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Imagem: Maurenilso Freire

Nas entrelinhas: o fantasma do comunismo renasceu com o bolsonarismo

Luiz Carlos Azedo/Entrelinhas/Correio Braziliense

“Um fantasma ronda a Europa — o fantasma do comunismo. Todas as potências da velha Europa se aliaram numa caçada santa a esse fantasma: o papa e o czar, Metternich e Guizot, radicais franceses e policiais alemães. Que partido oposicionista não é acusado de comunista por seus adversários no governo?”

As primeiras palavras do Manifesto Comunista de 1848 publicado por Karl Marx e Friedrich Engels em Londres, em inglês, francês, alemão, flamengo e dinamarquês, parecem saltar das estantes empoeiradas para a pesquisa Ipec divulgada no domingo pelo jornal O Globo.

Para 44% dos brasileiros, o Brasil corre o risco de “virar um país comunista” sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo a pesquisa, 33% concordam totalmente com a afirmação de que um novo regime poderia ser implantado no país; 13% concordam parcialmente com a tese. Discordam total ou parcialmente da ideia 48% dos entrevistados.

A pesquisa mostra que a essência do bolsonarismo é o anticomunismo. O ex-presidente Jair Bolsonaro trata toda a esquerda e mesmo setores liberais como uma “ameaça comunista”. Na campanha eleitoral de 2022, teve nome e sobrenome: Luiz Inácio Lula da Silva. Continua sendo um divisor de águas da política brasileira: 81% dos que afirmam que a gestão Lula é “ruim ou péssima” concordam com o risco de comunismo. Já 71% dos que consideram o governo Lula “bom ou ótimo” rejeitam a afirmação.

A “ameaça comunista” é um tema recorrente na política brasileira, corroborado pela história do Brasil. Fundado por anarquistas, sob a liderança do jornalista e crítico literário Astrojildo Pereira, o Partido Comunista surgiu em 1922. Colheu lideranças da primeira grande onda de greves operárias no Brasil, que ocorreu em 1917, o “ano vermelho”, pois coincidiu com a Revolução Russa.

O Partido Comunista logo foi posto na ilegalidade. Em janeiro de 1927, reconquistou a legalidade, com a eleição de Azevedo Lima para a Câmara de Deputados. Em agosto, foi posto novamente na ilegalidade, pela “Lei Celerada” (Decreto n° 5.221) do governo de Washington Luís. Com o trabalho assalariado e a crescente urbanização, a questão social havia emergido nas grandes cidades e se tornara um caso de polícia.

Naufrágio no passado

A lei limitava a atuação da oposição ao governo e a direito de reunião, pois permitia ao governo fechar por tempo determinado sindicatos, clubes ou sociedades que convocassem ou apoiassem publicamente greves ou protestos. Também proibia a propaganda desses temas e impedia a distribuição de panfletos ou jornais que apoiassem ou incitassem greves e manifestações. A imprensa foi amordaçada. Os sindicatos foram duramente reprimidos, trabalhadores estrangeiros socialistas e anarquistas foram deportados do país.

Com a entrada no Partido Comunista do líder tenentista Luiz Carlos Prestes, comandante da famosa coluna que leva seu nome e o do general Miguel Costa, o comunismo deixou de ser um fantasma. Com o levante comunista em quartéis do Rio de Janeiro, de Recife e de Natal, em novembro de 1935, durante a ditadura de Getúlio Vargas, passou a ser tratado como uma ameaça real. Com o fracasso da chamada Intentona Comunista, Prestes passou nove anos na cadeia.

Entretanto, o fantasma voltou a rondar o Brasil em 1964, durante o governo João Goulart, que assumiu o poder com a renúncia de Jânio Quadros e propôs um programa de reformas de base, entre as quais a agrária. Um discurso de Prestes na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no qual exagerava a influência comunista no governo, seria um dos pretextos para a destituição de Jango pelos militares, em março de 1964.

No livro A Mente Naufragada, o cientista político norte-americano Mark Lilla explica que o espírito reacionário difere muito do conservador. Trata-se de invocar o passado para nele viver sem transformações, o que é muito diferente da atitude do conservador, que tem o passado e suas tradições como referência para agir no presente e construir o futuro.

Lilla conclui que mente reacionária naufragou, “porque olha para os destroços de um passado que lhe parece ameaçado, e luta para salvá-lo, porque não sabe conviver com as mudanças”. Ironicamente, porém, isso faz do reacionarismo um fenômeno “moderno” no mundo da globalização e do multiculturalismo.

No Brasil, o grande porta-voz do pensamento reacionário é o ex-presidente Jair Bolsonaro, que não conseguiu se reeleger. Esgrime o fantasma do comunismo contra toda a esquerda, principalmente o PT, um partido de base operária e social-democrata, que retroalimenta o fantasma do comunismo pela sua narrativa classista e, principalmente, devido às boas relações com Cuba, Venezuela, Nicarágua e, agora, a China.


(Crédito: Maurenilson Freire)

Nas entrelinhas: Bolsonaro ampliou mais ao centro do que Lula

Luiz Carlos Azedo | Correio Braziliense

Tanto as eleições para governador no Sudeste, principalmente em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas, como as eleições para o Senado, igualmente majoritárias, mostram que a vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região foi menor do que se estimava e que a política de alianças do presidente Jair Bolsonaro nesses estados foi mais soft do que se imaginava. Ambos serviram como alavanca para as eleições dos candidatos proporcionais de seus respectivos partidos, mas o PL passou de 76 para 99 deputados, enquanto o PT saltou de 56 para 68 representantes na Câmara, embora Lula tenha tido mais de seis milhões de votos de vantagem em relação a Bolsonaro.

Os resultados eleitorais, principalmente no Sudeste, mostram que Lula não ampliou suas alianças o quanto era preciso, apesar da escolha do ex-governador tucano Geraldo Alckmin para vice. Houve vários episódios em que isso ficou evidente, como na negativa de conversa com o ex-presidente Michel Temer, que poderia ser o movimento que faltava para evitar a consolidação da candidatura de Simone Tebet e o MDB apoiá-lo formalmente na eleição. O fato de o PT e seus aliados falarem repetidamente em frente ampla não significou que ela tenha existido realmente, o que houve foi uma frente de esquerda, que se julgava forte o suficiente para levar a eleição de roldão no primeiro turno.

Para usar parâmetros históricos que possam ilustrar essa distinção, podemos citar a frente democrática formada pelo PSD, o PTB e o clandestino PCB, em 1955, para eleger o presidente Juscelino Kubitschek, que mesmo assim não foi suficiente para obter a maioria absoluta dos votos válidos, pois recebeu 36% dos votos, contra 30% de Juarez Távora. Ou seja, a esquerda apoiou o candidato conservador. Frente ampla se formou contra o general Castelo Branco quando as eleições de 1965 foram suspensas. Carlos Lacerda (UDN), que havia sido o grande artífice do golpismo udenista; Juscelino, que apoiou a destituição do governo; e João Goulart (PTB), o presidente deposto, no exílio, com apoio do líder comunista Luís Carlos Prestes (PCB), na clandestinidade, formaram uma frente ampla de oposição. Lacerda e Juscelino foram cassados, e os militares mudaram as regras do jogo, acabando com qualquer possibilidade de redemocratização, com a proibição da Frente Ampla e a adoção do Ato Institucional nº 5.

Formar uma frente ampla é muito mais complicado do que articular uma frente de esquerda, a partir de uma agenda nacional-desenvolvimentista. Significa aceitar a centralidade da agenda política liberal na política, fazer concessões na economia e reduzir a profundidade das propostas sociais. Lula não manifestou no primeiro turno nenhuma intenção de fazer essas concessões, sempre avaliou que o esvaziamento da chamada terceira via, por meio do voto útil, resolveria essa questão em seu favor. Não foi o que aconteceu.

Triângulo das Bermudas

Houve tentativas de costurar uma aliança entre o governador Rodrigo Garcia (PSDB) e o presidente Lula nas eleições de São Paulo, mas essas articulações, para formação de uma frente ampla em São Paulo, nunca foram levadas a sério, porque a questão teria sido resolvida com a presença de Alckmin na chapa de Lula. Acreditava-se que o favoritismo do ex-prefeito paulistano Fernando Haddad seria confirmado nas urnas, mas não foi o que aconteceu. O candidato de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, um carioca que caiu de pára-quedas nas eleições paulistas, virou o primeiro turno em ampla vantagem. Uma parcela dos eleitores de Garcia, derrotado por antecipação, fez a baldeação para o candidato de Bolsonaro já no primeiro turno; agora, é muito mais difícil atrair os demais para uma aliança com Haddad, porque Tarcísio lidera com ampla vantagem na disputa de segundo turno.

