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Zero Hora: Dentro e fora da TV, Maju Coutinho virou referência para meninas negras
À frente do "Jornal Hoje", que acabou de completar 50 anos, a jornalista celebra as conquistas na carreira, diz estar vivendo sua melhor fase e fala sobre representatividade
Nathália Capeços, Zero Hora
Na pausa para o cafezinho pós-almoço, é a hora de Maria Júlia Coutinho entrar na casa dos brasileiros para trazer as notícias que prometem impactar o resto do dia. E o desafio é grande: o Jornal Hoje, comandado por Maju, é como se fosse aquele amigo antigo da família que comenta os principais fatos equilibrando seriedade e descontração. Afinal, o JH acabou de completar 50 anos fazendo parte da vida dos telespectadores – o noticiário estreou em 21 de abril de 1971. A paulista de 42 anos assumiu a tarefa em 2019, mas reconhece que segue aprendendo todos os dias na função:
— Quando assumi a bancada, a sensação foi de medo e de honra. Medo porque era um desafio novo, honra por estar à frente de um jornal superimportante — recorda. — É fazendo que a gente vai evoluindo. Todo dia (tenho um) um aprendizado, uma avaliação e reavaliação.
Numa brecha na rotina corrida, Maju conversou com Donna sobre seu momento na TV, na vida e na carreira. Mas a rotina atribulada faz parte do dia a dia da jornalista há muito tempo. Desde a época de faculdade, ela trabalha na televisão, chegando à Globo em 2007 para ser repórter. Ficou conhecida em todo país ao apresentar a previsão do tempo no Jornal Nacional – o jeito descontraído virou marca registrada.
A partir daí, a paulista foi ganhando espaço como âncora eventual dos telejornais da emissora, inclusive do JN, onde fez história ao se tornar a primeira mulher negra a sentar na bancada do noticiário mais importante do país. O convite para assumir o Jornal Hoje veio há dois anos e, com ele, ainda mais responsabilidade. Além do trabalho, Maju tem sido inspiração, sobretudo para meninas negras, que se sentem representadas quando a veem na TV. Nas redes sociais, a jornalista compartilha com frequência imagens de garotas de todas as partes do país tirando fotos em frente à televisão para mostrar que estão com o "cabelo igual ao da Maju".
— É um reconhecimento. Dá ânimo e força — define.
Mas estar sob os holofotes também colocou a jornalista no centro de ataques e fake news. Fotos com informações falsas sobre ela, boatos relativos à sua vida pessoal e comentários racistas, infelizmente, não são raridade no seu dia a dia. Para lidar com essa exposição, Maju escolheu dois caminhos: discrição sobre sua vida fora das telas e foco no trabalho. Ela conta que tenta se blindar emocionalmente para acolher as críticas construtivas e ignorar quem quer desestabilizá-la. E quando o limite do bom senso extrapola, o jeito é buscar os direitos na Justiça. No ano passado, dois homens foram condenados por racismo e injúria racial contra a apresentadora.
— Continuar fazendo o meu trabalho é a maior resposta — defende ela.
A seguir, confira um bate-papo com a apresentadora do Jornal Hoje que falou, entre outros temas, sobre a importância da representatividade na TV, como encara a chegada na casa dos 40 anos e a responsabilidade de inspirar meninas Brasil afora.
Você foi a primeira mulher negra na bancada do Jornal Nacional.
Já caminhamos razoavelmente, já vemos mais jornalistas negros ocupando esses postos no jornalismo brasileiro. Mas ainda há um caminho longo pela frente. É importante a representatividade, a diversidade enriquece o trabalho do jornalismo não só com os profissionais negros, mas os gays, os mais velhos, isso tudo dá uma riqueza, precisamos de olhares diferentes. E isso faz a diferença na hora da seleção da pauta, na escolha dos temas, nas análises. Só temos a ganhar com a diversidade nas redações.
Você já foi alvo de ataques racistas. Debater o tema abertamente é um dos caminhos para se construir uma sociedade antirracista?
Debater é o primeiro passo, mas tem que ter ação, não dá para ficar apenas no debate. É preciso real inserção, é preciso ver, na vida real, as pessoas negras que vemos agora nos comerciais. Vemos mais negros em posições de comando em comerciais de TV, mas isso tem que se refletir na vida real para ter efetividade mesmo. Mais representatividade na política, na TV, nos cargos de comando nas administrações de empresas. É isso que vai fazer a diferença.
Você já se retratou no ar após usar uma expressão que gerou polêmica (ela disse que “o choro era livre” em referência a quem contesta medidas de distanciamento social).
É fundamental reconhecer quando não conseguimos passar a mensagem com a clareza que ela exige. Acho que isso nos torna realmente mais humanos e mais próximos do público. Jornalista pode cometer equívocos, pode errar, e o que a gente tem que fazer quando erra é corrigir, se desculpar. Claro que a meta é sempre ser preciso e claro ao comunicar. Mas, quando isso não é possível, a gente se desculpa, levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima e vai.
