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Janio de Freitas: No país que nunca chega lá

Não se vê bom senso que preveja resultados não assustadores para o próximo ano

Janio de Freitas / Folha de S. Paulo

Piores notícias sobre o custo de vida e as condições da economia fortalecem, a cada dia, o contraste entre a urgência social de impulsos reais para a retomada e a inabilitação embromatória de Paulo Guedes. Nos últimos dias, sucederam-se as seguintes constatações, carentes da divulgação com a visibilidade necessária:

— A produção industrial caiu, em outubro, pelo quarto mês consecutivo. Já em pleno período de atividade para abastecer o comércio natalino. Queda de produção tem reflexo direto em desemprego, redução de salários em eventuais contratações e queda de arrecadação federal e local;

— 70% dos trabalhadores recebem, hoje, menos do que recebiam antes da pandemia, em 2019. E esses dados nem estão com atualização precisa. O economista Daniel Duque fez o estudo, na Fundação Getulio Vargas, com dados até junho. Mas nos quatro meses desde então, os componentes da pesquisa só a fariam mais ácida. A favor de Bolsonaro e Paulo Guedes, a pesquisa teve a correção de registrar ganhos, também: nos 30% que tiveram ganho ou, ao menos, nada perderam, os 10% mais abonados ganharam 8% limpinhos.

— Os preços dos alimentos consumidos pelas camadas mais pobres aumentaram 20% nos últimos 12 meses e agressivos 40% durante a pandemia;

Sobre esse chão esburacado, e em apenas dois dias da semana passada, Bolsonaro soltou R$ 909 milhões de verbas para aplicação por parlamentares. Foi seu modo de aprovar na Câmara o tal "projeto dos precatórios" (dívidas oficiais com pagamento programado). Essa autorização de elevados gastos efetivaria também o remendo social, e sobretudo eleitoral, chamado Auxílio Brasil, substituto do bem-sucedido Bolsa Família. Nada mais incerto, porém.

Quase um bilhão deram a Bolsonaro apenas quatro votos acima do mínimo. Compra descarada, chantagem e corrupção enlaçadas, com deputados do PDT (de Ciro Gomes), do PSDB (de João Doria e Eduardo Leite) e do PSD (de Rodrigo Pacheco) invertendo sua oposição ao projeto. O quase bilhão cobre a segunda votação na Câmara e as duas no Senado.

Mesmo que obtenha as três aprovações, o rumo e o ritmo da degradação econômica prometem esvaziar o Auxílio em pouco tempo. O governo não terá meios financeiros nem políticos para mais bilhões de novo e apressado remendo. O escândalo da compra-e-venda, por seu lado, eclodiu também nos partidos e mexeu até com o rascunho de pré-candidaturas à eleição presidencial, acentuando a dificuldade já da próxima votação. Esvaziado e não recomposto o Auxílio, a realidade das diferenças socioeconômicas não se contentará com os tons de cinza tão atuais.

E surge, ainda, um problema benfazejo, na palavra incisiva de alta decisão judicial. Ao determinar a suspensão do sigilo e de liberações das chamadas emendas parlamentares —corrupção usual no pós-ditadura—, a ministra Rosa Weber feriu uma das imoralidades, senão a maior, que condenam o país a nunca chegar lá, quando se pretende uma solução necessária e correta, seja em que questão for.

Devida ao PSOL, a ação ainda irá ao plenário do Supremo, mas a grandiosa liminar de Rosa Weber abre um processo corretivo fundamental para hoje e o amanhã. Com ou sem apoio do plenário, o Supremo já pôs no cadafalso o truque ordinário das emendas corruptoras.

Se aprovado, o Auxílio não sustentará nem a situação grave deste momento. Tal como sua derrota não encontrará na perplexidade fantasiosa de Paulo Guedes, com "a venda da Petrobras" e "um trilhão em venda de imóveis da União", alguma inteligência contra a derrocada socioeconômica e seus fins imprevisíveis. Por isso não se vê bom senso que preveja resultados toleráveis para este ano e não assustadores para o próximo.

Até o Banco Central reduz as estimulantes previsões que emite. Não é preciso dizer mais. Exceto sobre a miséria que se alastra, a fome, a nova onda assassina contra os indígenas. E sobre o sugestivo prestígio das milícias do Sudeste que se implantam na exploração clandestina da Amazônia. Como Bolsonaro e a cúpula da Polícia Federal sabem.

Leia livre

As infiltrações, as traições e as delações fatais são um problema complexo, com nuances a cada caso, para o qual as experiências revolucionárias de século e meio não encontraram solução, apesar de todas suporem tê-la. Lucas Ferraz, um dos grandes repórteres brasileiros, dedicou-se ao tema por seis anos. E agora sai "Injustiçados" (Cia. das Letras): importante como relato histórico, incitante pela exposição de casos problemáticos na luta armada brasileira durante a ditadura, e de objetividade jornalística admirável —não faz nem discute teoria; conta erros que houve, acertos que faltaram, a força do medo. O leitor conhecerá e viverá o problema do perdão e do "justiçamento".

Lucas Ferraz integrou o melhor time de repórteres tido pela Folha. Hoje vive na Itália.

Fonte: Folha de S. Paulo


Janio de Freitas: CPI da Covid é exemplo de atuação a Ministério Público e Judiciário

Já Rodrigo Pacheco não emitiu nem uma palavra de apoio aos trabalhos ou de aplauso aos resultados

Janio de Freitas / Folha de S. Paulo

A descrença na punição dos indiciados na CPI da Covid, pelo visto, bem próxima da unanimidade, é um julgamento de tudo o que se junta no sentido comum de "Justiça brasileira".

Também desacreditado por parte volumosa da opinião geral, o desempenho da CPI excedeu até o admitido pelos mais confiantes.

O fundo da realidade volta à tona, porém. A criminalidade constada aliados por covardia ou por patifaria.

CPI traz mais do que a comprovação de um sistema de criminalidade quadrilheira, voltado para o ganho de fortunas e mais poder político com a provocação da doença e de mortes em massa.

Nas entranhas desses crimes comprovados, está a demonstração, também, da responsabilidade precedente dos que criaram as condições institucionais e políticas para a degradação dramática do país e, nela, a tragédia criminal exposta e interrompida pela CPI.

Nada na monstruosidade levada ao poder surgiu do acaso ou não correspondeu à índole do bolsonarismo militar e civil.

Muito dessa propensão foi pressentido e trazido à memória pública com exaustão, lembrados os antecedentes pessoais e factuais.

