invasão ao capitólio

Eliane Cantanhêde: No pântano da irracionalidade

Até o Twitter baniu Trump, mas Bolsonaro insiste em afundar com ele, levando o Brasil junto

"Errar é humano, mas insistir no erro é burrice." Esta velha máxima pode ser usada para o governo Jair Bolsonaro diante da ebulição política dos Estados Unidos, mas com acréscimos. Insistir no erro de apoiar Donald Trump acima de tudo e da razão não é burrice, ou não apenas burrice, é irresponsabilidade com o País e sugere más intenções.

Trump vem sendo condenado pelo mundo democrático por ter incitado sua milícia a atacar a maior democracia, maior economia e maior potência militar do planeta. Foi sob seu comando que a turba se armou, se fantasiou e se animou a ocupar o Capitólio, quebrando, destruindo, ameaçando os representantes do povo.

Até Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido e legítimo líder de direita, condenou a inconsequência de Trump, um homem incapaz de conviver com algo inerente à vida: derrotas. Isso mostra o quanto a condenação a Trump não é questão de ideologia, é mais do que isso. Não se trata de direita versus esquerda, mas sim de democracia versus barbárie, até de sanidade versus insanidade.

Um líder mundial banido do Twitter por incitação à violência! Foi isso que aconteceu a Trump, na reação em série que inclui Joe Biden falando em "terrorismo doméstico" (aliás, como escrevi na primeira hora) e a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, advertindo que Trump tem acesso até o dia 20 à "bola de futebol" e ao "biscoito" que podem acionar uma guerra nuclear. Até isso teme-se de Trump!

Assim, por ação do próprio presidente da República, os Estados Unidos foram reduzidos a "republiqueta de bananas", sofrerem um ataque terrorista interno e convivem com suspeitas e temores sobre guerras nucleares. Esse é o clima no País. Não são bobagens, nem meras piadas de mau gosto e, obviamente, preocupam o mundo inteiro.

O "pária" Brasil, porém, continua dentro de uma bolha incompreensível, em que o presidente, seu chanceler e seus filhos se mantêm firmemente agarrados ao Titanic Trump. Enquanto cidadãos, eles têm todo o direito de afundar, é um problema deles, uma decisão individual. Mas levar o Brasil junto para as profundezas dos delírios de Trump e para o perigo que ele representa?

Bolsonaro comprou sem pestanejar a versão de fraude na eleição americana, desmentida pela Justiça, fiscais independentes e... os próprios republicanos. O chanceler Ernesto Araújo, sem citar o grande culpado pelo ataque ao Capitólio, chamou os extremistas de "cidadãos de bem" e até justificou os atos, já que a sociedade "desconfia das eleições". Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, em vez de abrir, fechou ainda mais os canais com o novo governo. Nos EUA, confraternizou com os Trump (aliás, na semana da invasão) e não fez um mísero gesto para Biden.

Seria compreensível a pessoa Bolsonaro enviar um abraço para o “amigo” derrotado, mas o presidente do Brasil cutucar e negar Biden, como fez com China, França, Alemanha, Argentina, mundo árabe? Governantes não agem por impulso, emoção, conveniência pessoal, crença religiosa, certezas íntimas ou tititi de gurus e marcianos. Devem, ou melhor, são obrigados a agir de acordo com o interesse nacional, o desenvolvimento do País e o bem estar das populações.

Bolsonaro, porém, é de outra galáxia e insiste no erro de afundar com Trump no pântano da irracionalidade. Como toda ação corresponde a uma reação, o homem de Joe Biden para a América Latina no Conselho de Segurança Nacional é Juan Gonzales, que já mandou recados diretos para o presidente brasileiro e tem foco nos temas que mais opõem Biden a Bolsonaro: mudanças climáticas, direitos humanos, democracia... É péssimo para Bolsonaro, mas pode ser muito positivo, e oportuno, para o Brasil.

*COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA


Alon Feuerwerker: Free speech e controle

O Facebook e o Twitter cortaram temporariamente a possibilidade de o presidente Donald Trump postar nas redes sociais dos dois conglomerados. É um dos mais nítidos sinais de já haver, na prática, um novo governo em Washington.

Ao longo do mandato de Trump, as redes conviveram bem com a utilização desses canais pelo presidente, inclusive quando ele propagava informações não comprovadas, ou não comprováveis. As sobre a pandemia são um exemplo. A preocupação com o combate às fake news só apareceu depois que ele perdeu a reeleição.

Seria ingenuidade imaginar que mesmo os maiores conglomerados econômicos não precisem, em algum momento, bater continência para o poder. Mais confortável é quando podem fazer isso alegando a "defesa da democracia e das liberdades". É o best-case scenario de agora.

Do episódio, fica pelo menos uma preocupação. Quem define o que pode ou não ser postado nas redes? Dar esse poder aos governos parece excessivo? E dar esse poder às próprias empresas, é aceitável? E como o direito ao free speech sobreviverá a tudo isso?

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação