iraque

EUA liberam documentos sigilosos sobre o 11 de setembro

Famílias e associações de vítimas pressionaram governo por documentos

Aakriti Bhalla e Mark Hosenball / Reuters / Agência Brasil

Bureau Federal de Inteligência dos Estados Unidos (FBI, na sigla em inglês) divulgou no sábado (11) o primeiro documento relacionado à investigação dos ataques de 11 de setembro de 2001 e às alegações de apoio do governo saudita aos sequestradores, após uma ordem executiva do presidente norte-americano, Joe Biden.

Parentes das vítimas haviam pedido a Biden que não comparecesse aos eventos memoriais para marcar o 20º aniversário no sábado caso ele não divulgasse os documentos que eles afirmam que mostram que autoridades da Arábia Saudita apoiaram os atentados.

O documento de 16 páginas parcialmente editado e divulgado pelo FBI expôs contatos entre os sequestradores e associados sauditas, mas nenhuma evidência de que o governo em Riade foi cúmplice dos ataques, que mataram quase três mil pessoas.

A Arábia Saudita afirma que não teve nenhum papel nos ataques. A embaixada saudita em Washington não respondeu imediatamente a um pedido de comentários feito pela agência de notícias Reuters, enviado na noite de sábado.

Em um comunicado divulgado em 8 de setembro, a embaixada disse que a Arábia Saudita sempre defendeu a transparência em torno dos eventos de 11 de setembro de 2001 e saúda a divulgação pelos EUA de documentos confidenciais relacionados aos ataques.

Quinze dos 19 sequestradores eram da Arábia Saudita. Uma comissão do governo dos EUA não encontrou evidências de que a Arábia Saudita financiou diretamente a Al Qaeda. Ficou em aberto se as autoridades sauditas poderiam ter feito isso individualmente.

As famílias de cerca de 2,5 mil dos mortos e mais de 20 mil pessoas feridas, empresas e várias seguradoras processaram a Arábia Saudita em busca de bilhões de dólares.

Em comunicado em nome da organização 9/11 Families United, Terry Strada, cujo marido Tom foi morto em 11 de setembro, disse que o documento divulgado pelo FBI no sábado eliminou quaisquer dúvidas sobre a cumplicidade saudita nos ataques.

"Agora os segredos dos sauditas foram expostos e já passou da hora de o Reino assumir o papel de seus agentes no assassinato de milhares em solo americano", disse o comunicado.

Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2021-09/estados-unidos-liberam-documentos-sigilosos-sobre-o-11-de-setembro


Passados 20 anos, consequências do 11 de setembro ainda geram debate

Uso da força nas relações internacionais ressurge após atentado

Léo Rodrigues /Agência Brasil

Lá se vão 20 anos de um dos dias mais fotografados, filmados e comentados da história da humanidade. Quando uma das duas torres do World Trade Center foi atingida por um avião com 92 pessoas a bordo, toda a imprensa mundial interrompeu o que estava fazendo e voltou suas atenções para Nova York. No horário de Brasília, adiantado uma hora em relação ao epicentro dos acontecimentos, os relógios marcavam 9h46. Menos de 20 minutos depois, a outra torre se tornou alvo de um segundo avião, com 65 passageiros a bordo. 

Muitas pessoas que nasceram nas décadas de 1960, 1970 e 1980 ou mesmo no início da década de 1990 costumam se lembrar com exatidão do que estavam fazendo naquele 11 de setembro de 2001 quando tomaram conhecimento do que se passava. Em todo o mundo, onde houvesse uma televisão ligada, havia uma reunião de pessoas intrigadas com as cenas: cada uma das duas torres em chamas demoraria cerca de uma hora para ir ao chão depois de atingida. Com a queda dos edifícios, que funcionavam como um complexo comercial, quase 3 mil pessoas perderam suas vidas. Uma nuvem de poeira se formou por quilômetros.

O atentado se tornou um dos maiores eventos da história.

"Faço uma associação curiosa porque eu cresci escutando meus pais e meus avós falando onde estavam quando o homem pisou na Lua. E eu lembro exatamente do 11 de setembro de 2001. Estava fazendo estágio em uma empresa, entrou na sala uma pessoa falando que havia tido um acidente com um avião em Nova York. Ainda não se tinha ideia de que era um ataque. Nós corremos para a televisão e vimos ao vivo o segundo avião se chocando com o edifício", diz Jorge Lasmar, especialista em relações internacionais e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

Ao todo, quatro aviões comerciais foram sequestrados por terroristas. Além dos dois direcionados ao World Trade Center, um foi jogado contra o Pentágono, sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos localizado na capital Washington. O último acabou caindo na zona rural de Shanksville, no estado da Pensilvânia. Especula-se que o alvo poderia ser o Capitólio, sede do Congresso, ou a Casa Branca, residência oficial do presidente do país.

Os desdobramentos são bastante conhecidos: a Al Qaeda assumiu a autoria do atentado e, no mês seguinte, os Estados Unidos invadiram o Afeganistão, onde a organização terrorista estaria abrigada. O país era comandado na época pelo Talibã, um grupo fundamentalista que aplica sua interpretação da Sharia, a lei islâmica. Após duas décadas, o governo norte-americano decidiu encerrar a ocupação e, no mês passado, o Talibã retomou o controle do Afeganistão, quando as tropas dos Estados Unidos estavam organizando sua retirada. O então presidente afegão Ashraf Ghani, eleito em 2014 e reeleito em 2019, não ofereceu resistência ao Talibã e fugiu do país.

Apesar da cronologia dos acontecimentos ser de domínio público, muitos aspectos ainda são debatidos por especialistas. São questões que vão além da superficialidade dos fatos e envolvem os seus efeitos.

“Não há dúvida de que o mundo que a gente vive hoje foi consequência do que aconteceu", afirma Jorge Lasmar.

"No final da década de 1990, caminhávamos para a consolidação de uma atmosfera mais liberal no sentido capitalista, com os Estados abrindo suas fronteiras e seus mercados e com relações mais pacíficas entre os países. De repente, isso mudou. Começou a haver contestações à visão americana, sobretudo pela Rússia e pela China. As fronteiras ficaram mais fechadas. A questão do uso da força voltou a ser um componente nas relações internacionais. E tivemos um avanço do terrorismo. Mesmo com a redução dos ataques e das mortes nos últimos anos, os números hoje ainda são muito mais altos do que eram antes de 2001", completa.

Ele pondera, no entanto, que o mundo não deve ser analisado somente pela ótica de um evento. “Muita coisa aconteceu de lá pra cá. Há efeitos, mas estamos hoje numa situação mais complexa e delicada”, avalia.

Políticas de segurança

Pedestrians react to the World Trade Center collapse September 11, 2001. Two commercial airplanes cr..
Pedestres reagem ao colapso do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001/STR New/ Agência Brasil

Como desdobramento do atentado, uma série de leis aprovadas em torno da palavra de ordem “guerra ao terror” reduziu a liberdade e a privacidade de cidadãos nos Estados Unidos, especialmente de estrangeiros. A Europa também seguiu essa tendência. Foram definidos, em todo o mundo, novos mecanismos e protocolos de controle nos aeroportos: revista mais minuciosa das bagagens, uso de detector de metal, restrição a líquidos na mala de mão. A tecnologia foi aprimorada para aprofundar o monitoramento, com scanners corporais, detectores de explosivos e outros equipamentos.

“Assim como o final da Guerra Fria inaugurou uma nova era nas relações internacionais, o atentado de 11 de setembro também simbolizou uma ruptura na forma como se analisava a segurança internacional. A ideia de inimigo transnacional, desterritorializado e que pode causar um caos e muitas mortes sem ter o domínio de armas bélicas sofisticadas trouxe novos parâmetros para o planejamento de segurança dos Estados, reforçando a importância da cooperação internacional”, observa a cientista política Ariane Roder, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Segundo Thiago Rodrigues, pesquisador em relações internacionais e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), o desenvolvimento da tecnologia de segurança colocado em marcha após o 11 de setembro gerou e continua gerando mecanismos de controle das populações, como a biometria e os variados dispositivos para monitoramento do espaço urbano.

