.
Só não dá mesmo é para tolerar o PT e seus agregados, que teriam implantado o socialismo no País, arruinado sua economia e corrompido geral. Quando confrontado com a realidade, que jamais esse país foi socialista, Bolsonaro não se importa. Responde que o socialismo só não chegou por aqui porque os militares não deixaram. Uma forma simplista de ver as coisas, mas que fala ao eleitor. Se fala ao eleitor, por que não tirar também as cadeiras vermelhas do Palácio da Alvorada, onde ele passou a morar com a família, e substituí-las pelas azuis? Foi isso o que o presidente fez.
Quem sabe entre os servidores comissionados há uma legião de petistas? Então, que sejam todos demitidos, como fez o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ao exonerar 320 sob seu comando, com recomendação para que os outros ministros façam o mesmo.
O capitão Jair Bolsonaro, que serviu na arma da Artilharia quando estudou na Academia Militar das Agulhas Negras, aprendeu que o sucesso dele como aluno dependia, entre outras coisas, do cálculo de tiro e do acerto na mira. Agora no comando, a mira é o PT. Socialista ou social-democrata. Não importa.
João Domingos: Boicote sem sentido
A ausência do PT na posse de Jair Bolsonaro vai significar alguma coisa?
O boicote anunciado pelo PT à posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República é uma dessas decisões que têm tudo para se voltar contra seu autor. Mesmo reconhecendo o resultado da eleição deste ano, diz o PT que o processo eleitoral foi marcado pela falta de lisura do processo desde o impeachment de Dilma Rousseff. Depois, pela proibição legal da candidatura de Lula e pela “manipulação criminosa das redes sociais para difundir mentiras contra o candidato Fernando Haddad”.
Em relação ao impeachment, o PT pode falar o que quiser. Pode chamar de golpistas os partidos que votaram a favor do processo, ora xingá-los, ora a eles se aliar, mas o afastamento de Dilma se deu dentro da normalidade democrática, com rito estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal e com o julgamento presidido por um ministro aliado, Ricardo Lewandowski. Tão aliado, que ajudou o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), a fatiar a sentença, dando a Dilma direitos políticos, mesmo tirando-a do poder. Sobre Lula, ele está enquadrado na Lei da Ficha Limpa, pois condenado por órgão colegiado. Quanto às fake news, elas avançaram sobre o eleitor de lado a lado. Não foram uma exclusividade do vencedor.
Nesse sentido, o boicote à posse de Bolsonaro tende a se tornar um gesto vazio. Como foram vazios e marcados pelos erros políticos alguns gestos do PT ao longo da história. Por exemplo: o partido decidiu boicotar o Colégio Eleitoral que, em 1985, elegeu Tancredo Neves presidente da República. Foi essa eleição que permitiu a consolidação da abertura democrática e a saída dos militares do poder, além da convocação de uma Assembleia Constituinte.
Três anos depois, o PT optou por votar contra a Constituição de 1988. Então líder do PT na Constituinte, Lula justificou, num discurso de 22 de setembro de 1988, que seu partido votaria contra o texto porque, “mesmo havendo avanços na Constituinte, a essência do poder, a essência da propriedade privada, a essência do poder dos militares continua intacta nesta Constituinte”. Mas, pelo sim, pelo não, Lula anunciou no mesmo discurso que, por decisão do Diretório Nacional do PT, os constituintes assinariam a Constituição. Hoje, todo mundo é testemunha de que os petistas fazem um grande exercício para esquecer o gesto do passado. (O partido votou também contra o Plano Real e contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, reconhecidas iniciativas do bem.)
Num discurso em comemoração aos 20 anos da Constituição de 1988, em 5 de outubro de 2008, Lula disse aos participantes da cerimônia que se arrependia de não ter votado a favor da Carta. E contou como foi a luta para assinar o texto da Constituição: “Uma parte da bancada, radicalizada, achava que não deveria assinar e eu disse: ‘Não tem sentido. A gente participou dois anos aqui, ganhamos salário, ganhamos assistentes para nos ajudar, como é que pode um filho nascer e a gente não registrar? Vamos assinar’.” Na mesma fala, Lula disse que, na Presidência da República, compreendeu, como ninguém, que a Constituição, com todos os defeitos que tem, é um garantidor da democracia. “Esta é a verdade nua e crua.”
