insegurança jurídica

Luiz Carlos Azedo: Cartórios ferroviários

O novo marco legal das ferrovias foi atropelado pelo ministro Tarcísio Freitas, que autorizou a construção e exploração por 99 anos de 14 novos ramais, sem segurança jurídica

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

O Senado agendou para a próxima quarta-feira a votação do novo marco legal das ferrovias. O anúncio foi feito pelo presidente do Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a pedido do senador Jean Paul Prates (PT-RN), relator do Projeto de Lei 261/2018, de autoria do senador licenciado José Serra (PSDB-SP), aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em dezembro do ano passado. Acontece que o novo marco legal foi atropelado pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, que autorizou a construção e exploração, por 99 anos, de 14 ferrovias, com base na Medida Provisória 1.065, de 30 de agosto passado. A Comissão recomendou que a MP seja devolvida.

Esses investimentos são estimados pelo governo em R$ 80 bilhões, mas a maioria dos beneficiados por essas autorizações, segundo o senador José Aníbal (PSDB-SP), não tem capital suficiente para construir as ferrovias. “O mais correto é devolver a medida provisória e aprovar o projeto do senador José Serra, que é mais transparente e eficaz. É um absurdo o que foi feito. As empresas beneficiadas não têm nem segurança jurídica para captar esses recursos. Além disso, é uma afronta ao Senado, que estava para aprovar um projeto de lei que foi amplamente discutido e tem mais consistência técnica”, disse.

O projeto de Serra regula a construção e a operação de linhas ferroviárias no país pela iniciativa privada. A proposta estabelece que as autorizações não terão vigência predefinida, mas poderão ser extintas por cassação, caducidade, decaimento, renúncia, anulação ou falência. Não existem divergências em relação à entrega das ferrovias aos investidores privados, mas em relação à forma e falta de transparência. O senador Jean Paul é um entusiasta do novo marco legal: “Se o Estado não pode realizar investimentos, mas empreendedores privados têm interesse em retomar o uso das ferrovias para escoar a produção, por que o governo não pode autorizar a exploração do serviço?”, questiona.

As ferrovias transportam somente 15% das cargas no país. Em extensão de trilhos ativos, o país retrocedeu aos níveis de 1911, apesar dos avanços em produtividade e segurança. Na maioria das metrópoles brasileiras, os engarrafamentos poderiam ser fortemente reduzidos pela extensão da rede de trilhos. A nova legislação possibilitará concessões, autorizações e permissões. O texto do novo marco legal também inclui a autorregulação — quando as ferrovias, reunidas em entidades associativas, poderão regular entre si o trânsito de pessoas e de mercadorias nas suas linhas férreas, cabendo ao governo dirimir os casos de conflito não conciliados consensualmente.

Mão beijada

Pela legislação ainda vigente, as concessões de serviços públicos têm prazo de 25 anos, renováveis por mais 25 anos, ou seja, equivalentes a duas gerações. O Ministério da Infraestrutura concedeu 14 autorizações por 99 anos para empresas que não estão entre as grandes do setor, como a Rumo Logística (Malha Norte, Malha Oeste, Malha Paulista, Malha Sul), MRS Logística (Malha Sudeste) e Vale (Estrada de Ferro Vitória a Minas e Estrada de Ferro Carajás), que ficaram de fora do pacote. A exceção é a VLI (Ferrovia Centro Atlântica e Ferrovia Norte-SUL), que tem a Vale como sócia majoritária e obteve autorizações para as ferrovias Lucas do Rio Verde/MT- Água Boa/MT, Uberlândia/MG-Chaveslândia/MG, Porto Franco/MA-Balsas/MA e Cubatão/SP-Santos/SP.

As demais empresas beneficiadas são: Ferroeste (Maracaju/MS-Dourados/MS, Guarapuava/PR-Paranaguá/PR, Cascavel/PR-Foz do Iguaçu/PR e Cascavel/PR-Chapecó/PR); Grão Pará -Maranhão (Alcântara/MA-Açailândia/MA), Planalto-Piauí Participações (Suape/PE-Curral Novo/PI), Fazenda Campo Grande (Santo André/SP), Macro Desenvolvimento Ltda. (Presidente Kennedy/ES-Conceição do Mato Dentro/MG-Sete Lagoas/MG) e Petrocity (São Matheus/ES – Ipatinga/MG, Barra de São Francisco/ES-Brasília/DF).

