Itamaraty

Aloysio Nunes Ferreira: O Itamaraty do século 21

Sistema de planejamento estratégico propiciará mais transparência e eficiência à diplomacia

No final do ano passado determinei a criação de um grupo no Itamaraty para propor um sistema de planejamento estratégico do Ministério das Relações Exteriores, inspirando-se em outras chancelarias, em exemplos de sucesso de órgãos públicos e do setor privado e na melhor literatura de administração e pensamento estratégico. Essa decisão se baseou em duas constatações principais.

A primeira é que o Itamaraty tem capacidade de planejamento e análise invejável, mas a máquina cresceu muito e os temas são cada vez mais específicos e fragmentados, tornando mais complexa a tarefa de manter uma visão de conjunto e monitorar as atividades. Era necessário, portanto, que o planejamento refletisse essa realidade, garantindo unidade de propósitos, antecipação de tendências e riscos, além de preocupação constante com o resultado, isso tudo num ambiente internacional sempre incerto.

A segunda constatação diz respeito à tendência dos órgãos de controle e da moderna prestação de contas, que exigem não apenas a definição de objetivos e metas, mas também a capacidade de demonstrar resultados concretos com eficiência, de modo a assegurar o melhor uso possível dos recursos aplicados. Os órgãos de controle do próprio governo e os externos e independentes não se contentam mais com a conformidade e legalidade da execução orçamentária e financeira. Exigem também a demonstração do retorno do investimento público. Essa é uma tendência global, e não apenas no Brasil.

Um dos principais desafios de qualquer chancelaria, quando se trata de planejamento estratégico, diz respeito à determinação da eficiência. Não se mede a eficiência da diplomacia como se mensura a eficácia de uma campanha de vacinação, ou seja, pela quantidade de crianças alcançadas. Tampouco é possível medir o êxito com indicadores como a extensão, em quilômetros, de estradas pavimentadas ou rios dragados em um ano.

A eficiência na diplomacia requer, na maioria das vezes, estratégias de longo prazo. A medida dessa eficiência, portanto, exige frequentemente o uso de indicadores qualitativos, especialmente desenhados para as características próprias da política externa. É mais difícil avaliar a eficácia de políticas que exigem paciência, abertura de canais de contato e a construção de boa vontade para alcançar o objetivo almejado.

Por exemplo, levamos dez anos para abrir o mercado norte-americano para a carne bovina in natura brasileira, mas isso não significa que tenhamos sido ineficientes nos primeiros nove anos. Na verdade, sem a paciente construção do caso e o emprego de diferentes técnicas de negociação e eventos de promoção nos nove anos anteriores certamente não teríamos alcançado o êxito no décimo.

O planejamento em relações exteriores, portanto, demanda uma perspectiva sui generis, adaptada a uma política pública cuja medida de sucesso nem sempre é óbvia. O sucesso diplomático pode significar a ausência de uma decisão de um governo ou de um organismo internacional que, se não fosse evitada, afetaria negativamente os nossos interesses. Pode representar a superação de um risco de conflito que jamais eclodirá, mas cuja mera divulgação de seu potencial poderia acarretar enormes prejuízos e minar a capacidade negociadora e a influência do País perante os envolvidos.

Essa consciência de que a realidade da diplomacia é peculiar não invalida a necessidade de implementar o planejamento, mas recomenda fugir das fórmulas tradicionais. Tendo presente essa premissa básica, determinei a execução, em 2018, do projeto piloto do “sistema de planejamento estratégico das relações exteriores” (Sisprex), cujo desenho básico conterá os seguintes elementos: diagnóstico do ambiente internacional para determinar as principais tendências regionais e globais e seu impacto nas diretrizes da política externa; esforço coletivo das unidades do Itamaraty na definição de objetivos estratégicos que deverão integrar, no futuro, um plano estratégico quadrienal; elaboração de planos de trabalho anuais contendo metas específicas e atividades a serem desempenhadas, com previsão de recursos necessários.

Utilizando as mais modernas técnicas disponíveis, esse sistema encadeado deverá garantir coerência entre os três elementos, prevendo também uma estrutura de governança encarregada de corrigir metodologias, sugerir indicadores e fazer atualizações nos documentos resultantes sempre que necessário, tanto em função das mudanças de prioridades governamentais quanto em reação a imprevistos no ambiente estratégico internacional.

Com isso será possível aproveitar a criatividade e a capacidade de inovação dos funcionários mais jovens e das unidades básicas, que serão chamados a contribuir para o processo de reflexão coletiva. Ao mesmo tempo, a liderança do ministério deverá validar o processo em cada uma de suas fases, resultando em instruções mais precisas, que propiciarão o engajamento de todos na busca dos resultados almejados. Não menos importante, esse sistema estruturado facilitará o monitoramento, a avaliação da eficiência, a alocação ótima de recursos e o compartilhamento das melhores práticas.

O Sisprex deverá evoluir rapidamente para se tornar também um elo entre o Itamaraty e a sociedade. Ele contém em seu DNA o diálogo e a transparência, como, aliás, deve ser numa chancelaria afinada com seu tempo. Tanto nas fases de diagnóstico de tendências quanto na definição de objetivos estratégicos, as consultas com especialistas e forças vivas da sociedade serão fundamentais. Os documentos de referência resultantes do planejamento, em sua versão ostensiva, serão igualmente valiosos instrumentos de diplomacia pública, ao evidenciarem claramente a importância do trabalho diplomático para a sociedade e sua contribuição central para um Brasil mais forte, próspero e justo.


Murilo de Aragão: O Brasil e o mundo

“O Brasil não perde a oportunidade de perder uma boa oportunidade.” A irônica frase do falecido embaixador Roberto Campos não exclui de sua abrangência a política externa brasileira. É de justiça reconhecer, entretanto, que, ao longo do governo do presidente Michel Temer (PMDB), algumas oportunidades foram aproveitadas e permitiram progressos evidentes.

A política externa do governo anterior, como é bem sabido, contrariou as melhores tradições do Itamaraty sem trazer nenhuma vantagem para o Brasil. Tal crítica não pode ser feita à política externa estabelecida pelo governo Lula (PT), que, apesar de aspectos contraditórios, elevou o perfil brasileiro no cenário internacional.

O processo de impeachment de Dilma Rousseff encontrou o Brasil enfraquecido na cena global, não apenas pelos equívocos de sua política externa – como o inexplicável alinhamento com a Venezuela e a Argentina de Cristina Kirchner, além da complacência nostálgica com Cuba –, como também pelo retumbante fracasso de sua política econômica, que resultou na pior recessão da História do País. Durante o impeachment, o governo petista tentou de todas as formas desqualificar o processo, parecendo não ver que nenhum passo estava sendo dado à margem do texto constitucional. Não conseguiu impedir a saída da presidente, mas causou dano à imagem do Brasil no exterior, o que foi, no mínimo, impatriótico.

Houve sérias tentativas de pôr a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), o Parlamento do Mercosul (Parlasul), o próprio Mercosul e a Organização dos Estados Americanos (OEA), entre outros organismos internacionais, contra o impeachment. Até hoje Cuba, de forma inacreditável, não reconhece o governo Temer como legítimo. O saldo final da gestão Dilma foi a dramática perda de prestígio internacional do Brasil e a imposição de preconceitos à gestão Temer, que, finalmente, têm diminuído de forma paulatina pela adoção de uma nova política externa.

A nomeação do senador José Serra como ministro das Relações Exteriores e, posteriormente, de Aloysio Nunes Ferreira (ambos do PSDB), ainda no cargo, fizeram o Itamaraty retomar seu veio tradicional de universalismo, pragmatismo e defesa do interesse nacional, além de um saudável distanciamento da Venezuela e de Cuba. Assim, pouco a pouco o Brasil recupera sua estatura internacional entre os países do Brics e encaminha, no âmbito do Mercosul, boas negociações com a União Europeia, superando amplamente as questões de reconhecimento. O volume crescente de investimentos estrangeiros no Brasil mostra a volta da confiança no País e atesta a solidez da política econômica adotada.

Mesmo assim, no ranking de soft power da revista Monocle ocupamos o 25.º lugar, a pior colocação do Brasil desde que a medição começou a ser feita. Não só por não termos aproveitado o potencial da Olimpíada, em 2016, mas também pelo impeachment e pela dramática situação do Rio de Janeiro, principal cartão-postal do País. E, sobretudo, por não sabermos comunicar-nos com o mundo exterior.

Evidentemente, não podemos tapar o sol com a peneira e esconder nossas graves deficiências. Mas por falta de visão estratégica, e pelo não emprego de táticas que rentabilizem a potencialidade do Brasil, terminamos apequenando a capacidade de influência positiva de nossa imagem em nível internacional. Bem como não utilizando todo o nosso potencial para atrair investimentos privados.

Uma abordagem estratégica da política externa poderia, sem dúvida, ampliar a imagem das boas iniciativas do governo, com repercussões internas e externas, consolidando o legado reformista do atual governo e expondo ao mundo a potencialidade do País. Recentemente, artigos do presidente Michel Temer tiveram boa repercussão no exterior. É o tipo de iniciativa que deve ser ampliado.

Em conversas em Nova York, onde fui dar aulas na Universidade Columbia, ouvi manifestações de investidores e especialistas de que o Brasil é subestimado e subavaliado. Sobretudo porque as notícias refletem mais o lado perverso de nossa realidade do que os avanços. Na melhor tradição de que bad news are good news.

Alguns interlocutores se revelaram surpresos com a agenda de reformas em curso e o agressivo programa de concessões. Bem como com o avanço das práticas de compliance no País e a atuação independente do Poder Judiciário. Como se não soubessem o que se passa por aqui.

Entre as maiores economias do mundo, o Brasil é um dos únicos países a não ter instrumentos de comunicação – como, por exemplo, canais de TV por assinatura – em inglês sobre o País, entre outras iniciativas. A verdade é que, embora sejamos um país de dimensões continentais, continuamos a ser um enigma para a maior parte do mundo.

Não somos um paraíso para investidores e temos sérios problemas de segurança pública, mas somos melhores do que parecemos e, lamentavelmente, não sabemos contar a nossa história de modo adequado. E se não contarmos a nossa história, alguém o fará. Quase nunca de forma favorável.

Por fim, devemos retomar a tradição de assumir posição com ênfase em questões de direitos humanos, que nos trouxe reputação positiva nas esferas diplomáticas internacionais. O Brasil reduziu sua exposição nesse tema por causa de alianças e entendimentos com países que não primam pelo respeito aos direitos humanos. Por sermos complacentes, perdemos credibilidade. E credibilidade em política externa é algo precioso.

Em Davos, na Suíça, onde realizou uma bem-sucedida visita, após um período de quatro em que o Brasil ali não se fez representar no mais alto nível, o presidente Temer sustentou que o Brasil está de volta. A hora é de fortalecer o Itamaraty, que detém um legado diplomático consistente e testado para pavimentar essa volta, deixando claros ao mundo os avanços que estão ocorrendo no País.

* Murillo de Aragão é advogado, consultor, cientista político, professor, é doutor em sociologia pela UNB

 


Aloysio Nunes Ferreira: Um Brasil renovado numa OCDE renovada

Na visão do Itamaraty, a participação do País na organização impõe-se por força da realidade

O cenário internacional durante a minha gestão à frente do Itamaraty tem sido marcado por desafios importantes para a governança do sistema internacional e, consequentemente, para a definição de prioridades e rumos da política externa brasileira. Vivenciamos um período de crescente questionamento acerca da capacidade das instituições internacionais criadas no pós-guerra de refletirem os interesses dos países e de expressarem consensos internacionais, tendo em vista a maior diferenciação entre os países e a geometria variável das coalizões.

O Brasil está atento a esse movimento. Uma das prioridades da minha gestão na Chancelaria tem sido justamente buscar adequar e dinamizar a inserção internacional do Brasil, de modo que os interesses do País se vejam assegurados nesse novo contexto.

Nem todos os organismos internacionais se têm mostrado capazes de se adaptar a esta nova realidade. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem sido bem-sucedida nesse esforço. De clube fechado, reunindo países homogêneos com problemas e interesses comuns, a organização passou a tratar cada vez mais de temas de interesse geral, que estão no centro da agenda internacional em transformação, consolidando-se como plataforma de diálogo e articulação, com projeção e influência globais. Para isso incorporou países em desenvolvimento e criou mecanismos de articulação com países não membros, tornando-se um dos apoios mais regulares do G-20 e ativa participante nas discussões metodológicas sobre a Agenda 2030.

A agenda atual da OCDE abarca temas variados, como educação, saúde, emprego, previdência social, economia digital, responsabilidade fiscal, governança pública, inovação tecnológica e crescimento sustentável. Para 2018 suas prioridades abrangem políticas de inclusão social, desenvolvimento urbano sustentável, infraestrutura de transportes, migração, impacto do envelhecimento das populações e internet das coisas, para mencionar algumas.

Além disso, a forma como a OCDE trabalha – a partir de estudos e evidências empíricas que servem de base para debates informados entre os responsáveis em cada país pela condução de políticas públicas, com vista à identificação e disseminação de boas práticas – faz a influência da organização ser crescente entre membros e não membros. As recomendações e decisões da organização não raro se tornam, na prática, padrão internacional.

Nesse contexto, a participação do Brasil na OCDE, na perspectiva do Itamaraty, impõe-se por força da realidade. Principismos à parte, não convém ao Brasil alijar-se do debate de temas seminais que influenciam negociações internacionais e debates internos sobre a gestão de políticas públicas.

A presença nas atividades da OCDE vem ocorrendo continuamente, ao longo de diferentes governos, há mais de 20 anos. O Brasil participa hoje, regularmente, de mais de 20 instâncias da organização em nível de comitê e de um número enorme de instâncias subordinadas. Vários órgãos públicos brasileiros estão engajados nesses trabalhos. O Brasil é considerado um parceiro estratégico da OCDE (key partner) e pactuou com a organização, em 2015, um acordo de cooperação, indicando interesse em aprofundar ainda mais a parceria.

A decisão do presidente Michel Temer de solicitar a acessão do Brasil à OCDE foi uma consequência natural da contínua presença do nosso país na organização. E deverá acelerar a nossa atuação, tendo em vista que praticamente todos os temas que deverão pautar a agenda internacional e os debates internos no Brasil nos próximos anos estarão sendo discutidos na OCDE. A acessão do Brasil, nesse contexto, terá o mérito de conferir maior coerência e consistência à participação brasileira, enquanto permite que possamos melhor influenciar esses debates.

Com o objetivo de buscar iniciativa e eficácia nas diferentes instâncias da OCDE, o presidente Temer designou, a meu pedido, o embaixador Carlos Márcio Cozendey – que tem reconhecida experiência em negociações econômicas internacionais – como delegado junto a organizações internacionais econômicas com sede em Paris. O embaixador Cozendey trabalhará sob minha orientação com uma pequena equipe a partir da Embaixada do Brasil em Paris e com a indispensável colaboração de diversas áreas do governo federal.

Em particular, registro a dedicação com que a Casa Civil, o Ministério da Fazenda, o Banco Central, o Ministério do Planejamento e a Secretaria de Assuntos Estratégicos têm participado do núcleo de coordenação do processo de acessão.

A OCDE tem no momento sob exame a candidatura de seis países que desejam iniciar seu processo de acessão. O Brasil cumpre todos os critérios definidos pelos membros e tem um longo e intenso histórico de participação nas atividades da organização. O País já se comprometeu com 36 das recomendações e decisões da organização e solicitou a acessão a mais de 70 outros instrumentos, por considerar que sua legislação e suas políticas coincidem com eles. É considerado key partner e tem muito a aportar à OCDE.

