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Janio de Freitas: Está fora de hipótese uma política econômica honesta nos aspectos sociais

Bolsonaro é um desastre nacional crescente, até quando levado a um breve alívio da fome dos indigentes

Bolsonaro deve festejar depressa o aumento em sua aprovação de 32% para 37% da população adulta, com a rejeição em queda de 44% para 34%, como detectado pelo Datafolha. A aparência generosa desses números esconde uma situação paradoxal e, pior, crítica para o futuro do próprio Bolsonaro, da economia e da eleição presidencial já em esboços.

É coisa de gaiatos a interpretação bolsonarista de que a melhora reflete satisfação com as alegadas medidas contra a pandemia e com a iniciada reabertura das atividades econômicas. São claríssimos os indicadores da contribuição determinante, para os novos números, do benefício emergencial de R$ 600 mensais, para o qual se inscreveram 40% da população. Aqueles que estão sem ocupação elevaram sua aprovação a Bolsonaro em 12 pontos e diminuíram a rejeição em 9. No quesito ótimo/bom, o índice dos que receberam o benefício mostra-se seis pontos acima dos que não o pediram e cinco pontos acima da média nacional.

No Nordeste, região que se destaca pela reversão de opiniões, os R$ 600 são o único dinheiro disponível no caso de 52%. No geral, mais de metade dos que receberam aquele meio salário mínimo, 53% deles, o usaram para comprar comida. A fome, portanto. Fome sem retórica, verdadeira e cruel, razão incomparável para reverter, como um agradecimento da indigente, a indiferença ou a rejeição antes espontâneas.

Ao custo, diz o governo, de cerca de R$ 50 bilhões a cada rodada de pagamento, o benefício se revela a Bolsonaro como o caminho capaz de levá-lo à reeleição que sempre atacou e agora é sua obsessão. Mas Paulo Guedes é direto: não há dinheiro para pagar ainda o benefício emergencial. Seria um único pagamento, em maio, de R$ 200 na humanidade máxima de Guedes e de R$ 600 na decisão do Congresso. A realidade se impôs, sob a forma de temor da massa sem ganho algum por força da pandemia, e veio a prorrogação até agosto/setembro. Agora, diz o ministro, acabou.

No dia mesmo em que o Datafolha preparava a divulgação da pesquisa, a quinta (13), os noticiários mal disfarçavam a euforia midiática com a declaração de Bolsonaro, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre reafirmando, como compromisso, a regra neoliberal de teto dos gastos governamentais. Arrocho, bem entendido. Era uma tentativa de aplacar a insatisfação que desmontava, com pedidos de demissão, o grupo de Guedes na Economia.

Menos de 24 horas depois, estavam contrapostos o teto de gastos e a continuidade do benefício como melhor perspectiva para Bolsonaro, os seus militares e os filhos ampliarem sua permanência no poder, utilizando-o como defesa e como mais queiram. E sem os riscos de tentar um golpe. Ao passo que o teto, se satisfaz as contas e a renda dos neoliberais teóricos ou empresariais, dificultará ou impedirá até a simples volta ao país anterior à pandemia. Com vistas à eleição, um problema talvez sufocante para Bolsonaro.

Ocorre que a escolha contra o teto incluiria uma derrota irreparável de Paulo Guedes. Com provável pedido de demissão. Além disso, se falta dinheiro e a pandemia não o promete, emissão de recursos e inflação não seriam surpreendentes. Com os efeitos conhecidos.

Está fora de todas as hipóteses sérias uma política econômica inteligente e honesta também nos aspectos sociais. Logo, Bolsonaro é um desastre nacional crescente, até quando levado a um breve alívio da fome dos indigentes. Realidade assim só é possível em país ele próprio indigente.


Janio de Freitas: Cada vez mais longe

Os que têm potencial e brigação de reagir tratam o avanço neofascista como mais um fato cotidiano

Com um largo passo, afastamo-nos mais da democracia, dos nossos direitos civis e da vigência plena da Constituição. E como se isso não acontecesse ou, se percebido, não fosse importante. A falta de reação proporcional é tão grave quanto o passo a que fomos empurrados.

Todos os governos de índole fascista começam a torná-la realidade por três ou quatro medidas que tolhem a liberdade de discordância.

Uma dessas medidas clássicas da derrubada de democracias é a identificação, fichamento e vigilância sigilosa de reais ou potenciais opositores ao autoritarismo. Uma das primeiras providências do gorilismo de 1964, por exemplo, foi a criação do SNI, serviço de espionagem interna mais tarde chamado de monstro pelo próprio criador, o sinistro general Golbery.

Tem essa mesma finalidade a função atribuída à Seopi, Secretaria de Operações Integradas, pelo recém-ministro da Justiça, André Mendonça, não muito menos sinistro na sua fisionomia sem expressão.

As atuais revelações do ex-repórter especialíssimo da Folha e hoje encontrável em blog no UOL, Rubens Valente, partem de um dossiê da Seopi, datado de junho.

São os dados e às vezes fotos obtidos em sua “ação sigilosa sobre 579 servidores federais e estaduais de segurança, e três professores universitários, identificados como integrantes do ‘movimento antifascismo’”.

Título do dossiê: “Ações de Grupos Antifas e Policiais Antifascismo”. Antifas é como se denominam os adversários ativos do fascismo em qualquer das suas formas.

O título explicita, portanto, o propósito da ação e do dossiê contra os defensores do regime democrático em vigor, como são, no caso e por definição, os antifas e os policiais antifascismo. Logo, trata-se de uma ação, sob ordens do próprio ministro da Justiça, mais do que inconstitucional, contra a Constituição em seu teor e vigência.

A Constituição não admite ações ou pregação contra o regime nela formulado. Tem a sabedoria da prevenção. Porque o início contra servidores e alguns professores, se não recebe a reação proporcional e legal, será, logo, estendido a outras linhagens da cidadania. Se ainda não foi.

E os que têm o potencial e a obrigação de reagir, até como defesa de si mesmos, trataram o revelado avanço neofascista como mais um fato cotidiano. Sim, os de sempre, jornais e TV, juristas, advogados, professores, intelectuais, artistas, políticos democratas — os visados.

