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Negro tem 2,6 vezes mais chances de ser assassinado no Brasil

Relatório mostra que, entre 2009 e 2019, taxas de homicídio caíram 20,3%, mas para pretos e pardos a queda foi menor, de 15,5%

Ana Cristina Campos / Agência Brasil

Em 2019, os negros representaram 77% das vítimas de homicídios no Brasil, com uma taxa de 29,2 por 100 mil habitantes. Entre os não negros, a taxa foi de 11,2 para cada 100 mil, o que significa que o risco de um negro ser assassinado é 2,6 vezes superior ao de uma pessoa não negra.

Entre os anos de 2009 e 2019, 623.439 pessoas foram vítimas de homicídio no Brasil. Destas, 333.330, ou 53% do total, eram adolescentes e jovens.

Os dados constam da edição 2021 do Atlas da Violência, divulgada hoje (31). A publicação foi elaborada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).

Os números apresentados pelo estudo foram obtidos a partir da análise dos dados do Sistema de Informações sobre a Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, em período anterior à pandemia de covid-19.

Na análise dos dados da última década, os autores do levantamento observaram que a redução dos homicídios ocorrida no país esteve muito mais concentrada entre a população não negra do que entre a negra. Entre 2009 e 2019, o número de negros vítimas de homicídio cresceu 1,6%, passando de 33.929 vítimas em 2009 para 34.466 em 2019. Já as vítimas não negras passaram de 15.249 em 2009 para 10.217 em 2019, redução de 33%.



Homicídios femininos

Em relação aos homicídios femininos, o Atlas da Violência mostra que 50.056 mulheres foram assassinadas entre 2009 e 2019. Nesse período, o total de mulheres negras mortas cresceu 2%, ao passo que o número de mulheres não negras mortas caiu 26,9%.

A publicação também destaca mudança na distribuição dos homicídios femininos: enquanto a taxa de homicídios de mulheres dentro das residências cresceu 6,1%, a taxa de mulheres mortas fora das residências caiu 28,1%.

Segundo a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, o local do homicídio é importante para se compreender as dinâmicas de violência.

“Está largamente documentado que os assassinatos de mulheres dentro de casa estão associados à violência doméstica. Os homicídios de mulheres fora de suas residências, por outro lado, em geral, estão associados a dinâmicas de violência urbana. O crescimento dos homicídios de mulheres dentro do próprio lar nos últimos 11 anos indica o recrudescimento da violência doméstica no período”.

Aumento de mortes violentas

Outro dado que chamou a atenção dos autores do estudo foi o aumento de 35% das mortes violentas por causa indeterminada entre 2018 e 2019, o que, segundo a análise dos pesquisadores, pode se refletir em uma subnotificação dos 45.503 homicídios registrados no país no período.

De acordo com a pesquisa, a categoria estatística mortes violentas por causa indeterminada é utilizada para os casos em que não é possível estabelecer a causa básica do óbito, ou a motivação que o gerou, como sendo resultante de lesão autoprovocada (suicídio), de acidente como nos de trânsito ou de homicídios.

“O crescimento brusco desse índice nos últimos anos, como nunca antes observado na série histórica, acarreta sérios problemas de qualidade e confiabilidade das informações prestadas pelo sistema de saúde, levando a análises distorcidas, na medida em que geram subnotificação de homicídios”, disse o presidente do Instituto Jones dos Santos Neves, Daniel Cerqueira.

De acordo com o pesquisador, em média, 73% dos casos de mortes por causa indeterminada referem-se a homicídios, o que por si só já elevaria o número de mortes no país em 2019.

Segundo o Atlas da Violência , os números de notificações de violências registrados pelo Sistema de Informações de Agravos de Notificação entre 2018 e 2019, na variável orientação sexual, contra homossexuais e bissexuais, apresentam crescimento de 9,8%, passando de 4.855 registros em 2018 para 5.330 no ano seguinte. Os números de violência contra pessoas trans e travestis também cresceram, passando de 3.758 notificações para 3.967 episódios em 2019, aumento de 5,6% dos casos de violência física.

Armas de fogo

Segundo a pesquisa, entre 2009 e 2019, 439.160 pessoas foram assassinadas por arma de fogo, o que corresponde a 70% de todos os homicídios do período. O estudo apontou que, desde 2009, todos os dias,109 pessoas foram assassinadas a tiros no Brasil.