Há perguntas sem respostas nas autorizações. Qual a estruturação econômico-financeira dos projetos? Os recursos para investimentos estão garantidos? Quem são os investidores? Há contrato de carga garantida para ser transportada? Uma empresa não precisa ter todo o capital para construir uma ferrovia, desde que tenha carga garantida por 10, 15, 20 anos, via contratos “take-or-pay”. Consegue, com isso, levantar os recursos no mercado financeiro. Entretanto, também precisa ter acesso ao destino das mercadorias, seja outro tronco ferroviário, seja um porto.

Os Estados Unidos têm milhares de pequenas ferrovias que operam nessas condições. No Brasil, o sistema hoje é verticalizado: o dono da carga é sócio da ferrovia e do terminal portuário. Na prática, o que se formou foram cartórios ferroviários, ou seja, empresas que adquiriram de mão beijada, em lugar dos governos estaduais e federal, o direito de negociar com os interessados a construção e exploração por quase 100 anos de ferrovias que, por enquanto, só existem no papel.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-cartorios-ferroviarios/?fbclid=IwAR1dLW-C35X2_1la2OXbJwsc2TnmPXGsCd9Azgf7GMtG66esy7KLMAcb3IY

Oscilação do STF gera danos a processo político eleitoral, diz advogado

Análise é de Marco Marrafon, professor da Uerj, e do advogado Alexandre César Lucas, em artigo na revista Política Democrática online de agosto

Cleomar Almeida, da equipe FAP

Professor na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), o advogado Marco Marrafon diz que, além de sequelas processuais, a insegurança jurídica ocasionada pela oscilação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF) provoca “consequências danosas ao processo político eleitoral brasileiro”. Ele se refere tanto à eleição de 2018 quanto à de 2022.

Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de agosto (34ª edição)

O artigo dele, em conjunto com o advogado Alexandre César Lucas, com o título “Declaração de incompetência do foro de Curitiba e suspeição de Sérgio Moro”, está publicado na revista Política Democrática online de agosto (34ª edição). A publicação é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e que disponibiliza todo o conteúdo, gratuitamente, na versão flip, em seu portal.

As consequências danosas, de acordo com Marrafon, se estenderam à legitimidade do STF enquanto guardião da Constituição, alimentando, segundo ele, uma crise que coloca em risco a democracia constitucional.  

Membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), o advogado ressalta que o STF acerta quando não relativiza a garantia constitucional do devido processo legal, valor inegociável e ínsito à ideia de Estado de Direito.  

No entanto, de acordo com ele, em alguns casos, “o desfecho revela falhas graves no sistema de justiça brasileiro em suas diversas instâncias, pois, desde o início, tais questões deveriam estar decididas de acordo com a Constituição.

“Muito tempo se passou sem que o Poder Judiciário, inclusive o STF, tomasse a decisão correta, o que prejudica severamente a devida apuração das denúncias de corrupção, uma vez que haverá um reinício das investigações e de eventual processo”, analisa o professor.

No mesmo texto, o autor explica as diferentes consequências jurídicas da declaração de nulidade e de suspeição, citadas em seu artigo. “No primeiro caso, a nulidade territorial implicaria na anulação dos atos decisórios, mas haveria a preservação de grande parte das provas produzidas, que poderiam ser aproveitadas pela vara competente”, diz ele.

Também a nulidade, conforme ressalta o professor da Uerj, estaria restrita aos casos em que não existisse relação com as investigações envolvendo a Petrobrás.  “Já na declaração de suspeição, o vício da parcialidade contamina todo o processo, anulando os atos decisórios e viciando as provas produzidas, englobando, inclusive, a fase pré-processual”, observa.

Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição

A íntegra da análise de Marrafon e Alexandre César Lucas pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade. Os internautas também podem ler, na nova edição, entrevista exclusiva com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA)reportagem sobre escândalo das vacinas contra Covid-19 e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.

Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.

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RPD || Marcos Marrafon e Alexandre César: Foro de Curitiba e suspeição de Moro

Decisão do Supremo Tribunal Federal trouxe consequências danosas ao processo político eleitoral brasileiro, tanto na eleição de 2018 quanto para a de 2022, e à legitimidade do STF, enquanto guardião da Constituição Federal

Duas grandes polêmicas jurídicas tomaram conta dos debates nacionais recentemente. A primeira em torno da declaração de nulidade das ações penais que tramitaram na 13ª Vara Federal de Curitiba em que o ex-presidente Lula era réu.  A segunda, em relação à suspeição do ex-juiz Sérgio Moro para julgá-lo. 

No mês de março de 2021, o ministro Luiz Edson Fachin, em sede de Embargos de Declaração no Habeas Corpus nº 193.726, por via de decisão monocrática, declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para o processamento e julgamento das ações penais relativas ao tríplex em Guarujá/SP, ao sítio de Atibaia/SP, às doações ao Instituto Lula e à sede do Instituto Lula, determinando a remessa desses processos ao foro do Distrito Federal. Prevaleceu a tese que a 13ª Vara Federal de Curitiba seria competente apenas para o julgamento dos fatos relacionados à Petrobras. Tal entendimento foi confirmado pelo Plenário do STF, por 8 votos a 3.  

Nele, chamou a atenção o voto do ministro Alexandre de Moraes, ao reclamar que Curitiba se tornou "o juízo universal de combate à corrupção", porque o Ministério Público Federal incluía a Petrobras em citações em todas as denúncias para chamar a prevenção do foro.  

Entre os votos divergentes destaca-se o do ministro Marco Aurélio. O então decano ressaltou já ter sido, a questão da incompetência territorial, apreciada em diversas instâncias e demonstrou preocupação com o clamor popular em torno da matéria: "Se voltam à estaca zero, a perplexidade da população passa a ser enorme. E isso em ações que não tem o contraditório. O desgaste institucional do Judiciário é enorme, no que se mitiga, esvazia-se totalmente a segurança jurídica.". 

Ao anular as condenações, o ministro Fachin declarou, também, a perda do objeto do HC nº 164493, em que era discutida a suspeição do ex-juiz Moro. A Segunda Turma rejeitou essa tese da perda de objeto e declarou a suspeição do ex-juiz, o que foi confirmado pelo Plenário do STF, também por maioria.  

Em voto vencedor, o ministro Gilmar Mendes argumentou que a imparcialidade é um dos pilares fundamentais do Estado de Direito e que, em violação a esse princípio, haveria graves demonstrações de que a atuação do ex-juiz Moro foi parcial, como por exemplo, a divulgação ilegal de áudios que prejudicaram a defesa, as arbitrárias quebras de sigilo telefônico, inclusive dos advogados, e as ações tomadas pelo ex-juiz para impedir a soltura do réu.  

As consequências jurídicas da declaração de nulidade e de suspeição são diferentes. No primeiro caso, a nulidade territorial implicaria na anulação dos atos decisórios, mas haveria a preservação de grande parte das provas produzidas, que poderiam ser aproveitadas pela vara competente. Também a nulidade estaria restrita aos casos em que não existisse relação com as investigações envolvendo a Petrobras.   

Já na declaração de suspeição, o vício da parcialidade contamina todo o processo, anulando os atos decisórios e viciando as provas produzidas, englobando, inclusive, a fase pré-processual. Ademais, sendo a suspeição relacionada à pessoa do juiz e não à incompetência territorial, a tendência é que haja extensão da suspeição em relação a outros processos em que o ex-presidente é réu.  

Em conclusão, é possível afirmar que o Supremo Tribunal Federal acerta quando não relativiza a garantia constitucional do devido processo legal, valor inegociável e ínsito à ideia de Estado de Direito.  

No entanto, o desfecho revela falhas graves no sistema de justiça brasileiro em suas diversas instâncias, pois, desde o início, tais questões deveriam estar decididas de acordo com a Constituição Federal. Muito tempo se passou sem que o Poder Judiciário, inclusive o STF, tomasse a decisão correta, o que prejudica severamente a devida apuração das denúncias de corrupção, uma vez que haverá um reinício das investigações e de eventual processo.  

Além das sequelas processuais, a insegurança jurídica ocasionada pela oscilação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal trouxe consequências danosas ao processo político eleitoral brasileiro (tanto na eleição de 2018, quanto na de 2022) e à legitimidade do STF, enquanto guardião da Constituição Federal, alimentando uma crise que coloca em risco a democracia constitucional.  


Saiba mais sobre o autor

*Marco Marrafon é advogado, professor de Direito e Pensamento Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com estudos doutorais na Università degli Studi Roma Tre (Itália). É membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).

*Alexandre César Lucas é advogado e mestrando em Direito pela UERJ.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto (34ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.