Como é a experiência de participar do Papo de Política, programa da GloboNews com elenco feminino?
Reforça essa ideia de que mulher pode falar sobre o que quiser. É uma editoria em que sempre tive o sonho de trabalhar, com política. Nunca tive oportunidade, agora veio. Está sendo uma experiência riquíssima. O mais importante é que a gente se complementa, há mais apoio, não há competição. Essa questão da rivalidade tende a ficar cada vez mais fraca, a sororidade está entrando também nas redações, acredito nisso. Sobreviverão as que forem mesmo companheiras, sabendo que cada uma tem o seu espaço. Isso é muito importante.
Você costuma ser discreta sobre sua vida pessoal. É difícil lidar com a curiosidade do público e até com as fake news?
A partir do momento em que fui tomando pé da dimensão que é ficar exposta em rede nacional na TV Globo, aprendi que faz parte do jogo as pessoas terem curiosidade sobre a sua vida e inventarem coisas. Então, tenho que me blindar emocionalmente para lidar com isso, e é isso que tento fazer. Mantenho ao máximo a discrição da minha vida particular, porque acho que ela não deve e não deveria interessar às pessoas, e me preservo. Sei que os ataques são do jogo, apesar de achar que vivemos uma era de ataques que passam do limite, então, tento me preservar. Continuar fazendo o meu trabalho é a maior resposta. Quem critica é outra coisa, crítica construtiva a gente está aberta, eu aprendo. Mas ataque desnecessário tem que ser ignorado. Se extrapola, tem a lei para processar.
A chegada aos 40 anos mudou a relação com sua autoimagem?
Me sinto muito bem aos 40, é a melhor fase que estou vivendo. Estou saudável e tenho um amadurecimento. A estrada que caminhamos, os tombos que levamos, os aprendizados, tudo traz amadurecimento e leveza. Com essa idade, começamos a tirar um monte de pedras da mochila que carregamos na vida e só deixamos aquelas essenciais. Isso para mim é importante, saber que o mais simples é o melhor, que para quase tudo tem um jeito, a não ser para a morte, e levando com mais tranquilidade. Apesar de estarmos vivendo um período caótico, mesmo assim, tento manter a sanidade e a serenidade.
Nas redes sociais, as fotos de meninas negras se inspirando no seu cabelo se multiplicam.
Nunca imaginei que ia ter essa repercussão, que tantas meninas fossem tirar fotos, até os idosos. Acho o máximo, é um reconhecimento, e só agradeço por ter esse retorno do público. Dá ânimo e força de continuar fazendo o trabalho. Parti de um cabelo que era trançado quando criança pelos meus pais. Quando tinha uns oito ou 10 anos, por não ter referências de mulheres negras com cabelos crespos, passei a alisar, e alisei por um bom tempo. Na adolescência, surgiu a revista Raça e vi uma moça com o cabelo todo trançado. Me inspirou tanto, resolvi trançar meu cabelo, e fiquei anos com tranças. Retirei, fiquei um tempo com o cabelo natural, passei a usar babyliss e isso estragou um pouco, e voltei para o natural agora. Estou com o cabelo do jeito que gosto, natural, só à base de cremes.
Quais têm sido suas estratégias para manter a saúde mental em dia na pandemia?
Tem sido só casa e trabalho. Raramente vou aos meus pais. Agora que eles estão vacinados, às vezes dou um pulo lá. Casa, trabalho e, quando tem uma liberação na quarentena em São Paulo, me refugio numa casa na praia que a família tem. Vou só eu e meu marido (o publicitário Agostinho Paulo Moura) para vermos um pouco de natureza. Faço exercício em casa, na bicicleta, ou corro na rua de máscara. E muita terapia, meditação e exercício físico, muita fé mesmo para superar esse momento.
Estilo Maju
Seja para apresentar o Jornal Hoje ou em eventos públicos antes da pandemia, Maju Coutinho sempre esbanjou personalidade na hora de se vestir. Ao ligar a TV no telejornal, impossível não reparar nos looks da apresentadora, que costuma investir em cores fortes e vibrantes, como o amarelo, o laranja e o rosa. Adepta da alfaiataria, Maju investe em peças únicas, sua marca registrada, ou em roupas como pantalonas, vestidos estilo tubinho, camisaria e macacões. A jornalista também foi elogiada por repetir peças ao vivo em diferentes combinações – em entrevistas, contou que "é sustentável". Também já revelou que gosta de se inspirar no estilo de mulheres como Michelle Obama.
Dom Odilo P. Scherer: Dialogar é preciso
No Iraque o papa insistiu na necessidade de construir pontes, em vez de levantar muros
O papa Francisco acaba de fazer uma visita histórica ao Iraque, berço de antigas civilizações e tradições religiosas e culturais relacionadas com a origem das três religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo. Lugares como Mesopotâmia, Babilônia, Ur dos Caldeus e Nínive são mencionados nos relatos bíblicos e foram palco de momentos épicos da história do povo hebreu.
