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Revista online | Mercado informal e a recuperação fiscal
Eduardo Rocha*, especial para a revista Política Democrática online (48ª edição: outubro/2022)
A pandemia da covid-19 provocou tragédias humanas que afetaram os municípios, os estados e a União de forma sem precedentes com a rápida transformação da emergência sanitária numa crise econômica e social de grandes proporções. Isso provocou recessão econômica; queda do investimento, produção e consumo; fechamento de empresas; aumento do desemprego e precarização nas relações de trabalho; ampliação da economia informal; agravamento do endividamento, inadimplência e calotes de pessoas físicas e jurídicas; ampliação da vulnerabilidade financeiro-social das famílias; aumento dos gastos públicos, queda da arrecadação tributária e piora do desequilíbrio estrutural e conjuntural das contas públicas.
O avanço da vacinação durante 2022 contribuiu para amenizar e retomar positivamente alguns indicadores econômicos, mas o desafio fiscal ainda persiste e a sua superação exige, além da necessária reforma tributária, o enfrentamento da informalidade no Brasil.
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Mais claramente coloca-se a questão de como trazer para o mundo fiscal formal o gigantesco mercado informal, que, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2019 as transações de bens e serviços operadas dentro da economia informal movimentaram R$ 1,2 trilhão. O montante é equivalente a 17,3% do PIB brasileiro. Valor este superior ao PIB das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Fica claro, assim, que essas transações informais de bens e serviços representam uma gigantesca perda de arrecadação fiscal para os três entes federativos, cujos atuais mecanismos arrecadatórios não as abraçam fiscalmente, além de provocar enormes prejuízos sociais e financeiros aos trabalhadores.
Em relação ao mercado de trabalho, o Brasil registrou uma taxa de informalidade de 39,7% no trimestre até agosto de 2022. Ou seja, o país atingiu o recorde de 39,307 milhões de trabalhadores atuando na informalidade no período, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), apurada pelo Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE).
Confira, abaixo, galeria de imagens:
O IBGE considera como trabalhador informal aquele empregado no setor privado sem carteira assinada, o doméstico sem carteira assinada e o que atua por conta própria ou como empregador sem CNPJ, trabalhadores por conta própria sem CNPJ, além daquele que ajuda parentes em determinada atividade profissional. Este trabalhador informal atua à margem do mundo formal sem beneficiar-se das garantias constitucionais, como, por exemplo, 13º salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) ou benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), como auxílio-doença, salário maternidade, Seguro-Desemprego etc.
A retomada sustentável no plano nacional exige medidas inéditas diante dessa crise inédita e a União, estados e municípios podem e devem tomar iniciativas que desenhem um ambicioso e abrangente plano de reativação de sua economia que pressupõe. Dentre outras variáveis macroeconômicas, a recuperação da saúde fiscal dos entes federativos (municípios, estados e União) e a elevação da renda pessoal disponível. E, para tanto, é preciso encontrar as vias para trazer ao mundo fiscal formal as transações de bens e serviços que se dão no mercado informal.
Todos sabem da fragilidade fiscal dos entes federativos (União, estados e municípios) seja para realizar investimento público para estimular o crescimento seja para ampliar a concessão de subsídios/benefícios fiscais ao setor privado – essa receita é impraticável nos curtos e médios prazos.
Portanto, é preciso criar uma nova relação quantidade/qualidade dos gastos públicos. Isto é: fazer mais e melhor com menos recursos, aumentando, assim, a eficiência e eficácia da gestão pública que promovam iniciativas inéditas que, combinadas às ações de saúde e defesa da vida, possibilitem criar de imediato as bases da retomada do crescimento e do desenvolvimento e articular os agentes econômicos nacionais e internacionais para criar um mecanismo de financiamento ao desenvolvimento, instrumento que será proposto e descrito à frente.
A saúde das finanças públicas é um grande desafio para a retomada do investimento público e privado, crescimento, emprego, renda, melhoria dos serviços e desenvolvimento no Brasil. É claro, também, que a obtenção da saúde fiscal demanda a realização de uma justa reforma tributária nacional, que recomponha a capacidade financeira dos três níveis do Estado brasileiro através de ações que potencializem a arrecadação, fortaleça e aprimore a gestão administrativa do aparato fiscal no combate à sonegação de tributos – estimada pelo Banco Mundial em 13,4% do PIB.
Para tanto, é preciso criar alternativas financeiro-fiscais inéditas que permitam, de um lado, a elevação das receitas públicas sem tirar mais um centavo de imposto do já espoliado, cansado e insatisfeito contribuinte, e, de outro, recompensar e valorizar cidadãos e empresas, ou seja, CPF e CNPJ, que terão alívio e retorno financeiro. Nos próximos artigos, apresentaremos as linhas gerais de uma proposta para trazer ao mundo fiscal formal boa parte das transações de bens e serviços que se dão na economia informal.