A ausência do PT na posse de Jair Bolsonaro vai significar alguma coisa? Nada. Bolsonaro não contou com o voto de petistas para se eleger. Não contará com o voto dos petistas para aprovar seus projetos. Mas usará o PT, mais uma vez, para falar com seu eleitor. Se na eleição ele se disse o anti-PT, e foi vitorioso, a partir da posse poderá dizer que o partido se negou a se fazer presente na cerimônia que coroou a festa da democracia. Só quem vai perder é o PT.
João Domingos: A economia acima de tudo
Uma equipe de articuladores políticos precisa saber dialogar e nunca ser prepotente
Mesmo que Jair Bolsonaro tenha feito uma campanha sem abordar com profundidade os problemas econômicos do País, hoje não restam dúvidas de que a maior expectativa de todo mundo em relação a seu governo mora na economia. Por isso mesmo, indaga-se tanto a respeito do que o governo vai fazer em primeiro lugar, se a reforma da Previdência ou a reforma tributária, ou as duas. Ou nenhuma. Ao mesmo tempo, buscam-se informações sobre o projeto de privatização, se incluirá a Petrobrás ou parte dela, se chegará aos bancos oficiais ou não, se haverá aumento de impostos, desoneração da folha de pagamentos, e assim por diante. Em resumo, a pauta econômica superou outros temas de campanha. E o presidente eleito, de repente, já não é só aquele que encarnou a figura do anti-PT. Seu governo está aí para dar um jeito no País. E dar um jeito no País começa por fazer a economia andar e voltar a gerar empregos.
Nem o tema do combate à corrupção empolga tanto quanto a economia. Bolsonaro nomeou Sérgio Moro para o Ministério da Justiça? Ótimo, é o ministro que o eleitor dele e de outros candidatos pediram. Moro chamou o delegado Y para tal cargo? Também está ótimo. Põe a turma da Lava Jato pra trabalhar. Em reação a críticas do general Hamilton Mourão sobre seu governo Nicolás Maduro fala em pôr os milicianos da Venezuela em estado de guerra contra o Brasil? Nossa, como esse Maduro é chato. Vamos ao que interessa, a economia.
Então, não há como fugir. A expectativa é em relação à economia, ao crescimento do PIB, quando o superávit primário deixará de ser déficit e voltará a ser superávit, etc. Isso aumenta demais a responsabilidade do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele terá de Bolsonaro as condições para tocar sua proposta de economia? Certamente que do presidente ele as receberá. Mas o presidente terá capacidade para criar essas condições, negociando com deputados e senadores a aprovação de medidas, como a reforma da Previdência? Isso será preciso ver.
Por enquanto, levando-se em consideração as bolas nas costas que o futuro governo tomou do Congresso, as falhas gritantes na articulação política, a falta de experiência dos parlamentares do PSL, alguns mais adeptos da porrada do que do diálogo, não dá para cravar que Bolsonaro montará uma equipe de articuladores capaz de vender o peixe do presidente de forma assim tão fácil. Será preciso ralar muito. Primeiro, não escolhendo o lugar errado para ficar nas eleições para as presidências da Câmara e do Senado. É melhor fazer parcerias nessa hora do que ir para o enfrentamento e sofrer uma derrota.
Em segundo lugar, uma articulação política não pode nunca ser prepotente. Se Paulo Guedes é, e se ele, pelo menos no início, carregará todas as expectativas em torno do governo, será preciso dar-lhe uma retaguarda para amenizar suas atitudes. Se ele diz o que pensa, e isso desagrada, alguém precisa ajeitar as coisas. Bolsonaro fez isso quando viu que foi necessário. Logo depois de Guedes dizer que era preciso “dar uma prensa” no Congresso para que a reforma da Previdência fosse aprovada, o capitão afirmou que seu economista não tinha o traquejo para lidar com as coisas do Congresso. No fundo, afirmou o presidente eleito, Guedes não quis dizer bem aquilo. E ficou o dito pelo não dito.
Bolsonaro montou uma equipe de auxiliares composta por técnicos, políticos e militares, todos eles determinados a fazer aquilo que o presidente lhes ordenar. Trata-se, de fato, de uma equipe coesa, uma sombra do presidente. Se quiser ter êxito no Congresso, precisa escolher seus articuladores políticos com o mesmo cuidado. Lembrando-se, porém, de que deles será preciso exigir, como pré-requisito, qualidades de negociadores. O que dos ministros não foi preciso.