Também por isso as surpresas com a pandemia não incluíram a conduta do poder bolsonarista, que então prosseguiu, em maior grau, a concepção patológica de país traduzida na liberação de armas, nas restrições à ciência, na voracidade destrutiva.

A CPI proporciona ainda um exemplo ao Ministério Público e ao Judiciário.

Cumpriu um propósito de extrema dificuldade, porque contrário a um poder ameaçador e desatinado, e o fez com respeito aos preceitos legais e direitos. Sem a corrupção institucional própria do lavajatismo.

É necessário não esquecer a contribuição, para o êxito incomum da CPI, de senadores como Omar Aziz, que impôs o bom senso e a determinação com sua simpática informalidade. E Randolfe Rodrigues, autor da proposta de CPI e impulsionador permanente do trabalho produtivo.

Tasso Jereissati foi importante, com o empenho para aprovação e composição promissora da comissão, além de dirimir impasses --tudo isso, apesar da cara de cloroquina do seu PSDB chamado a definir-se contra o poder bolsonarista.

O polêmico Renan Calheiros foi, como sempre, muito decidido e eficiente. Otto Alencar e Humberto Costa, médicos, foram decisivos muitas vezes. E houve vários outros, mesmo não integrantes do grupo efetivo, como Simone Tebet.

Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco não deve ficar esquecido. Filia-se ao PSD com o projeto de candidatar-se à Presidência, de carona no êxito da CPI.

Contrário à investigação da criminalidade do governo e de bolsonaristas na pandemia, sumiu com o projeto aprovado para criação da CPI.

Foi preciso que o Supremo o obrigasse a cumprir as formalidades de instalação. E não emitiu nem uma palavra de apoio aos trabalhos ou de aplauso aos resultados.

A descrença em punições não precisa de explicação. Oferece mais uma desmoralização das afirmações de que "as instituições estão funcionando" no país do governo criminoso e da descrença nos tribunais superiores.

Sem solução

Inesperada, a derrota na Câmara do projeto que passaria ao Congresso atribuições dos promotores e procuradores, sem com isso atacar o essencial, evitou mais uma falsa solução.

Mudar a natureza de procuradores e promotores é impossível, um Dallagnol será sempre o que é. Logo, o necessário é o acompanhamento honesto do que se passa no Ministério Público, e mesmo no Judiciário.

Tarefa básica que os conselhos dessas instituições não fazem, funcionando sobretudo no acobertamento dos faltosos.

Eis uma norma há anos adotada pelo Conselho Nacional do Ministério Público: mesmo que determinada pelas regras penais, a demissão do faltoso só deve ocorrer se há reincidência.

Do contrário, a pena será apenas de suspensão temporária da atividade e dos vencimentos. Uma discreta indecência.

O necessário é fazer com que os conselhos sejam leais às suas finalidades.

O que o Congresso pode conseguir com a criação de um sistema de vigilância público-parlamentar. Até algo assim, os conselhos do Ministério Público e da Magistratura continuam como motivo de descrença extensiva nessas instituições.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/10/conselhos-de-ministerio-publico-e-judiciario-sao-motivo-de-descrenca-extensiva.shtml


Janio de Freitas: Os ossos da eleição

O principal figurante de 2022 ainda está silencioso: é o aumento da pobreza

Jânio de Freitas / Folha de S. Paulo

pobreza aumenta, voraz, na horizontal e na vertical. Desta vez, com a pandemia como terceiro impulso, sem por isso evitar que os dois outros sejam talvez mais fortes do que nunca. O governo Collor foi um desastre criminoso, com a bondade solitária de sucumbir a meio do mandato, e nem desta Bolsonaro é capaz. Muito menos o será para deter o crescente empobrecimento. E ainda há o descaso histórico de todas as formas de poder, público e privado, diante do crime irreconhecido que é a injustiça social. Vírus, desgoverno, indiferença também são Os Três Poderes.

Entre as características da economia brasileira há muitos componentes importantes que jamais têm a honra de uma referência, ao menos, na prolixidade dos economistas propagados nas telas e nos papéis. Um bom exemplo é a correção salarial, na verdade, um acelerador da pobreza existente e da indução de empobrecimento. A regra básica dada a essa concessão dos poderosos foi não corrigir jamais.

Exceto nos anos chamados pelo reacionarismo de lulopetistas, e apesar do empenho de Sarney e Itamar, as incontáveis correções foram fixadas abaixo da correção de fato. Sem esquecer que a inflação declarada, como o PIB, é outra falcatrua antissocial, perceptível em ida a qualquer dependência do comércio usual.

O noticiário se empolga: “A volta do emprego”. Mas, logo, “Empregos informais são 75% do total”. Três em cada quatro. E chamar de emprego a atividade informal é um dos muitos eufemismos consagrados no jornalismo, para agrado adivinhe de quem. Assim como salário não é renda, falsificação verbal oficializada, atividade informal não é emprego, é trabalho informal. Nele não há o empregado, nem o patrão.

O crescimento da informalidade é sinal de maiores dificuldades nas famílias alimentadas por recebimentos insuficientes, sejam quais forem. É indicador que valeria como advertência, para problemas do futuro e necessidade premente de ação governamental. Não no Brasil. Mesmo a corrida aos ossos despejados, para a guerra contra a fome, causou mal-estar ou indignação muito maiores mundo afora do que aqui, onde não faltou mais revolta com a exibição de ossos e catadores do que a realidade que os uniu, como antes fizeram os cães.

Entre os que se aventuram a formar o elenco das eleições presidenciais de 2022, o principal figurante ainda está silencioso: é o aumento da pobreza, que já chegou aos ossos, os despejados e os próprios, e não terá quem a socorra até lá. O auxílio de fins eleitorais, esperança de Bolsonaro, não dura um mês dos tantos a esperar. Quem sabe, outra vez em vão.

Negócios de quadrilha

O encontro de um segundo plano de saúde aplicador do falso tratamento de Covid, em dezenas de milhares de clientes, é uma revelação e o seu inverso. Ambos com gravidade criminosa.

De uma parte, o segundo caso obriga a constatar crimes médicos como empreendimento expandido, e não exclusivo da Prevent Senior. Com isso, vão muito além de concordâncias entre tal criminalidade e o governo, constituindo ampla quadrilha de corrupção científica e comercial da medicina. Com extensões na Presidência por via do “gabinete ódio”, no sistema de vigilância e regulação das práticas de seguro saúde e de medicina, no Conselho Federal de Medicina, na Agência Nacional de Saúde Suplementar, em várias secretarias do Ministério da Saúde e em diversos ramais da vigarice comercial. Aí não houve boa-fé, nunca. Só interesses materiais.

De outra parte, chega-se aos 600 mil morte com a certeza, agora, de que esse número é uma estimativa ainda mais precária. Além das subnotificações já pressentidas no cômputo em curso, a segunda seguradora sugere outras. Como suscita a existência de mais seguradoras e serviços médicos onde também foi adotado o falso tratamento, com decorrências letais adulteradas.

Descobrir outro caso revelou quanto e como se desconhece, mesmo com a CPI tão bem sucedida, dos horrores da pandemia e da parte, neles, criada pelo bolsonarismo.

Bem apropriados

A defesa postada por Paulo Guedes, no caso de sua firma em paraíso fiscal para driblar impostos brasileiros, estava escrita em inglês. Muito apropriado, sem dúvida, mas de imensa falta de compostura pessoal e de respeito, até agressiva, por parte de um ministro ao país.

O nome COR, dado pelo presidente do Banco Central à sua firma de fuga de capital para o exterior, homenageia o avô. São as iniciais, invertidas, de Roberto de Oliveira Campos. Considerada a finalidade da firma, é homenagem muito justa. Até por todas as suas manipulações serem em inglês e em dólar.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/10/os-ossos-da-eleicao.shtml


Janio de Freitas: Os bilhões dos milhões de vacinas

O boicote à vacinação, pela sabotagem à compra de vacinas, é uma aberração que justifica o interesse nela concentrado pela CPI —que vai bem, obrigada. Mas daí deriva a ausência de questionamento, a todos os depoentes, sobre um tema que pode estar na raiz de parte dos transtornos enfim investigados.

As compras de vacinas, ou de ingredientes, movimentam quantias montanhosas. A guerra comercial entre as vacinas, pela conquista da opinião pública e pressão sobre os governos, extravasa em acusações de risco feitas e desfeitas em torno de bilhões. Nem foi outro o motivo da apressada recomendação (se foi só isso) dos Estados Unidos para aqui não se comprar a Sputnik V, que, sobre ser russa, tem preço baixo. A velha proteção comercial americana não se distrai.

A compra que o ministro Marcelo Queiroga comemorou nos últimos dias é de 100 milhões de doses da Pfizer. Em breve passagem de sua entrevista à Veja, Fabio Wajngarten referiu-se ao preço da Pfizer, com a qual negociava: os diretores da farmacêutica “toparam até mesmo reduzir o preço da unidade, que ficaria abaixo dos US$ 10”. Abaixado também o dólar para uma estimativa, só essa compra anda pelos R$ 5 bilhões.

Negócio com tamanho custo para o dinheiro público foi conduzido junto à Pfizer, no entanto, pelo então secretário de Comunicação da Presidência, não pelo ministro da Saúde com sua assessoria técnica, nem pelo ministro da Economia e seus técnicos. Por que o alheio Wajngarten estava “autorizado pelo presidente” para a negociação? Foi acompanhado apenas, em uma reunião com a Pfizer, pelos não menos inabilitados para representar o governo, e o próprio país, Filipe Martins, assessor no Planalto, e o vereador Carlos Bolsonaro.

A CPI está em tempo de se voltar também para o lado do dinheiro na investigação. Há perguntas indispensáveis: como negócios comerciais, as transações com as indústrias das vacinas têm intermediação remunerada? Comissão? De quanto e paga por que lado? Nas compras à Pfizer, há intermediação empresarial remunerada? Em caso positivo, de que empresa(s)? E alguma outra modalidade de comissão, destinada a quem e de que forma?

São informações relevantes em qualquer sentido, inclusive para exteriorizar a importância da tarefa incumbida à CPI.

Wajngarten foi exonerado em circunstâncias algo estranhas, no mesmo março em que, dia 8, o governo aceitou o contrato proposto pela Pfizer e, dia 19, assinou-o. No controle da propaganda do governo, Wajngarten foi acusado de ganho indireto, por triangulação de empresas, com parte das comissões por veiculação de campanhas. Negou, claro. Continuou polêmico, grosseiramente presunçoso e ambicioso.

De repente, ofereceu-se à entrevista de acusações ao general Eduardo Pazuello e ao Ministério da Saúde, na Veja, cuidando de proteger Bolsonaro & família. A interpretação de que agiu por vingança consolidou-se. E fez esperar que Wajngarten na CPI seria fulminante.

A CPI não sabe por que Wajngarten desdisse a entrevista gravada, mentiu o tempo todo, a cara suarenta de pânico, uma pusilanimidade de dar repugnância. Wajngarten não tinha mais motivo para incomodar o governo. Fazê-lo seria atingir Bolsonaro em cheio: era ele, e só ele, quem impedia o fechamento do negócio, afinal autorizando o que antes considerara “leonino”. O argumento de autorização do Senado para aceitar as condições da Pfizer é falso, porque a alegada inconveniência não foi retirada pela medida parlamentar. Bolsonaro aceitou a grande compra negociada por Wajngarten com outras quaisquer motivações.

As mentiras e silêncios de Fabio Wajngarten não importam. O que importa é o que o fez adotar os silêncios e mentiras em lugar das acusações que traziam, implícitas, outras possíveis. Piores.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/05/os-bilhoes-dos-milhoes-de-vacinas.shtml


Janio de Freitas: Fuga do general Eduardo Pazuello é covardia

Se a balbúrdia na CPI da Covid continuar como nas primeiras sessões de interrogatórios e proposições, pode-se esperar que traga contribuição importante, apesar de não se pressentir qual seja. O tumulto dá a medida da fragilidade e do medo bolsonaristas diante da cobrança por sua associação à voracidade letal da pandemia.

Mas a clarinada do “não me toques”, protetora de militares acusados ou suspeitos de qualquer impropriedade, não resolverá o caso Pazuello. Militares valendo-se do Exército para fugir da responsabilidade por seus atos, convenhamos, até parece parte da concepção de ética militar. Os generais que mantiveram a ditadura de Getúlio, os do golpe de 64, do golpe de 68, os oficiais da tortura e dos assassinatos, os do Riocentro, esses e muitos outros construíram a praxe.

Nisso há distinção. Os escapismos que recaem na reputação do Exército cabem, antes de tudo, à corporação, à oficialidade, não à instituição. É a deseducação cívica em atos. A fuga de Eduardo Pazuello vai além: não vem da arrogância infundada, ou de uso do Exército para se imaginar acobertado por conveniência da instituição. É covardia, a mesma covardia que o impediu de repelir ordens contrárias ao bom senso, ao dever do cargo e à vida de milhares.

novo comandante do Exército, Paulo Sérgio de Oliveira, mostrou-se preocupado com reflexos, sobre o Exército, do que haja no depoimento de Pazuello à CPI. Esse problema é de Pazuello e de Bolsonaro. Não é assunto militar, logo, o Exército não tem de se envolver. Se o fizer, aí sim, merecerá arcar com todos os reflexos dos crimes contra a humanidade presentes em grande parte do morticínio de mais de 400 mil brasileiros.