O confronto entre os dallagnois de Curitiba e o procurador-geral Augusto Aras teve a preferência, brigas têm mais sensação. Acusada de caixa de segredos, a Lava Jato rebateu com a afirmação de que os seus arquivos “são avaliados por diversos entes, incluindo toda a sociedade”. Se isso não fosse mentira, não haveria o choque público por recusa do compartilhamento de dados pretendido pela Procuradoria-Geral.

Os dallagnois explicaram ainda as 38 mil pessoas e empresas constantes no seu arquivo, motivo de suspeitas de Aras. São menções em relatórios do Coaf, órgão de alegado controle da Receita Federal, mandados à Lava Jato para verificar suspeitas de lavagem de dinheiro.

Mas a Lava Jato não tem poderes para se meter em buscas a granel das vidas financeiras de pessoas e empresas. Fazê-lo é mais um dos seus habituais abusos de poder.

Executor dos objetivos da Lava Jato, Sergio Moro defende-o: “A operação sempre foi transparente e teve suas decisões confirmadas pelos tribunais de segunda instância e também pelas cortes superiores”. Mentira também. Até a segunda instância no Tribunal Regional em Porto Alegre, ainda que a contragosto, derrubou decisões da parceria Moro/Dallagnol. Nas cortes superiores, Moro recorreu até a pedido de desculpa, para evitar vexame maior.

Mas não faltará um registro simpático: os generais do bolsonarismo são pais dedicados. E dedicados até a simples amigas. Buscam-lhes bons cargos no serviço público, apesar de não terem habilitação. Como a nova representante do Ministério da Saúde em Pernambuco, Paula Amorim, nomeada pelo mérito de ter “relação de amizade e confiança” com o general Eduardo Pazzuelo. Os generais falavam de imoralidade dos políticos.

Em regime neofacista as mentiras e as imoralidades ficam mais fáceis. Justifica-se, pois.


Janio de Freitas: Críticas diluem ilusões militares sobre corresponsabilidade no governo Bolsonaro

Generais buscaram relevância logo nas duas áreas mais expostas à corrosão de imagem

Foi-se a cerimônia. Ou, mais autêntico, o temor. O temporal de críticas ao Exército dilui as ilusões militares sobre a sua corresponsabilidade, aos olhos públicos, na sanha destrutiva do governo Bolsonaro.

Aos generais construtores desse comprometimento não bastaram os erros de análise conjuntural e de presunção da sua capacidade. Buscaram relevância logo nas duas áreas mais expostas, no momento, à ofensiva das cobranças e da corrosão de imagem —a Saúde e a Amazônia.

Os militares do Exército não têm aptidão para lidar com essas circunstâncias adversas. Fazem dos fatos e das divergências a leitura facciosa e fantasiosa aprendida como arma na Guerra Fria.

O que está em questão, por exemplo, na reprovação exposta pelo ministro Gilmar Mendes, mas generalizada, à ocupação militar do Ministério da Saúde, não é susceptibilidade de tal ou qual instituição, como querem os comandantes e seu general-ministro. É, isto sim, nada menos do que vida. Vida humana, nas suas alternativas saúde, doença e morte.

Não foi por força de contingências que se viu o Ministério da Saúde entregue ao Exército. E daí a um general intendente, que logo substituiu 28 técnicos em áreas de saúde por militares. No crescer da pandemia aterrorizante, o Ministério da Saúde tornou-se um quartel inútil. Por que a militarização, senão por exibicionismo irresponsável e presunção corporativista?

A coordenação das ações estaduais, os testes considerados fundamentais (a mentira de Paulo Guedes: vamos comprar 40 milhões por mês), o apoio a pesquisas, o socorro preventivo às populações indígenas e concentrações da pobreza —nada, enfim, reconhecido em todo o mundo como indispensável e urgente, foi executado pelo ministério militarizado. São fatos.

A resposta à temeridade está em dezenas de milhares de mortes, não se saberá quantas, por ela acrescidas àquelas invencíveis. E também está na reação que não viu inverdade no que disse Gilmar Mendes: “É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio”. É fato.

Da mesma maneira, o que está em questão sobre a Amazônia é o que ali se passa, e não ambições externas e interesses de produtores americanos ou europeus. O que ali se passa são as consequências trágicas da opinião de Bolsonaro executada por Ricardo Salles, o condenado por improbidade a quem foi entregue a desventura do Meio Ambiente. O plano de liberação incentivadora do desmatamento não precisa de mais do que um indicador para desmoralizar as mentiras de Salles e de Bolsonaro, e as tergiversações do general e vice Hamilton Mourão.

O desmatamento no mês passado foi o 14º de aumentos mensais seguidos, ou desde o quarto mês do governo. Comparado com o último junho anterior a Bolsonaro, o de 2018, o desmatamento do mês passado é 112% maior. Mais do que o dobro. A essa política contrária ao patrimônio natural do país, Bolsonaro, falando a estrangeiros, chamou de “opiniões distorcidas” pela imprensa internacional. A clareza dos números advém, no entanto, da clareza de suas causas.

As sanções a desmatamentos flagrados diminuíram 60%. O sistema de fiscalização do Ibama foi destroçado por Salles, com demissões em massa e punição à persistência de fiscais em combater desmatadores.

O que resta do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente é assunto de uma denúncia formal ao Tribunal de Contas da União pela associação dos servidores: a eles é forçada a sua inoperância, com suspensão dos planejamentos, dos contatos sistemáticos com os municípios e da agenda de ações sociais nas comunidades da floresta.

Prova de que a devastação é política de governo, não só o Ministério do Meio Ambiente a executa. Na semana passada, A coordenadora-geral dos sistemas que monitoram o desmatamento, ambos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, foi afastada do cargo pelo ministro de Ciência e Tecnologia, coronel Marcos Pontes.

Assim como Bolsonaro, em 2019, exonerou Ricardo Galvão da direção do Inpe em seguida a dados sobre o crescente desmatamento, agora Lubia Vinhas foi transferida em seguida à divulgação do desmatamento em junho, o maior em cinco anos.

Pormenor ilustrativo: o afastamento da coordenadora-geral incluiu uma fraude. Publicado no Diário Oficial de 13 de julho, trazia a data de dia 6, como se a medida fosse quatro dias anterior à divulgação do desmatamento recordista por Lubia Vinhas.

Nem por isso “o governo será avaliado por sua ação na Amazônia”, como crê o vice Mourão. Sua ação contra o país não cabe nem na vastidão amazônica. As corresponsabilidades, idem.


Janio de Freitas: Bolsonaro e o vírus, enfim sós

Veto do presidente aos socorros para os indígenas é de baixeza inominável

Entre Bolsonaro e o coronavírus, não se sabe qual contaminou o outro.

Está comprovada, no entanto, a associação de ambos para deslocar as atenções postas em três assuntos já próximos da implosão: os feitos e efeitos da ligação de Bolsonaro com o advogado e etc. Frederick Wassef; a inclusão do gabinete do filho Carlos nos desvios de verba pública que embrulham o filho Flávio e as 350 movimentações de cargos e remunerações no gabinete de Jair Bolsonaro quando deputado.

Esse levantamento, feito pelos repórteres Ranier Bragon e Camila Mattoso, desce a período bastante anterior às “rachadinhas” no gabinete de Flávio.

Com isso, sugere uma linhagem de práticas hereditárias cuja origem e o centro ficam claros. Uma face da trama ganha forma. A outra, que apresenta coadjuvantes como Fabrício Queiroz e sua mulher, é a da conexão miliciana que não cabe na responsabilidade pespegada em Queiroz.

A propósito, os vários celulares recolhidos com Adriano da Nóbrega, em seu assassinato na Bahia, sumiram nas artimanhas de polícias e promotorias, indicação certa de sua capacidade explosiva para poderosos na milícia, na polícia ou na política. Ou, sem ressalvas, nas três.

Mas não é nesses fatos e indícios que o ministro da Justiça e pastor André Mendonça vê incursão na Lei de Segurança Nacional, por mais que possam tangenciar a própria Presidência da República.

Ainda impregnado, ao que parece, do culto à ditadura, não reconhece nem esta obviedade que humilha o Brasil no mundo: não há como “difamar e caluniar” Bolsonaro, como concluiu a nublada leitura de Hélio Schwartsman pelo ministro.

Prevalece a razão irreparável de que são públicas e notórias, e não recônditas ou inventadas, as ameaças à vida, os atos destrutivos e antissociais do desvario de Bolsonaro.

Embora a relação entre a Covid-19 e Bolsonaro não mereça, a meu ver, senão indiferença igual à dele pela vida e o sofrimento dos demais, compartilho a convicção de que sua continuidade no governo
será sempre perniciosa.

Mesmo a pouca sabedoria da humanidade foi capaz, porém, de criar soluções aquém da morte. O problema é que também dependem do caráter e da contenção de ambições por parte de outros —algo
pouco encontradiço onde, no Brasil, precisaria proliferar.

Agora mesmo, Bolsonaro está comprovando o quanto é pior do que o vírus, este capaz de encerrar sua perversidade. O veto de Bolsonaro aos socorros aprovados no Congresso para os indígenas, medidas e auxílios materiais singelos, é de baixeza inominável. É condenação, por meio apenas de ligeira canetada, à morte e ao sofrimento de indefesos. Crime.

Ainda não chegou aos indígenas, mas a Amazônia e sua defesa começam a receber do mundo mais do que palavras queixosas e românticas. A floresta arde, em recordes de fogo. Sem estar ainda no mês quase sempre mais incandescente, agosto.

O vice Mourão caiu na armadilha e, feito responsável pela Amazônia, vai arcar com os futuros ataques que seriam para Bolsonaro. Mourão tem o título, o poder de fato foi deixado com o maléfico Ricardo Salles, que, como ministro do Meio Ambiente, tem vocação para penitenciário.

Bom, Mourão prometeu a empresários 120 dias de trégua no fogaréu, no desmatamento e no garimpo. E depois? Depois nada, nem haverá depois, porque não haverá trégua. Salles desmontou os serviços de preservação, vigilância e repressão. Dois ex-coordenadores de Fiscalização Ambiental do Ibama, Renê Luiz de Oliveira e Hugo Loss, deram valentes depoimentos sobre a ação nefasta de Salles e Bolsonaro contra o combate a madeireiros, incendiários e garimpeiros. O governo não está do lado da Amazônia, como não está do lado do combate à pandemia.

A maior diferença entre Bolsonaro e o coronavírus é que o segundo não tem aliados, nem generais a aplaudi-lo e protegê-lo.


Janio de Freitas: Desmandos da Lava Jato atestam que modelo atual é falho e manipulado

Novas transcrições de mensagens dão um salto temático no poço das intromissões americanas na soberania brasileira

As novas, mas não últimas, transcrições de mensagens da Lava Jato curitibana dão um salto temático no poço, tenebroso e sem fundo, das intromissões americanas na soberania brasileira.

Não foi por obra do acaso que esse capítulo a mais da amizade inconfiável se configurou no âmbito da Lava Jato, empreendimento político em área judicial e com bolsonaras consequências também nas relações externas.

As mensagens transcritas e seus aditivos dedicam-se à ação e aos agentes do FBI na América Latina, a título de investigar empresas americanas na corrupção local.

Se provada, a participação sujeita a punições, sobretudo financeiras, nos Estados Unidos. Um tratado Brasil-EUA autoriza tais investigações aqui e estende o acordo à colaboração mútua em investigações, com normas intermediadas pelo Ministério da Justiça. No mesmo gênero, há acordos sobre tráfico de drogas.

As mensagens transcritas expõem a falta de adequação, controle e limite na interação de Lava Jato e pessoal do FBI no Brasil. No muito extenso e um tanto caótico material publicado, sobressaem Deltan Dallagnol e sua tentativa de burlar as regras do acordo para obter, por desvio clandestino, a localização e prisão nos EUA de um alvo da Lava Jato, seguidas de extração para o Brasil.

Dallagnol, de maneira bem característica, prefere não obter o pretendido a se sujeitar às leis e a um acordo internacional do Brasil.

Coordenadora dos agentes secretos da alegada caça à corrupção, na América do Sul, Leslie Rodrigues Backschies não aparece bastante no material transcrito. Mas não pelo melhor.

Trata-se de sua explicação para o empenho do FBI na caça a corruptos aqui e alhures: é a segurança dos Estados Unidos e de seus cidadãos. A corrupção pode financiar o terrorismo. Mas não só. Nas sociedades onde as pessoas se sentem governadas por corruptos, “irão buscar outros elementos […] que veem como limpos. E isso se torna uma ameaça para a segurança”. A deles lá.

