Jair Bolsonaro
Revista Política Democrática || Luiz Paulo Vellozo Lucas: Os caminhos da nova política
Nova política no país navega entre parlamentares de perfil liberal na economia e progressista nas políticas públicas a integrantes de blocos conservadores como o PSL e seguidores do presidente Jair Bolsonaro
A política brasileira bate cabeça em busca da sua restauração moral pela via que se convencionou chamar de “nova política”. Esta bandeira, no entanto, é empunhada por grupos muito diferentes. Os mandatos de Tábata Amaral, Felipe Rigoni e os outros deputados oriundos dos movimentos de renovação que votaram favoravelmente à reforma da Previdência contrariando seus partidos, respectivamente o PDT e o PSB, refletem um dos caminhos da nova política, de perfil liberal na economia e progressista nas políticas públicas. Marina Silva foi uma espécie de precursora desta tendência que já estava parcialmente presente no eleitorado nas eleições de 2010.
O bloco conservador liderado pelo presidente e seus filhos, por enquanto abrigados no PSL, representa claramente outra vertente política, mas não se pode negar que eles chegaram ao poder enfrentando e derrotando o sistema de partidos e a política tradicional no Brasil. Seus seguidores também acreditam estar lutando contra a podridão do sistema e apoiando a nova política.
A luta interna no PSL se dá principalmente em função da disputa pelo controle e distribuição do fundo partidário e da definição de candidaturas e alianças nas eleições. Temas particularmente caros à política tradicional e às velhas raposas que se articulam a todo vapor, visando às eleições municipais do próximo ano. O calendário eleitoral de 2020 já começou. A primeira disputa será pela bandeira da nova política e, por isso, todos querem distância regulamentar das brigas que podem ser vistas como “sujas” pelo eleitorado, isto é, cargos e dinheiro público para a eleição. É claro que, em off, a batalha é violenta!
A força das igrejas evangélicas estará presente, assim como muitas candidaturas de militares e policiais, para disputar eleições em nome da renovação. O interesse do empresariado e da opinião pública mais informada, movida principalmente pelo cansaço com a prolongada crise econômica e pelo pânico com a possibilidade de volta do PT, acaba sendo seduzida por qualquer caricatura de liberalismo econômico que se apropria da indignação nacional com o estatismo e os privilégios cevados ao longo dos séculos no Brasil, sem demostrar, contudo, compromisso e capacidade política para liderar uma agenda liberal reformista.
As máquinas dos governos municipais em fim de mandato estão enferrujadas e desgastadas e tendem a entrar com dificuldade no pleito majoritário, mas serão fortíssimas nas eleições de vereador, quando, pela primeira vez, será proibido fazer coligações proporcionais. O fisiologismo será determinante e o aparelhamento de estruturas de poder local para abrigar candidaturas a vereador para fazer legenda vai ser prática corrente. Até o STE já descobriu que só o voto distrital melhora a qualidade do voto e do pleito. Voto distrital e candidaturas avulsas.
O dinheiro do Fundão vai atrair políticos sem expressão e subcelebridades locais para o pleito, e os partidos em busca de sobrevivência também vão se virar para arranjar candidatos a prefeito e formar chapa de vereador. Políticos experientes derrotados pela onda conservadora em 2018 vão aparecer, alguns fantasiados de nova política, outros com o traje costumeiro. Os profissionais de campanha foram muito desvalorizados com o advento do whatsapp, mas os novos estrategistas digitais já estão oferecendo seus serviços e alguns já estão trabalhando. Ricos, famosos ou não, serão assediados com força pelos partidos para participar e, naturalmente, financiar a campanha de 2020.
Finalmente teremos alguns verdadeiros políticos por vocação que, apesar das circunstancias terríveis da política brasileira hoje, vão aceitar o chamado da vida pública e participar do processo eleitoral como candidatos. Gente como Tábata e Rigoni, que estão de fato se dedicando a melhorar a qualidade da política através do único modo comprovadamente eficaz: o exercício de seus mandatos com espirito público, preparo intelectual e coragem cívica, depois de disputar e vencer eleições usando como únicas armas suas convicções, corações e mentes.
Pode até não parecer, mas sou otimista. A proximidade das eleições municipais me faz sonhar com um debate público e informado sobre a crise urbana brasileira e com candidaturas renovadoras de verdade. O desenvolvimento sustentável e includente do Brasil começa nas cidades, com a liderança e o protagonismo do poder local, restaurando a confiança nas instituições da democracia e formando capital cívico.
Bernardo Mello Franco: Bolsonaro troca a Lei de Gerson pela Lei de Jair
Em 1976, o país foi apresentado à Lei de Gérson: “Gosto de levar vantagem em tudo, certo?”. Em 2019, passou a vigorar a Lei de Jair: “Se eu puder dar filé mignon pro meu filho, eu dou”.
Jair Bolsonaro foi ao Japão para assistir à entronização do imperador. Naruhito assume o lugar de Akihito, que abdicou em abril. Por aqui, o presidente parece tratar os filhos como príncipes regentes.
Em guerra com meio PSL, Jair indicou Eduardo como novo líder do partido. O Zero Três derrubou Delegado Waldir, que se sentiu traído e promete vingança. O deputado goiano também integra a bancada da bala, mas não tem o sobrenome do capitão.
A escolha do herdeiro agravou ressentimentos com o clã presidencial. O senador Major Olímpio, bolsonarista de carteirinha, já disse que os filhos do presidente têm “mania de príncipe”. “Ainda não reconheço no país uma monarquia, uma dinastia”, ironizou.
Ontem a deputada Joice Hasselmann pegou mais pesado: “Esses moleques precisam de camisa de força. São um risco para o Brasil e para o mandato do presidente”. Até a semana passada, ela pontificava como líder do governo no Congresso. Agora bate boca com Eduardo e Carluxo, chefe das milícias virtuais do pai.
Os filhos de Bolsonaro se tornaram o principal fator de instabilidade da República. Os rolos de Flávio, o Zero Um, já levaram Jair a interferir na Polícia Federal, na Receita e no Coaf. Os rompantes de Carluxo, o Zero Dois, provocaram a demissão de dois ministros e impuseram uma mordaça ao vice-presidente.
