#Internacional

Conservadores que apoiam a República Islâmica também cumprem papel no monitoramento do comportamento do públicoFoto: Vahid Salemi/AP/picture alliance

A polícia da moralidade do Irã foi realmente desativada?

Shabnam von Hein | DW Brasil

Na noite de sábado (03/12), o procurador-geral iraniano, Mohammad Jafar Montazeri, disse que a polícia da moralidade do país não tinha "nada a ver com o Departamento de Justiça" e foi "encerrada por aqueles que a criaram".

Sua declaração foi reportada pela agência de notícias estatal ISNA, e levou a relatos em todo o mundo de que a República Islâmica estaria respondendo à pressão pública após meses de protestos antigoverno deflagrados pela morte de uma jovem curda, Mahsa Amini.

A jovem morreu em 16 de setembro depois de ter sido detida pela polícia da moral por supostamente usar um lenço de cabeça de hijab "de forma inapropriada". As autoridades negaram acusações de que ela foi espancada e afirmaram que a jovem de 22 anos morreu de um ataque cardíaco.

Declaração "retirada do contexto"

Nesta segunda-feira, a emissora estatal iraniana Al-Alam reportou que as declarações de Montazeri haviam sido retiradas do contexto, e que o Departamento de Justiça do Irã "continuaria a monitorar o comportamento público".

O Irã "não tem uma 'polícia da moralidade', mas uma 'polícia de segurança pública' e o Departamento de Justiça não tem planos de aboli-la, nem dará um passo nessa direção", informou a mídia local sobre a versão do órgão a respeito do que Montazeri havia de fato afirmado.

A ativista iraniana dos direitos da mulher Mahdieh Golroo disse à DW que essas declarações reproduzem uma prática "testada e aprovada" da estratégia de informação da República Islâmica.

"Primeiro, eles afirmam algo e envolvem a mídia para criar esperanças de que este sistema é capaz de aprender e reformar", disse a ativista de 36 anos de idade, que vive na Suécia.

Ela afirmou que, embora as unidades móveis da polícia da moral pudessem muito bem ser alteradas em relação à forma atual, isso não requer uma mudança na estratégia do uso do poder estatal para controlar o comportamento público, como exigir que as mulheres usem lenços de cabeça.

A rede de "espiões da moralidade"do Irã

Mesmo se a polícia da moral fosse desmantelada, "outro grupo poderia assumir esta tarefa de controlar as mulheres em público", diz Golroo.

A mídia iraniana tem noticiado controles mais rigorosos sobre os estritos códigos de vestuário, especialmente o hijab, realizados por uma organização cujo nome em Farsi significa, em tradução livre para o português, Escritório para Impor o Bem e Proibir o Mal.

Essa organização opera em paralelo com a polícia da moralidade. Fundada em 1993, é chefiada por um clérigo em Teerã e conta com financiamento do Estado para realizar seu trabalho.

Seus quadros são em sua maioria voluntários que fornecem informações sobre supostas violações das regras de "moralidade" a um de seus 500 escritórios em todo o Irã.

Histórias de infrações "morais" são reportadas em agências de notícias pró-regime como a Tasnim News, que publicou recentemente uma reportagem sobre "uma vendedora de ingressos em um playground coberto de Teerã que não [usa] um lenço de cabeça. Como resultado, o playground foi fechado".

Histórias como estas são um exemplo das consequências enfrentadas pelas empresas e instituições se as mulheres que lá trabalham não usarem um hijab, como determina a lei islâmica.

Outro caso relatado na semana passada, ocorrido na província de Qom, ao sul de Teerã, envolveu um diretor de banco demitido após ter atendido uma mulher que não usava um lenço de cabeça. O atendimento foi gravado em vídeo pelo circuito fechado de câmeras e circulou amplamente em redes sociais antes de ser reportado a um escritório da Impor o Bem e Proibir o Mal.

O secretário do grupo, Mohammad Saleh Hashemi Golpayegani, acredita que a polícia da moralidade e suas unidades móveis, que podem ser fotografadas e filmadas por cidadãos durante a detenção de mulheres, são contraproducentes.

Ele sugeriu em uma declaração após a morte de Mahsa Amini que, em vez de usar os esquadrões da polícia da moralidade para impor "códigos de moralidade", a polícia deveria contar com o apoio voluntário da "população de confiança".

Golpayegani acrescentou que seria necessário apenas um melhor financiamento para a Impor o Bem e Proibir o Mal,  e disse que 3 milhões de cidadãos estão dispostos a apoiar sua organização.

Arte publicada originalmente no DW Brasil


Crédito: shutterstock

Nas entrelinhas: Da Internacional ao 1º de Maio, os sinais estão trocados

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Quando o Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi fundado, em 25 de março de 1922, Astrojildo Pereira e seus oito companheiros de origem anarquista não sabiam cantar A Internacional, como registrou em seu poema Ferreira Gullar. Desde então, apenas os mais empedernidos comunistas sabem a letra do hino composto em 18 de junho de 1888 por Pierre Degeyter — um operário anarquista de origem belga, residente na cidade francesa de Lille —, com base no poema do também anarquista Eugéne Pottier, operário francês membro da Comuna de Paris.