Sobre o autor
*Eduardo Rocha é economista pela Universidade Mackenzie, com pós-graduação em Economia do Trabalho pela Unicamp.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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José Casado: A fila cresce na bolsopandemia
Processos atrasados na Previdência ultrapassaram 4,4 milhões
É um desastre administrativo sem precedentes. A quantidade de processos atrasados na Previdência ultrapassou 4,4 milhões. Estão pendentes mais de 3,6 milhões de perícias e 788 mil avaliações de assistência social, atestam os dados oficiais auditados no dia 30 de agosto.
Por trás das estatísticas, está uma multidão sem rosto, de pobres com algum tipo de incapacidade, dependentes das aposentadorias e pensões ainda não reconhecidas. O número de vítimas desse congestionamento no INSS já equivale a 60% dos habitantes do Rio. Supera a população da Baixada Fluminense.
A confusão nada tem a ver com falta de dinheiro. É desleixo burocrático mesmo, com limitada contribuição da pandemia — o volume de processos atrasados aumentou um terço entre março e agosto. No caos florescem interesses de corporações, como a dos médicos peritos.
É reflexo da falta de liderança. Mas isso, naturalmente, não está na agenda de Jair Bolsonaro, mais preocupado com a reeleição sob a bandeira do retrocesso secular, numa fraudulenta defesa do liberalismo. Na bolsopandemia, ele já desperdiçou dinheiro público com químicos inócuos, redefinindo o charlatanismo na política.
O filme é antigo. Foi visto há 170 anos, quando a febre amarela aportou a bordo de um navio de bandeira americana, devastando o império de Pedro II. Em abril de 1850, o senador mineiro Bernardo Pereira de Vasconcellos, defensor da escravidão, foi à tribuna do Senado para pregar a “liberdade” de ficar doente, sem interferência do governo: “Peço que me deixem curar com charlatães quando entender que me podem servir melhor do que os senhores doutores”. Morreu duas semanas depois, de febre amarela.
O presidente agora propõe uma revolta da vacina, como a de 1904. É ardil de campanha, conveniente para encobrir a tragédia de 157 mil mortes e a incapacidade de resolver problemas governamentais que se agravam, como o do INSS. No melhor cenário, estima o Tribunal de Contas da União, o último dessa fila só será atendido dentro de 34 meses, por volta de agosto de 2023. Ou seja, no próximo governo.
Adriana Fernandes: Militarização do serviço público
Entrou no radar o risco do avanço do aparelhamento militar no funcionalismo
A judicialização da lei que permite a contratação temporária de militares da reserva para trabalhar em atividades de servidores públicos civis é dada como certa em Brasília.
Lideranças políticas avaliam como equivocada a decisão do Congresso de ter aprovado a inclusão do artigo 18 na Lei 13.954, que trata das mudanças nas carreiras e aposentadoria das Forças Armadas.
O artigo permite que o militar da reserva (inativo) seja contratado para o desempenho de atividades de natureza civil com o pagamento de um adicional igual a 30% da remuneração que estiver recebendo na inatividade.
Com a lei, o risco do avanço do aparelhamento militar do serviço público no governo Jair Bolsonaro entrou no radar. Esse já era um tema recorrente no período de transição de governo, antes mesmo de o presidente ter tomado posse no cargo.
O movimento só ficou mais claro depois que o governo anunciou que iria contratar uma força-tarefa de 7 mil militares que já estão na reserva para acabar com a fila de mais de 1,3 milhão de pedidos de benefícios do INSS.
Ele acontece no momento em que o Ministério da Economia anunciou que não haverá concursos públicos tão cedo por causa da necessidade de reduzir os gastos da folha de pessoal, um dos itens de despesas obrigatórias que mais pesam no Orçamento da União. Só concursos muito pontuais e estratégicos, como o da Polícia Federal, vão ocorrer até o final da administração Bolsonaro.
Com uma mão, o governo aperta os concursos e com a outra chama os militares da reserva pagando a gratificação. Situação que poderá se repetir em outras áreas do serviço público federal, sobretudo, nas chamadas atividades-meio. Atribuições de carreiras de Estado, como auditores fiscais da Receita, não poderão ser alcançadas porque têm regras mais rígidas incluídas em lei.
De certo é que a nova lei dos militares, que apertou as regras de aposentadoria, mudou a estrutura das carreiras militares e reajustou os salários, acabou abrindo o caminho para uma maior militarização do serviço público.
A ficha caiu só agora.
A lei foi aprovada no fim do ano passado, no rastro da aprovação da reforma da Previdência, e em meio à negociação final do Orçamento deste ano.
Agora, há uma articulação para a apresentação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) depois do fim do recesso do Legislativo.
As negociações do governo com o Tribunal de Contas da União (TCU) para fechar um acordo para a contratação temporária para acabar com a fila podem dar um parâmetro, um limite, para o movimento da militarização.
O ministro Bruno Dantas do TCU analisa pedido de liminar do Ministério Público junto ao tribunal para suspender a contratação. O TCU tem a competência de barrar contratos considerados ilegais e exigiu do governo que ampliasse a contratação para civis para trabalhar no INSS temporariamente.
O Ministério da Economia propôs como solução a contratação de servidores aposentados do INSS. O acordo vai sair na próxima semana. Em jogo, os planos do presidente Bolsonaro. Por isso, a importância da decisão.