Curioso: combatem a corrupção da velha política, mas o novo é “uma ameaça”. A explicação da agente principal nem precisou explicitar a solução: combater a corrupção, que pode financiar o terrorismo, e impedir o novo, porque “se torna uma ameaça” de recusar a subserviência da velha política.

É assim e por isso que o FBI, a CIA, a NSA (a dos grampos em Dilma) se transfiguram em poderes eleitorais. Como sabem, muito bem, Sergio Moro, tão homenageado pelos agradecidos dos Estados Unidos, e Deltan Dallagnol, que, agradecido ele, reconhece nas mensagens o seu aprendizado com os agentes americanos.

Crítico da Lava Jato sem expor os motivos, ainda assim o procurador-geral da República, Augusto Aras, tem razão. As ilegalidades, os desmandos e desvios de finalidade da Lava Jato atestam que o modelo atual de força-tarefa é falho e manipulado com má-fé, pernicioso.

Mas seu projeto de uma central das forças-tarefas levaria as deficiências de hoje ao extremo. É um projeto de poder pessoal, não a solução. Que precisa ser buscada, assim como é necessária uma força-tarefa para investigar a força-tarefa da Lava Jato, em nome do país.


Janio de Freitas: Decisão da Justiça sobre Flávio Bolsonaro merece uma investigação

Nada acontece por acaso nesse inquérito sobre anos de apropriação de salários no gabinete do filho do presidente

A mais recente decisão da Justiça sobre Flávio Bolsonaro, favorecendo-o contra a investigação que mais abala seu pai, merece ela mesma uma investigação. Nada acontece por acaso nesse inquérito sobre anos e anos de apropriação de salários no gabinete de Flávio quando deputado estadual.

Em torno desse tema, emergem interações com milícias, exóticos negócios imobiliários e outros indícios. Todos do tipo que, nas ocorrências de combinação entre submundo e política, em geral são causa de ameaças, chantagens e subornos.

Os desembargadores Mônica Oliveira e Paulo Rangel têm comprovado conhecimento do acórdão do Supremo contra o qual votaram para transferir o inquérito, do juiz de primeira instância ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça-RJ. Como desejado por Flávio. E com possível anulação de tudo até agora apurado por decisões do juiz Flávio Itabaiana, como movimentações financeiras anormais e a reveladora prisão de Fabrício Queiroz.

Em tentativa anterior da defesa de Flávio, Mônica Oliveira negou a transferência do caso. Como fixado pelo Supremo para o investigado que deixou a função privilegiada com instância especial. Hoje senador, Flávio não pode ter os privilégios dos deputados estaduais. Paulo Rangel deixou em livro seu apoio à norma contra a qual votou agora. Contradições tão acintosas, em oposição também à relatora Suimei Cavalieri (Flávio foi favorecido por dois votos a um), precisam de mais do que recurso ao Supremo para repor o respeito à norma, lá mesmo decidida e já aplicada.

Há mais do que a razão óbvia para estranheza e suspeição. A reviravolta expõe a Justiça ao mesmo comprometimento moral, e quem sabe legal, a que militares da reserva e da ativa estão expondo o Exército, como participantes diretos ou indiretos nos danos ao país causados pelo quarteto Bolsonaro e seus contribuintes. Os conselhos nacionais de Justiça e do Ministério Público, no entanto, notabilizaram-se, até agora, por sua tolerância com ilegalidades nas respectivas áreas, muitas delas gravíssimas como violação e nos efeitos. Resta contar, sem exagero, com o reencontro iniciado entre o Supremo e sua dívida com o país que tanto lhe dá.

Por sua conta, procuradores da República dão ao procurador-geral, Augusto Aras, um sinal da justa indignação que grassa entre eles: sua maioria sente, e repele, o incipiente reaparecimento de um Geraldo Brindeiro, o procurador-geral de Fernando Henrique batizado de engavetador-geral, símbolo de indignidade na Procuradoria e no governo de então.

Os procuradores elegem agora para o Conselho Superior do Ministério Público Federal o colega Mario Bonsaglia, o mais votado pela classe e preterido por Bolsonaro para substituir o dúplice Rodrigo Janot. Como reforço da mensagem, Nicolao Dino, já conselheiro, foi reeleito. Foi outro dos mais votados que Bolsonaro preteriu pelo sem voto Augusto Aras.

O primeiro teste pós-sinal já bate na porta de Aras, o relutante. Não há dúvida de que Ricardo Salles, ministro contra a preservação ambiental, já fez mais do que o necessário para responder por vários crimes de responsabilidade. Providência pedida à Procuradoria-Geral da República por nove ex-ministros do Meio Ambiente.

Ricardo Salles, invenção política de Geraldo Alckmin, é condenado por improbidade administrativa. Credencial que foi o mais provável motivo, à falta de qualquer outro, para ser o escolhido de Bolsonaro com a missão de destruir reservas indígenas, propagar o garimpo ilegal e os recordistas desmatamentos e incêndios amazônicos. Quase ignorado pela imprensa, abaixo de Bolsonaro é o maior causador de danos ao Brasil nas relações econômicas, diplomáticas e culturais do Brasil com o exterior.

Mas o próprio Bolsonaro iniciou nova fase: entrou em confinamento verbal. Desde a prisão de Queiroz, o que é uma prova irrefutável, e mesmo uma forma confessional, do perigo que agora lhe vem dessa longa ligação pessoal e funcional. Com novo dispositivo e novas figuras para remendar sua imagem, borrada por Wassef, Queiroz e o fugitivo Weintraub, Bolsonaro seguiu a recomendação de uma visita bem popularesca ao Nordeste. E foi celebrar, até com variadas mímicas de entusiasmo, um feito para a vida nordestina. A irrigação com águas do São Francisco. Obra de Lula e Dilma.


Janio de Freitas: Caso Queiroz tem efeito corrosivo no vínculo do presidente com militares

Como se sentem os generais, na condição de integrantes e esteio de um governo que treme porque um miliciano foi encontrado?