O hino se tornou conhecido na França e se espalhou pela Europa após o congresso do Partido Operário Francês, em 1896. A ideia original de Pottier era fazer uma paródia da Marselhesa, o hino da Revolução Francesa, mas Degeyter deu-lhe vida própria. C’est la lutte finale./Groupons-nous et demain/L’Internationale/Sera le genre humain, o refrão original, na tradução portuguesa ficou assim: “Bem unidos façamos, / Nesta luta final, / Uma terra sem amos /A Internacional”.

A versão em russo serviu como hino da antiga União Soviética de 1917 a 1941, quando foi criado o hino soviético por Stalin, mas A Internacional continuou sendo o hino da maioria dos partidos comunistas. Entretanto, alguns partidos socialistas e social-democratas também haviam adotado o hino, antes do racha da II Internacional, por ocasião da Primeira Guerra Mundial. Hoje, são raros os que o mantêm.

O Partido Socialista Brasileiro (PSB) não tem absolutamente nada a ver com essa história. A legenda foi refundada em 2 de julho de 1985, por Antônio Houaiss (presidente), Marcelo Cerqueira, Roberto Amaral, Evandro Lins e Silva, Jamil Haddad, Joel Silveira, Rubem Braga e Evaristo de Moraes Filho, à frente de um grupo de estudantes e intelectuais. Reivindicaram o legado da antiga Esquerda Democrática, que deu origem ao antigo PSB, em 1947, sob liderança de João Mangabeira, Hermes Lima, Antônio Cândido, Bruno de Mendonça Lima, Paulo Emílio Sales Gomes e José da Costa Pimenta.

Não se sabe de quem foi a ideia, mas em todos os congressos recentes do PSB — que ganhou musculatura após a entrada de Miguel Arraes, então governador de Pernambuco, em 1990 —, A Internacional é executada com pompa e circunstância. Quase ninguém sabe cantar o hino. No último congresso, não foi diferente, mas o contexto era inadequado, porque as estrelas da abertura do evento, na quinta-feira passada, eram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-governador Geraldo Alckmin. O constrangimento de ambos era visível, sobretudo do segundo, que trocou o PSDB pelo PSB. Alguns, como Carlos Siqueira, presidente do PSB, cantaram o refrão com o punho direito erguido, quando a tradição é usar o punho esquerdo.

Narrativas

O estrago que A Internacional está fazendo nas redes sociais às imagens de Lula e Alckmin ainda não foi aferido, mas o meme faz a festa de ativistas bolsonaristas, com ajuda de robôs, é claro. Nada mais simbólico para corroborar a falsa tese de que Lula e Alckmin são comunistas enrustidos. A grande massa de eleitores não sabe nem do ocorrido, mas a extrema-direita tem o discurso na ponta da língua, ou do dedo, pois estamos falando de redes sociais. O PSB deu farta munição para Lula e Alckmin serem atacados pelos adversários, o que de resto já vinha acontecendo, em razão da aliança com o PT. Fatos como esse, numa campanha eleitoral radicalizada, alimentam a narrativa do bem contra o mal e da liberdade contra o comunismo, adotada pelo presidente Bolsonaro.

E o 1º de Maio? Não é comemorado apenas no Brasil. As manifestações ocorrem nas Américas, na Europa Ocidental, na Rússia, na Índia, na China e em muitos países da África. A data foi escolhida em homenagem aos trabalhadores dos Estados Unidos. Num sábado, 1º de maio de 1886, cerca de 300 mil manifestantes foram às ruas em Nova York, Chicago, Detroit e Milwaukee, entre outras cidades, para pedir a redução da carga horária máxima de trabalho para oito horas por dia. Àquela época, se trabalhava até 16 horas, seis dias na semana.

Em Chicago, os protestos duraram vários dias e foram muito reprimidos, o que resultou na morte de quatro trabalhadores e sete policiais, além de 130 pessoas feridas, em 4 de maio. Dos 2.500 manifestantes, 100 foram presos, sendo oito condenados à morte. Dois tiveram a pena convertida em prisão perpétua, um apareceu morto na cela e os sindicalistas Adolph Fischer, George Engel, Albert Parsons e August Spies foram enforcados. Em 1893, o governador John Altgeld concedeu perdão aos sobreviventes.

As manifestações convocadas por Bolsonaro para este domingo, portanto, não têm nada a ver com o 1º de Maio, data em que as centrais sindicais fazem grandes festas e manifestações nas principais cidades do país. São contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e têm jeito de provocação golpista. Mais um sinal trocado na política brasileira.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-da-internacional-ao-1o-de-maio-os-sinais-estao-trocados