Os sonhos de Eduardo têm atrasado a pauta do Senado, que resiste a aprovar sua promoção a embaixador. Agora a indicação a líder ameaça criar novos problemas na Câmara. Desta vez, o presidente não poderá decapitar os insatisfeitos. Eles também foram eleitos para mandatos de quatro anos.
O deputado Júnior Bozzella, ligado à cúpula do PSL, diz que a proteção ao clã presidencial “ultrapassou todos os limites”. “É uma arbitrariedade depois da outra, sempre para favorecer a família. Temos que salvar o Brasil dos filhos do presidente”, afirma.
Ricardo Noblat: Te perdoo por te trair
Te perdoo porque choras quando eu choro de rir (Chico Buarque)
Deve haver algum método, e também algum objetivo a ser alcançado, na desordem provocada dentro do governo pelo presidente Jair Bolsonaro a cada semana, e ultimamente a quase cada dia. É impossível que não haja.
A mais recente desordem, quando um telefonema dele obrigou o presidente da Petrobras a suspender o reajuste já anunciado no preço do diesel, surpreendeu o ministro Paulo Guedes, da Economia, em visita aos Estados Unidos.
Deu ensejo então a uma curiosa situação onde não é um presidente da República que sai em socorro de um ministro que derrapou numa casca de banana, mas o ministro que sai em socorro do presidente. Foi o que aconteceu quando Guedes disse ontem:
“Acho que o presidente tem muitas virtudes, fez muita coisa acertada e ele já disse que não conhece muito economia. Então se ele, eventualmente, fizer alguma coisa que não seja muito razoável, tenho certeza que conseguimos consertar”.
Espantoso! Em que país um ministro da Economia chama em público uma decisão presidencial de “não muito razoável” e é mantido no cargo? Ou afirma que o presidente “não conhece muito do assunto” em que resolveu se meter?
E que acrescenta ainda como se fosse uma espécie de avalista do presidente que se ele fizer alguma coisa não razoável, tem certeza que dará para consertar? Onde será possível que uma coisa dessas fique por isso mesmo?
Ora, aqui, desde que Bolsonaro se elegeu enganando o mercado com a história de que Guedes seria o seu Posto Ipiranga. Título igual não deu ao ministro Sérgio Moro, da Justiça, mas ficou parecendo que sim. Já atropelou Moro antes, e agora Guedes.
Acreditou quem quis que Bolsonaro, um estatizante de carteirinha, vestiria a fantasia de liberal uma vez que se elegesse. O importante era derrotar o PT. E embora houvesse muitos candidatos, o capitão seria de longe o mais fácil de ser cavalgado.
Pode faltar cultura, preparo e sofisticação ao presidente, mas uma toupeira ele não é. Bolsonaro joga a favor dele e dos filhos. No que dará tudo isso, nem ele sabe. Se não se der certo irá para casa com várias aposentarias e benefícios concedidos a um ex-presidente.
De bom tamanho para quem já admitiu que sua eleição foi um milagre.
Vexame!
As agruras do capitão
O presidente Jair Bolsonaro provocou a ira de Israel por ter dito a líderes evangélicos na última quinta-feira que os crimes do Holocausto são perdoáveis.
“Podemos perdoar. Mas não podemos esquecer”, disse Bolsonaro. Para em seguida acrescentar uma de suas frases preferidas: “Aqueles que esquecem seu passado estão condenados a não ter futuro”.
Só tem houve um probleminha: para Israel, o Holocausto que provocou a morte de 6 milhões de judeus na 2ª Guerra Mundial não pode ser perdoado nem esquecido jamais.
Então Bolsonaro, que antes de se eleger fez questão de ser batizado nas águas do rio Jordão, foi criticado pelos presidentes Reuven Rivlin, de Israel, e Yad Vashem, do Memorial do Holocausto.
Ao visitar Israel, Bolsonaro deu uma passadinha no Memorial do Holocausto, em Telavive, onde está escrito que o nazismo foi de direita. Bolsonaro saiu de lá dizendo que o nazismo foi de esquerda.
Por duas vezes nos últimos três dias, o Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque, manifestou-se sobre a homenagem que a Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos prestará a Bolsonaro.
Está marcada para 14 de maio, nas dependências do próprio museu. Mas a direção do museu diz que o local foi alugado antes que a Câmara revelasse o nome do homenageado.
Agora que se sabe, o Museu está sob a pressão dos seus contribuintes e visitantes assíduos para que negue o local. O próprio prefeito da cidade, do Partido Democrata, é contra a homenagem ali.
Eliane Cantanhêde: Nas terras do Tio Sam
O Jair Bolsonaro dos EUA precisa superar em muito o Jair Bolsonaro de Davos
O Brasil de Bolsonaro e os EUA de Trump fazem juras de amor e assinam atos importantes a partir de hoje, quando Bolsonaro desembarca em Washington com tratamento vip, direito a hospedagem na exclusiva Blair House e entrevista ao lado de Trump no Rose Garden, que são deferências especiais, concedidas a muito poucos.
Em compensação, Bolsonaro deverá fazer um anúncio que diplomatas tremem só de ouvir: a dispensa unilateral de vistos para americanos (além de canadenses, australianos e japoneses), sem exigência de reciprocidade. Significa que eles poderão vir livremente ao Brasil, mas os brasileiros não poderão ir ao país deles.
A ideia já tinha sido apresentada pelo ministro do Turismo de Michel Temer, Henrique Eduardo Alves (que acabou preso), mas só valeu para a Olimpíada do Rio, como forma de incentivar a vinda desses estrangeiros – que têm baixo índice de risco e carteiras recheadas. Mas foi temporário, agora será permanente. Diplomatas acham que é coisa de país sem autoestima e Bolsonaro pretende negociar a dispensa de visto para brasileiros irem aos EUA. Duvido que o Tio Sam tope.
O principal anúncio deverá ser o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas para uso da Base de Alcântara (MA) para fins comerciais, negociado há uma década. Os EUA ganham, porque Alcântara é um ponto estratégico que permite economia de até 30% nos lançamentos de satélites. E o Brasil também lucra, porque entra no mercado de cooperação espacial.