Antes disso, o Palácio do Planalto, que não gostou da resistência do TCU, correu para publicar em edição extra do Diário Oficial da União decreto que regulamenta a contratação de militar. O decreto foi assinado pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, e não se restringe ao caso do INSS. A contratação dos militares poderá ser feita por outros órgãos.
Mourão foi um dos integrantes do alto escalão do governo que botou lenha na fogueira na polêmica com o TCU. Sem estar muito a par das negociações com o tribunal, entrou em campo para avisar que, em vez de contratar, o governo convocaria os militares para trabalhar na fila do INSS. O presidente em exercício recuo logo em seguida. Mas a fala dele teve eco na Esplanada. A conferir cenas dos próximos capítulos.
Gustavo Franco: Previdência 2.0
Precisamos discutir a criação de uma previdência por capitalização em larga escala no Brasil
O debate sobre a Previdência esteve muito focado no INSS, o instituto através do qual trabalhadores empregados recolhem uma contribuição que é utilizada para os pagamentos aos inativos. É um sistema, digamos assim, “da mão para a boca”, ou mais precisamente de uma mão (jovem) para outra boca (inativa), e que pode ficar seriamente desequilibrado com mudanças demográficas.
Pouco se falou, no entanto, sobre previdência complementar em regime de capitalização, aquela onde o indivíduo se aposenta com o que poupou, incluído o rendimento adequado do seu dinheiro.
Na verdade, se a “reforma da Previdência” serve para assegurar uma velhice confortável ao cidadão contribuinte, deveria cuidar de mudanças coordenadas nesses dois pilares do sistema, e em especial do segundo.
A primeira vantagem de se trazer a previdência por capitalização para o debate é a de oferecer um conceito intuitivo de aposentadoria justa: aquela que resulta diretamente do esforço de poupança do contribuinte somado à poupança feita a seu favor pelo seu empregador nos termos combinados em seu contrato de trabalho.
Se o cidadão, ao se aposentar, ganha mais do que isso, será em razão da generosidade da sociedade em assim presenteá-lo e necessariamente às custas de terceiros que nada têm com o assunto. Analogamente, se receber menos, será porque o governo lhe surrupiou um pedaço em benefício de algum escolhido das autoridades.
Como seria possível criar uma previdência por capitalização em larga escala no Brasil?
Resposta: através de poupanças previamente acumuladas pelas pessoas, nem sempre voluntariamente, e que têm sido utilizadas para outros fins. Estamos falando do FGTS, um fundo que tem 86,4 milhões de quotistas, mas cuja utilização passa bem longe dos melhores interesses dos donos do dinheiro.
O FGTS é caro, mal gerido e remunera miseravelmente o quotista.
A Caixa cobra uma taxa de administração elevada para gerir os recursos que, em verdade, formam uma linha auxiliar de funding para seus empréstimos habitacionais e de infraestrutura urbana, todos fortemente subsidiados.
Não se pratica no FGTS, ao contrário do que se passa em fundos de pensão, uma política de investimento que busque a melhor rentabilidade para o quotista, observado o seu perfil de risco. Ao invés, a prioridade é para os objetivos do governo, ainda que o dinheiro seja privado.
Além disso, o FTGS criou uma linha especial de investimentos em infraestrutura, o famoso FI-FGTS, que investiu em diversos projetos muito citados pela clientela da Operação Lava-Jato.
Durante o período 2003-2017, o FGTS rendeu para seus quotistas exatos 95%, correspondentes a TR + 3% anuais, perdendo para o IPCA do período, que andou 141%. Enquanto isso, o CDI andou 511% e o rendimento médio dos 262 fundos de pensão em funcionamento no país alcançou 641%.
Isso quer dizer que, em retrospecto, se o FGTS tivesse se convertido em um fundo de pensão em 2003, e investido seus recursos tal qual a média de outros da espécie, cada R$ 1 teria se transformado em R$ 7,41, e não em R$ 1,95 como se verificou.
Os R$ 5,46 dessa diferença, que poderiam estar na conta dos quotistas do FGTS, foram gastos pelo governo em “políticas públicas”. Muitos empregos podem ter sido criados, e muitas pessoas podem ter ficado felizes com isso, mas por que o governo não faz essas bondades com o dinheiro dele?
O ônus desse esquema é do cidadão poupador que deixou de acumular recursos que lhe garantiriam mais qualidade de vida na terceira idade.
Na posição de setembro de 2017, o FGTS possuía R$ 486 bilhões em ativos, e cada um de seus 86,4 milhões de quotistas poderia conjecturar que teria 7,41 vezes o que contribuiu de 2003 para cá se o FGTS tivesse investido como um fundo de pensão, observando o interesse do dono do dinheiro.
No fim de 2017, os 262 fundos de pensão em operação no país tinham R$ 802 bilhões em investimentos para 2,6 milhões de participantes ativos e 750 mil assistidos.
Uma boa reforma no FGTS faria muita gente mais tranquila com a reforma da Previdência.