Em 2019, o país registrou 14,7 assassinatos por armas de fogo por 100 mil habitantes, entretanto, 16 estados tiveram taxas acima da média nacional. A maior taxa foi registrada no Rio Grande do Norte: 33,7 homicídios por 100 mil pessoas. Na sequência se destacaram, com as taxas mais elevadas: Sergipe (33,5), Bahia (30,9), Pernambuco (28,4) e Pará (27,2). As menores taxas foram registradas em Minas Gerais (8,9), no Distrito Federal (8,5), no Mato Grosso do Sul (7,8), em Santa Catarina (5,3) e em São Paulo (3,8).

Em 2009, do total de homicídios no país, 71,2% foram praticados com o emprego de armas de fogo. Em 2019, esse percentual caiu para 67,7%.

“Os desdobramentos da política armamentista que está em curso no Brasil produzem riscos de elevar os números de homicídios a médio e longo prazos. À luz das evidências científicas, essa política deve ser reavaliada o quanto antes, não apenas para que assim sejam reduzidos os danos trazidos na atualidade a toda a sociedade, bem como os riscos futuros contra a vida e a segurança dos brasileiros”, aponta o documento.

Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2021-08/risco-de-negro-ser-assassinado-e-26-vezes-superior


RPD || Mauro Oddo Nogueira: O Brasil tem jeito - Basta olhar para o BRASIL

Para falar sobre a economia brasileira, com bases reais, é preciso tratar da realidade dos autônomos e empregados informais invisíveis, que o Auxílio Emergencial tornou momentaneamente visíveis – e também, dos autônomos e empregados formais das nano, micro e pequenas empresas (MPEs), avalia Mauro Oddo

Por mais idas e vindas que se apresentem, a vacina não tarda. Então, é hora de refletir sobre como reconstruir o tecido produtivo do Brasil, após uma crise estrutural que se arrastava há 4 anos e à qual se somou o cataclismo da Covid-19. A resposta pressupõe uma reflexão sobre, afinal, de qual Brasil estamos falando? Pensamos somente no Brasil da Avenida Paulista ou incluímos o BRASIL no qual a renda média do trabalhador é de R$ 2.400,00 por mês (com uma mediana bem abaixo disso)?

Vamos, pois, falar um pouco do BRASIL. Ele é composto, basicamente, por dois segmentos de trabalhadores. O primeiro, autônomos e empregados informais, representando cerca da metade dos trabalhadores do país. São os invisíveis que o Auxílio Emergencial tornou momentaneamente visíveis. O segundo, os autônomos e empregados formais das nano, micro e pequenas empresas (MPEs): cerca da metade dos trabalhadores formais. Ou seja, ¾ dos trabalhadores é o contingente que dá forma à desigualdade no Brasil. Portanto, falar de economia brasileira sem falar deste BRASIL é falar de qualquer outra coisa, menos da economia brasileira.

Mas o fato é que só episodicamente essa realidade não foi marginal em nossos projetos de desenvolvimento. Desde a temática econômica da mídia às políticas públicas e às Universidades, com raríssimas exceções, esse mundo passa longe. Longe dos currículos dos cursos de Economia, Administração, Engenharia e Direito, aqueles que conformam o ethos das nossas “elites dirigentes”; das discussões na mídia; e, quando muito, é periférico nas ações governamentais. Não pensamos no BRASIL, pelo fato de o desconhecemos. O Brasil dos debates e das políticas econômicas é e sempre foi o Brasil da Avenida Paulista. O resto é “questão social” …

E o que nos diz o olhar em direção ao BRASIL? Diz, incialmente, que a lenda de “primeiro crescer o bolo para depois dividi-lo” – bordão da ditadura que continuou subjacente à boa parte das políticas econômicas que se seguiram – é uma falácia. Seja porque esse momento “da divisão” nunca chega, talvez seja porque a realidade mostra que a lógica deve ser exatamente a inversa. É pela criação de demanda que a economia se desenvolve. E criação de demanda em nosso país se traduz essencialmente em elevação da renda da população do BRASIL. Temos duas provas recentes disso. A política do salário mínimo conduzida por Lula é uma. A outra é a evidência de que só não ocorreu um colapso econômico por conta da pandemia, graças ao Auxílio Emergencial.