Uma presença velada na turbulência trazida pela prisão de Fabrício Queiroz ficou, entre os atingidos, com a perda mais perturbadora. Como se sentem os generais, ainda fardados ou não, na condição de integrantes e esteio de um governo que treme porque um miliciano foi encontrado em seu esconderijo? Podem ser sensações insondáveis ou enganosas, imutáveis ou indiferentes. São efeitos pessoais. Mas nos níveis de responsabilidade pelas Forças Armadas, em especial no Exército, a questão ferve. Os reflexos do vínculo de militares com Bolsonaro e associados estão agravados em seus efeitos, externos e internos, sobre a instituição. Mais: em vésperas de piora.

O Exército exposto a investigação por indícios de superfaturamento em compra, volumosa e sem licitação, de substâncias para fabricar cloroquina, é mais um custo moral, e talvez penal, a pagar por serviço a Bolsonaro, e não ao país e à ciência. E tão elevado quanto justificado pela constatação, devida ao procurador Lucas Furtado, de compra com preço seis vezes acima do valor já corrigido por efeito do coronavírus e do dólar.

Não é tudo, porém. Abrindo-se outra linha de estranheza, a obstinação de Bolsonaro pelo uso de cloroquina e hidroxicloroquina em larga escala, contra a pandemia, tem um precedente obscuro: a sua campanha, quando deputado, pela adoção da pretensa “pílula do câncer”, que pesquisas mostravam ser ineficaz. Bolsonaro teve um ativo parceiro nessa empreitada suspeita: Frederick Wassef —o advogado da família Bolsonaro, íntimo dos palácios da Alvorada e do Planalto no atual governo, hospedeiro dissimulado do desaparecido Queiroz e, claro, entusiasta do novo interesse farmacêutico do seu principal cliente e amigo. Além do mais.

Outro elo com a (quase) misteriosa atração exercida pela cloroquina, o também general e ministro Eduardo Pazuello, da Saúde, já informou que o seu ministério se lançará em distribuição nacional das duas substâncias. Para gestantes e crianças. Cortar o mal pela raiz, vê-se, com o anunciado “uso preventivo”. No mesmo dia dessa informação valiosa em mais de um sentido, Donald Trump revogou o uso de ambas as drogas contra o coronavírus.

Em contraste com o trêmulo bolsonarismo oficial, por três momentos o Supremo Tribunal Federal trouxe de volta a ideia de uma corte digna e confiável, na sua função de trincheira última das conquistas inscritas na Constituição. Já no futuro próximo, tal função será convocada várias vezes. O monturo de sujeira que sustenta a organização do neofascismo bolsonarista, as atividades de Fabrício Queiroz e próximos, inclusive um assassinato em que foi comparsa do recém-eliminado Adriano da Nóbrega; as práticas de Flávio Bolsonaro, do próprio Jair como presidente, deputado e pessoa física, além das ilegalidades políticas e administrativas —isso e muito mais já põe e manterá o Supremo sob interrogação.

Sem apoio decidido, as respostas do tribunal estarão sujeitas à acomodação posta em moda e, está demonstrado, contribuinte para a situação sempre mais problemática. A dubiedade de Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, Dias Toffoli, e outros dificulta a defesa do STF, da democracia e da Constituição. Se assim for ainda, cada um por si para estar com os outros pela democracia, porque Bolsonaro tentará destruí-la por necessidade, sua e de seus filhos. Ele é o chefe, comandou tudo e sabe de tudo. Fabrício Queiroz não é a figura central.

Pela recusa
Se Abraham Weintraub for aceito no Banco Mundial, a entidade não será mais o Banco Mundial. Ainda que nem sempre respeitado na plenitude, o princípio fundador desse cofre é o apoio financeiro a países, sem distinção por níveis de pobreza e riqueza, raça, cultura e religião. Weintraub é racista brancóide, é elitista, é preconceituoso em religião e em riqueza versus pobreza.

Seu último ato no Ministério da Educação, já decidida a queda, foi revogar a reserva de vagas para negros, indígenas e deficientes aspirantes à pós-graduação em instituições federais de ensino superior. Gesto torpe de um homem torpe.

Será indecente, para o Banco Mundial, tê-lo em alguma dependência.

Na dúvida
É uma família ou uma quadrilha?


Janio de Freitas: Brasil está a pouca distância de uma tragédia monstruosa

Os ditos de Bolsonaro e seu grupo são demonstrações de alienação

Com a histórica indiferença por seu destino, o Brasil está a caminho de todos os recordes negativos cabíveis na pandemia, já alcançados alguns deles. Como a rapidez de disseminação e a mais deficiente comunicação/conscientização dos riscos, orientadas por um governante (sic) que se dedica a incitar e encabeçar aglomerações com propostas criminalmente golpistas.

Como consequência lógica, o Brasil está a pouca distância de uma tragédia monstruosa: a população indígena corre o risco de sucumbir a um genocídio. Bolsonaro desconstruiu a sempre mínima rede de setores governamentais voltados, ainda que em parte, para alguma assistência aos remanescentes de brasileiros originais.

Corte de recursos, demissões numerosas, entrega de cargos a militares despreparados e apoio a grileiros, desmatadores, madeireiros e garimpeiros ilegais já compunham as bases da tragédia continuada e agravada.

O descaso por providências emergenciais para a proteção contra a virose mortífera, tratando-se da mais vulnerável população, é o cume da política de crime governamental. Não é novidade, mas nunca foi tão descarada.

Diz o general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, que Bolsonaro é apenas “reativo”, os outros é que lançam os ataques. Esse ministro não entende que políticas são agressivas ou defensivas, responsáveis ou até criminosas, nas relações de governo e população.

Reativas são as críticas a Bolsonaro, que não precisou chegar ao título de presidente para agredir o país em atos e palavras desumanas, racistas, de violência e uso de armas.

O próprio general Ramos comete agressivas atitudes contra a Constituição, a democracia e os cidadãos em geral. Sua última encenação é uma botinada na legalidade constitucional, com a afirmação de que os militares não pensam em golpe desde que a oposição “não estique a corda”.

E o que foi que o general esticou, ao dizer inverdades para servir a Bolsonaro no depoimento sobre a reunião dos desvairados? Inverdades que o levaram a correr com um pedido para retificá-las, prevenindo-se de processo por falso testemunho.

Mas minha preferência, entre as produções verbais do general Ramos, é sua resposta a certa dúvida sobre uma atitude de Bolsonaro: “Conheço há muito tempo aqueles olhos azuis…”. Só não sei o quanto a resposta clareou alguma dúvida. Ou aumentou-a.