Na comitiva, Augusto Heleno, Paulo Guedes, Sérgio Moro, Ernesto Araújo (chanceler), Tereza Cristina (Agricultura), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e Ricardo Salles (Meio Ambiente), com agendas diferentes. Guedes está interessado em medidas, lá e cá, para destravar investimentos e negócios. Moro vai ao FBI para acordos de inteligência, segurança pública e combate ao crime organizado.
Depois de desperdiçar Davos e ocupar seis dos 45 minutos a que tinha direito para atrair o interesse do mundo para o Brasil, Bolsonaro terá novamente todos os holofotes e não pode amarelar, fugir de entrevista e posar de “simplesinho”, mas, sobretudo, é preciso afastar a ideia de um alinhamento automático com os EUA.
Bolsonaro gosta da ideia, assim como seu filho Eduardo, o chanceler Araújo e o guru Olavo de Carvalho, que já trocou o Brasil pelos EUA. Já os diplomatas de várias gerações se opõem e o que conta mesmo no governo é um outro foco de resistência ao tal alinhamento automático: os militares, que prezam muito a noção de soberania. Aliás, nem aos próprios EUA encanta a ideia de se jogar de cabeça num governo que está mal começando. Pode ser um sucesso, pode não ser. Logo, aproximação é ótimo; alinhamento automático é excessivo.
Além das relações bilaterais, que avançam muito, Bolsonaro e Trump vão discutir questões regionais (Venezuela, por pressuposto) e internacionais, as mais cabeludas. China, Oriente Médio, Coreia do Norte e Irã estão na agenda, mas Bolsonaro deve ter algumas coisas em mente. A China é o maior parceiro comercial brasileiro, o Brasil desde sempre independente na disputa Israel-Palestina e... nem tudo o que é bom para os EUA é bom para o Brasil.
Depois dos EUA, ele vai ao Chile e no final do mês a Israel, onde Benjamin Netanyahu é um aliado e fez a gentileza de vir ao Brasil para prestigiar a vitória de Bolsonaro, mas agora está às voltas com a Justiça. Tudo bem ir a Israel, a questão é de oportunidade.
O avião está decolando e lança Bolsonaro no seu primeiro teste realmente diplomático. Vai precisar de inteligência, sorte, jeito, discursos escritos e muitos conselhos para se superar. O Bolsonaro de Washington tem de ser muito melhor do que o Bolsonaro de Davos.
Vera Magalhães: Autocombustão
Crise que prolonga paralisia de governo que mal começou foi fabricada pelo presidente
O governo Jair Bolsonaro já estava paralisado sem nem ter começado. A expectativa era de que essa letargia cessaria com a alta do presidente da República após duas semanas de internação. Mas a prioridade de Bolsonaro e família ao deixar o hospital não era a reforma da Previdência, mas incinerar um aliado nas redes sociais, sem se dar conta de que a chama poderia voltar e chamuscar o próprio governo.
A semana terminou com Gustavo Bebianno ainda pendurado ao cargo por um fio. Parece que Bolsonaro vai demiti-lo oficialmente na segunda-feira, mas não é bom cravar nada. Afinal, o presidente chamou o seu secretário-geral da Presidência de mentiroso enquanto ainda estava no hospital, deixou o filho brincar de fritá-lo no Twitter, deu ordem para mantê-lo no cargo e, depois, o demitiu verbalmente. Mas nada está formalizado. Este, aliás, não é um governo que se atenha a formalidades.
Num show de horrores digno de programa de barraco familiar vespertino, Carlos Bolsonaro deixa vazar áudios privativos do presidente e o ministro atingido replica fazendo vazar conversas suas com o mesmo presidente. Eis a “nova era” da comunicação direta com o povo. Um coquetel perigoso de despreparo, arrogância, autoritarismo e ingenuidade leva os Bolsonaros a jurarem que estão revolucionando a forma de fazer política e se comunicar, mas se esquecem de que as armas que usam para aniquilar inimigos (mesmo aqueles que eram amigos até ontem) podem se voltar contra eles. Afinal, se não há privacidade assegurada, vale tudo na selva das redes sociais.
Quem mais tem a perder com isso é quem tem mandato. No caso, o presidente, que insiste em brincar no Twitter ou bancar o sujeito bonachão que se deixa fotografar de chinelo e camiseta pirata de time de futebol enquanto arbitra o futuro dos brasileiros na questão mais relevante de seu governo.
Acontece que o teatro do caos vai cansando mesmo aqueles que votaram nele. Sim, porque o coquetel demoníaco a que me referi faz com que o clã tuiteiro viva a ilusão de que o patriarca foi eleito única e exclusivamente pelas redes sociais, quando muitos apenas taparam o nariz e apertaram o 17 achando que era menos pior que o 13 do PT, que levou o País à bancarrota.
Bolsonaro foi eleito por 57.797.456 de pessoas. Menos que os 58.151.241 que votaram em Fernando Haddad, em branco ou nulo. Quando se somam a esse contingente de votos contra ele os 31.371.704 que se abstiveram, tem-se um número que deveria ser eloquente para qualquer mandatário sensato ver que precisa mostrar serviço sob pena de ver a popularidade ruir.
Agora, paralelamente à apresentação de um texto que mexe diretamente com a vida das pessoas, como é a reforma da Previdência, tem-se a encenação de uma ópera bufa da demissão de alguém que sabe tudo da vida da família Bolsonaro. O presidente parece não se lembrar de que Bebianno, antes de ministro do palácio e coordenador da campanha, foi seu advogado! Conhece, portanto, o histórico patrimonial da família, as relações de amizade, as entranhas dos gabinetes de todos e os acordos que foram feitos para o desembarque da tropa bolsonarista no PSL, que era e continua sendo uma legenda de aluguel nas mãos de Luciano Bivar.
O poder que tem alguém com esse nível de acesso, humilhado reiteradamente e com uma clara disposição de não ter a reputação destruída, é imprevisível. A frase dita a mim por Bebianno dá uma pista do que está por vir: “O que eles que chamam de inferno, eu chamo de lar”. A citação não é de nenhum filósofo. Como uma boa metáfora da era Bolsonaro, ela é o slogan do segundo filme da série Rambo, que retrata um militar expurgado, armado até os dentes e disposto a tudo para se vingar.