A ROTINA

O massacre do Carandiru pela polícia de São Paulo, o maior da história com o extermínio de 111 presos encurralados, motivou incontáveis protestos sob formas variadas. Com efeito que não foi além dos próprios assassinatos. Na Amazônia, massacres policiais ocorrem em sequência só igualada pela inconsequência punitiva. No Rio, os 28 mortos da favela do Jacarezinho compõem o maior massacre policial na cidade e motivam protestos incontáveis. Três exemplos da rotina sinistra que todo o Brasil mantém, com diferenças apenas aritméticas.

Nem a rotina, nem os protestos, nem a insegurança —nada interfere na correnteza desumana. A mais recente solução prometida para o Rio foi protagonizado pelo hoje ministro da Defesa, general Braga Netto. Chefe da intervenção federal na Segurança do estado, feita por Michel Temer, chegou proclamando a “limpeza da polícia” como prioridade e eixo da solução. Com um bilhão para tal. De notável, comprou enorme frota de carros, armas e equipamentos de comunicação. No mais, a tal limpeza talvez tenha ficado nos muros de quartéis, onde vigora a obsessão por pintura de paredes e postes. Os métodos ficaram intocados.

O armamento dado como apreendido no Jacarezinho é espantoso. Pela quantidade e, ainda mais, pela qualidade: todo moderno e novo, incluindo duas submetralhadoras. É sempre arriscado aceitar essas apreensões como verdadeiras, mas não há dúvida de que armas continuam entrando a granel no Brasil. Por ora, para uso bandido. E ainda imaginam que o perigo de conflito está na Amazônia, com estrangeiros.

Todo o problema policial foi construído na ditadura, com as PMs postas sob comando de militares do Exército e métodos norte-americanos. E com os seus esquadrões da morte, “homens de ouro” e impunidade. Todo plano de solução é ineficaz se não busca eliminar esse legado.

RIQUEZA FÁCIL

A juíza Mara Elisa Andrade determinou a devolução da madeira ilegal, objeto da maior apreensão já feita, que causou o incidente entre o delegado Alexandre Saraiva e, defensores dos madeireiros, o ministro Ricardo Salles e o senador Telmário Mota. A juíza considerou faltarem, no inquérito, as datas de corte das árvores, o período em que a estrada clandestina foi aberta e se o uso dela é exclusivo.

É assim, com esses desvios, que nunca prendem nem prenderão os grandes e enriquecidos desmatadores-contrabandistas. E Mara Elisa é juíza, não por acaso, na 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária do Amazonas.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/05/fuga-do-general-eduardo-pazuello-e-covardia.shtml

 


Janio de Freitas: Piora nos índices sociais vai se acelerar em número e desumanidade

Jair Bolsonaro quer mais cortes em gastos sociais previstos no Orçamento para este ano. As mutilações já feitas foram brutais, mas Bolsonaro quer mais alguns bilhões para o que se mostra no governo como o segundo gasto na ordem de nobreza: a compra de parlamentares com a liberação de bilhões para suas propostas de obras, que são catapultas eleitorais. O único gasto mais nobre no Planalto é o dos militares, cujo montante inicial perdeu apenas 3%.

As reduções são o oposto do requerido pelo forte agravamento das condições de sobrevida da maioria dos brasileiros. A retenção por mais de três meses do também mutilado auxílio emergencial anulou o alívio trazido pelas parcelas do ano passado, concedidas pelo Congresso.

A fome aumenta, e se espraia mais. Qualquer oferta de alimento atrai filas enormes, e as coletas de doações recebem ainda quantidade ínfima para a necessidade crescente. A maioria não tem disponibilidades para ser solidária.

Aos que a têm, o que falta, historicamente, é o próprio sentido de solidariedade, até de humanidade mesmo. Fosse diferente, já veríamos, há tempos, forte movimento de socorro aos que têm fome.

Na chegada de Bolsonaro ao poder, considerava-se, com provável otimismo, haver em torno de 24 milhões de brasileiros vivendo com menos de R$ 246 por mês: R$ 8 por dia. Passados dois anos, a FGV e dados do IBGE indicam o aumento desse contingente para 35 milhões de pessoas.

Não só os já habitantes da pobreza descem à miséria mais miserável. O título de reportagem de Fernando Canzian para a Folha sintetiza o que se passa nos intermediários: “Fenômeno dos anos Lula, classe C afunda e cai na miséria”. Eloquência justificada por mais de 30 milhões que “estão despencando diretamente da classe C para a miséria”.A pandemia não é causa única da derrocada social. Desde seu primeiro momento, o governo investiu contra os programas sociais, sem exceção, e os manteve na precariedade quando o vírus se anunciou,se propagou e se impôs.

Nem a mínima atenção foi dada à necessidade de se buscarem modos de atenuar os efeitos socioeconômicos da pandemia. E, em paralelo, fosse preparada a defesa da população com a compra de vacinas, campanhas instrutivas, orientação para as alternativas empresariais e gerais.

Nada disso, era só uma “gripezinha”, a cloroquina a eliminaria. A vaguidão de Paulo Guedes, com os pés no ministério e a cabeça na Bolsa, e o desvario de Bolsonaro associaram-se ao vírus.

Passamos de 400 mil mortes. Esse morticínio atordoa, as crianças e famílias que caem no desamparo, se desorganizam, também perdem a vida por outra que começa e só podem temer.

O vírus não é o causador único dessa imensa desgraça coletiva. Tanto que maio e junho são esperados por cientistas como ainda mais calamitosos no Brasil. E explicam: por decorrência da baixa vacinação até aqui, da falta de vacinas porque o governo chegou tarde, desacreditado e arrogantemente suspeito ao balcão mundial dos imunizantes.Logo, os passos degradantes na escala socioeconômica, mais do que continuar, vão se acelerar em número e em desumanidade. Nenhuma resposta lúcida pode ser esperada do governo que pretendeaté cortar mais gastos sociais.