No Rio de Janeiro, não foi muito diferente. Presidente da Assembleia Legislativa, o deputado André Ceciliano (PT), candidato ao Senado, foi o fiador do governo de Cláudio Castro, que assumiu a gestão após a cassação de Wilson Witzel, sem nunca antes ter disputado um cargo majoritário. Essa aliança foi rompida quando Lula apoiou a candidatura do deputado federal Marcelo Freixo, seguindo a lógica da frente de esquerda. Se a aliança fosse mantida, seria possível a neutralidade de Castro, que descolou sua campanha de Bolsonaro, facilitando a vida de Lula. Mas uma aliança desse tipo é inimaginável para a esquerda carioca e o PT. Ou seja, a frente ampla não se viabiliza na prática. Agora, Lula procura Castro, mas é leite derramado.

Em Minas, o governador Romeu Zema (Novo) assumiu uma posição de neutralidade nas eleições, diante do fato de que Lula mantinha ampla vantagem no estado. As condições para uma aliança entre os dois estavam dadas pelo posicionamento da maioria esmagadora dos eleitores, mas Lula preferiu apoiar o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil, na expectativa de que o levaria ao segundo turno e transferiria seus votos, o que aconteceu, mas não na escala necessária. Zema venceu no primeiro turno e já anunciou que vai dar uma força para Bolsonaro em Minas.

Com as posições bem definidas nos estados do Sul e Centro-Oeste, a favor de Bolsonaro, e do Norte e Nordeste, com Lula, a disputa da maioria dos eleitores nos estados do Sudeste, o chamado Triângulo das Bermudas, decidirá as eleições. Bolsonaro venceu no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Espírito Santo; Lula em Minas.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-bolsonaro-ampliou-mais-ao-centro-do-que-lula/

Estratégia de voto para que vença Lula ou Bolsonaro | Foto: Rafapress/Shutterstock

A armadilha do voto útil

Carlos Alberto Torres*

Dirijo-me aos democratas que estão dispostos a votar em Lula ou Bolsonaro com o dedo no nariz como estratégia para derrotar ao outro que consideram o mal maior.

Mas esta é uma armadilha baseada na conveniente narrativa de que já está “escrito” que o 2º turno será entre Lula e Bolsonaro.

Portanto, dirijo-me aos democratas que, embora críticos aos erros imensos de cada um, ainda assim, prefiram votar em um contra o outro.

Pois bem, nesta reta final, com lucidez, racionalidade e coragem terão que examinar a hipótese de votar em outros candidatos que considerem melhores, embora não figurem na dianteira das pesquisas eleitorais.

Bolsonaro não vencerá Lula no 2º turno devido à sua altíssima rejeição. Mas Simone ou Ciro poderão fazê-lo.

Resumindo:

  1. Se votarem em Bolsonaro no 1º turno o levarão para o 2º turno, mas quem vencerá será Lula;
  2. Se votarem em Lula, estarão desviando preciosos votos que poderiam ser essenciais para garantir a presença de Simone ou Ciro no 2º turno; deixemos esses votos para os lulopetistas de raiz que lutam para eleger o seu “pai-pai”;
  3. Mas, se com o seu voto, você levar Simone ou Ciro ao 2º turno, provavelmente Simone ou Ciro será eleito; consequentemente, Lula será derrotado.

Naturalmente, dirijo-me aos democratas que não querem se contentar com o “mal menor” e não querem, por medo, serem capturados pelos argumentos dos que propõem o “voto útil”, que, como vimos, só favorecem a Lula.

Pensem nisso todos os democratas!


Militantes de direita pedem golpe militar na Avenida Paulista durante Manifestações do 7 de setembro | Imagem: reprodução/BBC News Brasil

Queremos eleições livres e justas no Brasil, diz subsecretária de Estado dos EUA

Mariana Sanches*, da BBC News Brasil

No momento em que o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL) volta a lançar dúvidas sobre o processo eleitoral, sugerindo que os militares deveriam supervisionar a contagem de votos do pleito presidencial de 2022, a subsecretária de Estado dos Estados Unidos, Victoria Nuland, afirmou em entrevista exclusiva à BBC News Brasil que, no Brasil, "o que precisa acontecer são eleições livres e justas, usando as estruturas institucionais que já serviram bem a vocês (brasileiros) no passado".

Nuland, responsável por assuntos políticos na diplomacia americana comandada por Antony Blinken, esteve há poucas semanas no Brasil, junto a uma delegação americana de alto nível. Os diplomatas dos dois países trataram, entre outros temas, de cooperação na área de defesa e de agricultura.

Na ocasião, os americanos voltaram a expressar "confiança na democracia brasileira". Segundo Nuland, no entanto, ela alertou o governo e a oposição sobre o risco de interferência russa nas eleições deste ano.

Candidato à reeleição e em segundo lugar nas pesquisas, Bolsonaro tem feito uma série de comentários sobre supostas fragilidades das urnas eletrônicas, sem apresentar provas, e atacado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que conduz o processo.

Na semana passada, a agência de notícias Reuters noticiou que, em julho de 2021, o diretor da agência de inteligência americana, a CIA, William Burns, teria advertido assessores diretos de Bolsonaro de que o presidente, que àquela altura já levantava dúvidas sobre a lisura do processo eleitoral, deveria deixar de questionar a integridade das eleições no país.

Tanto Bolsonaro como o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que teria estado presente na conversa, negam que ela tenha acontecido.

Victoria Nuland, subsecretária de Estado dos EUA
Victoria Nuland, subsecretária de Estado dos EUA

Questionada sobre o que os EUA fariam em caso de uma tentativa de golpe no país, Nuland afirmou: "Queremos eleições livres e justas em países ao redor do mundo e, particularmente, nas democracias. Julgamos a legitimidade daqueles que se dizem eleitos com base em se a eleição foi livre e justa e se os observadores, internos e externos, concordam com isso. Então, queremos ver, para o povo brasileiro, eleições livres e justas no Brasil".

Ao citar observadores externos, Nuland toca indiretamente em mais um ponto sensível no atual debate político brasileiro. Depois que o TSE remeteu dezenas de convites para instituições estrangeiras acompanharem o pleito, em outubro, o Itamaraty reclamou do convite à União Europeia, e o TSE teve de recuar. Bolsonaro também disparou críticas públicas à presença dos observadores, que acompanham eleições brasileiras ao menos desde 1994.

Brasil e EUA vivem uma "recalibragem" de suas relações, depois do mal-estar causado nos americanos pela visita do presidente brasileiro a Moscou em fevereiro, dias antes de o líder russo Vladimir Putin ordenar a invasão da vizinha Ucrânia. Entre diplomatas brasileiros existe a expectativa de que Bolsonaro e Biden se falem pela primeira vez pessoalmente em Los Angeles (EUA), em junho, durante a Cúpula das Américas.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista, editada por concisão e clareza.

BBC News Brasil - Os EUA mudaram recentemente de tom em relação à Rússia: falam em 'enfraquecer' o país, enviam altos funcionários e parlamentares (como a presidente da Câmara, Nancy Pelosi) a Kiev, estão treinando soldados ucranianos. Não existe o risco de que essa nova postura contribua para o discurso de Putin de que esta é uma guerra do Ocidente contra a Rússia e aumente as chances de uma guerra nuclear? O que há para os EUA ganharem com essa nova abordagem?

Victoria Nuland - Eu diria que nosso tom em relação à Rússia é uma resposta direta ao fato de que Putin e seus militares invadiram a Ucrânia e à agressão cruel que estão perpetrando no país, incluindo os tipos de crimes de guerra que temos visto em Bucha e Kramatorsk etc. E os Estados Unidos, junto com o Brasil e muitos outros países, 141 países, foram ao Conselho de Segurança da ONU e à Assembleia Geral da ONU e disseram 'não' à agressão da Rússia.

Portanto, temos que chamar as coisas pelos seus nomes, e isso não é apenas uma guerra cruel contra a Ucrânia, mas uma violação de todos os princípios da carta da ONU e da soberania e integridade territorial dos países. Estamos defendendo o Estado de Direito, as regras globais que levaram à paz e à segurança por tantos anos e que a Rússia está violando flagrantemente agora.