O Globo: Em 500 tuítes, o que pensa Carlos Bolsonaro
Levantamento feito em perfil de filho do presidente mostra que 72,2% do que ele escreve são ataques; elogios representam somente 8,8%, e citações a atos do governo, 8,4%
Por Igor Mello e Juliana Castro, de O Globo
RIO — Filho mais próximo do presidente Jair Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro deflagrou a primeira crise no coração do Palácio do Planalto ao usar o Twitter para atacar Gustavo Bebianno, ministro da Secretaria-Geral da Presidência. O comportamento, porém, não é exceção. O “pitbull” da família usa a rede social como uma metralhadora giratória.E não é repreendido pelo presidente por isso.
O GLOBO analisou 500 tuítes feitos por Carlos entre 15 de dezembro e 15 de fevereiro e constatou que 72,2% das postagens feitas pelo parlamentar são ataques. O alvo preferencial é a imprensa, mas também sobram bordoadas para a esquerda e até mesmo para aliados, como Bebianno.
Das 500 postagens — que incluem também publicações de outras pessoas compartilhadas por ele — 211 (ou 42,4%) criticam a cobertura da imprensa sobre o governo Bolsonaro. Ataques à esquerda (19,8%), a aliados (5,2%) e outros (4,8%) completam a lista.
Outro alvo preferencial de Carlos é a esquerda. Chamados de “bandidos”, “retardados” e “idiotas”, os opositores são ligados frequentemente à corrupção e ao atentado praticando contra Jair Bolsonaro por Adélio Bispo de Oliveira, em setembro. O maior alvo é o PSOL, mencionado por ele 21 vezes no período — o PSL, partido da família, só mereceu três citações.
Embora os ataques predominem, sobra espaço na rede social para que Carlos divulgue conteúdo institucional do governo ou elogie aliados. Os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente), Damares Alves (Direitos Humanos) e Santos Cruz (Governo) são alvos de menções elogiosas, assim como o guru da direita Olavo de Carvalho. Ele, aliás, provocou um dos poucos momentos de descontração de Carlos no período. O vereador postou uma foto ao lado de seu cachorro poodle na frente do computador, onde assistia uma das aulas de Carvalho.
Flávio esquecido
As interações com o perfil do pai e do irmão mais novo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), são frequentes — além de citá-los, o vereador costuma reproduzir seus tuítes em seu próprio perfil. Porém, o irmão mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), fica de fora de suas manifestações no período analisado.
Mesmo vendo o irmão em meio às denúncias envolvendo o ex-assessor Fabrício Queiroz e tendo suspeitas sobre sua movimentação bancária, Carlos Bolsonaro não fez nenhuma defesa de Flávio nos últimos dois meses. A única menção a ele foi lateral: o vereador compartilhou um vídeo no qual Eduardo bate boca com petistas que cobravam investigações contra Flávio no plenário da Câmara.
Carlos e Flávio cultivam rusgas desde 2016, quando o irmão mais velho teve um mal-estar durante um debate à Prefeitura do Rio e decidiu agradecer à rival Jandira Feghali (PCdoB), que o socorreu, por meio de uma nota oficial. A atitude foi motivo de críticas de Carlos e do pai.
Os dois travaram um novo round no ano passado, quando disputaram quem seria o candidato da família ao Senado. Após perder a disputa, Carlos desistiu de tentar outro cargo.
O GLOBO procurou Carlos para comentar os dados do levantamento, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição.
Luiz Carlos Azedo: Jogo começa sem Bolsonaro
“Bolsonaro afina o discurso do governo com as verdadeiras prioridades do país. Entretanto, ainda não entrou em campo para articular a base de apoio às reformas”
O ano legislativo começou com o governo pautando o Congresso em dois temas essenciais para o sucesso de Jair Bolsonaro como presidente da República: a reforma da Previdência e a política anticrime organizado. No primeiro caso, houve vazamento de uma proposta de aumento do tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos, que foi desmentida e desagradou o ministro da Economia, Paulo Guedes, que ainda não fechou a proposta oficial do governo com o próprio Bolsonaro; no segundo, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, apresentou as propostas de endurecimento das penas e do regime carcerário, além da criminalização do caixa dois eleitoral e de combate a corrupção, aparentemente já sincronizadas com o presidente da República, que declarou guerra ao crime organizado na sua mensagem ao Congresso.
Nenhuma das duas reformas (a previdenciária e a penal) terão andamento fácil. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adiantou que pretende submetê-las a amplo debate na Casa. A eleição de Maia, no primeiro turno, com 334 votos dos 513 deputados, foi relativamente tranquila, na sexta-feira passada, mas sinaliza também uma liderança compartilhada com setores do governo e da oposição. Com toda certeza, deixará as propostas decantarem nas comissões especiais antes de levar a plenário para votação. Maia é um defensor da reforma da Previdência, que considera vital para o país, mas não vai submeter a proposta à votação sem uma maioria consolidada; sabe que uma derrota na largada pode custar a própria reforma. Também é a favor do endurecimento das penas, mas não será algoz de seus colegas no caso do caixa dois eleitoral, pois a Câmara ainda é uma casa de alguns condenados à forca. O mais provável é que o preço da nova lei seja uma anistia ao caixa dois, do tipo “quem comeu, comeu; agora não come mais”.
A situação no Senado, nesse aspecto, é um pouco mais confusa, embora a vitória surpreendente de Davi Alcolumbre (DEM-AP), também no primeiro turno, deva ser computada como um gol de placa do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que jogou todo o seu prestígio e arriscou o próprio cargo para derrotar o ex-presidente da Casa Renan Calheiros (MDB-AL), com uma maioria bem apertada: 42 votos de 81 senadores. O novo presidente do Senado também foi eleito com votos da oposição: PSDB, Rede, PDT, PSB e PPS. Ou seja, para aprovar as reformas, quando chegarem ao plenário, precisará negociar um acordo amplo, inclusive com o MDB e o PT, os grandes derrotados na disputa pelo controle da Mesa do Senado.