Quaisquer que sejam, os ditos de Bolsonaro e seu grupo são demonstrações de alienação. Autêntica e insolúvel. Não é o caso do que diz, por exemplo, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, diante das realidades brutais trazidas por Bolsonaro e sua tropa. “Algumas atitudes [de Bolsonaro] têm trazido uma certa dubiedade, e essa dubiedade impressiona e assusta a sociedade brasileira.”

Só isso? O ministro do Supremo nada vê além disso?

Esse é um pronunciamento que a nenhum integrante do Supremo deveria ser permitido, em tempo algum. Acovardado, mentiroso, nem ele e seu autor são dúbios, como Bolsonaro não é. Quando todos atentam para as ideias e manifestações antidemocráticas e contrárias à Constituição, de Bolsonaro, filhos & cia., Dias Toffoli desce a dizer-nos que tem “certeza, em todo o relacionamento harmonioso que tenho com sua excelência, com seu governo e com o vice-presidente Hamilton Mourão, […] que eles são democratas. Merecem o nosso respeito”.

Dias Toffoli abre mão do nosso respeito. A que troco, não está claro. Uma carreira política, talvez, uma vice para começar. Com o democrata Bolsonaro, quem sabe, ou alguém entre os vários que veem o retrocesso do país, a invasão dos meios de administração por incapazes e desatinados, riscos entre o de genocídio indígena e o de problemas internacionais perigosos —veem, mas jamais passam de umas poucas palavras de crítica leve, se chegam a isso, para voltar pouco depois às conveniências da ambição.

Que assim é, em nove exemplares sobre dez, a gente importante hoje circulando no Brasil.


Janio de Freitas: Gana de Bolsonaro armar 'todo mundo' vem da sua propensão para a morte alheia

Vídeo mostrou reunião de loucos, impostores, fanáticos, aproveitadores, militares sectários, e uns poucos estarrecidos

Ninguém, nem o próprio Bolsonaro, sabia que nele se escondia, até agora, uma vontade stalinista de exterminar fisicamente os ricos e os bem remediados. Sabê-lo foi, a meu ver, o mais importante efeito do vídeo —liberado em decisão retilínea do decano Celso de Mello no Supremo— da reunião de gente do governo. Como ato, a reunião está acima e abaixo de qualquer qualificativo.

A exibição justificou a expectativa, mas não pelo pretendido esclarecimento entre as versões de Bolsonaro e Moro sobre manipulações do primeiro na Polícia Federal. Tivemos o privilégio de ver e ouvir um fato, mais do que sem precedente, sem sequer algo assemelhado no que se sabe dos 520 anos brasileiros.

Foi a reunião de loucos, impostores, fanáticos, aproveitadores, militares sectários, e uns poucos estarrecidos como o então ministro Nelson Teich. E alguém que se divertiu, sem dar descanso ao ríctus irônico, às vezes insuficiente para deter o sorriso —o vice Mourão, um general, ora veja, com senso de humor.

A exibição do ambiente de alta cafajestada, enfeitado pelo idioma doméstico de Bolsonaro, seguiu-se a uma sessão preparatória, da lavra do general Augusto Heleno e convalidada pelos generais palacianos. Resumido de corpo e ressentido típico, Augusto Heleno é dos que não falham: onde esteja, sua soma de arrogância e agressividade frutificará em problemas.

Exemplo definitivo: sua única missão propriamente militar levou a ONU ao ato inédito de pedir ao governo brasileiro a sua retirada do Haiti, onde manchou com operações desastradas e numerosas mortes o comando brasileiro de uma força internacional contra a violência local.

A nota de Augusto Heleno contra Celso de Mello e o Supremo é uma dupla consagração da ignorância que nunca deveria estar no generalato. Nesse nível, tomar uma tramitação judicial corriqueira por uma medida “inaceitável e inacreditável”, de “consequências imprevisíveis” sobre a “estabilidade nacional”, é ameaça criminosa. Essas consequências silenciadas por covardia resumem-se a uma, que conhecemos. Por um acaso preciso, apenas horas antes da nota obtusa e ameaçadora a Folha trazia este título: “Militares não vão dar golpe no país”. Nota e declaração do general Augusto Heleno.

O vídeo não nega, nem reforça, a intenção de manipular a PF, já clara em fatos anteriores e posteriores à reunião. Mas o confessado propósito de proteção policial também para amigos, além de familiares, não é bondade ilegal de Bolsonaro. É necessidade e recado.

Com dois balaços, o capitão PM Adriano Nogueira deixou de ser amizade preocupante, mas para o sumido Fabrício Queiroz, e sabe-se lá para quantos outros, continua a preocupação protetora e mútua. Isso vale vidas, em meios peculiares como milícias, gangues e tráficos.

As vidas que nada valem são outras. “Eu quero todo mundo com arma!”, “eu quero todo brasileiro armado!”, “eu quero o povo armado!”, berrou o chefe aos seus generais impassíveis e paisanos desossados.

Bolsonaro sabe que o povão maltratado, humilhado, explorado e roubado em todos os seus direitos, no dia em que também tivesse ou tiver armas, não teria dúvida sobre o alvo do fogo de sua dor secular. Adeus ricos, adeus classe média alta.

Em quase três décadas no Congresso e ano e meio com o título de presidente, Bolsonaro só teve atos e posições prejudiciais aos assalariados, aos trabalhadores aposentados, aos que sobrevivem do trabalho informal —à larga maioria brasileira, ao povo.

Para isso tem Paulo Guedes na orientação do que pode fazer para destruir os ralos programas sociais, a educação, o arremedo de assistência à saúde. A gana de armar “todo mundo” não vem de insuspeitada e extremada revolta de Bolsonaro com a desumanidade dominante no Brasil. Vem da sua propensão obsessiva para a morte alheia, até mesmo por meio de um vírus.

O desespero de Bolsonaro por certo corresponde à gravidade do que teme, se levadas com decência as investigações que o envolvam e a seus filhos maiores. Daí que a figura de Bolsonaro no vídeo seja a de quem não está longe da implosão.

*Janio de Freitas é jornalista


Janio de Freitas: Festa no hospício

 Bolsonaro e seu incentivo mortífero estão configurados na legislação criminal 

A substituição, em meio a uma pandemia, de um ministro que segue a Organização Mundial da Saúde e as práticas bem-sucedidas em numerosos países é, em qualquer caso, jogar a vida alheia em uma aposta cega e cruel. Homicida ou genocida, potencialmente. No caso brasileiro, o ato é ainda mais grave no desprezo egoísta por todos os demais, todo um povo.

O ministro que chega traz muita incerteza e confiança rala. Está há muito afastado da prática médica (“fui médico”, disse na posse), nem teve, jamais, alguma experiência com serviços de medicina pública. Como pessoa, sua fala de escolhido foi uma enrolação ininteligível.

Afundou na dupla má intenção: pôr-se tanto como adepto do isolamento recomendado pelas melhores competências médicas —e também por ele defendido em texto de 13 dias antes— como anunciar-se “em alinhamento completo” com Bolsonaro, ou contra aquelas recomendações.

Essas credenciais inversas foram as aprovadas pelo trio de autoridades no assunto que, escolhidas por Bolsonaro, submeteram Nelson Teich a avaliação: um dono de construtura, Meyer Nigri; o publicitário Fabio Wajngarten, tido como distribuidor do coronavírus na Casa Branca e no Planalto, e um dos três vice-presidentes informais-efetivos, Flávio Bolsonaro.

As afirmações de que Bolsonaro retirou Mandetta por interesse eleitoreiro mereceram, por parte de Sergio Moro, uma confirmação traidora: não há, diz ele, “ninguém em sã consciência preocupado com popularidade”. Sendo notório que Bolsonaro não tem consciência sã, Moro o acusa de eleitoralismo. E o faz, não esqueçamos, como íntimo conhecedor de tal consciência.

Apesar do cuidado na escolha de um companheiro para Damares, Weintraub, Ernesto Araújo, Augusto Heleno, Ricardo Salles, Wajngarten e cia., uma possibilidade ficou sem resposta: por que não um general, mais um? Na reunião ministerial que antecedeu por horas a demissão de Mandetta, Bolsonaro quis lembrar aos presentes que foi eleito presidente, algo esquecido no próprio governo.

E daí partiu para o apelo patético de que os ministros ouçam suas opiniões. Pois então, ninguém mais do que os generais do governo, e parece que também de fora, ouve, aceita, concorda, apoia e defende o que Bolsonaro diz e faz.

Com um ou com outro, importa é o que Bolsonaro diz à multidão dos inquietos com o isolamento protetor: “Está começando a ir embora essa questão dos vírus”. Por isso, “tem que abrir o comércio, voltar à normalidade”, “tem que enfrentar o vírus, não adianta ficar dentro de casa”. Com mais ênfase, “tem que voltar à escola”.

A exigência de Bolsonaro contrasta com a situação calamitosa da mistura de mortos e doentes em Manaus, por explosão das contaminações e óbitos. Na constatação da Folha, seis dias atrás, 178 prefeituras de São Paulo já somavam mais de 1.000 casos de contaminação e 100 mortes além do total apresentado pelo governo paulista. O mesmo, por certo, se dá em vários estados, se não em todos. O Brasil não tem preparo nem para contabilizar seus mortos e doentes.

A incitação ao risco maior e à desobediência às recomendações preventivas tem, é óbvio, fácil penetração nos segmentos menos instruídos. Sem dúvida, é causa de parte do aumento de aglomerações pelo país afora, com avanço das contaminações.

Bolsonaro e seu incentivo mortífero estão configurados com clareza na legislação criminal. Inaplicável porque a carência de caráter se impõe à legislação. Mas daí não resulta que crime deixe de ser crime e criminoso deixe de ser criminoso.

Por tudo o que disse até agora, o recém-ministro Nelson Teich subscreve, com repetição sobre repetição, estar “em alinhamento completo” com Bolsonaro. Torna-se de repente convicto da “gripezinha”, portanto, e do que a leva até o Código Penal. Disposto a acabar com o isolamento preventivo, mas não com a falácia: nada vai “mudar de forma brusca”. Logo, vai mudar. Mudança brusca basta-lhe a sua.

A OMS e a ciência médica contrariam a “vingança de satanás”, a “gripezinha”, a economia, o interesse eleitoral de Bolsonaro e incontáveis coronavírus. A turma do Planalto e as cúpulas dos ministérios mostram-se aliviadas, sem exceção incômoda, na terra sempre e toda plana.

Janio de Freitas é jornalista.


Janio de Freitas: O mau cheiro do golpismo

O chamado ao povo contra o Congresso e o Supremo tem o odor palaciano

Ao instalar o estado típico de pré-golpe, Jair Bolsonaro viu sair de cena o caso do miliciano Adriano da Nóbrega. Uma vitória. Parcial, mas vitória. A possível investigação e a apreensão dos 13 celulares do fugitivo levaram Bolsonaro a mostrar-se, mais do que apreensivo, temeroso mesmo. O miliciano, é claro, não foi por ele defendido e homenageado na Câmara senão por conveniências especiais para fazê-lo.

Pelo visto, também a polícia e o Ministério Público sentiram-se aliviados com o sumiço do caso.

Execuções para silenciar sempre têm tratamento recalcitrante nas áreas investigativa e judiciária. São perigosas ou vantajosas.

Outros silêncios, nem sugiro onde, têm lá suas explicações, nem sugiro quais. Coisas que ficam muito bem no recente patamar a que o desastre nacional nos leva.

O estado típico de golpismo não é a certeza de golpe. É a situação em que um segmento político ou militar —e em geral ambos— força circunstâncias contrárias à integridade institucional, cujo eventual abalo deixa, aí sim, o caminho aberto para a tentativa de um golpe. A reação a movimentos nesse sentido ainda é insuficiente e tímida, em comparação com a persistência de Bolsonaro e dos seus próximos na transgressão dos respectivos limites legais, de decoro e já constitucionais.

A ocorrência, nos últimos dias, não de atos isolados por parte de Bolsonaro e Augusto Heleno, entre outros, mas de uma conjugação intencional e prévia, é uma hipótese indescartável. Se o general não previu o vazamento de suas palavras contra o Congresso, nem por isso é menos certo que transmitia aos ministros Paulo Guedes e Luiz Eduardo Ramos a posição de romper as negociações com os parlamentares sobre o Orçamento, elevando a crise. Para a qual dava em seguida a solução, em palavra estúpida com o significado de dane-se, ferre-se, arrebente-se o Congresso.

Ao próprio Bolsonaro, em reunião palaciana a pretexto do problema criado com parlamentares, o mesmo general propõe "chamar o povo para as ruas". A sugestão não é refutada por nenhum palaciano, civil ou militar. E é em obediência a ela, com citação explícita ao mesmo general, que surge o chamado para uma passeata, em 15 de março, de apoio a Bolsonaro e contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Não é crível que a manifestação e a convocação tivessem geração espontânea, tanto mais que difundidas na internet por um direitista radical ligado a Bolsonaro.

O mais novo problema criado por Augusto Heleno exigia de Bolsonaro cuidado e silêncio sobre a provocação convocada. Fez o oposto. Não por desatenção. Estava com os filhos políticos, e mais um, em reunião permanente no Carnaval. A atestar que o chamado contra o Congresso e o Supremo é para valer, passava a ser o próprio Bolsonaro a passá-lo aos habituados a espalhá-lo país afora.

Vinda a repercussão, Bolsonaro faz o que sabe: ataca a imprensa, acusando-a de difundir como atual uma mensagem sua de 2015. Mas o vídeo inclui citação à facada que levou em 2018. Faz assim como a afirmação de que Flávio Bolsonaro condecorou um Adriano da Nóbrega isento de qualquer condenação —mas Flávio precisou ir ao presídio para entregar-lhe a medalha. Desmentidos de Bolsonaro não são verdades, são palhaçadas morais.

Quem quiser que duvide, mas o chamado ao povo contra o Congresso e o Supremo tem o odor palaciano. Foi talvez precipitado pelos riscos implícitos no assassinato emudecedor do miliciano e também ex-capitão Adriano da Nóbrega. Se não houve precipitação intencional, o efeito colateral prestou o mesmo serviço. Sem diminuir o efeito principal, de evidenciar o avanço para a situação típica do golpismo —e a reação tímida ou intimidada das instituições que podem e devem reagir mais do que à altura.


Janio de Freitas: Bolsonaro e ministros expandem medidas danosas a sucessivos setores

País se aproxima de uma situação-limite

Uma certeza se pode ter: a maluquice perversa a que o Brasil está entregue não terminará bem.

Nos últimos dias houve outra mudança de tipificação e de grau nas tensões disseminadas por Jair Bolsonaro e sua tropa de choque. As palavras impeachment, queda, saída, providências das instituições, e mais variantes há mais de ano caídas em conformado silêncio, voltaram com força a tema de conversas e mesmo da imprensa. "A democracia é o regime da responsabilidade, o que implica a necessidade de punir a autoridade que se desvia da lei", disse a Folha ("Sob ataque, aos 99") sobre a conduta de Bolsonaro e lembrando-se de sua própria grandeza. Coube à Folha, no passado, dar outros problemáticos passos iniciais.

Aproxima-se uma situação-limite. A inclusão de generais em torno de Bolsonaro tem a ver com a ditadura, claro, mas também com um motivo prático e imediato: formar uma guarda pretoriana, a partir da ideia de que nenhuma instituição ou movimento público confrontaria essa representação do Exército com a tentativa de um impeachment, que também a alcançaria.

Esses generais, como o capitão que os comanda, são todos formados pela ditadura. Bolsonaro, no entanto, aumenta as extravasões da sua condição de alheio aos padrões dados como normalidade mental. Com seus ministros, expande as medidas danosas a sucessivos setores, não se interessa pelo desemprego, agrava os problemas de saúde e educação, submete-se aos exploradores legais e ilegais da riqueza mineral e florestal, ataca o Congresso e o Judiciário, leva o país a reverter tudo o que o fez respeitado nas relações internacionais.

No nível mais pessoal, Bolsonaro não deixará de contrariar a quase unanimidade de apegados ao meio ambiente, refletir as suas posições racistas, homofóbicas, elitistas, pró-violência, e de menosprezo ao corpo feminino. Esse elenco breve de ações do governante improvisado e de conduta pessoal, em permanente agravamento, já seria suficiente para amplificar o cansaço de grande parte do país com sua desordem geral. Há mais, porém.

Os indícios de ligação dos Bolsonaro com milicianos, ou mesmo com milícia, há tempos se mostraram suficientes para justificar providências legais e parlamentares. Aos bastante divulgados, juntam-se agora dois ainda mais incisivos.

O primeiro é a revelação de visitas de Flávio Bolsonaro ao miliciano capitão Adriano da Nóbrega no presídio. Não era, portanto, coisa do foragido Queiroz a relação do miliciano com o gabinete parlamentar de Flávio, onde empregou parentes. A relação era com Flávio Bolsonaro, direta e íntima.

A segunda revelação, feita pelo governador baiano Rui Costa, é a fraude de Flávio Bolsonaro para mostrar-se defensor, com Jair, de apuração rigorosa da morte de Adriano —como faria qualquer desinteressado da queima de arquivo. Flávio Bolsonaro exibiu nas redes um vídeo falso do cadáver, com marcas que seriam de agressão, e com etiqueta do IML da Bahia. Mas Adriano ficou com o ferimento de saída de uma bala nas costas, e o cadáver exibido por Flávio não tem tal perfuração. Nem o vídeo foi feito no IML baiano.

Jair Bolsonaro, é interessante notar, foi o primeiro a quem ocorreu uma ligação das mortes de Adriano da Nóbrega e de Marielle Franco: "Já tomei as providências legais para uma perícia independente [de Adriano]. Sem isso, você não tem como buscar até, quem sabe, quem matou a Marielle". A segunda perícia está feita, e quem vai buscar o que está por trás e por cima dos dois casos? A polícia da Bahia é a matadora de Adriano, a do Rio avançou no caso Marielle e, para indicar o(s) mandante(s), empacou. A Polícia Federal está sob Sergio Moro. E não seria inovadora a montagem de uma farsa para culpar o PT, como Bolsonaro já fez.

A repetida agressão de Bolsonaro às mulheres, bem representadas por Patrícia Campos Mello, teve um efeito na opinião nacional que abalou até bolsonaristas graníticos, com exceção do empresariado graúdo, associado à Bolsa, a Paulo Guedes e daí a Bolsonaro. Somadas a esse efeito as outras produções de Bolsonaro e a contribuição do mais desequilibrado general Augusto Heleno, avançou-se mais. Na obscuridade.