"Quem começou a viajar nos últimos 20 anos, principalmente as pessoas mais jovens, não sabe como era antes. Hoje temos diversas camadas de controle, que vão desde a emissão de vistos até as revistas rigorosas nos aeroportos. Mas com exceção dos grupos capturados na iminência de um atentado, não dá pra saber exatamente quantos ataques foram inibidos por essas medidas de segurança. Então os efeitos realmente mensuráveis não são os efeitos sobre os terroristas, mas sobre nós. Mesmo que o terrorismo sumisse hoje, essas tecnologias criadas em nome do combate ao terrorismo não seriam abandonadas", avalia.

Jorge Lasmar considera que o terrorismo exige que o mundo se mantenha vigilante. “A gente continua tendo atentados e algumas dessas regras conseguem impedir novos ataques.”

No entanto, ele também vê efeitos colaterais que decorrem desse ambiente de controle, como a construção de muros entre os países. “As fronteiras do mundo estão mais fechadas. Temos mais fronteiras físicas entre os Estados do que tínhamos depois da Segunda Guerra Mundial. Há a questão dos refugiados e as dificuldades para o reconhecimento de asilo. A exigência de vistos diante do fluxo de pessoas."

Em meio a toda essa vigília das populações, os pesquisadores veem um fortalecimento dos estereótipos contra imigrantes provenientes de países considerados uma ameaça aos valores ocidentais, como a democracia e a liberdade individual.

"Isso tem gerado um outro tipo de extremismo, que tem motivação étnica. Está ligado aos movimentos de supremacia branca, que se alimentam dessa retórica estereotipada contra as pessoas do Oriente Médio. É algo que cresceu muito nos últimos anos no mundo ocidental. E ainda se fala pouco disso. Ainda há um pudor em reconhecer esses grupos como grupos. Mas fechar os olhos para essa questão é um problema, porque esse movimentos vão ganhando força", observa Lasmar.

Impactos militares

Aerial view of ground zero at the World Trade Center in New York on September 26, 2001. Fifteen days..
Vista aérea do que restou do World Trade Center em Nova York em 26 de setembro de 2001/REUTERS/Agência Brasil

O atentado também revelou sofisticações nos modos de operar de grupos terroristas. Um aspecto que chama a atenção foi a dificuldade encontrada para localizar Osama bin Laden, líder da Al Qaeda e apontado como o idealizador dos ataques. Mesmo empregando a mais avançada tecnologia, foram necessários quase dez anos para que as forças norte-americanas o localizassem. Sua morte foi anunciada em maio de 2011.

A guerra ao terror se desdobrou em outras ações militares como a ocupação do Iraque em 2003, país que era comandado por Saddam Hussein desde o final da década de 1970. Na época, Estados Unidos e Inglaterra diziam deter provas de que o país guardava um grande arsenal de armas de destruição em massa que representava um perigo à população mundial. Saddam foi enforcado em 2006, mas as armas nunca foram encontradas. Os dois governos que lideraram a ocupação afirmaram, posteriormente, que confiaram em informações que se mostraram falsas.

As incursões militares no Oriente Médio não eliminaram os grupos terroristas. Nos últimos anos, o Estado Islâmico tem se tornando uma peça-chave nos conflitos que se desdobram na região, sobretudo na Síria, no Iraque e no Afeganistão.

A retomada do poder do Talibã no Afeganistão, na visão de Ariane Roder, retrata a ineficácia do uso de instrumentos clássicos de guerra para lidar com a situação. Segundo ela, as soluções requerem muito mais do que o uso da força.

Ela também observa que há uma dimensão de resistência cultural que alimenta os grupos terroristas. "A utilização realizada por alguns grupos terroristas da religião extremista como instrumento de aliciamento e construção do poder causou um distanciamento ainda maior entre culturas do Ocidente e Oriente, com desconfianças, preconceitos e desrespeitos", acrescenta.

Para Jorge Lasmar, os Estados Unidos apostaram equivocadamente em um investimento maciço de propaganda sobre sua própria sociedade. 

"Buscaram disseminar os valores americanos. Mostraram como a democracia ocidental é legal, como a vida no país é legal, como a liberdade não comporta o terrorismo. Mas muito disso não foi bem recebido não só no mundo muçulmano, mas em todo o mundo oriental. Era uma cultura exógena. E há outros caminhos. Diversos líderes muçulmanos são capazes de mostrar que não há nada na religião islâmica que legitime o terrorismo."

Lei nacional

No Brasil, na véspera dos Jogos Olímpicos sediados pelo Rio de Janeiro em 2016, foi aprovada uma Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016). Havia um temor de que se repetissem cenas ocorridas dois anos antes, na Copa das Confederações de 2014, quando uma forte onda de manifestações resultou em cenas de violência e assustou turistas. Foi definida como terrorismo qualquer ação motivada por razões de xenofobia, racismo, etnia e religião, que tenha por objetivo causar terror social a partir do uso, transporte ou armazenamento de explosivos; gases tóxicos; conteúdos químicos, biológicos e nucleares; ou outros meios que possam promover a destruição em massa.

Essas ações podem envolver sabotagem ou ameaça em meios de transporte, portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares e instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias.

Segundo Thiago Rodrigues, a lei incorpora uma perspectiva de terrorismo disseminada de forma global. "Em parte, é resultado de uma pressão que tem a ver com o 11 de setembro. É uma pressão que vem do Comitê Olímpico Internacional, de alguns países específicos como os Estados Unidos e também do capital privado que investe e patrocina os eventos esportivos. Houve uma cobrança por medidas afinadas com as expectativas de países mais envolvidos na guerra contra o terrorismo".

Ao mesmo tempo, ele observa a presença de outros componentes que não têm relação com o 11 de setembro. “Há outra parte que tem mais a ver com o nosso ambiente político. Há muitos anos de pressão de segmentos da sociedade e de uma ala do Congresso para se ter um maior controle de movimentos sociais consolidados no país. E a lei é ambígua o suficiente para deixar brechas. Dependendo da interpretação, pode ser usada para tentar criminalizar movimentos sociais."

Jorge Lasmar vê pontos positivos e lacunas no texto da Lei Antiterrorista. "Caminhou numa direção certa de não de designar terroristas e, sim, atos terroristas. Há um excludente explícito dizendo que movimentos sociais não podem ser caracterizados com grupos terroristas. Pode-se até discutir se isso seria redundante, mas as legislações antiterroristas possuem um alto custo social, que pode ensejar maior militarização da polícia e aumento de força do Poder Executivo, o que faz com que esse tipo de resguardo seja positivo. Mal não faz. Movimento social não tem nada a ver com terrorismo", explica.

"Mas o conceito de ato terrorista no Artigo 2º o vincula a uma motivação de discriminação racial, étnica, religiosa. Isso pode ser problemático porque existe um terrorismo político onde não há essa instância de discriminação", completa o especialista.

Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2021-09/passados-20-anos-efeitos-do-11-de-setembro-ainda-geram-debate


11 de Setembro: a "Guerra ao Terror" e as consequências para o mundo

Há 20 anos, terroristas desafiaram a maior potência mundial, os EUA. A nação ferida reagiu declarando "guerra ao terror", provocando consequências inesperadas que ainda afetam o mundo

DW Brasil

Vinte anos se passaram desde os ataques de 11 de Setembro. A grande torre de um novo World Trade Center foi erguida no Marco Zero, onde ficavam as Torres Gêmeas, com um memorial às quase 3.000 vítimas dos ataques que atingiram os Estados Unidos e o mundo.

Nova York se recuperou do choque dos atentados. Hoje ela tem mais habitantes do que em 2001 e, até a pandemia de covid-19, a economia estava crescendo.

Mas nada é como antes, como poderia ser? Não só nos EUA, onde eventos e homenagens marcam esse dia que nunca será esquecido. Mas também em grande parte do Oriente Médio e no Afeganistão. A bandeira do Talibã está hasteada novamente, exatamente como há 20 anos.

Mas, quando um ataque terrorista matou recentemente cerca de 170 afegãos e mais de uma dúzia de soldados americanos durante a operação de evacuação no aeroporto de Cabul, o braço local do "Estado Islâmico" (EI) assumiu a autoria do crime.

