Jair Bolsonaro
El País: O camaleão que corre por fora
Todos os caminhos hoje, indicam que se Lula não conseguir ser candidato, o segundo turno será disputado entre Luciano Huck e Jair Bolsonaro
Por Marcello Faulhaber
Em outubro do próximo ano, os brasileiros irão às urnas eleger um novo presidente da República. Assim como outros analistas e estrategistas político-eleitorais, venho fazendo pesquisas e acompanhando de perto a movimentação dos potenciais candidatos – tenham eles declarado oficialmente a intenção de concorrer ou não.
Tudo isso demonstra que Huck é candidatíssimo. De acordo com as pesquisas qualitativas que tenho feito em vários municípios do país e com o modelo de projeções de resultados eleitorais que eu adoto (que cruza variáveis como nível de conhecimento, rejeição e intenção de voto dos diversos candidatos) ele, assim como Lula, Jair Bolsonaro e Joaquim Barbosa, já tem o dobro de chances de ir para o segundo turno se comparados com Marina Silva, Geraldo Alckmin, João Doria e Ciro Gomes.
Se Lula, realmente, não conseguir ser candidato; João Doria se vir obrigado a recuar do seu sonho presidencial; e Joaquim Barbosa decidir não disputar as eleições como cabeça de chapa, ouso afirmar, com doze meses de antecedência, que Luciano Huck, inevitavelmente, será um dos dois nomes do segundo turno das eleições. Mais que isso: poderá até ganhar a corrida presidencial já no primeiro turno, especialmente se conseguir fazer de Joaquim Barbosa o seu vice.
Para compreendermos o porquê disto, é preciso, em primeiro lugar, entender como o eleitorado brasileiro está segmentado. A maior parte dos analistas tende a segmentar o eleitorado brasileiro a partir de uma percepção unidimensional do eleitor. Com esse tipo de percepção, divide-se o eleitorado em esquerda e direita, ou, na melhor das hipóteses, em esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita e direita.
Nos polos desse tipo de segmentação, situam-se “entidades míticas” que habitam o inconsciente coletivo da classe média e que coincidem com os posicionamentos das tradicionais elites políticas do país: A “esquerda” – defensora do Estado grande e de valores comportamentais liberais; e a “direita” – defensora do Estado pequeno e de valores comportamentais conservadores.
Esse tipo de segmentação funciona muito bem em alguns países desenvolvidos, mas não no Brasil. De fato, em território tupiniquim, existe um problema grave nesse tipo de segmentação: a suposta correlação entre os valores comportamentais do eleitor e a sua visão a respeito do papel do Estado.
No Brasil, esse tipo de correlação é absolutamente falsa - mesmo no ambiente polarizado das redes sociais que tende a reduzir as pessoas a “coxinhas” e “mortadelas”. Não é verdade, especialmente entre eleitores das classes C2, D e E, que quanto mais conservador (do ponto de vista comportamental) for um eleitor, maior a sua preferência por um Estado pequeno; ou que, quanto maior a preferência de um eleitor por um Estado grande, mais liberais serão seus valores do ponto de vista comportamental.
Na realidade, o eleitor brasileiro, mesmo sem se dar conta, faz suas escolhas políticas, primordialmente, de acordo com essas duas variáveis não-correlacionadas: seus valores comportamentais e a sua visão a respeito do papel do estado. Em 2018, esse fenômeno será mais forte do que nunca. Dessa forma, para segmentar corretamente o eleitorado brasileiro, precisamos percebe-lo a partir de dois grandes eixos: o “eixo valores” e o “eixo visão do Estado”.
O “eixo valores” tem a ver com a opinião dos eleitores a respeito de assuntos como homossexualidade, religião, drogas, aborto e formas de combate à violência, entre outros. Os elementos causais mais críticos que definem o posicionamento do eleitor em relação a esses diversos temas são sua percepção sobre a família (o que é e como preservá-la) e sua defesa dos valores cristãos mais tradicionais. A forte correlação que existe no posicionamento dos eleitores em relação a esses diversos temas comportamentais, nos permite estabelecer dois polos no “eixo valores” e aqui - já consciente das críticas que virão de alguns teóricos - usarei a nomenclatura “liberais” e “conservadores”.
O “eixo visão do Estado” tem a ver com a opinião do eleitor a respeito do papel do Estado na provisão de renda (por meio de transferências) e de serviços para a população, além do quanto ele deve intervir na economia, seja como indutor do crescimento, seja como regulador. As duas variáveis mais críticas na definição do posicionamento do eleitor nesse eixo são a sua formação política na juventude e, principalmente, o seu nível de renda. Há também uma forte correlação nas preferências do eleitor em relação aos temas deste eixo. Chamarei o primeiro polo do “eixo visão” de “Estado grande” e o segundo, de “Estado pequeno”.
A partir desses dois eixos, podemos segmentar o eleitorado brasileiro em quatro grandes grupos: 1) eleitores com valores conservadores que preferem (ou precisam de) um Estado grande; 2) eleitores com valores liberais que preferem (ou precisam de) um Estado grande; 3) eleitores com valores conservadores que preferem um Estado pequeno; 4) eleitores com valores liberais que preferem um Estado pequeno.
Como já me referi anteriormente, nossas elites políticas se dividem entre os “liberais do Estado grande” (“a esquerda”) e os “conservadores do Estado pequeno” (“a direita”). Já as maiores fortunas e as lideranças dos principais grupos empresariais do país (o establishment) que, em larga medida, tem forte influência sobre a mídia, identificam-se com valores liberais e preferem um Estado pequeno (com exceção da conta de juros, evidentemente).
A última pesquisa que realizei, indica os seguintes percentuais para cada um desses segmentos do eleitorado: 55% para os “conservadores do Estado grande”, 23% para os “liberais do Estado grande”, 16% para os “conservadores do Estado pequeno” e apenas, 6% para os “liberais do Estado pequeno”. Esses percentuais nos demonstram o porquê da maioria da população se sentir tão pouco representada, seja por nossas elites políticas, seja pelos mais importantes veículos de comunicação do país.
A única candidatura que provavelmente adotará uma narrativa coincidente com um segmento específico será a do PSOL: seu discurso será liberal do ponto de vista comportamental e em defesa do “Estado grande”. Lula (apesar do PT), Bolsonaro, Doria, Alckmin e Ciro são candidatos que se posicionam exclusivamente em um polo de um eixo específico e são difusos no outro eixo: Lula e Ciro são os champions do “Estado grande”; Bolsonaro e Alckmin são os champions dos valores comportamentais conservadores; e Doria é o championdo “Estado pequeno” – não por acaso até muito recentemente, era o mais querido do mercado financeiro.
Huck, Marina e Joaquim Barbosa são candidatos “camaleônicos”: conseguem expressar imagens e discursos variados dependendo do público. Eles podem, por exemplo, ser percebidos por eleitores das classes C2, D e E como “conservadores do Estado grande” e simultaneamente, serem percebidos como “liberais do Estado pequeno” pelos eleitores das classes A, B e C1. No mundo de hoje, a figura que mais classicamente encarna esse tipo de posicionamento é a chanceler alemã, Angela Merkel: a líder que há mais tempo comanda um país democrático no mundo.
Num primeiro olhar, esse tipo de posicionamento pode parecer infalível, mas não é bem assim. No segundo turno das eleições, ele é bem próximo da invencibilidade, mas, no primeiro turno, ele pode ser bastante arriscado, especialmente num momento de forte polarização política como é o caso do Brasil atual. De fato, a fluidez nos posicionamentos pode se tornar alvo fácil dos adversários no primeiro turno – candidatos camaleônicos podem acabar ficando marcados por uma imagem de indecisão, incoerência e ambiguidade. Por isso, esse tipo de posicionamento demanda cuidados extras na comunicação política: a imagem pode sim ser camaleônica, mas o discurso jamais.
Além da correta segmentação do eleitorado e do posicionamento dos principais candidatos dentro dela, há uma terceira variável que será determinante na projeção do resultado da eleição presidencial de 2018: a habilidade dos candidatos se comunicarem com os eleitores das classes C2, D e E (que juntos, equivalem a 55% do eleitorado brasileiro). Apesar da eventual multiplicidade de candidatos e da possível pulverização dos votos, aqueles candidatos que não conseguirem se fazer ouvir pelos eleitores mais pobres, fatalmente ficarão fora do segundo turno. E aí, é preciso distinguir a imagem do candidato da capacidade dele se fazer ouvir. A imagem, de fato, potencializa a capacidade de se fazer ouvir. Mas, a imagem sem a capacidade de se fazer ouvir torna-se inócua.
Dentre os diversos candidatos, os únicos que podem desenvolver de forma crível uma imagem de quem conhece os problemas dos mais pobres, que se solidariza com eles e que trabalhará prioritariamente por eles, são: Lula, Marina, Luciano Huck, Joaquim Barbosa e Geraldo Alckmin (apenas em São Paulo). Por outro lado, os únicos que tem demonstrado capacidade retórica de serem ouvidos pelos mais pobres são: Lula, Bolsonaro e Luciano Huck – Marina se perdeu na complexidade dos próprios pensamentos “progressistas”; Joaquim Barbosa, depois de tantos anos de atividade jurídica, trocou a linguagem popular pela retórica da lei e terá dificuldades de fazer a viagem reversa; Ciro tem a capacidade de ser ouvido pelas massas, mas, há muito tempo, optou pela retórica tecnocrática a qual ele domina melhor que qualquer outro pleiteante ao maior cargo da república.
Sendo assim, por conta das características dos eleitores mais pobres, os candidatos que podem mais se beneficiar da eventual ausência de Lula das eleições são o apresentador Luciano Huck e por incrível que pareça (mas, em menor escala), Jair Bolsonaro - afinal, não há nada mais próximo de um extremo do que o outro extremo, especialmente num momento de grave crise econômica e de convulsão social.
É verdade que Ciro e Marina poderiam ser os herdeiros naturais dos eleitores de Lula, mas os problemas na retórica e na linguagem de ambos assim como suas críticas periódicas ao ex-presidente, tornam essa possibilidade cada vez mais remota. Quanto à possibilidade dos votos de Lula serem herdados por um “poste” do PT, esqueçam. É verdade que preso ou condenado, Lula se tornará o maior eleitor do país, mas ele conseguir levar um representante orgânico do PT para o segundo turno é algo muito improvável por conta da enorme rejeição ao partido – muito maior que a dele próprio. Se, como se vem falando, esse nome for o do Haddad - um “poste” derrotado e paulista - o que já era improvável tornar-se-á impossível.
Em resumo, todos os caminhos hoje indicam que se Lula não conseguir ser candidato, o segundo turno será disputado entre Luciano Huck e Jair Bolsonaro. Mas, o caminho é longo e erros fatais poderão ser cometidos.
No caso de Bolsonaro, há três erros possíveis no horizonte: 1) Ele adotar um discurso liberal na economia - Bolsonaro não pode perder a imagem do militar nacionalista, defensor do Estado forte, que induz o crescimento econômico e que protegerá a população da ganância de grandes grupos empresariais; 2) Ele não suavizar um pouco sua retórica conservadora - ele precisa fazer isso para evitar o crescimento da candidatura Alckmin (ou Doria) e principalmente, para ter alguma chance de vitória no segundo turno; 3) Ele permitir que uma outra candidatura do seu campo, como, por exemplo, a do General Hamilton Mourão, ganhe força nos próximos meses.
No caso de Luciano Huck, há também três erros que podem inviabilizar o sucesso de sua jornada rumo ao Palácio do Planalto: 1) Ele ser identificado pelos eleitores, especialmente os mais pobres e a classe média, como o candidato dos ricos, do establishment, da Globo. Afinal, a revolta da população com os principais veículos de comunicação do país é tão grande quanto sua revolta com nossas elites políticas - não adianta surgir como um não-político e ao mesmo tempo, ser percebido como o candidato do grande baronato do crony capitalismbrasileiro; 2) Ele cair na armadilha, assim como Aécio fez em 2014, de bater em Lula.
Aécio, incensado pelo establishment nacional e pelo tucanato paulista, não concentrou suas baterias sobre a presidente Dilma e seu governo, mas sobre Lula e o PT. Esse erro foi fatal na medida em que permitiu que os estrategistas do PT levassem o debate para a comparação dos 12 anos desse partido com os 8 anos de FHC. Foi essa estratégia equivocada de pregar para os convertidos que, em última análise, fez Aécio perder uma eleição que estava ganha. O fato é que milhões de brasileiros continuam extremamente gratos ao ex-presidente pela melhora histórica de suas condições de vida na década passada e o tempo tem nos mostrado que não há acusação, denúncia ou condenação capaz de mudar esse sentimento; 3) Ele não saber usar corretamente a estratégia do camaleão. No fundo, para ganhar essa eleição e fazer um governo histórico, será preciso que Luciano Huck seja mais coração e menos razão, que se guie mais por seus valores de homem de família que quer melhorar a vida das pessoas do que pela ideologia que há em sua cabeça.
O tempo vem consolidando Lula e Bolsonaro, duas reconhecidas figuras anti-establishment, como favoritos para o segundo turno das eleições. O não-político que parecia poder ameaça-los, segundo “analistas torcedores” do mercado financeiro, tornou-se mais político que todos os outros: colocou seu mandato recém conquistado em segundo plano para fazer campanha, passando por cima até mesmo de quem lhe criou politicamente - sua candidatura não tem futuro.Mas, agora, surge um não-político de verdade, correndo por fora e com chances reais de complicar a vida de Lula e Bolsonaro: o “camaleão” Luciano Huck.
Em maio deste ano, eu escrevi neste jornal que a eleição presidencial de 2018, da mesma forma como ocorreu nas principais capitais do país em 2016, seria ganha por um outsider: um não-político ou uma figura anti-establishment. A cada dia que passa, essa certeza só aumenta.
* Marcello Faulhaber é mestre (MSc.) em Economia Política pela London School of Economics e foi o estrategista da campanha de Marcelo Crivella à Prefeitura do Rio em 2016.
José Roberto de Toledo: As limitações de Bolsonaro
Após entrevista, páginas de apoio ao presidenciável tiveram que defender seu candidato
Bastou um “Oi?” espantado da jornalista para Jair Bolsonaro viralizar nas mídias sociais – mas, desta vez, de um jeito bem diferente do que ele está acostumado. Em vez de atacar rivais, as páginas de apoio ao presidenciável pró-ditadura tiveram que defender seu candidato. O motivo? Sua admissão pública de que não entende nada de economia. A repercussão negativa da entrevista reforçou a hipótese de que quanto mais Bolsonaro se expuser a perguntas, mais solavancos sua candidatura sofrerá.
O deputado e militar reformado enfrenta um dilema. Se quiser voltar a crescer na preferência dos eleitores, ele precisa se popularizar. Campanha pela internet, onde Bolsonaro produz mais interações do que qualquer outro candidato a presidente, é boa para quem pede voto porque não há contraditório. Ele só fala o que quer e não ouve o que não quer. Mas a campanha virtual tem limites: só atinge o eleitorado das classes de consumo A, B e C.
Eleitores maduros e pobres, das classes D e E, não passam o dia no Facebook ou no Instagram, como o jovem e típico eleitor de Bolsonaro. Os bolsonaristas são quatro vezes mais comuns entre os mais ricos do que entre os mais pobres, segundo o último Ibope: 24% a 6%, no cenário com Lula e Alckmin. Por conta dessa elitização, o “buzz” sobre Bolsonaro é três vezes maior nas mídias sociais do que nas pesquisas de intenção de voto.
Essa super-representação na internet faz a candidatura do militar reformado parecer maior do que é. As carências não ficam evidentes, mas existem. Sem um partido grande para lhe dar palanque e estrutura de campanha nos Estados nem tempo de propaganda na TV e rádio, restam poucos meios para o deputado atingir o eleitor pobre: as entrevistas na mídia tradicional e, quando a campanha começar oficialmente, os debates na TV. O episódio de sexta-feira mostrou que aí ele pode se complicar.