Mas aí caímos em uma outra questão: como elevar a renda dessa população? Não entrarei na questão das transferências e dos programas de renda mínima, tema merecedor de tratamento muito mais atencioso nos debates. Vou me ater à vertente produtiva e o que considero seu conceito chave: produtividade do trabalho. Como dito acima, o BRASIL produz, basicamente, na informalidade e nas MPEs. Apresentarei apenas uma comparação: aqui, a produtividade de um trabalhador de uma pequena empresa formal é 27% daquele de uma grande; e de uma micro, é de 10%.

Na Alemanha, essas relações são de 70% e 68%, respectivamente (dados da CEPAL de 2012). Imagine nas atividades informais! Por favor, não digam que esse trabalhador é, como indivíduo, muito menos produtivo que o alemão. Não! Se colocarmos um desses trabalhadores em um posto de trabalho de uma grande empresa nacional ou de uma microempresa alemã, sua produtividade rapidamente se igualará àquela normal dessa empresa. O problema está no conteúdo técnico do posto de trabalho. Em outras palavras, tecnologias de processo e de gestão.

Fica evidente que não há como aumentar a renda do trabalho sem aumento de produtividade. E não há como aumentar sistemicamente a produtividade sem demanda, isto é, sem renda. Assim, somente um círculo virtuoso de produtividade e renda pode nos levar a superar o atraso econômico e a desigualdade social. E não há outro caminho para tanto senão um investimento maciço por parte do Estado no conteúdo técnico dos postos de trabalho via modernização de processos organizacionais e produtivos das MPEs. Isso pressupõe profunda revisão (ou reinvenção) da arquitetura e dos montantes dos mecanismos de crédito, de apoio em qualificação gerencial e de regulação ora oferecidos para o BRASIL. O que, por sua vez, pressupõe tirar o binóculo da Avenida Paulista e colocar o BRASIL no “centro do prato” das políticas econômicas, deixando de destinar para ele apenas “as migalhas que caem da borda”, via programas sociais de “geração de emprego e renda”.

*Mauro Oddo Nogueira é doutor pela Coppe/UFRJ e pesquisador do Ipea. Autor de Um Pirilampo no Porão: um pouco de luz nos dilemas da produtividade das pequenas empresas e da informalidade no Brasil.


Claudia Safatle: O penoso retorno ao equilíbrio fiscal

Ipea vê chances de um “cenário transformador”

A questão central que se coloca hoje é como será o retorno do país à política de austeridade fiscal no pós pandemia. Para este ano as perspectivas são de uma dívida bruta próxima à 100% do PIB e um déficit primário da ordem de 13% do PIB a 14% do PIB nas contas do setor público. A contração do nível de atividade é estimada em 6% neste ano, que seria seguida de um crescimento de 3,6% em 2021, segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que constam do trabalho “Brasil pós covid-19”.

Ainda que a elevação do gasto público no combate à covid-19 seja temporária, há uma parcela da despesa que será permanente, a partir da adoção, por exemplo, do programa de renda mínima. A perda de receita também tem uma parte transitória, decorrente do adiamento do pagamento de impostos e da queda abrupta da atividade econômica.

O duplo choque, de oferta e de demanda, causado pela crise tem, porém, efeitos permanentes, pois mesmo com a retomada do crescimento e o aumento esperado de 3,6% do PIB em 2021, a atividade ainda estará abaixo do que estaria caso não houvesse a pandemia.

O crescimento projetado para o segundo semestre deste ano somado à alta de 2021, será capaz de recompor parte da perda absoluta de PIB, que ainda ficará 2,6% abaixo do nível de 2019, conforme prevê o Ipea. Do lado fiscal o resultado é a permanência de déficits primários, persistentes há oito anos, até o fim da década de 2020.

Aumentou substancialmente o risco da política fiscal (que, no limite extremo pode chegar a um calote da dívida) e um efeito direto disso já vem sendo sentido na elevação da estrutura a termo da taxa de juros, que gera pressão de alta do custo da dívida, “contrapondo-se ao efeito baixista da redução da taxa Selic”, segundo o estudo.

O trabalho do Ipea, divulgado nesta semana, avança na proposição de medidas para a retomada do crescimento no pós covid-19 e lança o desafio de se viabilizar o que ele chama de “cenário transformador”, em comparação com o cenário de referência.

