intolerância religiosa
Revista online | Combate à intolerância religiosa é desafio do governo Lula
Jane Monteiro Neves, Sionei Leão, Cleomar Almeida e João Rodrigues*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
Doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o professor Babalawô Ivanir dos Santos destaca a importância do movimento negro para a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e diz que a “intolerância religiosa está espalhada por todo o país”. Em entrevista à revista Política Democrática deste mês de novembro (49ª edição), ele diz que o problema se agravou nos últimos quatro anos, com “interferência muito forte na democracia brasileira”.
O professor, que também é membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), defende um plano nacional de combate à intolerância religiosa, cuja proposta, segundo ele, foi apresentada ainda em 2008 a Lula. “O novo governo deve ter medidas concretas e efetivas de combate à intolerância religiosa”, assevera.
Pesquisador do Laboratório de História das Experiências Religiosas (LHER-UFRJ) e do Laboratório de Estudos de História Atlântica das sociedades coloniais pós coloniais (LEHA-UFRJ), Santos também critica o academicismo nas universidades brasileiras e ressalta a necessidade de pensamento intelectual que reflita sobre a realidade dos mais pobres, a maioria da população. “Nem todos os acadêmicos são intelectuais”, afirma.
Diante do alerta de o Brasil ter voltado ao Mapa da Fome, das Nações Unidas, o professor também chama a atenção para a urgência de se garantir a segurança alimentar da população. “Fome Zero não é só dar o cartão para o pessoal adquirir o alimento no mercado, mas criar um processo de produção e de escoamento de alimentos para que cheguem a uma rede mais barata e a quem mais precisa”, sugere. A seguir, confira trechos da entrevista.
Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online
Política Democrática (PD): O que o senhor espera para o Brasil nos próximos quatro anos?
Babalawô Ivanir dos Santos (BIS): Neste momento, o sinal é de que se deve caminhar em sintonia com o respeito à democracia, às liberdades, às diversidades, ao Estado laico e aos direitos humanos e o fortalecimento das lutas contra a misoginia, o racismo, a homofobia. No processo eleitoral, além das questões econômicas e sociais, havia um divisor de águas entre o ódio e a democracia, envolvendo o racismo, a intolerância religiosa, a diversidade e as liberdades. Ganhou o campo da diversidade e da liberdade. Tenho chamado atenção de que os partidos progressistas foram muito importantes nesse processo. Houve uma unidade nunca pensada antes, independente das questões do primeiro turno. Quem garantiu essas eleições foram os que eles chamam de grupos de identidade, porque correm dizendo que são identitários, que são os grupos, acham que são minoritários - e não são tão minoritários assim -, que já garantiram a eleição no primeiro turno, junto a essas forças progressistas, mas todos os apoios foram importantes do ponto de vista político, mas, do ponto de vista eleitoral, não garantiram uma larga vitória. Tivemos uma vitória eleitoral muito pequena, mas uma grande vitória política, inegavelmente. Não se pode esquecer desses movimentos sociais e desses grupos que foram aliados importantes desde o primeiro turno e, obviamente, no segundo. Por isso, espero que assim seja na compreensão da montagem do governo, que precisa ter uma expressão de representação simbólica muito importante desses grupos.
PD: O senhor publicou o livro Marchar não é caminhar: interfaces políticas e sociais das religiões de matriz africana no Rio de Janeiro (2019, 360 páginas). Ao longo de sua vida, como marchar não é caminhar?
BIS: Essa é a minha tese de doutorado em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É o que implantamos agora na sociedade brasileira. Você tem um setor da sociedade que quer marchar, marchar… Consequentemente, quer destruir o outro, quer impor ao outro, quer, de forma autoritária e fascista, impingir ao outro a sua vontade, e caminhar é o contrário. Caminhar é uma frente. Caminhar é estarmos juntos. Para caminhar, é preciso sentar, recuar, ter diálogo e convivência com o outro, aprender com o outro, trocar com o outro. Por isso, caminhar é um processo. Quando se diz marchar, você está fazendo o jogo do adversário ou do inimigo. E caminhar, não. Caminhar é esse processo de frente ampla. Tem, às vezes, conflitos, mas você aprende na caminhada. Na caminhada, não se impõe ao outro a sua vontade. Aqui também faço, justamente, uma comparação entre a Marcha para Jesus e a Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa. O resultado da eleição não foi diferente. Em suposto nome de Jesus, impõe-se o ódio, a misoginia, a homofobia, o fascismo. No caminhar, há grupos evangélicos, cristãos, não cristãos, ateus. E foi isso sempre que as religiões de matriz africana fizeram. São grupos minoritários do ponto de vista da expressão política, mas podemos construir uma hegemonia sem ser maioria política.
PD: O senhor é Babalawô. Na luta em defesa da liberdade religiosa, o senhor está otimista neste momento?
BIS: Fui iniciado no candomblé há 41 anos, na Bahia, em Maragojipe, onde fiz todas as minhas obrigações. Tornei-me Babalorixá. E hoje sou um Babalawô, iniciado na Nigéria há 17 anos. Um sacerdote que é o pai, que olha o oráculo. Na Nigéria, o Babalawô não é só um líder espiritual, é um líder espiritual e político do seu povo, é aquele que orienta espiritualmente e politicamente o seu povo. Então, essa é uma questão importante a ser observada, para entender o meu papel, inclusive, nesse cenário. Não é só o lado espiritual, é conjugando o lado espiritual com as questões sociais, políticas, culturais e econômicas no qual esse povo vive. Se tem desemprego, o Babalawô deve defender o pleno emprego. Precisa, ainda, lutar pela diversidade, por respeito, contra o racismo. Se há homofobia, deve ser contra a homofobia. Se tem antissemitismo, ele tem lutar contra o antissemitismo, Babalawô é isso. Ele não pode ser omisso, não pode só ficar ligado ao lado espiritual nem apenas à teologia da prosperidade, que não é riqueza, não são bens materiais. É viver bem, ter um bom salário, ter um bom emprego, ter uma boa casa, construir uma família, ter uma boa educação, ter saúde. Isto é prosperidade. Além disso, pouca gente tem noção da intolerância religiosa, que virou um problema sério na América Latina. Essa é uma agenda civil, e tem piorado muito esse aspecto no país. No final do mês de janeiro, vou lançar um relatório nacional que demonstra isso. A intolerância religiosa está espalhada por todo o país, em todos os lugares, e, nesses últimos quatro anos, fez uma interferência muito forte na democracia brasileira. O presidente [Jair Bolsonaro] diz que o Brasil é um país ocidental cristão e que a minoria tem que se enquadrar. Todos nós sentimos o impacto disso. Na vida de todos, houve uma divisão e briga nas famílias. A família brasileira sempre foi muito diversa. Há cristão católico, cristão protestante, ateu, candomblecista, espírita kardecista, umbandista. Quando tenta se colocar uma única forma de religiosidade, cria-se uma divisão enorme. Desde os anos 1970, havia uma forma de o fascismo crescer no Brasil. Ele cresceria a partir do viés religioso, neopentecostal, embora haja grupos neopentecostais minoritários que estiveram no nosso campo, no trabalho conosco da diversidade religiosa, porque no Rio mostramos isso muito bem. Lá atrás, em 2008, encontramos com o então presidente Lula logo depois da primeira caminhada pela liberdade religiosa, aqui no Rio de Janeiro. Foram 20 mil pessoas para a rua, e entregamos a ele um documento para que se fizesse um plano nacional de combate à intolerância religiosa. E não foi feito. Nenhum dos governos seguintes deu atenção a esse tema, e agora vai ter que dar não só para ampliar o diálogo com os evangélicos, como tenho escutado muito. Acho que tem que ampliar o diálogo com os evangélicos, não sou contra, muito pelo contrário, sou um homem de diálogo, mas, antes de tudo, o novo governo deve ter medidas concretas e efetivas de combate à intolerância religiosa. É preciso garantir a aplicação da Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira. Ela foi capturada como se fosse uma lei religiosa, e não é. É uma lei de história e cultura. Vai ter que implantar isso, com orçamento, capacitação de professores e produção e distribuição de material didático. Também é preciso discutir a cultura indígena, porque a lei foi complementada depois. O Brasil não pode ter modelo civilizatório simplesmente europeu e achar que isso está correto. Existem outros grupos que estão na constituição desse país, embora em condições totalmente diferentes. Uns vieram como escravos, outros foram marginalizados, como a comunidade indígena, que também deve ser levada em conta e faz parte dos valores civilizatórios brasileiros. Todos temos noção do que é muito importante, mas há uma luta contra a hegemonia cultural no país. É preciso considerar a agenda do movimento negro, do movimento LGBTQIA+, das mulheres, das populações indígenas, assim como a agenda da diversidade religiosa. Não basta criar conselhos. Isto é importante, mas não é tudo. A questão é saber quais são as medidas efetivas de combate ao racismo, à homofobia, à misoginia, à intolerância religiosa... É importante considerar isso no projeto de governo, em todas as esferas. Estou falando não é só nos puxadinhos. Não é apenas reformular a Fundação Palmares, por exemplo. Tudo isso é importante, mas não dá conta da imensidão de brasileiros e brasileiras desses grupos na luta pelos seus direitos. Eles precisam estar representados nos ministérios, na economia, e devem participar da formulação de políticas públicas sociais, de saúde, de educação, de cultura e das demais áreas. É preciso haver diálogos e políticas públicas efetivas, com conferências também, mas, se as conferências propuserem medidas que não possam ser executadas, o país cai em uma situação de manter o status quo, que, no momento, é extremamente racista, do ponto de vista estrutural.
PD: Como o senhor vê essa possibilidade de mudança de paradigma e do fortalecimento da cultura antirracista em nosso país no novo governo?
BIS: Primeiro temos que observar a retórica do próximo presidente da República que nós elegemos. Durante a campanha, ele falou da questão racista, prometeu restaurar as estruturas antirracistas importantes. Ele tem noção muito boa, quando fala da escravidão, tem compreensão estrutural, mas há uma distância entre o que ele fala e o que aqueles que estão em sua volta executam. Lá atrás ele disse que os negros não só seriam ouvidos, mas que os iriam participar da construção do seu governo. Isso não aconteceu no primeiro momento da formulação da equipe de transição. Pelo contrário, foi necessária uma reação de setores da comunidade negra, muito irritados, porque o apoiaram e votaram nele, como eu e outros. Se não fosse essa pressão, não teria ampliado a participação minoritária, quase insignificante, em outros grupos da equipe de transição. Foi majoritária no grupo da igualdade racial. Nos demais grupos, a participação de pessoas negras foi extremamente minoritária. Por isso, digo que existe uma distância entre a fala de Lula, o compromisso que ele assumiu [na campanha eleitoral], e as ações subsequentes por parte daqueles que o cercam na compreensão política de diversidade. Não entendem nada de diversidade. Hoje há uma massa crítica de negros no Brasil que não havia antes, de formados, inclusive, de militantes ativistas, de intelectuais orgânicos e públicos, que construíram essa agenda racial. A academia vem um pouco depois, porque não formulou nada para nós. Muito pelo contrário. Fomos para a academia sistematizar a nossa experiência, totalmente diferente de uma grande parcela de homens e mulheres brancos, que discutem estado, políticas públicas, a partir não de uma experiência empírica que eles têm. E, no nosso caso, sim. Então, é preciso aproveitar essa capacidade. Nem todo acadêmico é intelectual. Às vezes, é mero reprodutor de teorias e metodologias. Devemos tomar muito cuidado ao trazer essas contribuições de formulações para dentro dos processos, para que não permaneçam os mesmos. Observamos que a estrutura não muda. Como é que você entende que, ainda nos dias de hoje, em governos progressistas, nos quais muitos de nós votamos e com os quais concordamos, a polícia continua, de forma lombrosiana, matando jovens negros, encarcerando jovens negros? O governo é progressista, mas a prática da máquina operacional do cotidiano ainda se reelege por conta disso. Essas mesmas práticas continuam nos aparelhos de Estado, de maneira até eugenista.
