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'Não vejo o governo Bolsonaro capaz de se impor’, avalia Carlos Melo à Política Democrática online

Professor do Insper analisa política nacional e defende reforma da previdência justa, em entrevista da edição de dezembro da revista produzida pela FAP

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O cientista político Carlos Melo, mestre e doutor pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), afirma que a deficiência do Executivo provocou uma transferência de poder para o Legislativo. “Não vejo o governo Bolsonaro capaz de se impor, de tomar a contento e moderadamente as rédeas do processo político”, destaca ele, em entrevista exclusiva concedida à revista Política Democrática online de dezembro. É gratuito o acesso a todos os conteúdos da publicação, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que produz e edita a revista. “A grande incógnita é se o Congresso terá o tipo de liderança necessária, após a presidência de Rodrigo Maia”, acrescenta.

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A FAP é vinculada ao Cidadania. Professor em tempo integral do Insper desde 1999, Carlos Melo é analista político com participação ativa em vários veículos de comunicação, palestrante e consultor de empresas nacionais e estrangeiras. Ele tem buscado contribuir com o debate político, econômico e social do Brasil por meio de uma análise conjuntural isenta e reflexão desapaixonada, conforme apresentado na revista Política Democrática online.

Na entrevista concedida ao consultor político e diretor da FAP Caetano Araújo, algumas reformas devem ser entendidas como clássicas e inevitáveis. “A reforma da previdência, uma reforma tributária, a questão do federalismo. Isso não tem a ver com direita ou esquerda, e o necessário ajuste deveria ser um ponto pacífico. Um imperativo”, afirma, para acrescentar: “Ninguém governa com desajustes fiscais. É necessária uma estrutura tributária que incentive a atividade econômica, senão não haverá emprego”, acentua.

Na avaliação do professor do Insper, a falta de líderes reflete na oposição ao governo Bolsonaro. “É preciso definir o que unifica a oposição. Qual é a pauta mínima para as oposições, no plural?”, questiona. “Eu diria que é a questão da democracia. Poderia haver também algum acordo em relação as reformas como a da Previdência”, avalia.

Colaborador de vários veículos de comunicação, é também colunista do UOL onde alimenta um Blog com análises a respeito da política brasileira (carlosmelo.blogosfera.uol. com.br), Melo é pesquisador de temas como eleições, partidos, conflito político e liderança política. “É imperativo uma reforma da previdência que seja justa e que envolva todos os setores da sociedade, que não proteja corporações; que não se volte apenas para o regime geral da previdência”, afirma.

 

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Revista Política Democrática || Entrevista Especial - A democracia no Brasil está sob risco, avalia Carlos Melo

Cientista político e professor do Insper, Carlos Melo avalia que o Brasil vive uma democracia porque tem eleições, mas não é liberal porque não aceita as instituições e os valores do liberalismo político, como os direitos essenciais - liberdade de expressão e de manifestação. De acordo com ele, os próprios direitos humanos são questionados dentro dessa visão 

Por Caetano Araújo

O cientista Político, mestre e doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Carlos Melo, professor tempo integral do Insper desde 1999, é o entrevistado especial desta 13 edição da Revista Política Democrática Online. Analista político, com participação ativa em vários veículos de comunicação, palestrante e consultor de empresas nacionais e estrangeiras, Carlos Melo tem buscado contribuir com o debate político, econômico e social do Brasil por meio de uma análise conjuntural isenta e reflexão desapaixonada.

Mundo hoje, para Melo, vive uma crise de liderança, inclusive no Brasil. "Em minhas palestras, tenho chamado atenção para o fato de que, há 30, 40 anos, gostasse ou não das lideranças, se via Ronald Reagan; hoje, é o Donald Trump. Onde se via Margaret Thatcher, vê-se Boris Johnson. Onde se via Mikhail Gorbatchov, vê-se Vladimir Putin. E no caso do Brasil, sabemos a situação em que estamos", critica.

A falta de líderes reflete, ainda, na oposição ao governo Bolsonaro, avalia Melo. "É preciso definir o que unifica a oposição. Qual é a pauta mínima para as oposições, no plural? Eu diria que é a questão da democracia. Poderia haver também algum acordo em relação as reformas como a da Previdência", avalia.

Colaborador de vários veículos de comunicação, é também colunista do UOL onde alimenta um Blog com análises a respeito da política brasileira (carlosmelo.blogosfera.uol.com.br), Melo é pesquisador de temas como eleições, partidos, conflito político e liderança política. Na entrevista especial que concedeu ä Revista Política Democrática Online, ele também trata de temas como o governo Bolsonaro e o Legislativo brasileiro, que tem assumido um protagonismo inédito na política do país, entre outros temas. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista de Carlos Melo à Revista Política Democrática Online.

Revista Política Democrática Online (RPD) – A democracia corre risco no Brasil de hoje?
Carlos Melo (CM) - Corre sim. Existe um espírito antidemocrático, que tenta de alguma forma desqualificar as instituições da democracia; um espírito que não aceita um princípio básico da democracia que é um sistema de freios e contrapesos. Esse espírito acha normal o aparelhamento de instituições importantes como a diplomacia, a Polícia Federal, o Ministério Público, a Justiça. Isso tudo, evidentemente, coloca em risco a democracia. Não há como negar. Há, pelo menos, uma parcela significativa da população – não diria uma maioria – que é relativamente mobilizada que, se pudesse, liquidaria todas as instituições da democracia. É o que o cientista político alemão Yascha Mounk chamou “O Povo Contra a Democracia”; uma democracia iliberal. Ela é democracia porque há eleições, mas não é liberal porque não aceita as instituições e os valores do liberalismo político, como direitos essenciais, com liberdade de expressão, liberdade de manifestação; mesmo os direitos humanos são também questionados, nessa visão. Amplamente falando, penso que há risco sim.

RPD – Como se deveria comportar a oposição no tocante às reformas em discussão? Pensando em ser governo nas próximas eleições, deve apoiar as iniciativas reformistas, ou, ao contrário, é melhor combatê-las para pavimentar seu caminho ao poder?
CM – Vamos por partes. Algumas reformas devem ser entendidas como clássicas e inevitáveis: a reforma da previdência, uma reforma tributária, a questão do federalismo. Isso não tem a ver com direita ou esquerda, e o necessário ajuste deveria ser um ponto pacífico. Um imperativo. Ninguém governa com desajustes fiscais. É necessária uma estrutura tributária que incentive a atividade econômica, senão não haverá emprego. Simples assim. É imperativo uma reforma da previdência que seja justa e que envolva todos os setores da sociedade, que não proteja corporações; que não se volte apenas para o regime geral da previdência. As mudanças demográficas e no mundo do trabalho foram extraordinárias na maior parte do planeta, e em especial, no Brasil; o sistema que tínhamos – e cumpriu um importante papel – se esgotou, é hoje inviável. Reitero, pois: as reformas dessa natureza deveriam ser enfrentadas com muito pragmatismo, por imperativas. Assim deveria enxergar a oposição.

Mas há alguns desafios. Primeiro: definir o que unifica a oposição. Afinal de contas, qual é a pauta mínima capaz de aglutinar as oposições (no plural)? À parte do pragmatismo, diria que é a questão da democracia. Poderia haver acordos quanto a abrangência das reformas, pelo menos em relação a aspectos de algumas delas. Mas, então, superada essa fase, o desafio seria a formação do que tem sido chamado de uma frente ampla em nome da democracia e de uma pauta possível, de resgate da economia e das funções básicas e inescapáveis do Estado, como Educação, Saúde, Segurança e Política Externa. Assim, seria possível olhar para a política de uma forma mais propositiva e construtiva.

Estamos passando por um problema que é uma grande transformação do mundo do trabalho, e não estou falando do capitalismo, estou falando do mundo do trabalho, seja em qualquer regime, por conta da revolução tecnológica que vivemos. O termo uberização já é hoje um termo vulgar, bem conhecido. Uberização significa uma precarização das relações de trabalho, isto é, muita gente já está fora do mercado de trabalho e não mais dele fará parte, do modo como nos acostumamos, pelo menos. É diferente do que tivemos no passado, quando a tecnologia se impunha, acabava com alguns empregos, mas novos postos se abriam em outras áreas, nos serviços ou no comércio, por exemplo. Isso não mais ocorrerá.

Terá, assim, uma parte considerável da população que carecerá de políticas públicas para mitigar essa situação. Vivemos um momento de transição para alguma coisa que não sabemos exatamente o que será. Serão necessárias políticas públicas para mitigar todos os problemas dessa revolução tecnológica, econômica e social. Além de apenas reduzir danos, será importante também agir com sentido de antecipação. Qual é a Educação para esse novo mundo, para nossos filhos, para nossos netos? O tempo dos nossos pais e dos nossos avós já se foi. Nosso tempo é de transição. O mundo dos nossos filhos e dos nossos netos é um novo mundo, para o qual temos de nos preparar. Esse desafio da Educação implica a capacidade de aprender a aprender, educação em termos de valores humanos, democráticos, que tampouco podem ser perdidos. E claro, também a questão da Segurança, do combate ao crime organizado que hoje já atua na lógica de cartéis.