Na óptica do Itamaraty, a discussão sobre a entrada ou não do País na OCDE nunca se apresentou como uma questão de ser ou não membro de um “clube de ricos”, como se costuma qualificar, errônea e anacronicamente, essa instituição. Sempre se tratou, e continua se tratando, de colocar o Brasil, no tempo e na forma certos, no centro dos processos decisórios internacionais relevantes, de modo a melhor posicionar o País para a defesa de seus interesses e reforçar sua própria agenda de reformas. A identidade do Brasil com isso não se altera, reafirma-se.

* Aloysio Nunes Ferreira é senador licenciado, é ministro das Relações Exteriores

 

 


O Brasil em um mundo de transformação

Rubens Barbosa: O Brasil num mundo em transformação

O sistema internacional – político econômico e comercial – está em acelerada transformação como consequência das mudanças que ocorreram desde o desaparecimento da União Soviética, em 1989, e o fim do mundo bipolar existente durante a guerra fria.

A ordem global tradicional foi construída a partir do Tratado de Westfalia, em 1648 (Estado/nação), e do Congresso de Viena em 1815 (concerto europeu), em torno da proteção e das prerrogativas dos Estados. Mais tarde, depois da 2.ª Grande Guerra, a criação das instituições multilaterais (ONU, Banco Mundial e FMI) serviu para garantir a paz, a segurança e a ordem econômica e financeira mundial. Decisões dos países desenvolvidos impuseram suas visões geopolíticas e os conceitos de soberania, equilíbrio de poder, áreas de influência, lógica territorial, Ocidente, guerra fria, bipolaridade, unipolaridade, multipolaridade, hiperpotência, liderança norte-americana, rogue States, perigo amarelo, conflito de civilizações e protecionismo, entre outros.

Nas últimas décadas, as mudanças ocorridas com a globalização, com a revolução tecnológica e nas comunicações, com o fim do mundo bipolar e agora com o terrorismo estão afetando o processo decisório interno nos países e obrigando os governos a repensar como os desafios externos devem ser encarados. Essa nova atitude forçará uma ampla coordenação, que deverá levar em conta os interesses de todos os países.

A defesa do interesse nacional – político, econômico e social – está levando ao reexame desses conceitos, à superação das obsessões geopolíticas e ao questionamento das ações dos países desenvolvidos, de modo a refletir as necessidades e demandas que surgiram com a nova realidade global. O discurso nacionalista e populista de Donald Trump na posse, anunciando que “os interesses dos EUA estarão acima de tudo”, deixa para trás uma época em que os EUA “defenderam outras nações” e “subsidiaram seus exércitos” e indica a aceleração do fim da atual ordem global criada por Washington.

Essa ordem em formação está adaptando conceitos vigentes até aqui às realidades de um mundo interconectado e às novas ameaças e aos novos desafios representados, em especial, pelo aumento da desigualdade, pelo regionalismo, por drogas, violência, guerras localizadas, segurança, ataques cibernéticos, não proliferação e mudança de clima. E também pelo terrorismo, pelo nacionalismo xenófobo e pelas questões de imigração e dos refugiados. A soberania não é mais um conceito absoluto, as organizações internacionais, em crise, deverão ser reformuladas. E todos os países, não apenas um grupo reduzido de países desenvolvidos, passarão a ter participação mais intensa nos problemas que afetam o sistema internacional.

No Brasil ainda estamos presos a conceitos e percepções superados. Não houve até aqui renovação do pensamento estratégico no âmbito de grande parte do governo, do setor empresarial e da comunidade acadêmica. Como inserir o Brasil nessa nova ordem internacional em mutação com novos conceitos e maneiras de ver o que está acontecendo ao nosso redor. Pouco se discute sobre isso.

Como pano de fundo, deve-se reconhecer que nossa região (América do Sul) está na periferia das transformações econômicas e tecnológicas, longe dos principais centros dinâmicos de comércio (Ásia), e que até agora não está contaminada pela ameaça terrorista e por grandes crises sociais (Europa e Oriente Médio). Em compensação, está mas perto dos EUA, principal potência militar, econômica, financeira, comercial e política, agora com enormes incertezas (Trump) nos próximos anos.

Para o Brasil, enfrentar o desafio de encontrar seu lugar no mundo, compatível com o papel que deve desempenhar uma das dez maiores economias globais, não pode ser mais adiado. Urge a definição de nossos reais interesses. O que queremos do novo sistema internacional? O que queremos das relações com os EUA, com a China, com a União Europeia, com os vizinhos sul-americanos e com os Brics?

Ao discutir o que queremos para o Brasil no novo cenário internacional, teríamos de examinar, em especial, como 1) integrar o Brasil nos fluxos dinâmicos da economia global e de comércio exterior (o que significa discutir o grau de abertura da economia e sua competitividade); 2) assumir a efetiva liderança na América do Sul, segundo os interesses brasileiros, tendo presente que liderança não é dominação, nem hegemonia (o que significa discutir o papel do Mercosul); 3) ampliar a voz do Brasil nos organismos internacionais de paz e segurança, comércio, mudança de clima, não proliferação, direitos humanos, terrorismo, segurança cibernética e refugiados, entre outros (o que implica fortalecer a coordenação interna pelo Itamaraty); 4) pôr fim ao isolamento do Brasil nos entendimentos comerciais com a ampliação das negociações bilaterais e com acordos com megablocos, como a União Europeia e mesmo com a Ásia, examinando a conveniência de aderir à Parceria Transpacífica (com o reforço do papel da Camex); 5) aproveitar as facilidades financeiras oferecidas pelo Brics para projetos de infraestrutura e ampliar a cooperação econômica entre o Brasil e os outros membros do grupo.

O atual governo, com o ministro José Serra à frente do Itamaraty, começou esse processo de correção de rumos e de redefinição do papel do Brasil no mundo. Essa ação deveria ser aprofundada nos próximos meses e anos, na medida em que a economia voltar a se expandir e crescer. Assim como ocorre com política econômica, a discussão sobre o papel do Brasil no mundo e a definição do que queremos nas nossas relações externas deveriam estar na agenda da eleição presidencial de 2018, com os candidatos comprometidos com sua implementação a partir do próximo governo.

*Rubens Barbosa é Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior


Roberto Freire diz que o Brasil acerta ao não aceitar a Venezuela na presidência do Mercosul

O presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (SP), considerou acertada a decisão do Brasil de não reconhecer a Venezuela como presidente do Mercosul. “A Venezuela ainda não cumpriu os compromissos que assumiu quando foi admitida no bloco, há quatro anos, e, portanto, não está integrada a ele”, argumentou Freire.

“Se não formalizou sua integração, como presidir o bloco?”, questionou Freire. O deputado, que é membro do Parlasul, o parlamento do Mercosul, disse que o comando do bloco deve ser passado à Argentina, sucessora do Uruguai – que deixou a presidência -, dentro do rodízio por ordem alfabética.

Roberto Freire classificou de “menosprezo” pelas regras do Mercosul o fato de a Venezuela até hoje não ter se adequado aos requisitos para se tornar país-membro do bloco. “Não é uma questão formal, mas substantiva, que se não cumprida faz com que o país não seja parte do bloco”, salientou.

O presidente do PPS observou que não está sendo cobrada a cláusula democrática para que a Venezuela assuma o comando do Mercosul. “Não foram colocados os problemas de atentado aos direitos humanos, de manutenção de presos políticos, do regime que se revela uma ditadura, mas o cumprimento de requisitos obrigatórios para fazer parte do bloco”.

Carta

Em carta enviada aos chanceleres de Uruguai, Paraguai e Argentina, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, declarou que o Brasil contesta decisão da Venezuela de assumir a liderança do Mercosul, conforme anunciou, no fim de semana, o governo Nicolás Maduro. Serra afirmou ainda, no documento, que a decisão do Uruguai de deixar o comando do Mercosul gerou incertezas.

“O governo brasileiro entende que se encontra vaga a Presidência Pro Tempore do Mercosul, uma vez que não houve decisão consensual a respeito de seu exercício no período semestral subsequente”, diz Serra. O ministro afirma também, no documento, que o país não cumpriu “disposições essenciais” à sua adesão ao bloco econômico. Paraguai e Argentina anunciaram que desconheciam a Venezuela como presidente do Mercosul.


Fonte: pps.org.br