PD: Como o senhor interpreta a questão da história brasileira, seus estudos e a contribuição do negro, enquanto intelectual acadêmico?
BIS: Não é uma presença fácil, até porque, como digo, não fui para a academia para que a academia entrasse em mim, porque tem muitos negros que vão e ficam acadêmicos, muito teóricos. Discutir com a juventude teoria, metodologia e regras da ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas] todo mundo sabe, mas a experiência empírica é quase nenhuma. Fui pela ideia de sistematizar a minha experiência. É diferente. Não é à toa que uso bem, por exemplo, obras de Antonio Gramsci e Thompson, que falam de experiência, e sempre, como militante de esquerda, achei que tinha um vácuo para se compreender essa noção, como se a classe operária fosse um único modelo. E os negros nunca vão ser analisados como classe operária nesse sentido. O trabalhador, às vezes, tem religião. Então, quando se amplia uma compreensão de classe operária, dá para compreender que se pode analisar as nossas experiências a partir desses lugares. Então, traz uma nova participação, inclusive, da questão negra, e, ao utilizar muito a história dos que vêm de baixo, estou na história comparada. Constrói-se uma história dos que vêm de baixo com os de baixo, não pelos de cima que querem analisar os de baixo e têm muita diferença também sobre isso. Por isso que minha tese é uma experiência que construímos, usando todas as regras acadêmicas da objetividade, da metodologia, da teoria, porque essa tese teve prólogo. Vou falar de uma experiência de que participei, mas analisando a experiência com distância. Eu tinha que fazer um prólogo para dizer de onde eu vim, o que eu fazia, para as pessoas entenderem o que eu estava falando. Então, isso é uma nova epistemologia. Como é esse negócio de se analisar uma coisa se você, de tão de baixo, pobre, operário, não vai se colocar? Isso é bom para quem? Para a elite, porque ela não precisa dizer que está estudando. Objetividade tem um pouco a ver com isso. Se você está em um debate político e traz um problema que incomoda, não está sendo racional. Como se os negros só fossem emoção e como se a razão fosse o único ponto importante da ciência. Então, é muito mentiroso. Acho que, do ponto de vista dos africanos, é preciso haver equilíbrio entre razão e emoção, obviamente. Essas estruturas racionais que foram criadas, e ainda são mantidas, são racistas e perversas. Em qualquer país, isso é muito nítido, como para nós. Para a nossa comunidade, elas são muito draconianas, muito tristes. Para manter o status quo da sociedade e os privilégios, são ótimas. Entrar na academia exige trazer novas reflexões, novos diálogos e novas possibilidades. Agora, querendo ou não, é um lugar de poder. Sempre comento que a sociedade discrimina alguém por ser Babalawô e ser negro, mas ser pós-doutor é outra história. Porque entrou-se naquela lógica do mérito, já que são poucos os que vão para esse lugar. A questão é como se exerce este lugar, esta capacidade como intelectual. Nem todos os acadêmicos são intelectuais. Normalmente, são reprodutores de meros conhecimentos, uma boa parte deles. Não é à toa que eles não topam certos debates porque não dominam, pois a academia não é uma verdade absoluta. Ela tem várias verdades. A academia não é para dar respostas. Na verdade, surge para criar novas perguntas, e perguntas interessantes. Isto é dialética. Quando acha a resposta e acha que a resposta é a verdade absoluta, você engessa e não compreende a dinâmica social. Sou acadêmico, historiador, mas, antes de tudo, sou um negro, militante, candomblecista, militante pela questão racial e direitos humanos. Não sou só um acadêmico. Porque, ao se observar a trajetória de todos nós [negros], todo mundo vem de família pobre, em que a mãe era empregada doméstica, ou o pai, operário. Raros são aqueles que tiveram famílias na classe média. Marechal do Exército João Baptista de Mattos, primeiro negro a ocupar esse posto nas Forças Armadas, era filho de mãe solteira. Se pegar a história dele e observar como se dá a sua ascensão, verá um filho de mãe solteira, extremamente discriminado. Os