A oposição, que vai do centro liberal até a esquerda, deveria se unir em torno desta pauta mínima. Fazer oposição olhando para trás, falando dos velhos e bons tempos que o país viveu e que não retornarão, não nos levará a lugar algum. Aceita-se um conjunto de reformas como imperativo, é inevitável. Ponto. Sem transformar isto no pomo da discórdia. Unifica-se a oposição numa frente bastante ampla e democrática com uma pauta voltada ao futuro, capaz de responder à indagação e ao medo das pessoas, hoje atormentadas pelas incertezas do futuro. Política se faz olhando para frente, não para trás. O desafio não está à direita ou à esquerda, mas em avançar ou retroagir à idade das trevas. Naturalmente, não é simples. Qualquer resposta simples provavelmente estará errada; será preciso construir na complexidade.

RPD – Há hoje uma crise de lideranças?
CM – Sem dúvida, há uma crise de liderança mundial. Em minhas palestras, tenho chamado atenção para o fato de que, há 30, 40 anos, gostássemos ou não desta ou daquela liderança, o espaço era ocupado por gente como Ronald Reagan, onde hoje está Donald Trump. Onde se via Margaret Thatcher, vê-se Boris Johnson; Mikhail Gorbatchov, Vladimir Putin... E assim vai. No caso do Brasil, sabemos a situação em que vivemos.

De onde surgiu essa crise de liderança política mundial? Essa é a pergunta, que me tenho feito nos últimos anos. Decerto, haverá uma série de fatores que poderão ajudar a “cercar” o fenômeno, mas destaco uma frase emblemática de Thatcher, nos inícios dos anos 1980: “Esse negócio de sociedade não existe, o que existe são os indivíduos e suas famílias”. Esse pensamento fez um estrondoso sucesso e deu impulso ao liberalismo. A riqueza das empresas disparou e também se estabeleceu um individualismo hedonista, vinculado ao narcisismo e ao consumo extremo. Ora, se “sociedade não existe”, se o que existe são apenas indivíduos e suas famílias, a política é desnecessária. E, mais do que desnecessária, é um estorvo; as pessoas vão cuidar de suas próprias vidas, no mercado. Perde-se o elo comunitário forjado pela Política.

Essa lógica não é nova, pelo menos desde Weber, na "Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", no começo do século XX, sabe-se disto. Mas, nas últimas décadas, a sociedade de consumo disparou e fez com que a política implodisse. A partir daí, as lideranças começaram a escassear.

Não é verdade que no Brasil não tenha havido grandes lideranças políticas. Houve, sim, desde a época do Império. Na República, também, tanto quanto no período do Getulismo, à direita e à esquerda. Tivemos lideranças políticas importantes durante o regime militar. Na transição para a democracia, tivemos lideranças importantíssimas, mas, depois – coincidente com essa transformação mundial –, elas começaram a rarear. Se olharmos, por exemplo, para o campo da esquerda – que entendo seja de esquerda – encontraremos Lula e Fernando Henrique Cardoso. Fernando Henrique Cardoso é um cidadão com cerca de 85 anos, e o Lula, 73 anos. Ambos chegaram à presidência da República, governaram por dois mandatos, e o tempo passou; não fizeram sucessores à altura. Não como “filhos” de uma sociedade patriarcal, mas como um processo natural de renovação política. Também a história foi madrasta com o Brasil: uma parte da possível renovação ficou comprometida pelo mensalão; outra, simplesmente morreu: Luiz Eduardo Magalhães, Eduardo Campos, Marcelo Deda, Luís Gushiken... E alguns morreram politicamente: Antônio Palocci, José Dirceu, Aécio Neves e, até, Eduardo Cunha, que chegou a despontar no cenário nacional como uma liderança conservadora, hábil e sagaz. E o que sobrou foi isso aí, que não é liderança. Na verdade, é uma coisa mítica. É mítica no sentido quase religioso mesmo, messiânico, que é a figura do Jair Bolsonaro, ou mesmo a beatificação que se chega a fazer de Lula. É uma crise muito grande de liderança política, no mundo e no Brasil. O novo, simplesmente, ainda não nasceu ou está apenas sendo gerado.

A indagação é: como, sem lideranças dispostas e capazes, construir essa pauta mínima? É uma excelente pergunta, para a qual evidentemente não tenho respostas. Mas posso lembrar que, até meados de 1941, Winston Churchill era considerado um derrotado, fracassado em Galípoli na primeira guerra mundial, quando era o primeiro lorde do almirantado. Era tido como excêntrico beberrão, mas se transformou pela própria crise, pela necessidade, pelas circunstâncias, no maior estadista do século XX. Acredito que as circunstâncias sejam capazes de produzir também suas lideranças. A liderança é sempre um fenômeno em contexto. Às vezes, é necessária uma bela crise para que apareçam. Penso que as condições objetivas estão dadas para que voltem a surgir, passem a propor projetos e tentem conversar; é questão de tempo. Embora, ao contrário dos chineses – capazes de esperar por séculos que as crises decantem –, somos bem mais ansiosos.


RPD –
 Como sabemos, não existe vácuo de poder em política. Quem, a seu ver, estaria tirando proveito dessa falta de liderança no governo?
CM – Muita gente, como se sabe, está-se reunindo, fazendo encontros por aí, tentando encontrar uma saída. Estamos no meio desse processo. Concordo que não exista vácuo de poder. Por exemplo, há dois anos Rodrigo Maia não era o que vemos hoje; ele cresceu, deu um salto enorme. Provavelmente, porque foi jogado ao mar e teve que aprender a nadar. Viveu ocasiões em que seria fácil se amesquinhar pelo poder, preferiu a prudência; como por exemplo não investir no impeachment do presidente Temer e assumir a presidência da República. Teve a clareza – a meu ver, até mesmo a grandeza – de não de deixar morder pela mosca azul. E mesmo agora tem tido postura interessante, sendo um importante freio às loucuras do Executivo. Em torno dele, Maia, vem-se formando um grupo eclético, política e ideologicamente; talvez, uma nova elite parlamentar. Fico preocupado, como analista, quanto à sucessão do Rodrigo Maia, lembrando que o próximo ano será complicadíssimo: carnaval no final de fevereiro, depois, março, abril, maio, junho, festa junina, eleição, votamos em novembro. E, logo depois, a pauta da sucessão do Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Rodrigo Maia terá um sucessor à altura? Será uma figura tipo Rodrigo ou estará mais para o estilo Eduardo Cunha? É preocupante. Mas, enfim, vejo que o Rodrigo Maia já é um dos exemplos de liderança que surgem justamente da crise.

RPD – O Legislativo tem assumido um protagonismo inédito na política brasileira. É de se prever a continuidade desse processo até o fim do governo Bolsonaro?
CM – Houve, pela deficiência do Executivo, uma transferência de poder para o Legislativo. Tenho dito que estamos vivendo um presidencialismo em transe. Certamente não é parlamentarismo, o sistema é presidencialista, mas é um presidencialismo em transe. Transe pode ser entendido como “em transição” ou como “em vertigem”; veremos. Depende do modo como a própria política queira traduzir o termo: se o sucessor de Rodrigo Maia, na presidência dos trabalhos, for alguém afinado com sua atuação ou a negação disto – que tanto pode ser a oposição desmedida ao Executivo, como, por outro lado, a total submissão a ele.  Ou ainda se, mesmo no chão do Plenário, Maia atuará como um centro agregador no Congresso Nacional, o que daria continuidade a esse processo de imposição do Poder Legislativo. De toda sorte, não vejo o governo Bolsonaro capaz de se impor, de tomar a contento e moderadamente as rédeas do processo político. A grande incógnita é se o Congresso terá o tipo de liderança necessária, após a presidência de Rodrigo Maia.

RPD – O Supremo Tribunal Federal está perdendo sua função histórica de poder moderador?
CM – Um elemento grave da crise é a politização da Justiça. Não só do Supremo, mas do Supremo inclusivo. As raízes desse processo talvez estejam na omissão do poder Legislativo no passado: a indecisão de votar questões como a união homoafetiva, o aborto anencéfalo, a fidelidade partidária ou se impor em relação à intervenção do STF quanto à cláusula de barreira. Sabemos, não há vácuo; o poder é como gás, ele tem a forma do que o contém. Se nada o contém, ele se expande, e eu acho que o Judiciário se expandiu politicamente, a meu ver, de modo perigoso. Por vários motivos: primeiro, porque não é seu papel, e, segundo, porque isso aconteceu de uma forma fragmentada, como a inegável divisão e politização entre os próprios ministros da Corte.

Digo desde 2014, pelo menos, que me surpreendo ao ver pessoas comuns capazes de declinar o nome dos onze ministros do STF, sem a mesma capacidade para escalar a seleção brasileira de futebol. A crise é séria; no futebol, na política, e na Justiça. Costumo provocar minha audiência com a pergunta: por qual turma que você torce? A primeira turma ou a segunda turma? Os garantistas ou os tais consequencialistas?