O paciente
Bolsonaro afina, pouco a pouco, o discurso do governo com as verdadeiras prioridades do país, como ficou demonstrado na mensagem que enviou ontem ao Congresso. Entretanto, ainda não entrou em campo para articular a base de apoio às reformas. Pretendia sair do hospital amanhã, mas teve complicações estomacais pós-operatórias e um pouco de febre, o que é um sintoma de que a retirada da colostomia e a ligação do intestino grosso ao intestino delgado, sequelas da facada que levou durante a campanha eleitoral, foram realmente uma operação bem mais complexa do que se esperava. Os médicos recomendaram mais sete dias de repouso; a instalação de um gabinete presidencial no hospital, como queriam os assessores do presidente, está fora de cogitação.
Enquanto Bolsonaro se recupera, o governo opera em marcha lenta, e há uma tendência natural a fragmentar sua atuação, via ministérios cada vez mais autárquicos. Hoje, o vice-presidente Hamilton Mourão presidirá mais uma reunião do conselho de ministros, atraindo os holofotes da imprensa e os ódios de seus desafetos no próprio universo bolsonariano. O guru da ala mais conservadora do governo, o filósofo Olavo de Carvalho, faz ataques sistemáticos ao general nas redes sociais. Ontem, militantes de seus grupos de apoio estenderam uma faixa pedindo para Mourão calar a boca. A ciumeira tem dois ingredientes: uma teoria conspiratória, de que o vice estaria de olho no cargo do titular; e o incômodo com certas declarações de Mourão, politicamente mais moderadas ou até mesmo em contraponto com a agenda dos costumes de Bolsonaro, como seu comentário sobre o aborto, que qualificou como uma decisão que cabe à mulher.
Nada, porém, abala o otimismo do mercado. Ontem, a Bolsa de São Paulo fechou seu pregão com alta de 0,74%, atingindo 98.588 pontos, novo recorde de fechamento, apesar da queda das ações da Vale, em razão da tragédia em Brumadinho (MG). Esse otimismo é alimentado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe, que sinalizam um programa de reformas liberais, entre as quais a da Previdência. Qualquer reversão dessa expectativa pode ter reflexos negativos na economia, onde o ambiente de negócios está sendo aquecido, mas os investimentos, principalmente em infraestrutura e capital fixo, ainda vão demorar. Ou seja, o Congresso precisa fazer a sua parte para a economia realmente deslanchar.
O Estado de S. Paulo: ‘Não se sabe como o PSL vai se comportar’, diz historiador
Para Boris Fausto, partido do presidente Jair Bolsonaro é uma ‘salada de muitos elementos, sem unidade’
Paulo Beraldo, de O Estado de S.Paulo
Para o historiador e cientista político Boris Fausto, o Brasil nunca esteve tão dividido como hoje e a existência de diferentes visões deve se refletir no Congresso que tomou posse nesta sexta-feira, 1.º. “Houve divisões na sociedade no passado, mas nesse grau e nessa consistência, nunca tivemos.”
Fausto diz ver no próprio PSL – partido do presidente Jair Bolsonaro –, que elegeu a segunda maior bancada da Câmara (52 deputados), uma “salada composta de muitos elementos”. “Tem muita gente nova e não sabemos se vão se comportar maciçamente votando sempre a favor do governo”, afirma.
Qual a avaliação do sr. sobre o perfil deste novo Congresso?
É preciso acompanhar o que vai fazer essa grande bancada do PSL (na Câmara, com 52 deputados). Tem muita gente nova e não sabemos se vão se comportar maciçamente votando sempre a favor do governo, ou se uma parte terá independência em casos que contrariem sua opinião. Os sinais indicam que é uma salada composta de muitos elementos, sem unanimidade. Quando o grupo foi para a China, por exemplo, produziu indignação nos setores mais ideológicos do bolsonarismo. Vejo que esses votos, aparentemente, não são garantidos. Além disso, é preciso entender as nuances dessa direita que chegou ao poder. É um mundo muito mal conhecido porque era aparentemente secundário e, de repente, apareceu na ordem do dia. Figuras até então inexpressivas ou não consideradas surgem e passam a pesar no jogo político e nas ideias.
Como a divisão da sociedade pode se refletir no Congresso?
É saudável haver disputas, conflitos e opiniões divergentes na sociedade desde que tenham um mínimo denominador comum e que pelo entendimento cheguem a algum consenso. Quando não há isso, não tem diálogo. Houve divisões na sociedade brasileira no passado, mas nesse grau e nessa consistência, nunca tivemos. Por exemplo, o getulismo e antigetulismo. Foi uma luta política constante, mas duvido que alguém deixasse de jantar na casa de um parente porque esse parente fosse udenista ou getulista. Hoje, o clima de divisão profunda na sociedade deve se refletir no Congresso. Mas existe no Congresso um “espírito de corpo” entre os membros. Muitos entram com o furor de mudar tudo que é possível, mas depois entram na engrenagem, mesmo com opiniões diferentes, daquela corporação. É natural.
O discurso do governo estimula essa divisão?
Essa corrente de direita a que o Bolsonaro está associado encontrou um inimigo no chamado comunismo internacional, com determinações internas. Hoje, se criou essa fantasia e não se criou por propósitos inocentes. É a ideia de juntar uma porção de correntes e pessoas nesse “perigoso inimigo” construído que é a esquerda, o marxismo, a influência cultural gramsciana, com esse propósito de criar “nós e eles”. O “nós”, que iremos retificar tudo isso, e colocar nas mentes doutrinas que não são ideológicas, pensamentos que são abertos, quando precisamente esse é um pensamento muito ideológico. Mas existe uma raiz disso na esquerda também. O PT criou uma divisão entre nós e eles. Se você pensa diferente, se não acredita no projeto do partido, deve ser excluído. É bom não esquecer os males que essa gente produziu em nome de uma chamada esquerda.
Como acredita que deve agir a oposição no governo Bolsonaro?
