João Campos

Ascânio Seleme: Filhos e netos se apropriam do capital político da família para pedir votos

Em Recife, onde uma neta e um bisneto de Miguel Arraes disputam o segundo turno

A história eleitoral brasileira está repleta de casos de filhos e netos que se apropriam do nome e do capital político do patriarca da família para pedir votos e quem sabe passar o resto da vida pagando suas contas com dinheiro público. Quanto mais próximo do primeiro político, melhor. Foi assim com os três zeros pouco qualificados de Bolsonaro, que se elegeram vereador, deputado e senador. Nas eleições municipais deste ano, há um caso que não chega a ser inédito, mas prova que as pessoas apostam mesmo no nome da família para ganhar um cargo. Trata-se de Recife, onde uma neta e um bisneto de Miguel Arraes disputam o segundo turno.

A neta, a deputada petista Marília Arraes, já tem um pouco de estrada e tentou uma outra vez ocupar um cargo executivo. Em 2018, mesmo liderando as pesquisas, teve sua candidatura abortada pelo diretório nacional do PT. O bisneto, João Campos, tem apenas 26 anos. Além de ser neto de Arraes, ele é filho do falecido governador Eduardo Campos. Ungido por dois sobrenomes, foi o deputado federal mais votado em 2018, aos 24 anos, e agora quer ser prefeito. Sua qualificação? É engenheiro, mas nunca exerceu a profissão. Graduou-se em 2016, mas aí já era secretário do governador que sucedeu seu pai dois anos antes.

Em São Paulo, outro neto disputa a eleição. Bruno Covas, neto do ex-governador Mario Covas, está no segundo turno e pode acabar eleito para um mandato inteiramente seu. No primeiro, foi vice de João Doria, que saiu para se candidatar a governador. Bruno foi deputado estadual, deputado federal e secretário estadual de Meio Ambiente no governo de Geraldo Alckmin. Mas aí, nenhum mérito. Até o nefasto Ricardo Salles foi secretário de Meio Ambiente de Alckmin. No Rio, o sobrenome Garotinho não rendeu votos para Clarissa, que chegou em 11º lugar com apenas 12.178 votos. No caso, o sobrenome mais atrapalha do que ajuda a deputada filha de dois ex-governadores encrencados.

Muito raramente os filhos e netos são tão eficientes ou bons quanto a quem deu origem à estirpe política. Há um caso emblemático no Brasil que mostra ser possível passar qualidade política geneticamente. Estou falando do presidente Tancredo Neves e de seu neto, o deputado Aécio Neves. Tancredo foi político de habilidade incomum e tornou-se um dos mais importantes brasileiros de todos os tempos. Artífice da redemocratização do Brasil em 1985, morreu sem tomar posse, virando quase um mártir político. Seu neto elegeu-se deputado, governador e senador. Muito eficiente e quase tão hábil quanto o avô, conseguiu ser eleito presidente da Câmara, o que não é trivial, e foi candidato a presidente. O problema é que seu futuro desapareceu quando descobriu-se que ele era um escroque.

Há diversos casos de transmissão familiar de prestígio político no país. Exemplos: Nelson Marchezan e Nelson Marchezan Jr., no Rio Grande do Sul; Esperidião Amin, Angela Amin e João Amin, em Santa Catarina; José Richa e Beto Richa, no Paraná; Antônio Carlos Magalhães, Eduardo Magalhães e ACM Neto, na Bahia; Jader e Helder Barbalho, no Pará; Renan Calheiros e Renan Filho, em Alagoas; Nelson e Nelsinho Trad, no Mato Grosso do Sul; os incontáveis Alves de Melo, no Rio Grande do Norte; e os inacreditáveis Iris e Iris Rezende (marido e mulher), em Goiás. E no Rio há ainda os Maia, o pai Cesar e o filho Rodrigo.

Embora a prática se espalhe pelo Brasil de maneira incontrolável, a herança política não é uma jabuticaba genuína. Nos Estados Unidos, desde a mais tenra idade da maior democracia da terra, pais já passavam prestígio para seus filhos. John Adams, um dos fundadores da pátria, foi o segundo presidente dos EUA sucedendo George Washington. Seu filho John Quincy Adams foi o sexto presidente americano. A dinastia Kennedy foi forjada pela tenacidade do patriarca da família e emancipada pelo lendário presidente John F. Kennedy. Até os Bush fizeram escala familiar, com George e George W. E os Clinton, Bill e Hillary, também tentaram, mas foram malsucedidos.

Filhos, netos e outros familiares têm o direito de exercer cargos eletivos depois que o patriarca fez sucesso na política? Legalmente, sim, porque a todos é dado o acesso a uma função pública, desde que cumpridos os requisitos de idade e idoneidade e que tenham concorrido democraticamente para o cargo. Moralmente, não, porque a beleza da democracia é que ela deve dar a todos as mesmas chances e oportunidades, e os que vão para uma disputa ocupando orgulhosamente o papel de filhinho do papai ou de netinho do vovô, já saem na frente e quase sempre com vantagem que todos os demais concorrentes não têm.


Bernardo Mello Franco: Duelo em família no Recife

Para quem gosta de acompanhar uma disputa em família, a eleição do Recife é diversão garantida. Os primos João Campos e Marília Arraes travam uma batalha renhida pela prefeitura. Eles duelam pelo espólio político de Miguel Arraes, governador de Pernambuco por três mandatos.

O filho de Eduardo Campos é candidato pelo PSB. Ele encarna o papel do príncipe herdeiro. Sua coligação reúne uma dúzia de partidos e conta com as máquinas do estado e da prefeitura.

Marília, a ovelha desgarrada, rompeu com o pai do rival em 2014. Acusava Eduardo de controlar a legenda com “mão de ferro” e de fazer tudo pelo poder. Ele se aliou a adversários históricos do avô e chegou a governar praticamente sem oposição.

Depois do acidente que matou o presidenciável, a dinastia acelerou a preparação do sucessor. Aos 22 anos, João virou chefe de gabinete do governador Paulo Câmara. Aos 24, tornou-se o deputado mais votado do estado. Aos 26, tenta se eleger prefeito.

A escalada pode ser interrompida por Marília, que migrou para o PT em 2016. Aos 36 anos, ela já mostrou que é boa de briga. Desafiou a direção regional do partido e se lançou com o aval do ex-presidente Lula, que havia vetado sua candidatura ao governo na eleição passada.

Ontem os primos se enfrentaram no primeiro debate do segundo turno. Quase saiu faísca. João acusou Marília de prometer cargos a figurões do PT sem mandato. Marília chamou João de “imaturo” e sugeriu que ele cumpre ordens da mãe. “Quem é que vai mandar na prefeitura? Comigo, as pessoas sabem. Com você, a gente fica sempre na dúvida”, provocou.

Os dois trocaram estocadas sobre alianças à direita. “Causa estranheza você estar se aliando com aqueles que chamam Lula de ladrão”, disse ele. “O palanque salada russa é o seu, tem do PCdoB ao partido dos filhos de Bolsonaro”, devolveu ela.

O candidato do PSB foi o mais votado no primeiro turno. Ontem o Datafolha informou que o vento virou no Recife. Marília ultrapassou João e agora lidera com dez pontos de vantagem: 55% a 45% em votos válidos.


William Waack: A escolinha de Brasília

Um choque da política como ela é aguarda os recém-eleitos

Alguns deputados federais recém-eleitos vão para o banco de uma escolinha de política antes de assumirem as cadeiras em Brasília. Conversei informalmente nesta semana numa reunião com quatro desses jovens representantes do povo, que tiveram boa votação por partidos diferentes como PSB, PDT e Novo em Pernambuco, Rio, Minas e São Paulo. Esses quatro novatos na Câmara (João Campos, Tabata Amaral, Paulo Gamine e Tiago Mitraud) pareciam desenvoltos, seguros, articulados e bem falantes – e com claras diferenças políticas entre si.

Em comum, dizem que vão votar pela própria consciência. “Sem caciques?”, veio a pergunta. “Sem caciques”, responderam. “Política como era”, adiantou um deles, “não vai mais ter”. É exatamente o que Jair Bolsonaro disse na terça-feira, no primeiro encontro do presidente eleito com uma bancada partidária, a do MDB. Na saída, o líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi (SP), disse que seu partido (a expressão consumada da velha política) não vai pedir cargos no novo governo. Todo mundo fingiu que acreditou.

Está decretado o fim do toma lá, dá cá, do presidencialismo de coalizão? Um presidente popular, cavalgando uma onda fortíssima de transformação política, vai conseguir governar sem ter de distribuir cargos, favores, ministérios “porta fechada” a políticos em troca de votos no Congresso? Acho dificílimo beirando o improvável. Por mais que se reconheça o impacto do voto de outubro, o sistema de governo está montado assim.

A renovação da Câmara para 2019 está um pouco acima dos padrões habituais, mas o que interessa sobretudo é a qualidade da renovação – e aqui há tanto boas surpresas quanto muito a desejar. Caciques apanharam, legendas tradicionais foram surradas, mas, paradoxalmente, o novo governo vai sentir falta de operadores capazes de fazer as coisas funcionarem. Afinal, não estamos falando de um ajuntamento de políticos reunidos como se fossem participantes de uma assembleia que só vota sim ou não. O Legislativo é uma instituição não só com muitos poderes, mas também com um acentuado espírito de corpo. Não é à toa que mesmo os recém-eleitos já falam da escolha de um presidente da Casa que não seja “pau-mandado do governo”.

O “fator Lava Jato” (leia-se Sérgio Moro) funcionará como sinal amarelo/vermelho para balizar o comportamento de parlamentares, mas o decisivo será entender que o Congresso continuará funcionando nas comissões técnicas e nas mesas diretoras através de partidos. As tais bancadas suprapartidárias são um ponto de partida, mas não têm a mesma consistência, organização e comando para dar segurança a quem precisa contar com um grande número de votos em matérias complexas. E nesse ponto é que se aguarda, respiração em suspenso, quais lideranças parlamentares surgirão, e como o governo vai lidar com elas.