Isso é ruim, porque, num sistema democrático, o Supremo tem a “última palavra”, no limite dos conflitos políticos. Além de um papel contramajoritário. O Supremo não tem de agradar a maioria da população; tem de arbitrar de acordo com a lei. Claro que há um certo nível de hermenêutica na interpretação da lei, mas ele tem de arbitrar de acordo com leitura razoável e coerente, no tempo, a respeito da lei. E não está acontecendo exatamente isso, porque as interpretações têm variado substantivamente ao longo do tempo, talvez ao sabor das conveniências políticas de cada grupo ou indivíduo ali estabelecido. Quando a política não consegue o consenso, quando a política não consegue o pacto, quem vai arbitrar antes de um conflito de verdade, maior, com consequências indesejáveis, é a Justiça, o Supremo no limite. Quando o Supremo se politiza, ele perde esse papel importante de ser um árbitro respeitado e inconteste. E o que acontece hoje? Dependendo da decisão do Supremo, à direita ou à esquerda, setores da sociedade simplesmente desqualificam sua decisão. A desconfiança de influências políticas no processo decisório - ora para um lado, ora para o outro – faz com que se perca a importante característica salomônica (sábio e criterioso) que deveria possuir. Para contar com a confiança de seus súditos, o Rei Salomão precisa ser percebido como justo.

RPD – Como resumiria as opções para a saída dos problemas políticos da atualidade?
CM – O Brasil precisa de um processo de conciliação, e não é um processo de conciliação com todo mundo. Há uma parcela hoje que não aceita a conciliação, porque não é democrática. Os setores democráticos precisam de um processo de conciliação. Quando a gente pensa em liderança, pensa-se em um sujeito como o Mandela ou como o José Mojica no Uruguai, que saíram da cadeia para articular uma grande conciliação nacional. Quando saem da cadeia, transformam-se em grandes líderes, não porque conciliam com aqueles que os prenderam, mas porque articulam um campo bastante amplo para se opor e vencer o outro lado, com o qual é impossível conciliar. Acho que o Brasil precisa de lideranças com essa disposição, tipo Nelson Mandela ou José Mojica, capazes de abrir mão do poder individual; generosos ao abrir espaços para o surgimento de novas lideranças; novas opções.

 


País precisa de agenda econômica estruturada, diz Marcos Lisboa à Política Democrática

Em entrevista exclusiva, presidente do Insper faz alerta a agentes econômicos

A reforma da Previdência proposta é importante para estancar a sangria, mas não gerará nenhuma economia, nenhum alívio fiscal, nem mais dinheiro para se investir, por exemplo, em educação. A avaliação é do presidente do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), o economista Marcos Lisboa. Em entrevista à oitava edição da revista Política Democrática online, ele diz que a retomada do investimento, medida fundamental para que a economia saia da letargia em que se encontra, exige que os agentes econômicos enxerguem o mapa da reconstrução do ambiente institucional e econômico.

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Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda do governo Lula, nos anos 2003 a 2005, Lisboa exerceu a função de diretor-executivo e vice-presidente do Itaú Unibanco até 2010. Ele também é colunista da Folha de S. Paulo. Em 2010, conquistou o prêmio “Economista do Ano”, concedido pela Ordem dos Economistas do Brasil.

“Não consigo visualizar o país crescendo de forma sustentável mais que 1% ao ano, um pouquinho mais, um pouquinho menos”, afirma. Segundo ele, o Brasil crescerá em cima da inflação. “Vai faltar energia. Não, não haverá investimento diante da desconfiança crescente em relação a um país que se está tornando hostil ao setor privado. Dinheiro até tem para comprar coisas que estão prontas; para construir novas coisas, não”, acrescenta.

Para Marcos Lisboa, na situação conjuntural e estrutural em que a economia brasileira se encontra hoje, o crescimento potencial cairá para algo em torno de 1%. Mas ele não se considera o “pessimista de plantão”, mas diz que que “alguns setores viveram um otimismo que desconsiderava a falta de uma agenda organizada”. Em outro trecho, ele afirma que o problema estrutural do Brasil foi uma degradação institucional ao longo de muito tempo, sobretudo na última década, quando se registrou retrocesso imenso em todos os sistemas.

Além disso, de acordo com o economista, “a corrupção é o efeito colateral desse Estado grande que a gente voltou a ter, não para fazer política social, não para fazer política de educação, não para investir em ciência e tecnologia, mas o Estado grande para se ficar rico”.  Ele lembra que isso já ocorreu no passado. “E não aprendemos. No que deu o projeto Geisel, nos anos 70? Na crise dos 80 e começo dos anos 90: fechou-se a economia, achou-se que construindo fabricas, produzindo internamente, o país ficaria rico. Só que se perdeu o controle do gasto público”.

 

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