João Domingos: A velha política
Cadê a resposta ao relatório do Coaf? Enquanto ela não vier, haverá especulações
Os 75% que disseram acreditar que Jair Bolsonaro e sua equipe estão no caminho certo, segundo pesquisa CNI/Ibope divulgada anteontem, o fizeram por acreditar que as coisas vão mudar na economia e na política. Na economia é possível hoje dizer que muita coisa vai mesmo ser diferente. Haverá uma reforma da Previdência, estatais que já foram consideradas estratégicas, como a Infraero, serão vendidas ou extintas. Outras que não serviram para nada, como a EPL, criada para pôr nos trilhos antes da Copa da Fifa de 2014 um trem de alta velocidade entre o Rio de Janeiro e Campinas, passando por São Paulo, estão na lista das que vão acabar. (O Congresso, o ministro Sérgio Moro, a Procuradoria-Geral da República, alguém deveria ter a iniciativa de uma proposta que punisse governos que criassem empresas como a EPL).
Pois bem. Parece que a economia vai mesmo mudar. E a política? Sobre essa há dúvidas. Os 75% que disseram acreditar que Bolsonaro e sua equipe estão no caminho certo deram suas respostas antes do noticiário sobre relatório do Coaf que identificou movimentação bancária atípica de mais de R$ 1,2 milhão por parte de Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado fluminense e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). O mesmo Coaf, hoje no Ministério da Fazenda, mas com mudança para a Justiça, revelou que o ex-assessor fez um depósito de R$ 24 mil para Michelle, esposa de Jair Bolsonaro. Rapidamente Bolsonaro disse que havia emprestado R$ 40 mil para Queiroz e que os R$ 24 mil que foram parar na conta de Michelle eram parte do pagamento da dívida. Uma explicação convincente, não há dúvidas. O próprio presidente eleito disse que se houver problemas com a Receita Federal, por não ter declarado o empréstimo, ele resolve tudo pelas instâncias administrativas. E, não se pode negar, nem todo mundo declara empréstimos informais. Se a Receita for correr atrás de quem está nessa situação, seja credor, seja devedor, vai encontrar uma multidão.
Posteriormente o Coaf fez outra revelação. Caía dinheiro na conta de Queiroz em datas coincidentes com o pagamento do salário na Assembleia Legislativa do Rio. O que remete para os chamados mensalinhos, uma prática disseminada Brasil afora e já identificada também no Congresso: servidores devolvem parte do dinheiro recebido para garantir o emprego. Ora, é uma extorsão com base no medo que a pessoa tem de ficar desempregada. Não se pode dizer, de forma nenhuma, que Flávio Bolsonaro tem alguma coisa a ver com isso. Ele mesmo já disse que é o maior interessado em que tudo seja esclarecido. Sabe-se também que movimentação atípica não significa irregularidade. Mas cadê Fabrício Queiroz para dizer o que é que aconteceu? Enquanto ele não explicar tudo, haverá incômodo, como disse o vice, general Hamilton Mourão, e haverá especulações.
Se houve mensalinho, como sugere o relatório do Coaf, volta-se à pergunta: será que a política muda? Porque não existe nada com cara de velha política maior do que um mensalinho.
Também é da velha política o drible que o PR está tentando dar na lei das estatais para nomear o deputado Milton Monti (PR-SP), que não se reelegeu, para uma diretoria da Caixa no governo de Bolsonaro. A lei proíbe a indicação de políticos para a diretoria e conselhos de empresas. A legislação diz ainda que aqueles que trabalharam para campanhas políticas três anos antes não podem ser indicados.
Prometer aumento de salário para deputados pensando em ganhar o voto deles para a presidência da Câmara também é da velha política. É isso que está fazendo o deputado Fábio Ramalho (MDB-MG).
João Domingos: Tensão permanente
Qualquer coisa que atinja os filhos do presidente respingará no governo
Pela composição da chapa presidencial, pelo resultado da eleição para a Câmara e para o Senado, e pela escolha de alguns ministros que tendem a se pautar pela ideologia ou mesmo pela fé religiosa, é bastante provável que o governo de Jair Bolsonaro venha a ter no mínimo três focos permanentes de tensão.
O principal deles, e desse não há como escapar, está na família do presidente eleito. Pela primeira vez na história recente do País, e é possível que em todo o período republicano, um presidente da República terá três filhos com mandato parlamentar: Eduardo, deputado, Flávio, senador, estes dois pelo PSL, e Carlos, vereador no Rio de Janeiro pelo PSC. Todos eles conselheiros do pai, ativos politicamente, e muito atuantes pelas redes sociais.
Qualquer opinião deles a respeito de seja lá o que for, qualquer articulação que fizerem, qualquer coisa que os atinja, respingará no governo e será notícia com destaque. Natural que seja assim, porque não há como desvincular o pai dos filhos sabendo-se que são tão unidos e que têm o pensamento praticamente igual.
Exemplos da grande repercussão de tudo o que envolve os filhos já há aos montes. Em abril o deputado Wadih Damous (PT-RJ) xingou o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, e disse que a solução para a Corte seria o seu fechamento, transformando-a em tribunal constitucional. O deputado Eduardo Bolsonaro disse em julho, numa palestra, no Paraná, que bastavam um cabo e um soldado para fechar o Supremo. O choque maior foi causado pela fala de Bolsonaro, pois ele vive a expectativa do poder. Damous já o perdeu.
Quando a disputa pelas presidências da Câmara e do Senado começar, qualquer coisa que Flávio Bolsonaro fizer no Senado, ou o irmão fizer na Câmara, será visto como um ato consentido do pai, o presidente da República, mesmo que nada tenha a ver com ele. Se por um lado Jair Bolsonaro pode dizer, como tem dito, que é um pai feliz por ter três filhos em cargos eletivos, por outro ele terá de aceitar que, pelas circunstâncias que envolvem o poder, os filhos são também um peso.
O segundo possível foco de tensão do governo de Bolsonaro estará no recém-criado Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Em primeiro lugar, porque é um ministério que atuará em áreas sensíveis da sociedade, envolvendo índios, minorias, direito das mulheres, comunidade LGBT e as novas siglas que a ela vão se interligando e direitos humanos. O ministério será um ímã para atrair a atenção dos grupos sociais mais organizados e engajados do País, levando-se em conta as opiniões conhecidas da futura ministra da pasta, a advogada e pastora Damares Alves.
Ela já se disse contrária ao aborto, que ninguém nasce gay, que não é a política, mas a igreja evangélica que vai mudar a Nação, e que as feministas promovem uma guerra entre homens e mulheres. Não há dúvidas de que a polêmica vai se instalar nessa área. Para piorar, o Ministério Público abriu ação civil pública contra uma ONG de Damares por “dano moral coletivo decorrente de suas manifestações de caráter discriminatório à comunidade indígena” por causa da divulgação de um filme sobre infanticídio indígena feito pela organização. Os procuradores pedem que a ONG seja condenada a pagar R$ 1 milhão.
O terceiro possível foco de tensão no governo de Bolsonaro está no vice-presidente, o general Hamilton Mourão. Acostumado a falar o que pensa sobre tudo e sobre todos, da política externa à política trabalhista, da necessidade de aprovação da reforma da Previdência à privatização de estatais, o vice causa barulho. Mesmo que diga que perdem tempo os que acham que vão intrigá-lo com Bolsonaro, suas declarações sempre vão causar impacto.
João Domingos: Falta articulação
Comissão de Orçamento tomou decisões sem a presença de representante do novo governo
Jair Bolsonaro soube passar para o eleitor a mensagem de que era o candidato anti-PT, anti-Lula, antitudo o que está aí. Em resumo, o candidato antissistema. Vencida a eleição, veio a fase da montagem do governo. Até agora, pelo que se viu, Bolsonaro mantém uma coerência muito forte com o que disse na campanha e com suas escolhas: liberal na economia, conservador nos costumes e ideológico nas relações exteriores e na educação. Nessa parte, nenhuma surpresa, portanto.
Surpresa é a forma pouco política como Bolsonaro tem lidado com o Congresso. Se ele não fosse deputado há quase 28 anos, se não conhecesse as estruturas da Câmara e do Senado, poderia se dizer que o presidente eleito não sabe como é que o Parlamento funciona. Mas ele sabe como é que são as coisas por lá. Sabe, por exemplo, que se não tiver uma articulação política competente, presente, vigilante e influente, vai enfrentar problemas.