Bolsonaro respondia descontraidamente a perguntas dos telespectadores lidas pela jornalista Mariana Godoy. Até que apareceu uma pegadinha: “Qual sua opinião sobre o tripé macroeconômico?”. A primeira reação do deputado foi rir. Depois, terceirizou a resposta: “Quem vai falar de economia por mim é minha equipe econômica no futuro”. Mas não parou por aí.
“O pessoal exige de mim conhecimento em economia, então teria que exigir entendimento em medicina: eu vou indicar o ministro da Saúde.” Continuou eximindo-se da necessidade de falar sobre temas técnicos e exaltando o desempenho econômico dos presidentes militares. Foi aí que a entrevistadora soltou o “Oi?” estupefato e espontâneo que fez a alegria da internet. “Deixaram o Brasil com muita inflação; fizeram a dívida externa”, rebateu. Bolsonaro bem que tentou, mas não foi convincente na tréplica.
Os bolsonaristas acusaram o golpe. O incômodo ficou evidente pela quantidade de memes sobre o assunto que eles publicaram no Facebook desde então. Todos tentam desqualificar ex-presidentes em matéria econômica, para equipará-los a seu candidato. Mas nenhum ousou fazer o que nem Bolsonaro teve coragem de arriscar: dizer que ele entende do assunto.
Com 13% a 18% das intenções de voto no Ibope – dependendo do rol de adversários –, Bolsonaro está no limiar da passagem para o segundo turno. Excluindo-se quem diz que vai votar em branco ou anular, ele tem entre 16% e 19% do que seriam os votos válidos, nos cenários com Lula candidato. Por comparação, o petista passou ao turno final contra Collor em 1989 com 17%.
Diante do seu desempenho de sexta e da falta de voto dos demais candidatos, Bolsonaro poderia se dar ao luxo de restringir sua campanha à internet e evitar novas entrevistas. Vai que ouve outro “Oi?” por aí.
Merval Pereira: Luz de advertência
A luz amarela que o prefeito de São Paulo João Doria acendeu depois da primeira pesquisa Ibope para a Presidência da República em 2018 indica que a possibilidade de uma polarização entre Jair Bolsonaro e Lula assusta, ou deveria assustar, as demais forças políticas que começam a se organizar para a disputa.
Doria parece disposto a não se chocar com seu patrono, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, mas, para ele, o susto com a radicalização da campanha é um bom motivo para mantê-lo em uma corrida que parece perdida internamente no PSDB.
Ele não pretende sair do partido para disputar a eleição presidencial, mas diz que aprendeu que, em política, um dia é uma eternidade, quanto mais seis meses, o tempo máximo para uma definição. Isso significa que até lá há possibilidade de uma mudança na tendência tucana, hoje francamente favorável a Alckmin.
Se não acontecer, Doria fará uma composição com o governador de São Paulo, para disputar sua sucessão ou, mais provavelmente, permanecer na prefeitura, tornando-se o candidato natural do partido para voos mais altos logo adiante.
No fundo, ele não perde as esperanças de que o PSDB se convença de que seu estilo agressivo de ser anti-Lula ainda é a melhor opção para vencer a eleição de 2018, mesmo com a queda de popularidade que abalou seu favoritismo.
Essa queda, aliás, parece ter tido o poder de levar Doria a uma posição mais reflexiva, admitindo ter cometido erros na ânsia de cumprir metas e realizar promessas. O político arrojado que queria abraçar o mundo com as mãos e as pernas parece estar se convencendo de que é preciso dar tempo ao tempo.
Desacelerar, dar dois passos atrás para depois avançar, como ele mesmo definiu ontem em conversas diversas no Rio. O sinal de advertência que anunciou, pedindo a união entre os políticos de centro para combater os que identifica como extremistas de esquerda e de direita, é uma demonstração de que não pretende esgarçar sua relação com o governador Geraldo Alckmin, que esteve a ponto de se romper, ou mesmo inviabilizar sua permanência no PSDB.
Doria parece convencido de que se candidatar a presidente depois de uma disputa interna com seu mentor lhe daria uma vitória de Pirro, identificando-o como traidor, marca difícil de superar. Mas está convencido também de que a campanha será dura e renhida e, por isso, considera que um outsider como Luciano Huck não aguentaria o tranco.
A união em torno de uma candidatura de centro, que, não sendo a dele, seria a do governador Geraldo Alckmin, daria a ela um respaldo eleitoral para superar a radicalização dos extremos. É sempre bom lembrar que Aécio Neves, o candidato do PSDB em 2014, saiu de São Paulo com uma vantagem de sete milhões de votos, mesmo sendo mineiro.
O último candidato paulista à Presidência, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, saiu do estado com cinco milhões de votos de vantagem e venceu Lula no primeiro turno duas vezes. Pacificados os tucanos em São Paulo, o candidato de consenso pode sair do estado com uma vitória maior ainda, que pode viabilizar a chegada ao segundo turno.
A questão é melhorar a performance em outras regiões do país hoje claramente tendentes a Lula, como no Nordeste, onde o ex-presidente chega a ter 50% dos votos. A primeira pesquisa do Ibope, confirmando a polarização entre os candidatos dos extremos políticos, fez com que as forças políticas de centro se convencessem de que é preciso unir esforços para se viabilizarem na disputa, que promete ser mais favorável aos que fazem da política uma guerra do “nós contra eles”.
Doria tentou se colocar como o anti-Lula e acabou perdendo terreno dentro do próprio partido, mas continua fazendo questão de manter essa marca. Como já sabe que, até a decisão final, há uma eternidade política pela frente, ainda acredita que reverterá a queda de popularidade.
Mas já se convenceu de que não terá chances se não for o candidato de consenso dentro de uma coalizão centrista.
Hubert Alquéres: Vivandeiras petistas
“O que nós de esquerda devemos perguntar aos militares é a quem eles querem servir: ao povo e à nação ou à facção financista e rentista que assaltou o poder? Que rasgou a Constituição e o pacto social e que destrói, dia a dia, a soberania nacional, entregando de mão beijada para o capital externo nossas empresas – estatais ou não -, nossas riquezas minerais, nossas terras férteis.”
Não se trata, caros leitores, de um manifesto dos anos 50/60, quando a esquerda, contaminada pelo golpismo que permeou a nossa história desde o advento da República, também rondava os quartéis em busca de um “general do povo” e dava sua contribuição negativa para a divisão das Forças Armadas.
A citação é parte de um artigo de José Dirceu publicado recentemente no site Diário do Centro do Mundo e compartilhado nas redes sociais do lulopetismo, propugnando o “diálogo com os militares” para atrai-los para seu projeto de poder.
O apelo a um discurso eivado de um nacionalismo anacrônico presta-se ainda a disputar com o deputado federal Jair Messias Bolsonaro a influência no mundo castrense, dada a pregação “nacionalista” do militar candidato. Não gratuitamente, o PT tem sido pródigo em elogios ao modelo “nacional estatista” do período, do presidente e general, Ernesto Geisel.
A pretendida aproximação com os militares é parte de movimento estratégico mais amplo do PT, na direção de sua bolivarianização. O modelo chavista de “democracia direta” voltou a ser cultivado por Lula. Em entrevista ao jornal espanhol El Mundo declarou que, se eleito, convocará referendo revogatório de medidas adotadas no governo Michel Temer. Para delírio do braço esquerdo do lulopetismo, o caudilho repetiu a ameaça em comício de sua caravana em Minas Gerais.
Na hipótese de um novo governo, dificilmente Lula teria maioria no parlamento para impor seu programa. Como o mensalão e o petrolão inviabilizaram a construção de uma maioria pela via da corrupção, restaria a ele a alternativa de emparedar o Congresso e o Poder Judiciário por meio de consultas populares.
Não há na nossa Constituição a figura do referendo revogatório. Sua aplicação no Brasil implicaria em ruptura constitucional, em o país se enveredar por uma “ditadura popular”, a exemplo da Venezuela de Hugo Chavez e Nicolás Maduro. Mas quem disse que não é essa a ideia?
Ora, as Forças Armadas são um obstáculo a tais planos. Desde a redemocratização dedicam-se exclusivamente a cumprir suas obrigações constitucionais e profissionais, razão pela qual temos o maior período desde o advento da República sem quartelada ou qualquer tipo de intervenção militar na vida política nacional.
Desviá-las de suas funções constitucionais é pré-requisito para o Partido dos Trabalhadores avançar em seu projeto autoritário. É aí que entram em campo as vivandeiras petistas com o objetivo de reintroduzir nos quartéis a polarização “esquerda-direita”. Querem retornar aos tempos da guerra-fria, quando a esquerda, maniqueisticamente, dividia as Forças Armadas em duas correntes: a “entreguista e golpista” e a “nacionalista e democrática”. Sintomaticamente, os termos estão presentes no artigo de José Dirceu.
A história está aí para registrar que o golpismo não foi monopólio da direita. A esquerda também fez suas incursões golpistas, vide 1935.
Na Venezuela, a cooptação dos militares se deu pela sua transformação em uma elite econômica dotada de privilégios e detentora dos principais cargos de direção das principais empresas e dos altos escalões do governo. Hoje, são o principal esteio da ditadura venezuelana. Os estrategistas do PT não ignoram o precedente histórico do modelo chavista, que, de resto, é o mesmo da Coreia do Norte, onde os militares são o principal sustentáculo da ditadura de Kim Jong-Um.
Para atrair os militares, o lulopetismo ressuscita concepções da esquerda que não deram conta da realidade brasileira nos anos 50/60, que dirá agora.
Em pleno século vinte e um, no limiar da Quarta Revolução Industrial e de mudança de paradigmas na economia, pensam o desenvolvimento do país pela via autóctone e de ruptura com o capital externo. O “imperialismo yankee” é visto como o invasor externo que suga as riquezas nacionais. Nessa visão distorcida, a missão das Forças Armadas seria defender o pré-sal, a Amazônia, as empresas nacionais do “polvo imperialista”.
Só que o Brasil não é a Venezuela e nossas instituições castrenses em nada se assemelham às do país de Chavez e Maduro. Temos uma economia diversificada e integrada à economia mundial, uma sociedade bem mais complexa. Nossas Forças Armadas são instituições permanente de Estado e impermeáveis a discursos de quem quer instrumentalizá-las para viabilizar seu projeto de poder.
Os remanescentes da esquerda armada ainda não deglutiram a derrota do passado e agora tentam dividir as Forças Armadas.
Se pensam, com seu canto, atrair os militares para uma aventura, as vivandeiras, de esquerda ou de direita, darão com os burros n’água. Os militares brasileiros parecem estar escolados para embarcar nessa nau de insensatez.
* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo
José Arthur Giannotti: 'Podemos sair da crise, mas não sairemos do século 20'
Filósofo é autor do recém-lançado 'Os Limites da Política - Uma Divergência'
Vítor Marques , O Estado de S. Paulo
A travessia até as eleições de 2018 será árdua e não se sabe até que ponto o atual governo implantará seu projeto. Mas a vantagem do presidente Michel Temer é que a oposição está enfraquecida. A análise é do filósofo e professor emérito da USP José Arthur Giannotti, 87. “A crise da esquerda é profunda”, afirmou Giannotti, em entrevista ao Aliás.
No momento em que os partidos estão em xeque, Giannotti lança novo livro que dialoga com autores clássicos e discute política a fundo. Os Limites da Política - Uma Divergência é, sobretudo, um debate em que Giannotti dá espaço ao também filósofo Luiz Damon Moutinho. Trata-se de uma versão revisitada e ampliada de sua obra anterior, A Política no Limite do Pensar (Cia. das Letras). Abaixo, os principais trechos da entrevista do filósofo.
Qual é o lugar da política neste momento em que predomina o discurso da apolítica?
A política está em todos os lugares. O problema todo está como lidamos ou fugimos dela.
Há saída para a crise política a curto prazo?
Não há. A crise é muito séria porque ela começa com uma crise de representação e depois ela se transforma em uma crise de Estado. Isto é, lembremos uma velha definição de Estado, a instituição que tem o monopólio da violência. Hoje nós já não temos o monopólio da violência. O narcotráfico, por exemplo, se expande, se internacionaliza, começa a organizar a produção, e então temos paralelos que se cruzam diante daquilo que seria o Estado nacional.
A Câmara barrou uma denúncia de corrupção contra o presidente Michel Temer, mas provavelmente teremos um governo sob investigação. O que isso significa?
Estamos com um Estado cujas decisões estão cada vez mais enfraquecidas e vamos ter justamente uma ‘pinguela’, como disse Fernando Henrique. Temos que chegar até a margem nadando. Não se sabe até que ponto o governo Temer vai poder realizar seu projeto. Nas condições antigas, já teríamos uma intervenção militar, mas felizmente isso não está acontecendo.
Nessas condições um governo tem força para sobreviver até 2018?
A grande vantagem do governo Temer é que a oposição está em crise. A crise da esquerda é profunda. Ela não tem como apresentar um projeto pela simples razão que a esquerda, ao se tornar populista, deixou de considerar como a riqueza é produzida e entra em crise sistematicamente. Pelo menos sabemos que, quando a crise financeira não é resolvida pela esquerda, ela vai ser resolvida na direita. E tudo tende a uma solução da nossa crise pela direita.
O senhor fala em uma crise profunda da esquerda. No caso brasileiro, uma eventual candidatura de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado na Lava Jato, atrapalha ou ajuda a esquerda?
Atrapalha, porque impede a esquerda de tomar consciência de suas tarefas atuais, de enfrentar o capitalismo tal como ele é não tal como ele foi pensado no século 19. Não adianta nada ter um racha no PT e ter o PSOL, porque aí você tem esquerdistas falantes e mais nada.
Como se explica esse crescimento de candidaturas como a do deputado Jair Bolsonaro com um discurso mais radical?
Não sabemos ao certo o que está acontecendo. Na dissolução dos partidos, vão aparecer pessoas isoladas que furam os partidos. Não podemos esquecer que a primeira vitória do Trump foi contra os republicanos. Quem vai aparecer não vai ser um filhote qualquer de um partido. Vai ser alguém que atravesse os partidos. Quando você não tem uma política que se expõe, a reação das pessoas também é confusa. O quadro é negro.
Como senhor vê partidos que buscam nomes fora da política?
Não adianta aparecerem novas figuras se elas não apresentarem diretrizes para que sejam resolvidas a crise de Estado e de representação. Se o Brasil ainda for seduzido por palavras ocas, ele se tornará um País inteiramente oco. O grande problema nosso é que isso pode acontecer. Nossa situação é muito dramática. As instituições estão funcionando, nós podemos sair da crise econômica, mas não sairemos do século 20. Não teremos um capitalismo realmente competitivo.
A adoção do parlamentarismo no Brasil pode ser uma solução?
Parlamentarismo ou não, o que importa é como vão funcionar os partidos e como os partidos vão encontrar suas identidades. Depois se for parlamentarismo ou não, vai depender dessa identidade partidária. Insisto: enquanto não tivemos uma esquerda renovada, não teremos uma direita renovada. Temos simplesmente uma renovação de esquerda que eu diria geriátrica.
Como o senhor avalia o movimento de partidos que tentam obstruir ou dificultar investigações da Lava Jato para salvar a classe política?
A Lava Jato nasceu de um pequeno processo de denúncia e de repente a denúncia se mostrou contra os maiores próceres do Estado brasileiro. Obviamente era previsto que a classe política iria reagir. A vantagem do grupo da Lava Jato, apesar das suas loucuras, é que teve uma ação política inicial. Em vez de fazer como a operação ‘Mãos Limpas’ na Itália, que metralhou todo o sistema político (ao mesmo tempo), (a Lava Jato) foi metralhando aqueles que estavam no Governo e ampliando. Chegou um momento que toda a classe política está contra a Lava Jato. Então é um momento decisivo dessa luta. Não sei quem vence, espero que seja o pessoal da Lava Jato.