A região do atual Iraque foi banhada frequentemente com o sangue derramado por guerras, perseguições e repressões violentas. Também a nossa geração é testemunha de mais um longo período de conflitos absurdos, com imensos sofrimentos suportados por aquele povo. Não raro os conflitos envolveram motivações religiosas e de discriminação étnica e cultural, mas quase sempre estiveram em jogo a disputa de grupos rivais pelo poder e a supremacia. Também as razões geopolíticas e econômicas, como o interesse pelo petróleo e seus derivados, tiveram peso.
O cristianismo expandiu-se e floresceu bem cedo na Mesopotâmia, possivelmente ainda na era apostólica. Com o surgimento do islamismo, a presença cristã foi drasticamente reduzida ao longo dos séculos. Minorias cristãs, no entanto, mantiveram-se no meio de uma imensa maioria muçulmana. Desde a Guerra do Golfo Pérsico, nos anos 1980, e, sobretudo, com a guerra dos Estados Unidos contra Saddam Hussein, os cristãos pagaram um preço muito alto, por terem sido considerados filo-ocidentais, e ficaram reduzidos mais ainda.
O papa São João Paulo II se opôs energicamente à guerra contra o Iraque, chamando ao diálogo, sem ser ouvido. Recentemente, as minorias cristãs sofreram um novo duríssimo golpe, infligido pelo Isis, o grupo chamado Estado Islâmico, que pretendia islamizar à força os cristãos. Os mártires cristãos foram numerosos, igrejas destruídas, bens expropriados e uma insegurança social sufocante para os cristãos, reduzidos a cerca de 500 mil pessoas, que somente conseguem permanecer lá com a ajuda dos cristãos do mundo inteiro. Há poucas décadas eram dez vezes mais.
Esse foi o contexto da visita histórica de Francisco, que desejou muito ir àquele país para dialogar, confortar e levar esperança. Não houve multidões oceânicas para o acolherem, até porque também lá a pandemia de covid-19 está espalhada. Além dos líderes católicos e de diversos outros grupos cristãos, Francisco encontrou-se com as mais altas autoridades islâmicas locais e do Estado. Havia preocupação quanto à segurança do papa, que também se dirigiu a Mossul, no norte do país, cidade duramente atingida pelos combates contra o Estado Islâmico. Francisco, porém, não hesitou nem por um instante em encontrar aquela população, para lhe levar sua palavra de conforto e esperança.
A visita foi orientada pela busca do diálogo e foi isso o que papa fez o tempo todo nos seus encontros com as autoridades públicas, os religiosos muçulmanos e com líderes das comunidades católicas e de outras Igrejas cristãs do País. Em seus discursos, ele insistiu em diversos momentos sobre a necessidade de ouvir o outro com atenção, estender a mão, colaborar, construir pontes, em vez de levantar muros. Nas lacerações vividas por aquele povo, o diálogo pressupõe desarmar os espíritos, superar medos e mágoas, restabelecer laços de confiança e acreditar na boa vontade do outro. Sem isso é praticamente impossível dialogar.
O diálogo corresponde à natureza do ser humano, que não é completo e fechado em si mesmo, mas aberto ao outro, em quem busca e encontra a sua complementaridade. Escreveu o papa São João Paulo II que o diálogo é etapa obrigatória no caminho da realização humana, tanto do indivíduo como de cada comunidade – encíclica Ut unum sint (Para que sejam um), 1995, n.º 28). Diálogo não é o mesmo que confrontação, na qual o objetivo é que haja um vencedor. O diálogo exige reciprocidade e renúncia à vontade de dominar o outro. É preciso passar do antagonismo e de conflito para um terreno comum, onde uma e outra parte se reconhecem como companheiros de caminho.
No diálogo, cada uma das partes deve pressupor a sinceridade da outra parte, para se estabelecer uma base de confiança recíproca. Dessa maneira, o diálogo respeitoso e franco torna-se partilha de dons e bens, que beneficia e enriquece ambas as partes que dialogam. Ao contrário, o fechamento ao diálogo é empobrecedor e reduz os horizontes da convivência humana, abrindo espaço para o cultivo de ressentimentos e indiferenças.
O diálogo verdadeiro tornou-se um bem escasso, mas precioso, em tempos de polarização ideológica, e não apenas no Iraque ou em países com conflitos armados. Nossa cultura brasileira, geralmente aberta ao diálogo e à convivência acolhedora e pacífica, parece ter sido contagiada por um vírus perigoso, que torna difícil o diálogo sereno e produtivo. O fechamento ao diálogo e o acirramento de preconceitos e discriminações podem predispor a conflitos e atos violentos. Aonde isso pode nos levar? Dialogar é preciso!
CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO