investigações

Merval Pereira: Os extremos se encontram

O conselheiro da Petrobras Marcelo Mesquita, em entrevista à GloboNews, fez um comentário lateral sobre a crise na estatal, com a tentativa do governo Bolsonaro de controlar os preços dos combustíveis, que se torna fundamental quando se olha o quadro de maneira mais abrangente. Disse ele que “se fosse o PT, nós sabemos que teríamos esse problema há dois anos”, referindo-se à política do governo Dilma Rousseff na mesma direção.

Não é à toa que o PT está defendendo a intervenção do governo, e até mesmo o ex-ministro Aloizio Mercadante elogiou o general Joaquim Silva e Luna como “um militar nacionalista”. Há muitos pontos de contato entre visões de mundo autoritárias. Lula deu uma entrevista recente apoiando Bolsonaro quando ele critica o jornalismo profissional. Os dois se sentem atingidos pelas críticas e denúncias.

Tanto Bolsonaro quanto o PT consideram que o indutor do crescimento nacional é o governo e usam as estatais com tal objetivo, mesmo que já tenha sido provado na prática que o resultado é nulo. Mesquita lembrou que a Petrobras teve que pagar US$ 3 bilhões para encerrar uma ação de investidores internacionais (class action), quando o governo Dilma segurou o preço dos combustíveis com o intuito de conter a inflação.

Noutros governos, como o de Fernando Henrique Cardoso, houve essa tentativa, frustrada, uma das vezes quando o ex-ministro José Serra era candidato à Presidência em 2002 e queria que o ministro da Fazenda, Pedro Malan, segurasse os aumentos de combustíveis durante a campanha.

Agora o presidente Bolsonaro anuncia que vai “colocar o dedo” na eletricidade, o que geralmente dá choque nos governantes que tentam. Também a ex-presidente Dilma controlou o preço da eletricidade na canetada, e o resultado foi que, mais adiante, o repasse teve que ser feito de maneira mais acentuada, e até hoje a Eletrobras ainda sofre com o rombo provocado naquele tempo.

Na medida provisória que permite ao BNDES estudar a privatização da estatal de energia — o que parece mais um gesto simbólico do que realidade —, há o sistema de capitalização com a intenção desfazer o rombo nas tarifas das usinas da Eletrobras da época de Dilma. Com isso, a empresa pode vir a recuperar sua capacidade de investimento. Mas técnicos admitem que um impacto para cima nas tarifas haverá, seja ela privatizada ou não.

As trapaças da sorte levaram a que tanto Bolsonaro quanto o PT tivessem inimigos comuns, como o ex-ministro Sergio Moro, e métodos semelhantes para tentar se livrar das acusações de corrupção que atingem Lula e Flávio Bolsonaro. O caminho da anulação de provas, ou de julgamentos, leva ao mesmo objetivo: conseguir nos tribunais superiores (STJ e STF) a alforria dos seus.

A razão pela qual a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou as provas contra o hoje senador Flávio Bolsonaro, uma justificativa insuficiente do juiz de primeira instância para autorizar quebra de sigilo, é uma tecnicalidade semelhante à que levou à anulação do processo conhecido como Castelo de Areia, que envolvia empresários e políticos: a investigação se originou numa denúncia anônima.

Mas, quando se quer beneficiar alguém, aceitam-se até provas ilícitas, como no processo que julga uma denúncia de parcialidade contra o então juiz Sergio Moro. A decisão da 2ª Turma do Supremo, que deve ser contra ele, vai anular a condenação do ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá e poderá levar de roldão todos os demais julgamentos em que ele foi condenado. E até outras condenações de réus da Lava-Jato.

Assim como a anulação das provas pode levar a investigação contra Flávio Bolsonaro à estaca zero. É possível ampliar o entendimento da lei, como a Operação Lava-Jato fez durante cinco anos, com bons resultados. Mas também usar provas ilegais, como os diálogos entre os procuradores e o então juiz Moro, para absolver condenados. Mesmo que, sabendo da discutível utilização dessas provas, elas não apareçam nos votos dos ministros da 2ª Turma do STF, elas já foram divulgadas largamente para criar um clima contrário ao juiz. O mesmo que acusam os procuradores e o próprio Moro de ter feito. Desde que Bolsonaro partiu para a confrontação com Moro, surgiu um campo enorme de interesses comuns entre Lula e ele.


Mariliz Pereira Jorge: Instituições barram ímpetos golpistas do presidente, mas não de seus seguidores

Ataques de Bolsonaro a seus opositores empoderaram essa muito gente cafona e, certamente, desocupada

Depois do decreto que pretende flexibilizar o acesso às armas e que só tem o intuito de abastecer milícias bolsonaristas, temos mais um capítulo de “como as democracias morrem”. Um grupo criou uma tal Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil, que nada tem com a OAB, mas com o compromisso de intimidar críticos ao governo.

Por meio de um comunicado nas redes sociais, ameaça processar “todos” que ofenderem Bolsonaro, sua família e integrantes da administração: “vamos derrotar o mal”. O “mal”, como sabemos, é a liberdade de expressão garantida pela Constituição, que dá aos brasileiros o direito de fiscalizar, questionar, desaprovar e esculhambar até o ocupante do cargo mais importante do país.

Os ataques de Bolsonaro a seus opositores empoderaram essa muito gente cafona e, certamente, desocupada, que pretende promover uma cruzada contra políticos de oposição, artistas, professores e, claro, jornalistas, os que estão em primeiro plano na mira da seita criada pelo presidente.

Se o ministro da Justiça usa sua caneta para perseguir profissionais como está fazendo com meus colegas Ruy Castro e Hélio Schwartsman, por que um grupo de gente ressentida e ignorante, mas com diploma de advogado, não faria o mesmo? Sigamos o mestre, devem pensar.

Pode parecer meia dúzia de aloprados, mas é exatamente como têm sido tratados grupos envolvidos em manifestações pró-golpe militar e em disparos de fake news. As instituições, por enquanto, têm barrado os ímpetos golpistas do presidente, mas não podemos dizer o mesmo sobre seus seguidores. Somos testemunhas do como a democracia vem sendo corroída pelas bordas —e por gente aparentemente insignificante.

Sempre bom lembrar do vice-presidente Pedro Aleixo, em 1968, que foi a única voz discordante da atrocidade do AI-5. “O problema é o guarda da esquina.” Como sabemos, este governo está cercado cada vez mais de gente assim, em cada esquina do país.


Bruno Boghossian: Congresso pode afrouxar caixa dois, improbidade e investigações

Câmara faria um serviço ao país se modernizasse regras, mas ideia cria brecha para retrocessos

Poucas coisas movimentam tanto o Congresso quanto a força-tarefa que tenta mudar as leis que mexem com a vida política dos parlamentares. A ideia é reformar regras ultrapassadas e conter abusos, mas o esforço abre caminho para perdoar o caixa dois, blindar deputados e livrar prefeitos que fazem barbaridades com dinheiro público.

Logo nas primeiras semanas de atividade, os parlamentares lançaram um grupo de trabalho para reformar a legislação eleitoral. O Congresso faria um bem ao país se criasse regras modernas para a propaganda e o financiamento de campanhas. Os deputados, no entanto, também querem discutir retrocessos que interessam principalmente à sua sobrevivência política.

Voltaram ao debate monstrengos como o distritão, que enfraquece os partidos políticos e facilita a eleição de aventureiros para o Legislativo, e a flexibilização da cláusula de barreira, que impediria o enxugamento do número de siglas nanicas.

Segundo os deputados, também podem entrar na pauta mudanças para aliviar punições por caixa dois, um sonho antigo de muitos parlamentares. Além disso, eles estudam mexer na Lei da Ficha Limpa –que tem regras defeituosas, mas pode acabar desfigurada.

Os deputados elaboraram ainda a PEC da imunidade. De um lado, ela acaba com aberrações como a possibilidade de um tribunal de instância inferior afastar um parlamentar do mandato. De outro, dificulta prisões e impõe um excesso de restrições nas investigações contra políticos. Na prática, cria uma blindagem e abre caminho para imitadores do golpista Daniel Silveira.

Na Câmara, já se fala também em liberar o nepotismo e em afrouxar as punições contra políticos por improbidade administrativa. Esta mudança pode fazer a festa de prefeitos interessados em gastar dinheiro público sem prestar contas. A ideia tem o apoio de Jair Bolsonaro, que tenta fortalecer sua base eleitoral nos municípios. “Alguma coisa vai ser mudada, pode deixar”, avisou.


Merval Pereira: Investigações em curso

Se causaram rebuliço entre os políticos e as autoridades estaduais, as declarações do ministro da Justiça Torquato Jardim sobre a contaminação política do crime organizado com as forças policiais não surpreenderam os cariocas e aqueles que acompanham a situação da segurança pública no Rio.

Os políticos que saíram em defesa das corporações o fizeram corretamente para evitar generalizações, mas eles certamente sabem o que acontece em setores da segurança do Estado. Essa promiscuidade não é inerente às forças policiais do Rio, mas acontece em todos os lugares em que o combate ao crime organizado está em andamento.

A célebre história do policial Sérpico, em Nova York, que ajudou a desbaratar quadrilhas de criminosos que atuavam dentro da polícia novaiorquina, transformada em filme de sucesso de Al Pacino, foi lembrada ontem pelo deputado Miro Teixeira.

O que milhões de pessoas viram nos filmes Tropa de Elite 1 e 2, citados pelo ministro Torquato Jardim como situações que voltamos a viver no Rio depois de um breve intervalo em que as Unidades Pacificadoras funcionaram, era ficção baseada na realidade.

A Força-Tarefa que foi criada recentemente pela Procuradoria-Geral da República, a pedido do ministro da Defesa Raul Jungman, tornou-se necessária justamente devido à situação específica do Rio, em que a corrupção política abriu caminho para a atuação do crime organizado dos traficantes e dos milicianos.

Os precedentes de sucesso no Acre e, sobretudo, no Espírito Santo, estados que já estiveram dominados pelo crime organizado comandado pela classe política, mostram que a criação de uma Força-Tarefa para combater o crime organizado, sem prazo determinado, com uma visão de longo prazo e sem estar atrelado a mandatos governamentais, é o melhor caminho para restabelecer a supremacia da lei no Estado do Rio.

Como já escrevi aqui, a criação dessa força-tarefa, reunindo equipes do Ministério Público Federal, da Justiça Federal, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, surgiu do diagnóstico das forças de segurança de que o Estado foi capturado pela corrupção e pela criminalidade, ambos se cruzando.

Temos cerca de 1 milhão de pessoas no Rio de Janeiro vivendo em um estado de exceção, sob o controle de bandidos, milicianos ou traficantes. Quem tem esse controle sobre o território, tem o controle político, é capaz de direcionar votos, de eleger seus representantes, fazer seus aliados, que se encontram na Câmara Municipal, na Assembléia Legislativa e mesmo no Congresso Nacional.

Isso significa que são capazes de colocar seus prepostos dentro do aparato de segurança. No Rio de Janeiro, alguém dessa ligação pode indicar um chefe de batalhão, um delegado, e assim por diante. Essa prática, comum no Estado, em algum momento voltou, e a captura de postos chaves no aparato de segurança por indicações políticas acabou sendo uma realidade novamente no governo estadual, envolvido profundamente na corrupção e na proteção de quadrilhas, segundo diagnóstico original dos serviços de inteligência.

Sempre que as Forças Armadas são chamadas a intervir no Rio, devido ao recrudescimento da ação dos bandidos, há um desconforto que não é explicitado formalmente na relação com as polícias locais. Não é possível generalizar, e esse certamente foi um erro do ministro Torquato Jardim, mas a citação de que ações sigilosas vazam com freqüência é de conhecimento de todos dentro dos setores de segurança.

Tanto que a Força Tarefa recém-criada é federal, terá a participação das polícias do Rio em posição secundária. O Rio necessita de uma força-tarefa federal para dar conta, sobretudo, de um estado paralelo, classificado pelas análises dos serviços de informação como “capturado pelo crime organizado”.

Foi a partir das informações dos serviços de inteligência do Exército e da Polícia Federal que ministro Torquato Jardim soltou informações importantes sobre a segurança pública no Rio, e não foi à toa o que disse. A hipótese mais provável é que ele tenha falado para fazer andar as investigações, que estariam paradas por pressões políticas.

O improvável é que ele tenha sido leviano, o que falou, primeiro para o blog de Josias de Souza, depois para O Globo, foi com base em investigações que estão sendo feitas no Rio, desde a intervenção das Forças Armadas. Não adianta o governo do Estado nem a Polícia Militar reclamarem; o sistema de inteligência do Exército está atuando. O ministro sabe certamente o nome dos políticos que estariam envolvidos nesse conluio, e os indícios das investigações levaram às suas declarações. E certamente levarão a ações concretas de repressão.


Merval Pereira: Disputa de poder

O episódio da prisão de membros da Polícia Legislativa do Senado acusados de estarem agindo para obstruir as investigações sobre senadores envolvidos na Lava-Jato é a explicitação de uma disputa entre o Ministério Público, a Polícia Federal e o Poder Legislativo, empenhado em aprovar uma legislação que limite as investigações.

Esses limites, segundo os parlamentares, são os da lei, que consideram estar sendo ultrapassada em muitos casos. Já o Ministério Público e o próprio juiz Sérgio Moro acham que os políticos querem colocar obstáculos ao combate à corrupção. É provável que o presidente do Senado, Renan Calheiros, que responde a 9 processos no Supremo, a maioria ligada à Lava-Jato, faça reclamação ao STF pelo que teria sido invasão do Senado pela Polícia Federal.

A alegação oficial é que a ação da PF foi contra funcionários do Senado, que não têm foro privilegiado, e por isso ela tem validade apenas com a autorização de um juiz de primeira instância. Como, porém, diversos computadores e outros instrumentos eletrônicos foram apreendidos, é provável que informações sobre senadores venham a ser reveladas.

Nesse caso, a Polícia Federal pode alegar que é uma “prova achada”, isto é, que surgiu indiretamente de outra investigação, não devendo ser anulada, mas o Supremo certamente será chamado a decidir a disputa. Há rumores no Senado de que os integrantes da Polícia Legislativa faziam trabalhos paralelos que podiam incluir a vigilância de senadores por seus adversários políticos no próprio Senado.

Episódios recentes mostram como a disputa entre polícia do Senado e PF vem se agravando. Além do caso do apartamento da senadora Gleisi Hoffmann, que integrantes da Polícia Legislativa tentaram proteger impedindo a ação da PF, houve outro caso, mais grave.

Quando a Polícia Federal chegou à Casa da Dinda, onde reside o senador Fernando Collor, a Polícia Legislativa foi acionada e enviou para lá um batalhão de homens armados que tentaram impedir que computadores e outros documentos fossem retirados da residência, inclusive a frota de carros importados. Por pouco não houve confronto físico.

A ação da PF no Senado reforçou a iniciativa de aprovar lei contra o abuso de autoridade, que o MP considera um atentado à magistratura, comprometendo o combate à corrupção. O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima disse ao “Estadão” que a lei sobre o abuso de autoridade representa um golpe contra a Lava- Jato: “A aprovação da lei de abuso de autoridade pode significar o fim da Lava-Jato; inclusive eu pessoalmente, se essa lei for aprovada, não vou continuar”.

Ele considera que o projeto pretende criar constrangimentos para quem investiga situações envolvendo pessoas poderosas, especialmente empresários e políticos. Com a aprovação da lei, Carlos Fernando diz que os investigadores serão ameaçados “por corruptos e bandidos em geral, porque vão estar expostos a todo tipo de retaliação”.

A atuação da Polícia Legislativa foi considerada a de uma “organização criminosa armada”, e os agentes presos estarão sujeitos às penas da lei 12.850, de 2 de agosto de 2013. As investigações indicam que ela atuava como uma “guarda pretoriana” ou, como registrei ontem na coluna, uma milícia a serviço da proteção dos senadores.

Por enquanto não há denúncia direta de que esse grupo obedecia a Renan, mas as investigações caminham nessa direção. Nesse caso, as malhas do § 2º do art. 2º da lei que trata da organização criminosa se abateriam sobre Renan, agravando ainda mais sua situação: “A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução”.

O artigo 2º, § 5º, esclarece: “Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual”.

“Indícios”, diz o texto legal, e não provas. “Investigação”, e não ação penal. Se a Procuradoria-Geral da República, em resposta a uma provável reclamação do Senado, encaminhar ao STF pedido de afastamento de Renan da presidência da Casa, a crise institucional ganhará proporções perigosas.(O Globo)


Fonte: pps.org.br