filhos viraram da classe média depois porque ele virou marechal, general, oficial do Exército, mas quase ninguém assim nasce na classe média. Uma pessoa comprometida e brilhante que nasceu na classe média é Heleno Teodoro. O pai já era uma pessoa importante do Partidão, inclusive, na administração, já era contador, formado em economia, e a mãe era professora tradutora, mas são raros [esses casos]. A maioria absoluta dos intelectuais negros hoje, apesar de não unanimidade, veio das esferas populares. Na minha família, somos a terceira geração, a partir de mim, de universitários. Tenho dois filhos que fazem mestrados, outros são formados. Meus dois netos mais velhos estão na universidade. Meu pai era um mecânico que tinha que se virar. Então, é preciso entender essas histórias. As novas gerações estão tendo possibilidades, e as pessoas não podem se deslumbrar com a academia, que tem uma diversidade muito grande. Saber levantar esse debate a partir dessa diversidade é o grande barato. É o que os negros hoje em dia têm feito na academia porque pode nascer uma academia mais voltada para a compreensão brasileira. A academia que tem hoje [no Brasil] é europeia, digamos francesa, ou dos Estados Unidos. Quem é valorizado é quem tem algum doutorado ou mestrado fora. Os grandes debates acadêmicos vêm desses dois grandes centros e se conhece muito pouco da Ásia e da própria África. Há muita produção na África que dialoga muito mais com a nossa realidade social, com a nossa possibilidade, do que a dos europeus. Muitos europeus progressistas que achamos fora se inspiraram nos africanos. Há muita gente da África que foi até esses centros e os questionou. Muitos africanos questionaram, a partir do acesso que a colônia tinha como privilégio, como o próprio Amílcar Cabral e muitos outros nomes brilhantes. É isso que temos que fazer também aqui no Brasil, criar uma possibilidade de um pensamento intelectual acadêmico que reflita mais os de baixo no nosso país. Mesmo aqueles que falaram do povo brasileiro deixaram uma lacuna enorme para entender a questão racial até do ponto de vista acadêmico. Sérgio Buarque, assim como muitos outros, foi brilhante. A esquerda o tem como referência importante, mas há lacunas enormes a partir das nossas perspectivas. Não quer dizer que você vai desqualificar essa produção, pelo contrário, mas tem que fazer um diálogo crítico com ela e criar novas perguntas que levem a novas possibilidades.
Confira, a seguir, galeria:
PD: Como o senhor vê a possibilidade de se fazer uma grande mobilização para garantir a segurança alimentar da população negra e dos povos tradicionais como um todo?
Primeiro, ampliando o apoio à produção de alimentos necessários. Todo mundo acha que a África é fome para todo mundo. As pessoas conhecem as áreas de crise na África, onde o povo, de fato, às vezes, por questões climáticas ou de dificuldades de agricultura ou de conflitos, não tem o que comer, mas a África tem o que comer. Na Guiné-Bissau, há alimento e pesca. Em países que têm a pesca como ponto fundamental e onde não entrou a ideia do lucro em si, excessivo, a produção é mais coletiva, e é isso que tem que ser feito no Brasil, nas comunidades quilombolas. Como se constrói uma rede de produção nas áreas tradicionais que resulte em preços mais baratos nas favelas? A gente não tem uma rede de comunicação, porque o agronegócio e os grandes empresários dos mercados dominam essas áreas. Até nas dos quilombolas, eles financiam a produção, mas como se transforma a lógica de produção de alimento para alimentar quem está no campo, mas também quem está na cidade? São desafios, mas essas áreas podem produzir alimentos de qualidade. Na Nigéria, há produção de inhame, que é a base da comida nigeriana. Há grandes mercados populares de rua com comércio de inhame, pimenta, dendê, peixe, batata doce e laranja. Há comida farta. Todo mundo acha que não há na África, mas existe. Fome Zero não é só, na minha opinião, dar o cartão para o pessoal adquirir o alimento no mercado, mas criar um processo de produção e escoamento de alimentos para que cheguem a uma rede mais barata e a quem mais precisa.