Putin e Biden se cumprimentam
Biden e Putin se reuniram em Genebra em meados de 2021, em uma que reunião durou menos do que era previsto e não impediu o início da guerra na Ucrânia em fevereiro de 2022

BBC News Brasil - O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, favorito para vencer as eleições de 2022 segundo pesquisas eleitorais, deu uma entrevista recente à revista Time em que critica o presidente dos EUA Joe Biden por não ter embarcado em um avião para Moscou para tentar dissuadir o líder russo Vladimir Putin da guerra. Como os EUA recebem essa crítica?

Nuland - Bem, em primeiro lugar, o presidente Biden falou com o presidente Putin duas, três, quatro vezes antes desta guerra, argumentando com ele. Como você deve se lembrar, os EUA descobriram esses planos de guerra no final de outubro e começaram a alertar o mundo em novembro, dezembro, janeiro, fevereiro que Putin tinha esses planos.

E durante esse período, o presidente Biden trabalhou muito para tentar convencer o presidente Putin a não ir à guerra, e em vez disso, seguir um caminho diplomático, trabalhar conosco, trabalhar com aliados da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), trabalhar com a Ucrânia, negociar quaisquer preocupações que ele tinha sobre as visões de segurança russas na Ucrânia. E nos oferecemos para ajudar. Tivemos uma rodada de conversas.

Enviamos uma proposta de dez páginas analisando todos os tipos de coisas, como preocupações (russas) com armas ocidentais, etc. Mas, em vez de vir à mesa diplomática, o presidente Putin optou por invadir e invadir de uma maneira muito, muito sangrenta. Portanto, não acreditamos que ele esteja ouvindo alguém.

BBC News Brasil - O presidente brasileiro Bolsonaro sugeriu ao governo turco recentemente uma missão conjunta a Moscou para participar das negociações para o fim da guerra. Os EUA diriam que essa tentativa é bem-vinda?

Nuland - Não temos dificuldade com nenhum líder global tentando convencer Putin a acabar com esta guerra. E vários já tentaram. O presidente Putin não está ouvindo. Esse é o problema. Então, torna-se uma questão de, se ao ir a Moscou você não for muito cuidadoso, parece estar dando apoio à guerra de Putin, especialmente visto que ele não mostrou nenhuma evidência de mudança de rumo com telefonemas e visitas recentes.

BBC News Brasil - Cerca de uma semana antes do início da guerra na Ucrânia, dois grandes líderes da América Latina, os presidentes da Angentina e do Brasil, foram a Moscou para se encontrar com Putin. O que isso diz sobre as relações dos EUA com esses países da região?

Nuland - Sabíamos que essas visitas iriam acontecer. Exortamos tanto o Brasil quanto a Argentina a darem a Putin a mesma mensagem que o presidente Biden estava enviando a ele e aos funcionários russos em todos os níveis, pública e privadamente, de que esta guerra seria um desastre, não apenas para a Ucrânia, mas para a Rússia, para a liderança de Putin e para sua economia e sua posição militar. E nosso entendimento é que em ambas as visitas, ambos os líderes, tentaram argumentar com Putin, mas ele não estava ouvindo. Então este é o problema, Putin não está ouvindo ninguém.

BBC News Brasil - Teremos eleições presidenciais este ano no Brasil. Os EUA têm alguma preocupação ou motivo para acreditar que os russos tentarão interferir ou se intrometer no processo?

Nuland - Obviamente, temos preocupações. Vimos a Rússia se intrometer em eleições em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos e na América Latina. Por isso, em minha recente visita ao Brasil, exortei o governo a ser extremamente vigilante, e a oposição também, para garantir que forças externas não estejam manipulando seu ambiente eleitoral de forma alguma. Isso precisa ser uma eleição de brasileiros para brasileiros, sobre seu próprio futuro.

Bolsonaro e Trump
Legenda da foto,Assim como aconteceu com Trump 2020 nos EUA, o presidente Bolsonaro está lançando dúvidas sobre o processo eleitoral no Brasil antes do pleito

BBC News Brasil - Assim como aconteceu em 2020 nos EUA, Bolsonaro está lançando dúvidas sobre o processo eleitoral no Brasil de antemão, exigindo a participação do Exército na apuração dos votos e dizendo que pode não reconhecer os resultados. Como os EUA veem esse tipo de declaração?

Nuland - Acreditamos que o Brasil tem um dos sistemas eleitorais mais fortes da América Latina. Vocês têm instituições fortes, salvaguardas fortes, uma base legal forte. Então, o que precisa acontecer são eleições livres e justas, usando suas estruturas institucionais que já serviram bem a vocês no passado. Temos confiança no seu sistema eleitoral. Os brasileiros também precisam ter confiança.

BBC News Brasil - O que os EUA fariam caso alguma tentativa de subversão dos resultados eleitorais acontecesse no país?

Nuland - Queremos eleições livres e justas em países ao redor do mundo e particularmente nas democracias. Julgamos a legitimidade daqueles que se dizem eleitos com base em se a eleição foi livre e justa e se os observadores, internos e externos, concordam com isso. Então, queremos ver, para o povo brasileiro, eleições livres e justas no Brasil. Vocês têm uma longa tradição nisso. E isso é o mais importante para manter a força do Brasil daqui para frente.

BBC News Brasil - Os fertilizantes são um suprimento crítico para a produção de alimentos e o Brasil enfrenta a falta do produto, importado principalmente da Rússia. Os EUA apoiariam a criação de algum corredor seguro ou um salvo-conduto para navios russos carregados de fertilizantes para o Brasil, como o presidente brasileiro solicitou recentemente à diretora da Organização Mundial do Comércio?

Nuland - O fato de haver uma escassez global de fertilizantes - e uma escassez no Brasil - é resultado direto da decisão de Putin de lançar essa guerra. No meu entendimento, a única coisa que impede o fertilizante russo de chegar ao mercado é a guerra que Putin lançou.

Então, o que os Estados Unidos estão tentando fazer é trabalhar com países como o Brasil. E o secretário Blinken terá uma reunião, para a qual o Brasil está convidado, em algumas semanas sobre alimentação, segurança e fertilizantes etc., para ajudar países como o Brasil que precisam de fertilizantes. E então, com fertilizantes, podemos ajudar a alimentar o mundo, porque também temos muitos países com insegurança alimentar que dependem de grãos vindos da Ucrânia.

Quando eu estive no Brasil, nós trabalhamos em um projeto do Departamento de Agricultura dos EUA, para ver como vocês usam os fertilizantes nas lavouras (brasileiras). Estamos tentando aumentar a produção de fertilizantes nos EUA.

Estamos trabalhando com o Canadá e outros países que podem ajudar, para acelerar isso, para que vocês tenham uma safra muito forte, para poder alimentar a si mesmos e seus parceiros de exportação habituais, mas também possa ajudar a alimentar o mundo, (para o Brasil) ser generoso com alimentos, como já foi com o petróleo, com o aumento da produção brasileira de petróleo neste momento de necessidade para o mundo

*Texto publicado originalmente no BBC Brasil


Vera Lúcia luta em defesa de pautas raciais e mais espaco para juristas negros e negras | Imagem: reprodução/Universa UOL

Saiba quem é Vera Lúcia Santana, que pode ser a primeira juíza negra do TSE

Rute Pina*, Universa UOL

O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) indicou a lista tríplice que será enviada ao presidente Jair Bolsonaro (PL) para uma vaga de ministro substituto do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nesta quarta-feira (4). Entre os nomes está o da advogada Vera Lúcia Santana de Araújo, primeira mulher negra a constar nesta lista.

Os outros nomes indicados pela Corte para ocupar a vaga deixada por Carlos Velloso Filho, que renunciou ao cargo no mês passado, são os advogados André Ramos Tavares, que obteve 9 votos, e Fabrício Medeiros, com 8. Araújo está em terceiro lugar na lista tríplice, com 7 votos.

Bolsonaro é obrigado a seguir a lista tríplice, mas pode escolher qualquer um dos três candidatos. Não há prazo para a decisão, que pode sair, inclusive, depois das eleições, ou até mesmo ser tomada por um possível novo presidente.

Entre as atribuições dos ministros do TSE estão: o julgamento de processos sobre propagandas eleitorais, a fiscalização e a garantia das eleições e o combate às fake news no pleito.

Neta de lavadeira e ativista contra racismo

Vera Lúcia tem 62 anos e nasceu em Livramento de Nossa Senhora, na Bahia. Neta de lavadeira e filha de professora, ela foi para Brasília, aos 18 anos, para estudar.

Em entrevista ao "Correio Braziliense" em novembro de 2019, Vera contou que o trabalho da avó garantiu a possibilidade de seguir com os estudos. "Como ela foi lavadeira de famílias importantes, conseguiu espaço para que minha mãe estudasse e, depois, nós também. Naquele tempo e em uma cidade pequena, a escola era só para os brancos."