Essa organização nem existia há 20 anos, quando começou a "guerra ao terror". No entanto, suas origens estão intimamente relacionadas a esta guerra - e a como ela foi travada.

"Sabemos muito bem que a ascensão do EI foi resultado direto da queda de Saddam Hussein em 2003", afirma Bernd Greiner.

Em entrevista à DW, o historiador de Hamburgo explica que grande parte da primeira geração de combatentes do EI veio do antigo exército de Saddam Hussein.

George W. Bush declarou o fim da guerra do Iraque, em maio de 2003

"O exército foi dissolvido pelos Estados Unidos. Centenas de milhares de jovens estavam nas ruas, sem nenhuma perspectiva de emprego. Isso é um terreno fértil para a radicalização", afirma.

Estiletes que começaram uma guerra

Em 2001, terroristas da Al-Qaeda derrubaram o World Trade Center, um símbolo de poder econômico, e atacaram o Pentágono, o centro do poder militar. Com o assassinato em massa, eles desencadearam um trauma nacional. E tudo usando apenas estiletes, com os quais transformaram aviões de passageiros em armas, guiados por um árabe saudita chamado Osama bin Ladende uma caverna no Afeganistão.

Uma humilhação sem precedentes para um país que, na época, talvez estivesse no auge de seu poder, que se sentia quase invulnerável, doze anos após sua vitória na "Guerra Fria" e o colapso da União Soviética.

Os EUA reagiram com perplexidade e luto - e tiveram a solidariedade de todo o mundo. Os americanos reagiram com raiva e buscaram vingança - e receberam apoio.

Uma ação policial ou uma operação com forças especiais, como ocorreria dez anos depois na eliminação do líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, no Paquistão, estava fora de questão para o governo dos Estados Unidos.

Pela primeira vez na história da OTAN, foi declarado Casus foederis. Em uma ação militar legitimada pelo Conselho de Segurança da ONU como um ato de autodefesa, o Talibã no Afeganistão foi derrubado em poucos meses.

Quando George W. Bush atacou o Iraque em 2003, já não havia mais tal legitimidade. Houve apenas falsas alegações sobre as ligações de Saddam Hussein com os terroristas de 11 de setembro, bem como mentiras sobre o o ditador iraquiano estar produzindo armas de destruição em massa.

A "Nação Indispensável" demonstra seu poder

Muitos políticos americanos viram a oportunidade, após o 11 de Setembro, de demonstrar ao mundo que os Estados Unidos eram a "nação indispensável", afirma o historiador americano Stephen Wertheim em entrevista à DW.

"E eles demonstraram essa 'indispensabilidade' tentando redesenhar um país e uma região.

Bernd Greiner vê outro motivo. "Em sua impotência e incapacidade diante desse tipo de ataque assimétrico, os EUA queriam demonstrar ao mundo, e especialmente ao mundo árabe: qualquer um que mexer conosco no futuro, perderá seu direito de existir".

Para o historiador, esse foi "basicamente um ato simbólico, tanto no Afeganistão quanto no Iraque".

Ex-secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, ficou apreensivo com operação no Afeganistão.

Corroborando a hipótese de Greiner, apenas algumas semanas após o 11 de Setembro, a Casa Branca encarregou o Pentágono de desenvolver cenários para uma guerra contra o Iraque. E em seu livro, Bush at War, Bob Woodward relatou que o então secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, estava preocupado por não ter alvos suficientes para armas de alta tecnologia dos EUA no Afeganistão.

"Não queremos parecer que estamos martelando na areia", disse Rumsfeld. "Precisamos de algo para atacar. Mas não há tanta Al Qaeda para atacar".

Essa atitude era generalizada em outras partes do establishment político. Quando, por exemplo, o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger foi questionado por Michael Gerson, redator de discursos de George W. Bush, por que apoiava a guerra do Iraque, a resposta recebida foi: "Porque o Afeganistão não foi o suficiente".

Os opositores radicais dos EUA no mundo muçulmano queriam humilhar os Estados Unidos, "portanto, devemos humilhá-los".