Se a sociedade, por sua vez, é inerte por preguiça moral maciça ou indolência cultural incapacitante, a alienação é a mesma e mesma a consequência. Então, lamento, o que há a dizer é isto: a perspectiva de futuro próximo é péssima —talvez seja o que nossa paralisia mereça.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/05/piora-nos-indices-sociais-vai-se-acelerar-em-numero-e-desumanidade.shtml

 


Janio de Freitas: A conspiração contra a lisura da eleição presidencial não foi de uma figura só

Aos procuradores da Lava Jato e aos juízes nada sucedeu por sua atitude, respectivamente, preparatória e consolidadora do ato de Moro

Nem concluída ainda a votação, o Supremo Tribunal Federal já confirma a parcialidade de Sergio Moro contra o ex-presidente Lula da Silva, e nisso traz dois sentidos subjacentes. Se por um lado recompõe alguma parte da questionada respeitabilidade judiciária, por outro acentua a omissão protetora aos parceiros na deformação, pelo então juiz e a Lava Jato, do processo de eleição para a Presidência.

Muitas vezes identificado com Moro, o ministro Edson Fachin foi, no entanto, o proponente da aprovada anulação das sentenças contra Lula, invocando, entre outras, uma razão obscurecida no noticiário: constatou que o inquérito não encontrou prova alguma que ligasse o caso do apartamento em Guarujá a qualquer ato de corrupção na Petrobras, mas os procuradores fizeram tal acusação a Lula e Moro o condenou por isso. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, do Sul, manteve e até aumentou a condenação, seguindo o conturbado relatório do juiz João Gebran.

Aos procuradores da Lava Jato e aos juízes nada sucedeu por sua atitude, respectivamente, preparatória e consolidadora do ato de Moro. Foi, porém, para fortalecer o truque da falsa conexão Lula-corrupção na Petrobras, que Deltan Dallagnol criou o espetáculo paranoico, na TV, em que situou Lula no centro de um círculo de atos/pessoas, às quais seu nome se ligava. Eram os apontados como criminosos da Petrobras e, no centro, aquele a quem designou como "chefe da quadrilha".

O objeto da condenação —o apê em retribuição a negócio escuso na Petrobras— integrava o colar dos atos criminosos alegados. Mas o Supremo confirma a falsidade da inclusão. Essa constatação que expõe Moro dá oportunidade a outra figura raiada, em que ele e Dallagnol ocupem o centro, com raios projetados até os procuradores. O TRF-4 tem a mesma oportunidade gráfica, com o juiz Gebran ao centro.O juiz, os procuradores, os juízes eram todos um propósito só. Abençoados ora por covardia, ora por semelhança de fins, no concílio do Supremo e pelo procurador-geral da República à época, Rodrigo Janot.Ao menos no plano interno, que do externo o francês Le Monde já cuida sobre conexões de Moro nos Estados Unidos, a conspiração contra a lisura da eleição presidencial não foi de uma figura só.Outros têm contra a Constituição, as leis e a lisura eleitoral, responsabilidades equivalentes ou assemelhadas à de Sergio Moro. Os Conselhos Nacionais da Justiça e do Ministério Público, por sua omissão, ostensiva e elitista, entram nesse rol.

Um dinheiro aí

Bolsonaro se castigando para ler um escrito de autor letrado é cena de humorismo. Empedrado, com medo de cada palavra, olhar de faminto, para mentir no varejo e a granel, desdizer-se, negar-se. É o espetáculo da vergonha sem vergonha. Contudo, rica em motivos.

A recusa estúpida das altas contribuições da Noruega e da Alemanha ao Fundo Amazônia, já nos primórdios do atual governo, pouco depois mostrou servir para afastamento de protestos contra um plano de ação. O pedido de dinheiro, agora, é o complemento do plano.

assecla Ricardo Salles providenciou o desmonte de todo o sistema defensor da Amazônia. Serviço pronto, ou quase. O dinheiro pedido proporcionaria as empreitadas para explorar a Amazônia desguarnecida. Com a facilidade adicional prevista em projeto já na Câmara para liberação dos territórios indígenas à retirada de madeira, criação de pastos e mineração.

Até aqui, nem o desmonte de ser rentável. Quem achar que a proteção a garimpeiros ilegais e desmatadores contrabandistas —como a preservação de seus equipamento determinada por Bolsonaro e a suspensão de multas por Salles— são medidas sem compensações, ainda não chegou ao governo Bolsonaro.

Os ritos

Comandos militares não cessam de repetir que as Forças Armadas são protetoras da Constituição, das liberdades democráticas, dos interesses nacionais, e por aí afora. Diz agora o novo ministro da Defesa, general Braga Netto: "É preciso respeitar o rito democrático". A frase pode ter muitos significados e nenhum. Nos dois casos, é exemplar das formas nebulosas que são, sim, um modo de fazer política.

general Villas Bôas, então comandante do Exército, "respeitou o rito democrático"? Os generais coniventes com as investidas de Bolsonaro contra o Supremo e o Congresso estão "respeitando o rito democrático"? Perguntas e exemplos assim podem ser centenas.

O impeachment, as CPIs e processos criminais têm todos os seus ritos democráticos. As Forças Armadas comandadas pelo general Braga Netto devem, pois, respeitá-los, deixando-os a cargo das respectivas instituições —que não incluem quartéis.


Janio de Freitas: Fissura em relação com Exército é o pior enfraquecimento que Bolsonaro pode sofrer

A importância dessa reversão é grande e pode ser decisiva na CPI do genocídio

A perda de Bolsonaro com a encrencada substituição de comandos militares encontrou rápido meio de aferição. Em resposta à aprovação da CPI, no meio da semana voltou à insinuação ameaçadora: “O pessoal fala que eu tenho que tomar providências, eu estou aguardando o povo dar uma sinalização”. Para depois dizer que faz, ou fará, “o que o povo quer”. Nenhuma repercussão.

A interpretação geral daquele episódio, com o pedido de demissão conjunta decidido pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Força Aérea, foi a de demonstrar o surgimento de uma distância, no mínimo uma fissura, que rompe a conexão do Exército com Bolsonaro tal como induzida ainda na campanha eleitoral. Esse é o pior enfraquecimento que Bolsonaro pode sofrer nos seus recursos para ver-se sustentado a despeito do que faz e diz.

A importância da reversão é grande e pode ser decisiva na CPI do genocídio. Antes, o Exército não precisaria explicitar insatisfação com a CPI para inibir-lhe a criação ou a atividade. Sua identificação com Bolsonaro o faria, por si só. A maneira distensionada como os senadores procederam nas preliminares para a CPI já foi claro fruto do novo ambiente sem cautelas e temores. O grau em que os senadores se sentiram desamarrados mostra-se ainda maior por terem um general da ativa, Eduardo Pazuello, entre os itens mais visados pelo inquérito.