Bolsonaro pode dizer que ainda não assumiu o governo, que o próximo Congresso só tomará posse no ano que vem. Então, paciência, deixa a roda girar. Mas não é assim que as coisas funcionam. O que o Congresso decidir agora terá reflexos em todo seu governo. Como já ocorreu com a aprovação do reajuste para o Poder Judiciário, que representará gastos suplementares de pelo menos R$ 4,1 bilhões no ano que vem, além da aprovação de incentivos para montadoras, o que não estava na contabilidade do novo governo.
Para evitar que decisões desse tipo voltem a ser tomadas, Bolsonaro tem de se convencer de que, apesar de não ter assumido a Presidência, precisa pôr uma equipe de articuladores no Senado e outra na Câmara. Fisicamente. Como disse o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, que elogiou a escolha da equipe econômica do futuro governo, não adianta só ter boas intenções. É preciso que essas boas intenções tenham a companhia de uma boa articulação política.
Nesta semana, a Comissão de Orçamento do Congresso esteve reunida para tomar decisões importantes sobre o orçamento do ano que vem, o que diz respeito integral ao governo de Bolsonaro.
Sem receber qualquer indicativo de interesse da equipe de transição na adaptação agora do orçamento de 2019 à estrutura que será adotada pelo novo governo, a Comissão de Orçamento selou um acordo que vai dificultar uma eventual alteração da lei orçamentária. A proposta, fechada pelo colegiado, restringe o prazo para a equipe de transição solicitar mudanças ao relator-geral, senador Waldemir Moka (MDB-MS), ao fim da votação dos relatórios setoriais, prevista para 28 de novembro.
Um ajuste agora do Orçamento seria importante para que o novo governo já inicie o próximo ano executando as despesas sob o novo arranjo de ministérios e órgãos que está sendo preparado pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro. Sem isso, a nova equipe econômica pode enfrentar problemas para executar alguns gastos, atrapalhando o funcionamento da máquina nos primeiros meses da gestão.
A repórter Idiana Tomazelli, do Estadão/Broadcast, acompanhou toda a reunião da Comissão de Orçamento. Ela procurou Moka para saber o que é que estava acontecendo. Moka respondeu: “Esse pessoal não tem muita ideia de governo, eu acho. Porque é esquisito eles ficarem anunciando fusão (de ministérios) e nós estarmos fazendo um relatório para a estrutura atual. Se essas fusões não estiverem previstas no orçamento, eles vão levar o ano inteiro (para resolver a questão). Ou eles estão fazendo propositadamente, ou é um desconhecimento”.
Moka lembrou ainda que em 2010, quando presidiu a Comissão de Orçamento, a equipe de transição de Dilma Rousseff indicou interlocutores que pediram alterações no Orçamento, todas acatadas pelo colegiado. A equipe de Bolsonaro ainda não fez nada disso.
João Domingos: Bolsonaro e o Congresso
O presidente da República não pode ficar neutro nas disputas pela Câmara e Senado
Depois de uma reunião na quarta-feira com o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que busca apoio do presidente eleito para se reeleger presidente da Câmara, Jair Bolsonaro disse que pretende ficar neutro nessa questão. Lembrou que existem também outros candidatos se lançando ao comando da Câmara, todos eles “muito bons”, conforme entrevista à TV Record, no mesmo dia.
Muita gente entendeu que, ao falar da existência de outros candidatos “muito bons”, Bolsonaro quis dizer um não para Rodrigo Maia, embora com outras palavras. É possível que não seja exatamente isso. Que ele esteja interessado em ganhar tempo. O presidente eleito nem assumiu e quatro deputados que pertencem à sua base, ou por serem do PSL, ou por terem abraçado a candidatura de Bolsonaro, já lançaram suas candidaturas à presidência da Câmara: Delegado Waldir (PSL-GO), João Campos (PRB-GO), Capitão Augusto (PR-SP) e Alceu Moreira (MDB-RS).
Como já foi dito, há também a candidatura de Rodrigo Maia, e uma sexta, a do vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (MDB-MG).
Bolsonaro assumirá a Presidência da República depois de exercer o cargo de deputado, seguidamente, por 27 anos e 11 meses. Nesse período, ele entendeu de sobra como é que funcionam os mecanismos do Congresso. O próprio Bolsonaro, que se declara um militante do baixo clero, e que nunca assumiu a direção de uma comissão qualquer, função pela qual seus colegas brigam até de foice, já se lançou candidato à presidência da Câmara. Sua única intenção era, ao pulverizar a disputa, atrapalhar a eleição de um deputado do PT. Isso quem revela é ele mesmo.
O capitão reformado do Exército sabe que a divisão de candidaturas inviabiliza a eleição de um representante de determinado grupo. Desse modo, como quatro aliados dele se lançaram à disputa, e só um pertence ao PSL, nesse momento o melhor a fazer é anunciar a neutralidade. Até porque o Delegado Waldir já disse que se a direção do PSL o mandar se recolher, ele não a obedecerá. Lançará sua candidatura de forma avulsa. Quanto aos outros, o máximo que Bolsonaro pode fazer é pedir a eles que abram mão da disputa, pois pertencem a partidos que, teoricamente, pelo menos, estão fora do alcance das ordens do presidente eleito, embora aliados.
Com a divisão na base de Bolsonaro, abre-se o espaço para que Rodrigo Maia e Fábio Ramalho trabalhem suas candidaturas. Maia tem boa aceitação no PT e nos partidos de centro-esquerda. Caso estes façam um acordo com o atual presidente da Câmara, e desistam de lançar candidatura própria, tornarão Maia bastante competitivo.
Por fora, e aí mora o perigo para Bolsonaro, corre o deputado Fábio Ramalho. Fabinho, como é conhecido o vice-presidente da Câmara, é quem mais entende de baixo clero hoje. Ele está trabalhando intensamente. Aposta no racha da base do governo para se dar bem. E até se arrisca a um palpite: “Sou o próximo presidente da Câmara”. Ramalho costuma fustigar o ocupante do Planalto. O presidente Michel Temer sabe como ele trabalha.
Por mais que Bolsonaro tenha vendido na eleição a imagem do antipolítico – o que não é, pois de seus 63 anos de vida 30 foram passados na Câmara de Vereadores do Rio e na Câmara dos Deputados –, ele sabe que um presidente da República não pode ficar neutro na disputa pela presidência da Câmara. E também pela presidência do Senado. Mas nesta, pelo menos por enquanto, não se vê uma divisão na base do futuro governo. E Renan Calheiros (MDB-AL), que vai costurando sua volta ao cargo, parece estar disposto a negociar.
A petista Dilma Rousseff quis ficar neutra na disputa pela presidência da Câmara, em 2015, mesmo sabendo que Eduardo Cunha (MDB-RJ) era o favorito e lhe seria hostil. Dez meses depois de assumir a chefia da Câmara, Cunha aceitou o pedido de impeachment de Dilma.
João Domingos: Reforma da Previdência exige mais que torcida
A se julgar pelo que dizem parlamentares que conseguem medir as tendências do Congresso, no momento a reforma não passa
A aprovação neste ano da reforma da Previdência, ou de um remendo qualquer, como a idade mínima para se aposentar, seria o maior presente para Jair Bolsonaro depois dos 57.797.847 votos obtidos por ele no segundo turno da eleição. Começaria seu governo sem se preocupar com a idade mínima para a aposentadoria, a parte que sofre maior resistência por parte do Congresso e a que mais causa preocupação ao equilíbrio das contas públicas. Mais à frente poderia cuidar de outros detalhes menos polêmicos.
A questão a ser observada, porém, é que nesse momento a reforma não passa, a se julgar pelo que dizem parlamentares que conseguem medir as tendências do Congresso, entre eles o vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (MDB-MG). Para mudar essa tendência, Bolsonaro teria de exibir suas armas de negociador. Em primeiro lugar, unir forças com o presidente Michel Temer. Ao eleito, interessa aprovar o projeto, mesmo que aos pedaços; ao que sai, deixar no currículo a reforma da Previdência seria o melhor dos mundos.
Em segundo lugar, Bolsonaro teria de negociar com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o apoio à reeleição deste para mais um período de dois anos à frente da Casa. Sem esse acordo, Maia dificilmente fará um esforço maior pela reforma, pois dependerá dos votos do PT e de outros partidos de centro-esquerda numa eventual disputa pelo comando da Câmara com algum aliado do capitão. E esse campo político é contrário ao projeto.
É preciso considerar ainda que 243 deputados, ou 47,3% da Câmara, não se reelegeram. No Senado foi pior. Só oito se reelegeram na disputa que envolveu 54 cadeiras, com renovação de 85%. Como mobilizar esses parlamentares que estão se despedindo sem prometer alguma coisa para eles, nem que seja um carguinho no Estado para onde retornam?