A oposição tem de ser de combate responsável e de reconstrução. Não é oposição por oposição, a favor de que nada dê certo, mas de vigilância. A oposição vai ser forçada a evitar o deslize para a corrupção interna da democracia, mais do que apoiar um ou outro ato do governo. Com relação a projetos que façam sentido do ponto de vista nacional, como a Previdência e uma reforma tributária, na dependência de como forem, não vejo porque fazer uma oposição cerrada a qualquer preço, contrariando um interesse nacional. Numa situação em que os partidos, e a esquerda sobretudo, foram fortemente atingidos, a tendência à aglutinação e aproximação das pessoas é muito forte.
Qual seria a participação do PT em um eventual bloco de esquerda no Congresso?
O PT deveria ir por uma linha mais flexível se quiser ter papel relevante na união das esquerdas. O problema é que uma união dessas com o PT sem fazer uma avaliação crítica não teria muita autoridade como força de esquerda. Ao mesmo tempo, é improvável que (o partido) venha a fazer a reavaliação dos muitos erros que cometeu. Então, seria uma frente com um problema interno, uma dificuldade nesse PT monolítico, que não quer se alterar, que tem uma bancada grande (56 deputados) e se considera hegemônico.
Vera Rosa: Divergência revela disputa no governo
Informações desencontradas sobre impostos e Previdência têm como pano de fundo desentendimentos entre Onyx e Paulo Guedes
As idas e vindas em torno do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e da proposta de reforma da Previdência revelaram uma disputa interna na equipe do presidente Jair Bolsonaro logo na primeira semana do novo governo. De um lado está o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e, de outro, o ministro da Economia, Paulo Guedes. O primeiro é o capitão do time e o segundo tem a chave do cofre.
A elevação do IOF para compensar a perda de arrecadação com a extensão de incentivos às regiões Norte e Nordeste, anunciada na sexta-feira, 4, pelo presidente e depois descartada pelo secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, chegou mesmo a ser cogitada por Guedes. O Estado apurou que o núcleo político do governo teria, no entanto, vencido a queda de braço e conseguido derrubar a proposta, considerada impopular.
No Palácio do Planalto há quem atribua o vazamento da notícia sobre o aumento do IOF ao ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, que faria uma espécie de “dobradinha” com Guedes. Nos bastidores, Onyx e Bebianno disputam o protagonismo nas articulações políticas.
Não é de hoje que o chefe da Casa Civil anda se estranhando com o titular da Economia. Nos últimos dias, Onyx ficou muito contrariado ao saber que Guedes convenceu o PSL de Bolsonaro a apoiar a candidatura à reeleição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
No diagnóstico do ministro da Economia, a recondução de Maia é fundamental para que o governo tenha mais tranquilidade no Congresso e consiga aprovar, por exemplo, a reforma da Previdência. Bebianno tem a mesma avaliação de Guedes e acha até mesmo que alguma mudança nas regras da aposentadoria já poderia ter passado pelo Congresso se o aval a Maia já tivesse sido anunciado.
Resistência
Apesar de ser do DEM, Onyx resistia ao apoio a Maia. Ficou ainda mais irritado ao saber que a aproximação entre o PSL e Maia foi feita por Guedes. Para acalmar o chefe da Casa Civil, deputados eleitos do PSL disseram que foram obrigados a vencer as resistências a Maia porque, caso contrário, o partido de Bolsonaro ficaria isolado, sem assento em comissões estratégicas da Câmara, como Constituição e Justiça e Finanças e Orçamento.
Onyx só se convenceu mesmo depois que integrantes da nova assessoria de apoio parlamentar da Casa Civil – formada por deputados não reeleitos – disseram que, se Maia fosse “ignorado” pelo PSL, criaria muitos problemas para o Planalto em votações.
O ministro da Casa Civil também tem sido o protagonista de informações consideradas desencontradas sobre a proposta de reforma da Previdência. Isso desagrada à equipe técnica que elabora o texto porque aumenta as incertezas em torno da estratégia para a proposta que será apresentada depois que o novo Congresso voltar aos trabalhos, em fevereiro.
A entrevista dada pelo presidente na noite de quinta-feira ao SBT, comentando pontos ainda não definidos da proposta, trouxe preocupação ao mercado, que viu risco de a reforma ser muito branda.
O desencontro, na sexta-feira, na comunicação em torno das mudanças no IOF e das alíquotas do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), descartadas no final do dia pelo ministro da Casa Civil, também foi mal recebido pelos investidores.
No final do dia, Onxy tentou corrigir o problema. Segundo ele, Bolsonaro se “equivocou” ao falar do IOF e do IR. “Estava toda uma celeuma no País que era ter aumento de impostos. Não dá para o cidadão que votou no Bolsonaro para não ter aumento de impostos e ter aumento de impostos”, afirmou. /
COLABORARAM ADRIANA FERNANDES, LEONÊNCIO NOSSA, JULIA LINDNER, FELIPE FRAZÃO E IDIANA TOMAZELLI
Deutsche Welle: Brasil, um país do passado
No Brasil, está na moda um anti-intelectualismo que lembra a Inquisição. Seus representantes preferem Silas Malafaia a Immanuel Kant. Os ataques miram o próprio esclarecimento, escreve o colunista Philipp Lichterbeck.
É sabido que viajar educa o indivíduo, fazendo com que alguém contemple algo de perspectivas diferentes. Quem deixa o Brasil nos dias de hoje deve se preocupar. O país está caminhando rumo ao passado.
No Brasil, pode ser que isso seja algo menos perceptível, porque as pessoas estão expostas ao moinho cotidiano de informações. Mas, de fora, estas formam um mosaico assustador. Atualmente, estou em viagem pelo Caribe – e o Brasil que se vê a partir daqui é de dar medo.
Na história, já houve momentos frequentes de regresso. Jared Diamond os descreve bem em seu livro Colapso: Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Motivos que contribuem para o fracasso são, entre outros, destruição do meio ambiente, negação de fatos, fanatismo religioso. Assim como nos tempos da Inquisição, quando o conhecimento em si já era suficiente para tornar alguém suspeito de blasfêmia.
No Brasil atual, não se grita "herege!", mas "comunismo!". É a acusação com a qual se demoniza a ciência e o progresso social. A emancipação de minorias e grupos menos favorecidos: comunismo! A liberdade artística: comunismo! Direitos humanos: comunismo! Justiça social: comunismo! Educação sexual: comunismo! O pensamento crítico em si: comunismo!
Tudo isso são conquistas que não são questionadas em sociedades progressistas. O Brasil de hoje não as quer mais.
Porém, a própria acusação de comunismo é um anacronismo. Como se hoje houvesse um forte movimento comunista no Brasil. Mas não se trata disso. O novo brasileiro não deve mais questionar, ele precisa obedecer: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".
Está na moda um anti-intelectualismo horrendo, "alimentado pela falsa noção de que a democracia significa que a minha ignorância é tão boa quanto o seu conhecimento", segundo dizia o escritor Isaac Asimov. Ouvi uma anedota de um pai brasileiro que tirou o filho da escola porque não queria que ele aprendesse sobre o cubismo. O pai alegou que o filho não precisa saber nada sobre Cuba, que isso era doutrinação marxista. Não sei se a historia é verdade. O pior é que bem que poderia ser.
A essência da ciência é o discernimento. Mas os novos inquisidores amam vídeos com títulos como "Feliciano destrói argumentos e bancada LGBT". Destruir, acabar, detonar, desmoralizar – são seus conceitos fundamentais. E, para que ninguém se engane, o ataque vale para o próprio esclarecimento.
Os inquisidores não querem mais Immanuel Kant, querem Silas Malafaia. Não querem mais Paulo Freire, querem Alexandre Frota. Não querem mais Jean-Jacques Rousseau, querem Olavo de Carvalho. Não querem Chico Mendes, querem a "musa do veneno" (imagino que seja para ingerir ainda mais agrotóxicos).
Dá para imaginar para onde vai uma sociedade que tem esse tipo de fanático como exemplo: para o nada. Os sinais de alerta estão acesos em toda parte.
O desmatamento da Floresta Amazônica teve neste ano o seu maior aumento em uma década: 8 mil quilômetros quadrados foram destruídos entre 2017 e 2018. Mas consórcios de mineradoras e o agronegócio pressionam por uma maior abertura da floresta.
Jair Bolsonaro quer realizar seus desejos. O próximo presidente não acredita que a seca crescente no Sudeste do Brasil poderia ter algo a ver com a ausência de formação de nuvens sobre as áreas desmatadas. E ele não acredita nas mudanças climáticas. Para ele, ambientalistas são subversivos.
Existe um consenso entre os cientistas conhecedores do assunto no mundo inteiro: dizem que a Terra está se aquecendo drasticamente por causa das emissões de dióxido de carbono do ser humano e que isso terá consequências catastróficas. Mas Bolsonaro, igual a Trump, prefere não ouvi-los. Prefere ignorar o problema.
Para o próximo ministro brasileiro do Exterior, Ernesto Araújo, o aquecimento global é até um complô marxista internacional. Ele age como se tivesse alguma noção de pesquisas sobre o clima. É exatamente esse o problema: a ignorância no Brasil de hoje conta mais do que o conhecimento. O Brasil prefere acreditar num diplomata de terceira categoria do que no Instituto Potsdam de Pesquisa sobre o Impacto Climático, que estuda seriamente o tema há trinta anos.
Araújo, aliás, também diz que o sexo entre heterossexuais ou comer carne vermelha são comportamentos que estão sendo "criminalizados". Ele fala sério. Ao mesmo tempo, o Tinder bomba no Brasil. E, segundo o IBGE, há 220 milhões de cabeças de gado nos pastos do país. Mas não importa. O extremista Araújo não se interessa por fatos, mas pela disseminação de crenças. Para Jared Diamond, isso é um comportamento caraterístico de sociedades que fracassam.
Obviamente, está claríssimo que a restrição do pensamento começa na escola. Por isso, os novos inquisidores se concentram especialmente nela. A "Escola Sem Partido" tenta fazer exatamente isso. Leandro Karnal, uma das cabeças mais inteligentes do Brasil, com razão descreve a ideia como "asneira sem tamanho".
A Escola Sem Partido foi idealizada por pessoas sem noção de pedagogia, formação e educação. Eles querem reprimir o conhecimento e a discussão.
Karl Marx é ensinado em qualquer faculdade de economia séria do mundo, porque ele foi um dos primeiros a descrever o funcionamento do capitalismo. E o fez de uma forma genial. Mas os novos inquisidores do Brasil não querem Marx. Acham que o contato com a obra dele transformaria qualquer estudante em marxista convicto. Acreditam que o próprio saber é nocivo – igual aos inquisidores. E, como bons inquisidores, exortam à denúncia de mestres e professores. A obra 1984, de George Orwell, está se tornando realidade no Brasil em 2018.
É possível estender longamente a lista com exemplos do regresso do país: a influência cada vez maior das igrejas evangélicas, que fazem negócios com a credulidade e a esperança de pessoas pobres. A demonização das artes (exposições nunca abrem por medo dos extremistas, e artistas como Wagner Schwartz são ameaçados de morte por uma performance que foi um sucesso na Europa). Há uma negação paranoica de modelos alternativos de família. Existe a tentativa de reescrever a história e transformar torturadores em heróis. Há a tentativa de introduzir o criacionismo. Tomás de Torquemada em vez de Charles Darwin.
E, como se fosse uma sátira, no Brasil de 2018 há a homenagem a um pseudocientista na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, que defende a teoria de que a Terra seria plana, ou "convexa", e não redonda. A moção de congratulação concedida ao pesquisador foi proposta pelo presidente da AL e aprovada por unanimidade pelos parlamentares.
Brasil, um país do passado.
Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para os jornais Tagesspiegel (Berlim), Wochenzeitung (Zurique) e Wiener Zeitung. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
Folha de S. Paulo: Obra analisa política brasileira do impeachment a Bolsonaro
Para o analista político Alon Feuerwerker, o imprevisível nunca pode ser esquecido
Por Joelmir Tavares, da Folha de S. Paulo
"O adjetivo "histórico" anda banalizado, como afirma o jornalista e analista político Alon Feuerwerker, 63, em um texto do livro "Brasil em Capítulos - Um Olhar sobre a Política, do Impeachment às Eleições de 2018".
Mas não seria exagero aplicar a expressão ao período esquadrinhado por ele na obra. A epopeia começa com a queda de Dilma Rousseff (PT) em meio ao arrastão da Lava Jato, passa pela ascensão de Michel Temer (MDB) e sua luta para se manter na Presidência e chega ao fenômeno da vitória de Jair Bolsonaro (PSL).
"É interessante observar como o cenário estava sendo visto no momento em que as coisas aconteciam", diz Alon, que reuniu —sem atualizações— textos produzidos de 2016 a 2018 e enviados a clientes da FSB Comunicação, agência para a qual trabalha. O site Poder 360 e o blog do autor também hospedam seus artigos.
Pode parecer estranho aos olhos de hoje ler, por exemplo, que Dilma tinha 65% de probabilidade de ficar no cargo e 10% de sair por impeachment. Mas era essa a avaliação de Alon em 25 de janeiro de 2016.
"Ali era possível fazer a leitura de que ela poderia virar o jogo. Meu trabalho não é nem opinar nem somente descrever, mas pegar a movimentação dos personagens e os fatos e tentar projetar tendências."
O analista fala com o olhar de quem esteve de dois lados. Como jornalista, cobriu o poder em veículos como Folha e Correio Braziliense; como assessor, trabalhou com políticos e governos de siglas como PT, PSDB, PC do B e PSB.
A experiência de alguém que conhece o sistema por dentro foi uma das razões que o fizeram, por exemplo, "nunca ter menosprezado Bolsonaro", como diz hoje, com certo tom de satisfação por ter acertado em suas previsões.
Textos de 2017 resgatados no livro já apontavam "a aparente resiliência" do então pré-candidato à Presidência, que à época capturava "boa parte do desejo de renovação".
Um ano antes do pleito, o autor afirmou em um artigo: "Não é inteligente contar com a desidratação automática de Jair Bolsonaro quando a campanha eleitoral entrar em campo. A intenção de voto espontânea dele já é alta, e ele parece ter adquirido alguma consistência nos apoios".
Em outros casos, a realidade não confirmou a previsão —embora essas situações tenham sido mais raras, como pode concluir o leitor do livro.
Em abril de 2017, por exemplo, Alon supunha: "2018 acena para o confronto entre o candidato de Lula e o candidato de Temer". A teoria se concretizou pela metade, com Fernando Haddad pelo lado do PT.
O analista calcula agora, às vésperas da posse de Bolsonaro, que dificilmente o futuro comandante do Planalto conseguirá executar a contento a anunciada intenção de governar em bases diferentes das que vigoram hoje no presidencialismo de coalizão.
Se o eleito romper com o toma lá, dá cá —como se refere à troca de cargos e verbas por apoio—, "será uma experiência única no mundo", diz Alon.
"Em qualquer país, existe um processo no qual o governante divide poder com quem o apoia. Acredito que ele [Bolsonaro] vai ter alguma dificuldade, porque no dia a dia do Congresso quem coordena são os líderes dos partidos."
Para o comentarista, o presidente, "em algum momento", terá que buscar o meio-termo.
Alon foi subchefe de Assuntos Parlamentares do governo Lula (PT), entre 2004 e 2005. Era responsável pelo acompanhamento da execução de emendas dos congressistas.
Segundo ele, a experiência em governos lhe deu "um grau a mais de objetividade". Fala que a compreensão da política "é diferente se você já presenciou as coisas acontecendo".
Não que isso tenha lhe concedido dons de adivinho. Alon fala que o imprevisível nunca pode ser esquecido. A facada em Bolsonaro no meio da campanha é só o exemplo mais recente de um fator surpresa que mudou o rumo dos acontecimentos, diz ele.
E, afinal, suas matérias-primas são política e Brasil. "Como mostra a experiência", anotou em texto de 2016 presente no livro, "no realismo fantástico da política brasileira nunca é demais respeitar sua excelência, o imponderável".
Brasil em Capítulos - Um Olhar sobre a Política do Impeachment às Eleições de 2018
Autor: Alon Feuerwerker
Ed. Imprimatur; R$ 69 (428 págs.)
Roberto Freire: Denúncia envolvendo clã Bolsonaro demonstra fragilidade do novo governo
O presidente do PPS, Roberto Freire (SP), afirmou que o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro mal começou e já demonstra sinais de fragilidade. Para ele, o suposto esquema investigado pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) envolvendo o ex-motorista Fabrício José Carlos de Queiroz, que trabalhou como assessor parlamentar do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), é tipico de políticos do chamado “baixo clero”.
“[O governo] mal começou e já demonstra fragilidade por conta desse escândalo que apareceu, fruto desse processo do baixo clero com a utilização de recursos dos gabinetes que deveriam ser pagos aos seus funcionários, mas que retornaram para benefício do clã Bolsonaro. Esse assessor era o grande instrumento com a sua conta e a distribuição de dinheiro de acordo com os interesses dessa família”, disse.
Segundo Freire, o chamado baixo clero sempre se dispôs a praticar esquemas pequenos, mas não menos importantes de corrupção, com a nomeação de funcionários fantasmas e o uso indevido de recurso parlamentar. O dirigente lamentou o fato de a sociedade sempre se portar alheia ao problema.
“Bolsonaro, durante seu longo período na vida pública como deputado federal, sempre foi classificado como um parlamentar do baixo clero. Até hoje eu costumo dizer que [baixo clero] é irrelevante até no processo de corrupção. Receber auxílio moradia de forma ilegal e imoral, ou ter funcionários que não prestavam serviços aos gabinetes – trabalhando até mesmo como caseiros -, são questões menores, mas que a sociedade pouco se preocupou”, afirmou.
Transferências
Segundo dados do Coaf, Fabrício Queiroz, contratado por Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, teria movimentado de forma suspeita R$ 1,2 milhão no período de um ano. Segundo o Coaf, Queiroz fez transferências no valor de R$ 24 mil para a conta da futura primeira dama, Michelle Bolsonaro. Os valores movimentados pelo ex-assessor, de acordo com o órgão de controle, seriam incompatíveis com o seu patrimônio.