Estudos recentes, publicados nas revistas científicas Science e Lancet, juntam-se agora a estudos científicos brasileiros e proporcionam levantamentos e análises primorosos para poupar à CPI muitas pesquisas e apressá-la. Ainda que não seja a ideal, sua composição é satisfatória; não será presidida por Tasso Jereissati, como deveria, mas conta com sua autoridade; e Renan Calheiros, se agir a sério, tem competência como poucos para um trabalho relatorial de primeira.

Bolsonaro tange o Brasil para os 400 mil mortos. Tem sido o seu matadouro. Estudo do neurocientista Miguel Nicolelis conclui que ao menos três em cada cinco mortos não precisariam ter morrido, no entanto foram vitimados pela incúria, a má-fé e os interesses com que Bolsonaro e seus acólitos têm reprimido a ação da ciência. Uma torrente de homicídios que não podem ficar esquecidos e impunes. Do contrário, este país não seria mais do que uma população de Bolsonaros.

A ENGANAÇÃO

Joe Biden insinua outra Guerra Fria. É curiosa a atração entre os democratas, não os republicanos, e as guerras. Os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra sob a presidência do democrata Wilson. Na Segunda Guerra, a presidência era do democrata Roosevelt. Bem antes dos chineses, em 1950 os Estados Unidos entregaram-se à Guerra da Coreia levados pelo democrata Truman. O democrata Kennedy criou a Guerra do Vietnã. E pôs o mundo a minutos de uma guerra nuclear, de EUA e URSS, na crise dos mísseis em Cuba.

É contraditória a inadmissão de uma China em igualdade com os Estados Unidos e a determinação de sustar o aquecimento global. A primeira abre um risco de guerra em que questões como ambiente e clima não subsistem.

Apesar disso, nos dias 22 e 23 os governantes de 40 países fazem uma reunião virtual sobre clima, por iniciativa de Biden. Os americanos esperam comprar de Bolsonaro, por US$ 1 bilhão, o compromisso de medidas verdadeiras contra o desmatamento na Amazônia, essenciais para deter o aquecimento climático.

Esse bilhão sairá caríssimo ao Brasil, porque o compromisso de Bolsonaro será tão mentiroso quanto as afirmações que fará, como já fez em carta a Biden, sobre os êxitos do governo na preservação da Amazônia.

Em março, o desmatamento foi recordista: 13% maior que o de março de 2020. Desde o início do governo Bolsonaro, o desamamento por fogo, o roubo de madeira e o garimpo aumentam sem cessar. O setor de fiscalização do Ibama foi destroçado. Bolsonaro protege o garimpo ilegal, pondo-se contra a destruição de seu maquinário. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, protege os madeireiros criminosos.

Apresentado há três dias, o Plano Amazônia 2021/2022 não é plano, nem outra coisa. Sua meta de redução de desmatamento é maior do que o encontrado por Bolsonaro. Não contém restauração dos recursos humanos, nem as verbas condizentes com esforços reais. Mas “o governo dos Estados Unidos espera seriedade e compromisso de Bolsonaro” na reunião. Espera o que não existe.


Janio de Freitas: Há mais do que crimes de responsabilidade à mercê de uma CPI, há crimes contra pessoas

Tal coleção de crimes talvez encontre comparação nos abutres que agiram em porões da ditadura

Os 61 mortos por asfixia à falta de oxigênio por si sós justificam a CPI que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, precisou ser obrigado pelo Supremo a instalar. Esse horror sofrido em hospitais do Amazonas está envolto por quantidade tão torrencial de horrores que uma CPI é insuficiente para dar-lhes as devidas respostas.

Apesar de tantos fatos e dados à sua disposição, com fartura de comprovações já prontas e públicas, a mera possibilidade da CPI nos força a encarar outra tragédia: no Brasil de 4.000 mortos de Covid por dia, não se conta com seriedade nem para evitar-nos a dúvida de que a CPI busque, de fato, as responsabilidades pelo morticínio, as quais já conhecemos na prática.

A reação imediata dos contrariados é a esperável, mas também traz sua incógnita. O choque iniciado com o STF soma-se ao jogo duro do governo, sobre os parlamentares, para dominar tudo que se refira à CPI. Disso decorre um potencial alto de agravamento e de incidentes sob a nova, e ainda mal conhecida, disposição de forças derivada das alterações em ministérios e em cargos e correntes militares.

As juras de respeito à Constituição são unânimes nos que entram e nos que saem. Inúteis já porque nenhum diria o contrário. Ainda porque o passado atesta essa inutilidade. E, no caso da Defesa, não se pode esquecer que o general Braga Netto estava no centro do governo, onde aceitou ou contribuiu para os desmandos do desvario dito presidencial. Logo que nomeado, adotou uma prevenção significativa: excluiu da nota de celebração do golpe a caracterização das Forças Armadas como instituição do Estado. Não do governo.

comandante da Força Aérea, brigadeiro Baptista Jr., já está identificado como ativo bolsonarista nas redes sociais. Ministro da Justiça, o delegado Anderson Torres e seu escolhido para diretor da PF têm relevância à parte. O primeiro vê em Bolsonaro nada menos do que um enviado de Deus: “Quis Deus, presidente Bolsonaro, que esta condução em momento tão crítico estivesse em vossas mãos”. Imagine-se a obediência devida a um enviado.

O outro, delegado Paulo Maiurino, tem anos de atividade em política capazes, se desejar, de enriquecer a carreira de intervenções políticas da PF. Iniciada no governo Fernando Henrique pelo delegado Argílio Monteiro, depois recompensado com a candidatura (derrotada) a deputado federal pelo PSDB, foi o tempo do dinheiro “plantado” no Maranhão, dos caixotes de dólares “mandados de Cuba para Lula”, e outras fraudes, sempre a serviço das candidaturas de José Serra. Na Lava Jato a PF enriqueceu muito a sua tradição.

Com essas e mais peças, como a AGU entregue ao pastor extremado André Mendonça, está claro tratar-se de parte de um dispositivo político e armado. A pandemia e a mortandade não são preocupações. Nem dentro da própria Presidência, onde se aproximam de 500 os servidores colhidos pela Covid, com taxa de contaminação 13% maior que a nacional. E lá, para ilustrar a possível CPI, a “ordem do presidente” continua a ser “contra lockdown” (aspas para o ministro Marcelo Queiroga), contra máscaras e vacina, e pela cloroquina.