Tanto Bolsonaro quanto Paulo Guedes, o futuro superministro da área econômica, têm dito que seria muito importante a aprovação da reforma da Previdência. Não poderiam dizer outra coisa. Eles sabem das dificuldades que tal empreitada carrega. Despejar otimismo sobre a possibilidade de aprovação da reforma tem efeitos benéficos para a economia. O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles fez isso o tempo todo. Não aprovou a reforma. Mas animou o mercado.
João Domingos: O presidenciável
Ao aceitar o Ministério da Justiça, o juiz Sérgio Moro se torna candidato ao Planalto
No momento em que aceitou o convite para assumir o Ministério da Justiça, o juiz Sérgio Moro credenciou-se para se candidatar à sucessão do próprio chefe, caso prospere a ideia de Jair Bolsonaro de acabar com a reeleição. Ou até para concorrer com Bolsonaro, se a reeleição for mantida e o capitão reformado do Exército se sentir tentado a buscar um outro mandato.
Esse será o caminho de Moro. Por mais que ele e Bolsonaro digam que o cargo de ministro serve para que o governo central assuma o combate à corrupção e ao crime organizado, e que, depois, o juiz de Curitiba será nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) quando uma vaga surgir, o fato é que, hoje, Moro está credenciado a disputar a próxima eleição para a Presidência da República.
A nomeação de Sérgio Moro para um superministério da Justiça a ser criado é também o pagamento de uma promessa de campanha feita por Bolsonaro ao eleitor que o elegeu, um eleitor que parece dar mais importância ao combate à corrupção do que às questões econômicas. Não que o nome do juiz estivesse vinculado à promessa. Mas, ao nomeá-lo, a identificação de uma coisa com a outra foi imediata. O eleitor talvez não tenha votado em Bolsonaro porque ele gosta de Bolsonaro. Ele votou no capitão porque este assumiu um discurso anti-PT e anticorrupção, e se propôs a ser aquele que virá demolir tudo para que algo novo nasça. Essa é a visão que uma boa parte do eleitorado vencedor tem daquele a quem deu o voto.
Alguém pode discordar de tudo isso. E certamente muitos vão discordar. O fato é que Bolsonaro venceu a eleição ao se opor ao PT, ao sistema político, aos esqueminhas e esquemões que costumam capturar governos e os tornam reféns do fisiologismo. Tanto é que, ao nomear Moro, Bolsonaro foi criticado por aliados e opositores, pois ele pôs no jogo político um nome que tem tudo para construir uma carreira política a partir de agora. O eleitor vibrou, ao contrário do status quo político, que aguarda a hora de botar a faca no pescoço de Bolsonaro em nome da governabilidade.
Quanto a Moro, mesmo que ele venha a dizer que não quer se tornar um político, como disse em 2016, numa entrevista ao Estado, ao aceitar o convite para o Ministério da Justiça ele se tornou político. Porque o cargo é político. Porque Moro tem vocação política. Na entrevista ao Estado, Moro chegou a dizer que jamais seria político. Estava enganado. Sua carreira de êxito na magistratura foi pontuada por atos políticos. Quando, em 2016, atropelando o relógio, divulgou o conteúdo de conversas entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, à véspera do impeachment, ele tomou uma decisão política. Por ela foi advertido. Se não tivesse divulgado o teor do grampo, que mostrava as manobras para dar foro privilegiado a Lula e livrá-lo de uma ordem de prisão, Dilma talvez não tivesse sofrido o processo de impeachment. Foi um gesto tão político que mudou a História.
Quando o juiz autorizou o acesso público a parte do conteúdo da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci, a uma semana do primeiro turno da eleição de 2018, Moro tomou uma decisão política, mesmo que no limite do que orienta a Lei Orgânica da Magistratura.
Moro sabe que, ao aceitar o convite para o Ministério da Justiça, ele deixa de ser o juiz de Curitiba reconhecido mundialmente pelo combate à corrupção e ao crime organizado. Passa a ser um superministro da Justiça com uma missão complexa. Se tudo der certo, e sua passagem pela Justiça resolver questões relacionadas à corrupção e ao crime organizado, será empurrado para o próximo passo, o de tentar ser o presidente da República do combate à corrupção e ao crime organizado.