Os quatro recém-eleitos acima descrevem felizes o fato de não terem dependido de cabos políticos tradicionais, como prefeitos e vereadores – portanto, estão “livres” para votar como quiserem. Mas não é assim com a imensa maioria de Vossas Excelências, que precisam da famosa emenda parlamentar para sustentar a base eleitoral.

Em parte, o governo é refém da promessa de acabar de um golpe só com o fisiologismo. Na ausência de uma profunda e ampla reforma política é temerário acreditar que isso aconteça por súbita “conversão” dos parlamentares (ou pela pressão articulada através de redes sociais). A política tal como ela é, com seus compromissos, negociações, troca de favores e influências – nada disso precisa ser imoral ou ilícito –, é a verdadeira escolinha que aguarda os recém-eleitos.


O Estado de S.Paulo: Novo Código Penal pode rever delação e prisão preventiva

Comissão da Câmara discute mudanças na regra da colaboração premiada e prazo de até 180 dias para a prisão provisória, medidas consideradas pilares da Lava Jato

Por Isadora Peron

BRASÍLIA - No debate sobre o novo Código de Processo Penal (CPP) na Câmara, deputados discutem mudanças nas regras de delação premiada, prisão preventiva e condução coercitiva, além da revogação do entendimento de que as penas podem começar a ser cumpridas após a condenação em segunda instância. As medidas, que em parte se tornaram pilares da Operação Lava Jato, costumam ser alvo de críticas dos parlamentares.

O Ministério Público Federal atribui à colaboração premiada importância significativa para o sucesso da operação e considera que ações para rever os acordos têm por objetivo enfraquecer as investigações. Atualmente, o instrumento é regulado pela lei que trata de organizações criminosas, de 2013. Dos artigos que constam no atual código, a prisão preventiva não tem duração determinada e a condução coercitiva não prevê punição em caso de uso considerado abusivo.

Pelo cronograma estabelecido pela comissão especial que discute o tema, o relator João Campos (PRB-GO) deve entregar o seu parecer ainda em agosto. Com isso, o projeto pode ser votado até outubro no plenário da Câmara. O texto final será resultado de outros cinco relatórios parciais já apresentados.

A reforma no CPP, que é de 1941, teve início no Senado e foi aprovada em 2010. Na Câmara, ficou esquecida até o ano passado e foi desengavetada durante a presidência do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), alvo da Lava Jato. O peemedebista teve a prisão preventiva decretada em outubro de 2016 e está atualmente em Curitiba.

Presidente da comissão que discute o CPP na Casa, o deputado Danilo Forte (PSB-CE) tem defendido alterações nos acordos de delações premiadas e na aplicação da condução coercitiva. Esses pontos estão em discussão, mas ainda não foram sistematizados em um relatório.

Forte discorda do fato de uma pessoa presa poder fechar acordos de delação premiada e defende que hoje há um poder excessivo concentrado nas mãos dos procuradores. Para ele, o juiz deveria acompanhar toda a negociação entre o Ministério Público e o delator, e não apenas ter acesso ao acordo no final do processo. Aliado de Temer, ele faz críticas ao acordo fechado com os irmãos Joesley e Wesley Batista e diz que o perdão da pena concedido a eles pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi excessivo.

Forte também considera que é preciso prever punições para quem desrespeitar as regras da condução coercitiva, que deve ser colocada em prática somente se uma pessoa se negar a prestar depoimento.

Prisões. Um dos relatórios parciais já apresentados trata sobre a questão das prisões preventivas. Elaborado pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) com a ajuda de advogados, juristas e professores de Direito, o texto propõe que haja um prazo de duração. Apesar de alguns integrantes da comissão defenderem um tempo menor, o deputado manteve a proposta inicialmente aprovada pelos senadores em 2010, que estabelece que esse tipo de prisão pode durar no máximo 180 dias.

No texto, Teixeira sugere também que o novo CPP deixe explícito que o instrumento “jamais” possa ser utilizado como “forma de antecipação da pena” e afirma que o “clamor público não justifica, por si só, a decretação da prisão preventiva”.

O relatório prevê ainda a “proteção da imagem do preso” e a punição das autoridades que deixarem uma pessoa ser fotografada ou filmada pela imprensa durante o momento em que é levada à cadeia. “Não se está, aqui, a regular ou restringir a atividade jornalística. Longe disso. Antes, busca-se responsabilizar as autoridades”, diz o texto.

Em outra frente, o relatório também modifica o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal em relação à aplicação de penas após a condenação em segunda instância. Para Teixeira, isso só deveria acontecer após o chamado trânsito em julgado, isto é, após se esgotar todos os recursos.

Esses pontos, no entanto, não são consenso entre os membros da comissão. Para João Campos, que também foi relator da lei das organizações criminosas, que disciplinou a delação premiada, não há porque incluir mudanças relativas às delações premiadas no texto novo do Código de Processo Penal. “É uma lei recente, de 2013, e o instituto da delação premiada vem dando certo”, disse.