Antes mesmo de determinada pelo ministro Barroso, a possibilidade da CPI iniciou a discussão de táticas para dela poupar Bolsonaro. Será resguardar o agente principal da calamidade. O vírus leva à morte porque esse é papel que a natureza lhe deu. Bolsonaro fez e faz o mesmo por deslealdade ao papel que lhe foi dado e aos que o deram. E, de quebra, ao restante do país.

Há mais do que crimes de responsabilidade, numerosos, à mercê de uma CPI.

Há crimes contra pessoas. Há crimes contra a humanidade. Tal coleção de crimes talvez encontre comparação nos abutres que agiram em porões da ditadura. Ou talvez só se compare aos primórdios da ocupação territorial, com a escravização e as mortandades em massa. O choque não descansa: são 4.000 mortos por dia.

É razoável suspeitar que não haja, nem sequer em número próprio de uma CPI, gente com caráter para enfrentar uma criminalidade assim e ao que a ampare, como o ódio e a facilitação de armas letais.


Janio de Freitas: A pandemia não matou a doença do golpismo

Medidas duras contra governadores só podem ser intervenções. Não terá sido ocasional a presença da expressão estado de sítio antes da ameaça

ressurgimento de Lula da Silva, prestigiado até pela atenção da CNN americana, simultâneo a outros fatos de aguda influência, levam Bolsonaro ao estado de maior tensão e descontrole exibido até agora.Sua conversa com o ministro Luiz Fux e as palavras que a motivaram, centradas em referências dúbias a estado de sítio, tanto expuseram uma situação pessoal de desespero como o componente ameaçador desse desvairado por natureza. O pouco que Bolsonaro disse ao presidente do Supremo em sentido neutralizador conflita com a adversidade que cresce, rápida e envolvente, contra seu projeto.

Embora lerda como poucas, a investigação das tais "rachadinhas" de Flávio, além de outra vez autorizada, afinal vê surgir a do filho Carlos e encontra o nome Jair. O filho mais novo, ainda com os primeiros fios no rosto, inicia-se como investigado por tráfico de influência.

"Com crise econômica, o meu governo acaba" é a ideia que orienta Bolsonaro mesmo nos assuntos da pandemia. Nos quais não deu mais para manter a conduta de alienação e primarismo diante do agravamento brutal da crise pandêmica.

A reação de Bolsonaro foi a tontura do desesperado. Lula pega a bandeira da vacina, então é urgente pôr a vacina no lugar da cloroquina. Põe máscara. Tira máscara. Volta à cloroquina. Culpa os governadores. Mas o empurrado é Pazuello. Escreve carta solícita a Biden e recebe uma resposta de cobrança sobre meio ambiente. Volta à vacina. Falta vacina.

Se 300 mil mortes não importam a Bolsonaro, é esmagador o reconhecimento inevitável de que a vacina de João Doria veio a ser um pequeno salvamento e uma grande humilhação para o governo. E a economia decisiva? Inflação, necessário aumento dos juros, ameaça às exportações, fome, socorro em algum dinheirinho a 45 milhões e contra as contas governamentais.

Bolsonaro corre ao Supremo, com uma ação contra os governadores, pretendendo que sejam proibidos de impor confinamento e reduzir a atividade econômica ao essencial. Não sabe que o regime é federativo e isso o Supremo não teme confirmar.

"É estado de sítio. Se não conseguir isso [êxito no Supremo], vem medidas mais duras." Medidas duras contra governadores só podem ser intervenções. Não terá sido ocasional a presença da expressão estado de sítio antes da ameaça. Tudo no telefonema e no que foi dito depois reduz a uma ideia: golpe.Bolsonaro não se deu conta, no entanto, da variação já captada pelo Datafolha. Sua persistência contra a redução da atividade urbana não atende mais à maioria da sociedade. Sua demagogia perdeu-se nas UTIs. Apenas 30% dos pesquisados, nem um terço, recusam agora o isolamento, em favor da economia. E já 60% entendem que o confinamento é importante para repelir o vírus. O que é também repelir Bolsonaro.Volta-se ao risco maior: a pandemia não matou a doença do golpismo.

Tudo em casa

O corporativismo, conhecido nas ruas por cupinchismo, arma um lance espertinho para livrar-se de uma decisão entre duas possíveis: reconhecer que Sergio Moro levou à violação do processo eleitoral de 2018 pelo próprio Judiciário ou carregar, para sempre, o ônus de tribunal conivente com a violação, para salvar o que resta de Moro. Nessa armação, Kassio Nunes Marques faz sua verdadeira estreia no Supremo.

Os ministros Edson Fachin e Nunes Marques propõem que o plenário do Supremo examine primeiro a anulação das condenações de Lula. Se aprovada, seria cancelada a apreciação final, que deveria vir antes, sobre a imparcialidade ou parcialidade de Sergio Moro. Com essa inversão da agenda, Marques não precisaria dar o voto incômodo que protela. E Moro e suas ilegalidades, que Gilmar Mendes relatou, iriam para o beleléu. Com o necessário cinismo, a anulação das condenações seria dada como solução para o problema Moro. Complicado, mas esperteza óbvia não é esperta.

Ocorre, no entanto, que a ação à espera do voto de Nunes Marques é sobre a conduta de Sergio Moro como juiz, se cumpriu ou transgrediu as normas a que estava obrigado e agiu com ética judicial (a pessoal teve julgamento público). Disso a decisão de Fachin não trata, mas a moralidade judicial não pode dispensar.


Janio de Freitas: Justiça com injustiça é impostura

O que já é conhecido na conduta de Moro não suscita suspeita, induz certeza

As duas ações em que Edson Fachin emitiu decisão e Gilmar Mendes proferiu voto, apesar de formalmente separadas, tratam do mesmo tema.Na aparência, a conduta ilegal e persecutória de Sergio Moro nos processos com que retirou o candidato Lula da Silva (39% das preferências) da disputa pela Presidência em 2018, encaminhando a eleição de Bolsonaro (18%). A rigor, o que está na essência das ações judiciais é uma operação de interferências distorcivas no processo eleitoral que comprometeram, por inteiro, a legitimidade de uma eleição presidencial.

Nem Sergio Moro é “caso de suspeição”, nem a ocupação da Presidência por Bolsonaro, mesmo que vista como legal, tem legitimidade.

O que já é conhecido —e falta muito— das violações do Código de Processo Penal, da Lei Orgânica da Magistratura e da própria Constituição na conduta judicial de Sergio Moro não suscita suspeita, que é dúvida: induz certeza. São fatos. Não retidos em memória, mas em diferentes registros comprovadores e consultáveis, muitos de longo conhecimento em tribunais e em parte da população.A torrente desses fatos no voto de Gilmar Mendes sufoca qualquer dúvida sobre sua caracterização: são atos deliberados, planejados, combinados, marginais às normas e à moralidade judicial.