Sobre o entrevistado
Professor Babalawô Ivanir dos Santos é doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN); pesquisador do Laboratório de História das Experiências Religiosas (LHER-UFRJ) e do Laboratório de Estudos de História Atlântica das sociedades coloniais pós coloniais (LEHA-UFRJ); coordenador da Coordenadoria de Religiões Tradicionais Africanas, Afro-brasileira, Racismo e Intolerância Religiosa (ERARIR/LHER/UFRJ); conselheiro Estratégico do Centro de Articulações de População Marginalizada (CEAP); interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de novembro de 2022 (49ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
Equipe de entrevista
Jane Monteiro Neves participou como entrevistadora da 48ª edição da revista Política Democrática online. É professora da Universidade do Estado do Pará (Uepa), especialista em processos educacionais (2012 a 2013 – IEP/Sírio Libanês). Foi diretora de extensão e coordenadora do curso de graduação em Enfermagem da UEPA. Também é diretora de Atenção Primária (Atenção à Saúde) da Secretaria de Estado de Saúde Pública do Estado do Pará e diretora executiva da Fundação Astrojildo Pereira.
Sionei Leão participou como entrevistador da 48ª edição da revista Política Democrática online. É jornalista, pesquisador e autor de Kamba’Race: afrodescendências no Exército Brasileiro, resultado de uma pesquisa de 20 anos.
Cleomar Almeida participou como entrevistador da 48ª edição da revista Política Democrática online. É jornalista e coordenador de Publicações da Fundação Astrojildo Pereira.
João Rodrigues participou como entrevistador da 48ª edição da revista Política Democrática online. É jornalista e coordenador de Audiovisual da Fundação Astrojildo Pereira.
Leia também
Revista online | Por um programa para os batalhadores e um horizonte para o país
Revista online | Para uma crítica progressista do identitarismo
Revista online | A COP 27 fracassou?
Revista online | Copa do Mundo: poder do dinheiro comanda o espetáculo
Revista online | As chagas da Copa do Mundo
Revista online | Sinalizar uma regra fiscal é importante?
Revista online | Sobre saúvas e saúde
Revista online | Confira charge de JCaesar sobre Copa do Mundo e manifestantes
Revista online | Breve notícia da terra devastada
Revista online | Editorial: O caminho da democracia
Revista online | Um revolucionário cordial em revista
Acesse a 48ª edição da Revista Política Democrática online
Acesse a 47ª edição da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
Ivanir dos Santos: "Vitória de Lula é esperança para o movimento negro"
João Rodrigues, da equipe da FAP
O Dia da Consciência Negra, assim como todo o mês de novembro, marca a importância das discussões e ações para combater o racismo e a desigualdade social no país. E para celebrar essa data tão importante para o movimento negro no país, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) inicia hoje uma série de entrevistas em comemoração ao mês da consciência negra.
O primeiro entrevistado é o professor doutor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Ivanir dos Santos. Babalawô, integrante do Conselho Consultivo da FAP, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) é fundador do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) e vencedor do Prêmio de Direitos Humanos do Estado Americano.
As expectativas do movimento negro com a eleição do presidente do Lula, a representatividade negra no Congresso Nacional e a persistente intolerância religiosa no Brasil também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do UOL e TV Brasil.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Anchor, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.
RÁDIO FAP