Conter a deterioração fiscal é pré-condição para a retomada da economia. “É preciso manter a sinalização clara do compromisso com o equilíbrio fiscal”, indica o documento.

Passada a pandemia - e a necessidade de medidas emergenciais com impacto no deficit e na dívida pública - as reformas ganharão ainda mais importância São elas: o novo pacto federativo, que cria instrumentos para melhorar a gestão fiscal nos três níveis de governo; a proposta de emenda constitucional que extingue com pouco mais de 200 fundos de financiamento; e uma reforma administrativa que estimule o aumento de produtividade dos servidores e ajude a conter os gastos com pessoal - segundo maior item de despesa do governo federal, depois da Previdência, e principal despesa dos governos estaduais e municipais.

Isso, associado a uma abertura da economia ao comércio externo e a uma maior flexibilização do mercado de trabalho produziria a aceleração do crescimento, levando a economia ao “cenário transformador”.

Dada a fragilidade das condições fiscais que impede um aumento relevante do investimento público, sob o risco de insolvência, a solução mais adequada é a atração de investimentos privados nacionais e estrangeiros, especialmente em infraestrutura. Isso requer um ambiente macroeconômico equilibrado, um sistema tributário menos oneroso, e um ambiente regulatório que, nas atuais condições, exige uma taxa de retorno maior para compensar o alto nível de risco.
É possível crescer mais a partir de 2021? A pergunta que o Ipea se colocou tem possibilidade afirmativa.

“Não há caminho fácil para se atingir esse objetivo”, responde. Os problemas fiscais restringem a utilização de gastos públicos para estimular a retomada da economia. A política monetária pode contribuir positivamente, atenuando a queda do PIB e gerando estímulos para a retomada cíclica, mas tem limitações. Medidas na direção de se reduzir o risco fiscal e melhorar o ambiente de negócios são a forma mais eficiente de estimular os investimentos privados e gerar emprego e renda no médio prazo.

O senso de urgência dado a aprovação das medidas de combate a pandemia também deveria guiar os esforços do Executivo e do Legislativo para a retomada da agenda de reformas econômicas, recomenda o estudo.

A tendência de desconcentração da produção industrial hoje centralizada na Ásia, o que expõe os demais países a riscos de abastecimento, como chegou a se temer durante a pandemia, pode dar ao Brasil algumas oportunidades, cita o texto.

A produtividade brasileira ainda é muito baixa - com crescimento médio pouco acima de zero nos últimos 40 anos - mas há espaço para ganhos nessa área por meio de reformas estruturais. Aliadas à expansão do mercado de crédito e à melhoria do ambiente de negócios, essas reformas permitiriam acelerar o crescimento da produtividade, estimulando os investimentos.

O crescimento, porém, só será robusto se houver uma boa alocação dos recursos investidos, com o foco nos ganhos de produtividade, que é a principal fonte de crescimento.

Há espaço para um aumento relevante nos investimentos em infraestrutura, que estão muito baixos e são insuficientes para repor a depreciação da estrutura de transportes e de fornecimento de energia que o país dispõe.

Essas medidas não têm custo fiscal, e dependem apenas de aprovação de novas leis no Congresso. Se, paralelamente às reformas de contenção do gasto público for executado um conjunto de reformas microeconômicas pró-investimentos e uma reforma tributária que ajude a melhorar a eficiência da economia, é possível projetar um “cenário transformador”, com crescimento bem mais elevado do que no cenário de referência.

Três exemplos de medidas microeconômicas são: 1) criação de uma boa carteira de investimentos de longo prazo; 2) aprovação dos marcos regulatórios do setor elétrico e das novas concessões; e 3) regulamentação do marco regulatório de telecomunicações aprovado em 2019.


IPEA: Socorro Governamental às Pequenas Unidades Produtivas Frente à Atual Pandemia

Nota Técnica - 2020 - Maio - Número 63 - Diset

Por Mauro Oddo Nogueira, Sandro Pereira Silva e Sandro Sacchet de Carvalho

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A atual pandemia produzida pelo Sars-CoV-2, o chamado “novo coronavirus”, vem suscitando diversas discussões sobre seus possíveis impactos econômicos, marcadas por controvérsias e também por alguns consensos entre analistas e autoridades.

A despeito da duração da crise e do grau de isolamento social a que as populações estão sendo submetidas, alguns indicadores recentes já apontam que seus efeitos terão uma magnitude, ao menos, comparável às maiores crises econômicas que o mundo moderno vivenciou. As atividades econômicas ao redor de todo o mundo estão sendo massivamente afetadas, seja por imposição do isolamento social, seja por indisponibilidade de elevados contingentes de trabalhadores acometidos pela Covid-19 associada à um recolhimento voluntário das pessoas em face do medo – fenômeno que está sendo chamado de lockdown endógeno. Sendo as empresas elos importantes das cadeias produtivas, essa paralisação se propaga a montante e a jusante, tanto pela suspensão das aquisições de seus fornecedores quanto pelo desabastecimento das empresas-clientes. O resultado é uma rápida e grave propagação da “virose econômica”, desestruturando – ou mesmo destruindo – cadeias produtivas ao redor de todo o globo.

Ademais, as projeções de evolução do produto interno bruto (PIB) para os próximos meses são cada vez mais pessimistas; quanto mais duradoura e profunda for a crise, maior o grau da recessão vindoura. Evidentemente, a queda no produto terá impacto proporcional nas receitas públicas, agravando significativamente o deficit fiscal, o que fortalece a pressão sobre os governos nacionais para a tomada de medidas urgentes de enfrentamento dessa conjuntura indesejada.

Um aspecto que surge com certo consenso é o de que o “grupo de risco” mais sensível à “virose econômica” é aquele formado pelas micro e pequenas empresas (MPEs) e os trabalhadores autônomos, sobretudo os que operam no contexto da informalidade. São empresas com limitado capital de giro e baixíssimas reservas de capital (Bartik et al., 2020), cuja atuação se concentra nos setores de comércio e serviços (Sebrae, 2020b), os mais atingidos pela crise. Além disso, essas unidades produtivas estão inseridas em cadeias também formadas majoritariamente por outras MPEs. No Brasil, pequenos negócios ou autônomos, formais ou informais, ocupam quase três quartos da massa de trabalhadores (Nogueira e Zucoloto, 2019), sendo, portanto, onde as consequências sociais decorrentes de um surto de desemprego, da suspensão dos salários ou da cessação de receitas individuais impactarão mais profundamente a sociedade brasileira. Assim, devem ser esses os principais beneficiários das medidas governamentais de socorros aos agentes produtivos.

É também consensual que, independentemente de quais as formas de socorro providas pelo Estado, o fator tempo em sua implementação é crucial para que a reação em cadeia não se instaure de forma incontrolável. No caso das MPEs brasileiras, uma pesquisa realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), sobre a situação das MPEs no contexto da crise atual, aponta que estas conseguem sobreviver sem faturamento somente por, em média, 23 dias (Sebrae, 2020a). Quanto aos trabalhadores autônomos, não há dúvidas de que sua fragilidade é ainda maior, dado o conjunto de vulnerabilidades com que eles se defrontam (Nogueira e Zucoloto, 2019; Silva, 2017).

Diante desse contexto, este trabalho tem por objetivo avaliar as principais ações do governo federal brasileiro, no sentido de socorrer os segmentos mais vulneráveis do aparato produtivo nacional. Como será possível observar ao longo do texto, entendemos que as medidas apresentadas até o momento não se conectam em uma perspectiva sistêmica, mas, sim, compõem uma miríade cujo entendimento está escapando à grande parte dos micro e pequenos empresários e dos trabalhadores autônomos, alvos principais das ações aqui destacadas.


Roberto Freire: Saindo do fundo do poço

Mesmo ainda em meio às dificuldades decorrentes da mais perversa recessão de nossa história republicana, fruto do legado de desmantelo dos 13 anos de governos lulopetistas, o Brasil apresenta dados consistentes que apontam para a retomada da atividade econômica e o início de uma sólida recuperação. Não é exagero afirmar que, depois de praticamente três anos consecutivos de declínio, o país vem saindo do fundo do poço e deixando uma agenda negativa para trás, passando a ter condições de projetar o futuro com mais otimismo.

É o que indica a Carta de Conjuntura divulgada no início desta semana pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), uma espécie de prévia dos dados consolidados do IBGE. Segundo o relatório, “o bom desempenho dos indicadores mensais de atividade em 2017 mostra uma recuperação gradual da economia”.

De acordo com o boletim, o Indicador Ipea de Consumo Aparente de Bens Industriais registrou um crescimento significativo em 64% dos segmentos da economia brasileira no mês de julho. O indicador da produção industrial, por exemplo, apresentou alta de 0,2% em agosto – em relação ao mesmo mês do ano passado, a expansão é de 5,3%.

Também em agosto, os dados referentes ao comércio mostram avanço de 2,6% nas vendas do varejo. No índice que mede a chamada Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que analisa os investimentos, o crescimento foi de 1,1% em julho na comparação com junho. Por fim, no que diz respeito à agropecuária, o Ipea registra uma expressiva elevação de 14,8% nos primeiros sete meses deste ano em relação ao mesmo período de 2016.

É evidente que, apesar da mudança de expectativas em relação à economia, o caminho para tirarmos o Brasil da crise de forma definitiva é tortuoso e exige seriedade, paciência e responsabilidade. Não podemos ignorar o grande contingente de desempregados em todo o país, já que o nível de emprego, historicamente, é a última variável a ser afetada em processos de recuperação econômica – embora, é bom que se diga, também a quantidade de vagas abertas no mercado de trabalho venha aumentando gradativamente a cada mês.

Sabemos que a crise não se encerrará totalmente em 2018, quando concluiremos a transição democrática e constitucional após o impeachment, mas as próximas eleições serão determinantes para a consolidação do nosso futuro. Até lá, o PPS permanece com sua posição de independência em relação ao atual governo, mas sempre deixando claro o nosso firme compromisso de apoiar a transição e as reformas.

Tenho reafirmado a importância da união de todas as forças do campo democrático para que as conquistas alcançadas nos últimos meses, sobretudo no cenário econômico, não sejam desperdiçadas por uma disjuntiva deletéria para o Brasil entre os extremos do espectro político. Temos de apresentar ao país uma candidatura virtuosa que unifique o centro democrático e se apresente como real alternativa à polarização entre uma esquerda atrasada e reacionária, que apoia abertamente a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela, e uma extrema-direita igualmente populista e de viés claramente fascista, que defende a ditadura militar instalada por mais de 20 anos no Brasil e, inclusive, as torturas por ela praticadas naquele período de triste memória.

Depois de sairmos do buraco em que os governos de Lula e Dilma nos meteram, é fundamental prosseguirmos neste caminho de retomada, com a diminuição da inflação, o aumento do poder de compra dos brasileiros, a diminuição da taxa de juros, o crescimento do PIB e a geração de empregos que tanto se espera. Para tanto, temos de aprovar as reformas necessárias ao país, concluir a transição até 2018 e iniciar um novo ciclo de desenvolvimento a partir de um governo eleito e respaldado pela maioria da população. A crise é grave, mas está ficando para trás. É hora de avançar.

 


Ipea diz que jovens entre 14 e 24 anos são os mais atingidos pelo desemprego

Jovens entre 14 e 24 anos são os mais atingidos pelo desemprego, segundo texto da Carta de Conjuntura nº 33, divulgada hoje (19), em Brasília, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Enquanto a taxa total de desemprego alcançou 11,8% no terceiro trimestre deste ano, entre os jovens dessa faixa etária chegou a 27,7%. O desemprego também afeta mais os trabalhadores com ensino médio incompleto (taxa de 21,4%).

O Ipea diz ainda que, até meados de 2016, o aumento do desemprego, apesar de ter sido substancial, foi atenuado devido ao fato de muitas pessoas que perderam emprego terem se tornado trabalhadoras por conta própria. Contudo essa tendência se reverteu no terceiro trimestre de 2016, quando se observou uma queda dos ocupados por conta própria, acrescentou o Ipea.

Rendimento

Segundo o Ipea, o terceiro trimestre de 2016 não apresentou melhoras na evolução do rendimento médio do trabalho.

A média de rendimentos ficou em R$ 2.017, R$ 50 abaixo do observado no mesmo período de 2015. No entanto, no cálculo do trimestre encerrado em outubro, a média subiu ligeiramente para R$ 2.025.

A análise do Ipea foi feita com base em microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc) e nos informes detalhados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho.


Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br