Nessa delinquência de cinco anos, do princípio de 2014 ao fim de 2018, a ação julgada por Edson Fachin refere-se à preliminar de quatro inquéritos contra Lula, entre eles os do apartamento de Guarujá e do sítio de Atibaia. Quando se vê a razão de Fachin para anular essas condenações, fica quase impossível acreditar que tais processos tramitassem por anos. Dessem em condenações por SergioMoro. Até em aumento das penas pelo Tribunal Federal Regional do Rio Grande do Sul, o TRF-4, com base em relatório pouco menos do que ininteligível de um desembargador idem, João Gebran.
Quisesse, ou não, dar uma sentença que preservasse Sergio Moro do processo sobre a suspeição que é certeza, Edson Fachin viu-se com uma constatação indescartável: “não restou provado vínculo” entre os benefícios atribuídos a Lula, tanto na acusação como na condenação, e negócios ou desvios na Petrobras.

Logo, esses processos foram criados e receberam sentença ilegalmente em juízo restrito a desvios na estatal. Convém enfim realçar: a anulação das condenações de Lula por Moro não decorreu, portanto, apenas de incompetência geográfica da 13ª Vara Criminal do Paraná, como tem parecido. Procedeu, também, da violação deliberada de Moro às leis processuais e penais. Com o fim de fazer a prisão de um candidato à Presidência, o que daria a vantagem a outro. Crime, pois não?

Nada se deu sob sigilo nessa delinquência contra as instituições do Estado de Direito e a eleição legal. Muito ao contrário, a construção do escândalo era um componente planejado da operação.Gilmar falou, a propósito, em conluio e consórcio Lava Jato-“mídia”. Não dispensou nem as orientações de um repórter aos dallagnóis. Incontestável, como mais um capítulo eleitoral da imprensa/TV. Mas uma ressalva é de justiça: em meio à enorme pressão pró-Lava Jato, a Folha pode ter pecado de corpo, mas não renegou a velha alma. Os poucos juristas, advogados e comentaristas da casa que apontaram a delinquência e as arbitrariedades da Lava Jato tiveram espaço e liberdade assegurados nestas páginas.

Não é menos justo, em sentido oposto, dizer que os Conselhos Nacionais do Ministério Público e da Justiça, assim como o Supremo Tribunal Federal, souberam sempre o que se passava na Lava Jato. Por experiência no Judiciário e no MP, por informações, por muitos recursos processuais de advogados e pelos poucos trabalhos da “mídia” fora da moda. Ao seu dever fiscalizador preferiram o silêncio e a inação, traindo-se e traindo a Justiça e o Estado de Direito.

Se tudo precisar de recomeço, que seja. Importante é que a Justiça está se despindo de uma impostura, ao tempo mesmo em que se reergue na defesa dos cidadãos e do país sob ataque da doença e do governo, ambos letais.


Janio de Freitas: Brasil passou a ser visto como imenso vírus assassino

Com um governo que se alia à morte em massa provocada pela pandemia, país se tornou um perigo para o mundo

O Brasil é um perigo para o mundo. Assim está posta a opinião das autoridades, do jornalismo e dos mais informados mundo afora. Não é Bolsonaro, não é o governo militarizado e desatinado, mas o Brasil. E está certo: é o país que, dividido entre os voltados para seus interesses, os acovardados e a grande massa dos pobres de conhecimento, permite um governo que se alia à morte em massa, constrói por sabotagens a calamidade social e atraiçoa os objetivos do país como trai a população.

O Brasil, visto do mundo, é um imenso vírus assassino, composto pela infinidade de vírus letais que correm, livres, de um brasileiro a outro. E deste seu paraíso deixam-se levar, pelos meios mais insidiosos, para frustrar países que lutam contra a ferocidade pandêmica.

Esse capítulo faltava na história da incivilização brasileira. O seu fim desconhecido, caso não seja abreviado, contém hipóteses terríveis. Uma delas, por exemplo: a contaminação, já com novas e mais perigosas variantes do vírus, continuará aumentando, com reflexo direto nas restrições internacionais ao Brasil.

O medo de contaminação de produtos brasileiros não será surpreendente, resultando em caos alimentar interno e cortes arruinantes de exportações, com desarticulação de toda a economia. O que aí pareça exagero e pessimismo é uma possibilidade já considerada entre técnicos mais lúcidos.

O mundo conhecia o Brasil folclórico, musical, carnavalesco em tudo e imoral não só na corrupção escancarada. Descobre o Brasil propriamente dito, das massas relegadas e impotentes, do servilismo político e administrativo ao militarismo mais primário, da condução nacional conforme ao gosto avaro e ganancioso das classes possuidoras.

Tudo isso sintetizado em 260 mil mortes, tantas delas feitas pelo descaso do governo, e expressado na ameaça ao mundo —uma espécie de Bin Laden em dimensões continentais.Nas duas últimas semanas, o Supremo, atuais e ex-procuradores da República respeitáveis, governadores, prefeitos, secretários, a rediviva ABI, cientistas, médicos e uns poucosparlamentares saíram ao enfrentamento do exército de ampliadores do Brasil mortífero. São um início, uma promessa, se não arrefecerem como é próprio das boas iniciativas do Brasil. Tudo, emnosso futuro, depende disso.

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Bia Kicis na presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, com sua condição de investigada no Supremo por comprovadas pregações contra a democracia e a Constituição, seria um desaforo do seu protetor Arthur Lira e da própria Casa aos cidadãos e, em particular, ao STF.

Aécio Neves na presidência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, como pagamento ao seu golpe no PSDB para ajudar a eleição de Lira, é uma indecência capaz de ser ainda maior. Corrupto múltiplo, gravado em extorsão de R$ 2 milhões a Joesley Batista, do grupo JBS, Aécio continua solto graças a trampolinagens judiciais do PSDB. Não é raro saírem do Oriente Médio pacotaços para cargos que se ocupem de questões relativas à área mais conflitiva do mundo.

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As mulheres de São Paulo podem reequilibrar o confronto com o cafajeste Fernando Cury (Cidadania), que passa por deputado. A elas cabe fazer campanha contra o voto feminino, primeiro, nos membros do Conselho de Ética que aprovaram apenas 119 dias de aparente suspensão para o agressor sexual da deputada Isa Penna (PSOL). Depois, veto aos deputados que impeçam no plenário a perda do mandato de Cury. Façam suas listas.

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Científica: o macaco está para Charles Darwin assim como Bolsonaro está para a Teoria da Involução.