Para o historiador Stephen Wertheim, o Iraque representou mais um palco para demonstrar força do que uma reação a uma ameaça.

Quase 1 milhão de vítimas da guerra

A "guerra ao terror" proclamada pelo presidente George W. Bush tornou-se uma guerra sem fronteiras. Uma guerra "que não é definida com precisão, nem temporal nem geograficamente. É travada globalmente", como explica Johannes Thimm, da Fundação de Ciência e Política de Berlim (SWP, na sigla em alemão).

O projeto Cost of War, da Brown University, apontou recentemente que os Estados Unidos aplicam iniciativas antiterrorismo em 85 países.

A equipe, que consiste em mais de 50 pesquisadores, juristas e ativistas de direitos humanos, levantou vários números assustadores. Na "guerra ao terror", quase 930.000 pessoas foram mortas diretamente em combate - quase 400.000 delas eram civis.

A cidade síria de Mossul em junho de 2018, um ano após ser libertada das mãoes do EI

Os números lançam uma luz diferente sobre as palavras do general americano Stanley A. McCrystal em seu discurso de posse como comandante da Força Internacional de Apoio à Segurança (ISAF, na sigla em inglês) no Afeganistão, em 2009.

"Eu acredito que a percepção pública de civis mortos é um dos inimigos mais perigosos que enfrentamos", disse na época.

Como consequência disso, a face mais sinistra da guerra foi amplamente escondida.

O público mundial reagiu com choque quando a plataforma Wikileaks revelou, em 2010, a verdadeira face das guerras no Iraque e no Afeganistão, com a divulgação do vídeo "Assassinato Colateral", evidências muito drásticas do assassinato de civis em Bagdá.

Perda de reputação

A reputação dos EUA já estava abalada. Não era a primeira vez que os líderes do país rasgavam a lei em sua guerra. Em uma entrevista à DW, o especialista do SWP Johannes Thimm lembra da reintrodução oficial da tortura.

"Porque a tortura era, na verdade, uma violação completa da lei. Há também uma razão pela qual não é chamada de tortura, mas sim de ‘técnicas aprimoradas de interrogatório'. Porque a tortura é simplesmente inequivocamente proibida pelo direito internacional”.

Houve, ainda, a detenção de suspeitos por décadas em áreas completamente à margem da lei, como a base naval dos EUA em Guantánamo. E, acima de tudo, a morte de suspeitos de terrorismo em ataques de drones: o Bureau Of Investigative Journalism contabilizou pelo menos 14.000 ataques com drones. Estima-se que entre 9.000 e 17.000 pessoas morreram, incluindo 2.000 civis e centenas de crianças.

"Mesmo que isso não possa ser provado empiricamente, minha impressão é que os assassinatos dirigidos por drones provavelmente produziram mais jihadistas no Afeganistão do que mataram", avalia Johannes Thimm.

Ataques com drones americanos já mataram vários civis

Não apenas no Afeganistão. O cientista político Julian Junk, da Fundação Hessian para Pesquisa em Paz e Conflitos (HSFK, na sigla em alemão), afirmou à DW que "podemos afirmar que os métodos extrajudiciais da 'guerra ao terror' tiveram um efeito mobilizador sobre os grupos salafistas e jihadistas”.

Um erro de oito trilhões de dólares?

De acordo com o Cost of War, os 20 anos da "guerra ao terror" custaram apenas aos Estados Unidos a soma inimaginável de oito trilhões de dólares. Com esse valor, é possível facilmente pagar pelo programa de infraestrutura de Joe Biden várias vezes.

É por isso que o especialista norte-americano Bernd Greiner chega à conclusão de que, mesmo desconsiderando as consequências para o resto do mundo: "Os EUA causaram imensos danos para si com essas despesas insanas nas guerras no Iraque e no Afeganistão". 

"Portanto, há tantos outros esforços dignos para os quais os Estados Unidos poderiam ter direcionado seus vastos recursos", lamenta o historiador americano Stephen Wertheim, "em vez de reagir destrutivamente aos ataques de 11 de Setembro”.

Fonte: DW Brasil
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