Em Brasília, decidiu prestar vestibular para Direito e foi aprovada no UniCeub. Na faculdade, Vera se aproximou do movimento estudantil durante a ditadura militar e fez estágio na Defensoria Pública.

Entre as funções públicas que ela já exerceu está a de secretária-adjunta de Igualdade Racial do Distrito Federal e diretora-executiva da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap), também no Distrito Federal, na gestão de Rodrigo Rollemberg (PSB).

Hoje, ela se dedica à advocacia com foco nas questões de racismo. É ativista da Frente de Mulheres Negras do DF e Entorno e integrante da Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

Apoio de Joaquim Barbosa

Foi a atuação na entidade que garantiu à Vera o apoio ao cargo no TSE do ex-ministro Joaquim Barbosa, que presidiu o Supremo entre 2012 e 2014. Atualmente, o tribunal tem sete ministros e todos são homens. Se Vera Lúcia for escolhida, ela será a única mulher ocupando lugar na instância jurídica máxima da Justiça Eleitoral brasileira

A advogada afirma ter consciência de que sua trajetória é uma exceção no mundo jurídico. "Dentro do direito, não há uma pesquisa que mostre quantos advogados negros existem no Brasil. Mas é nítido que eles não estão nas grandes bancas, nos tribunais, nos cargos mais importantes", disse em entrevista ao "Correio Braziliense".

*Texto publicado originalmente na Universa UOL


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Editorial revista online | O caminho do confronto

A condenação do deputado Daniel Silveira, por ampla maioria, no Supremo Tribunal Federal (STF), foi um sinal claro, dirigido em especial a todos os interessados na perturbação da ordem e no retrocesso institucional: a Corte está atenta, e ataques às instituições democráticas não serão por ela tolerados.

Preocupante, contudo, para todas as forças democráticas do país, foi a reação imediata do presidente da República. Concedeu ao condenado a graça, sem esperar pelo término do processo, estendida, ao que parece indevidamente, a todas as consequências da penalidade, inclusive no que toca à elegibilidade para o pleito deste ano.

Caberá ao Supremo deliberar sobre a constitucionalidade da graça concedida, sopesando as diferentes razões jurídicas em jogo. Em termos políticos, contudo, parece claro que o caso foi utilizado como terreno para mais uma batalha entre o projeto autoritário defendido pelo presidente e a resistência a ele que o STF protagoniza, em cumprimento de sua função constitucional de defesa da Carta Magna.

O governo caminha decididamente no rumo do confronto. O deputado condenado por manifestações incompatíveis com o decoro parlamentar, por ameaças a integrantes de outro Poder, por apologia ao crime, no fundo, é apresentado como mártir nas redes sociais governistas. Manifestações populares são convocadas para 1° de maio em apoio ao presidente da República, contra a decisão da Corte. Deputados conservadores articulam pronunciamentos e atos coletivos no mesmo sentido. Tudo segue o caminho já conhecido, traçado pelo ensaio geral de golpe, ocorrido em 7 de setembro passado.

Crédito: shutterstock
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Salvador,,Bahia,,Brazil,-,September,7,,2021:,Protesters,Against,The
Sãƒo,Paulo,,Brazil,-,June,18,,2018:,The,Current,President-elect
Sao,Paulo,,Sp,,Brazil,-,May,29th,,2021:,Crowds,Protest
Brasilia,,Federal,District,-,Brazil.,April,,18,,2021.,Photograph,Of
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Por fim, para aumentar a temperatura política do momento, críticas de um membro do Supremo, dirigidas claramente aos atos do presidente, ao mesmo tempo em que elogiava a conduta em geral dos militares de respeito à Constituição, foram lidas como ofensa grave às Forças Armadas e respondidas de público como tal.

A finalidade última dessas manifestações é aparentar apoio, popular, institucional e militar ao projeto autoritário do governo. Afirmar, mesmo contra todas as evidências, que o caminho do retrocesso é anseio da população e conta com o apoio de parte dos mandatários, no Executivo e no Legislativo, assim como de parcelas da sociedade civil organizada.

Esse foi certamente o quadro em 1964, mas não é a situação atual. Mesmo assim, compete às forças democráticas o diálogo permanente, a articulação para a defesa conjunta das instituições, além da manifestação pública de repúdio às manobras golpistas do governo.