infoamazonia

Novo Código de Mineração propõe aprovação automática de milhares de processos

Fabio Bispo / Infoamazonia

Proposta pode afetar mais de 90 mil requerimentos que aguardam aprovações técnicas e ambientais; medida ainda interfere na criação de unidades de conservação e dificulta demarcação de terras indígenas.

O texto-base para o novo Código de Mineração, apresentado nesta quarta-feira (1º de dezembro) na Câmara dos Deputados, pretende classificar a mineração no país como “atividade de utilidade pública, de interesse nacional e essencial à vida humana”, o que pode conferir ao setor prerrogativas especiais.

As mudanças propostas flexibilizam regras ambientais, como dispensa de licenciamento ambiental e aprovação automática de processos parados por mais de um ano na ANM sem necessidade de outro tipo de análise. O resultado, caso a proposta  avance no plenário da Câmara, pode acelerar a tramitação de mais de 90 mil processos em fase de concessão de lavra, pesquisa e lavra garimpeira que aguardam por autorizações ambientais e aprovação técnica da ANM.

Formado por um grupo de 16 deputados, muitos deles ligados a diferentes áreas do setor mineral, o Grupo de Trabalho (GT) do Código de Mineração da Câmara realizou 12 audiências entre agosto e novembro deste ano com expectativa de votar um novo código para o setor ainda este ano. O GT está sob relatoria da deputada Greyce Elias (Avante-MG), e teve alegação de conflito de interesses depois de notícias recentes sobre a ligação do marido da deputada com setores da mineração. [veja box "Marido da relatora ligado a empresas de mineração"]

Sem licença ambiental

Entre as maiores preocupações com o texto da minuta da relatora, que está com pedido de vistas coletivo e deve ser votado na próxima quarta-feira (8) , especialistas destacam que a dispensa de licenciamento ambiental para projetos que não causam “impactos significativos” soa como uma brecha para facilitar operações, principalmente de garimpo.

“É um grande problema retirar o licenciamento ambiental para lavra garimpeira. Isso, aliado com outras flexibilizações, vai aumentar a quantidade de permissões garimpeiras no país”, afirmou Jarbas Vieira, secretário do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.

A minuta prevê autorização automática para pesquisa, lavra garimpeira, concessão de lavra, entre outros pedidos, caso não haja análise técnica da ANM em 365 dias. Já os pedidos de autorização de pesquisa, averbação de cessão de área e transferência de títulos de mineração serão aprovados automaticamente em 60 dias, caso a ANM não se manifeste nos processos.

“Seria como permitir uma Mariana sem análise. Isso é um ponto muito grave da legislação proposta. A atividade mineral oferece riscos, não é igual ir à esquina comprar um picolé”, observa a advogada Juliana de Paula Batista, do Instituto Socioambiental.

O Comitê em Defesa dos Territórios aponta que a aprovação de um novo código como prevê a minuta pode gerar uma enxurrada de autorizações para lavra garimpeira no curto espaço de seis meses, além de viabilizar grandes empreendimentos com uma tramitação mais rápida e sem análise apurada dos impactos.

É um grande problema retirar o licenciamento ambiental para lavras garimpeiras. Isso, aliado com outras flexibilizações, vai aumentar a quantidade de permissões garimpeiras no país.
Jarbas Vieira, secretário do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração

Atualmente, são mais de 216 mil processos ativos na ANM, a maioria aguardando análise. Desses, 17.466 são para requerimentos de lavra garimpeira, a maior parte no Pará, onde está a Província Mineral do Tapajós, considerada a maior reserva de ouro do país.

Dados do projeto Amazônia Minada mostram que 2.478 pedidos para minerar no país estão em terras indígenas, pelo menos 254 desses requerimentos são para garimpo.

Ao estabelecer a mineração como atividade de utilidade pública, os deputados também propõem que  os interesses da mineração sejam determinantes na demarcação de territórios indígenas e criação de unidades de conservação.

"Nos processos de criação de unidades de conservação, de tombamento e de outras demarcações que possam restringir a atividade minerária,  deverá ocorrer ampla discussão e participação da sociedade, sendo ouvidos o Ministério de Minas e Energia, a ANM e os titulares de direitos minerários abrangidos por essas áreas", diz trecho da proposta de hoje da relatora.

E apesar de não tratar diretamente sobre mineração em terras indígenas —outra proposta no Congresso discute o tema (PL 191/2020) —, o texto da relatora pede que seja assegurada a titularidade de requerimentos em áreas de bloqueio, como é caso das terras indígenas, mas deixando em aberto a regulação desses requerimentos.

Tal medida poderá criar uma espécie de reserva entre os mais de 2,4 mil requerimentos que estão sobre terras indígenas. Hoje, dos 500 pedidos para mineração na TI Yanomami, 380 são anteriores a 1992, quando o território foi homologado.

Não revogar os títulos em terras indígenas é inconstitucional e coloca interesses da mineração acima de qualquer outro interesse da sociedade.
Juliana de Paula, advogada do Instituto Socioambiental

Para especialistas ouvidos pelo InfoAmazonia, além de interferir na demarcação de territórios historicamente ocupados por indígenas e quilombolas, a proposta também pode travar processos de assentamento da reforma agrária.

“Não revogar os títulos em terras indígenas é inconstitucional e coloca interesses da mineração acima de qualquer outro interesse da sociedade”, observou a advogada Juliana de Paula. A jurista destaca que a Constituição já prevê a inexistência de títulos sobre terras indígenas.

Os novos pedidos para mineração de ouro bateram recorde histórico em 2021, revelando que o país vive uma nova corrida do ouro. Só este ano, foram 3.117 pedidos para explorar o minério -  no total, são 35,7 mil pedidos válidos na ANM só para essa substância.

Nova Corrida do Ouro

Outra mudança considerada significativa é a regra para apresentação dos riscos associados às barragens da mineração. Em Nota Técnica publicada em 22/11/2021, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) alertou que o artigo 39, § 1º, da minuta adia a exigência de informações sobre os riscos das barragens, instrumento para levantamento cadastral e mapeamento georreferenciado das populações vulneráveis.

“Na verdade, é uma investida contra um plano que foi criado a partir de aprendizados ocorridos com dois grandes desastres da mineração”, analisa a pesquisadora Andréa Zhouri, da Associação Brasileira de Antropologia, em manifestação pública da ABA.

O novo código prevê a apresentação completa do plano de barragens praticamente no fim da tramitação do pedido de mineração. Segundo as organizações que militam por maior segurança dessas barragens, sem dados sobre os projetos fica impossível cumprir o artigo 18-A da Lei Nacional de Segurança de Barragens (Lei 14.066/2020), que interdita a “implantação de barragem de mineração cujos estudos de cenários de ruptura identificam a existência de comunidade na Zona de Autossalvamento (ZAS)”.

Indefinição sobre impactos do garimpo

Um dos temas mais sensíveis da mineração no Brasil, o garimpo, que além dos impactos ambientais atinge a saúde da população -pela contaminação com mercúrio e, também, disseminação de doenças como a malária-, segue com indefinições sobre seus reais impactos na minuta apresentada.

O tema esteve presente nas discussões do GT, mas nenhuma alteração foi realizada para estabelecer limites na operação dos garimpos além dos já estabelecidos — pessoas físicas podem requerer 50 hectares e cooperativas até 10 mil hectares na Amazônia Legal.

O novo código mantém  as mesmas características da garimpagem como definidas originalmente na lei 7.805/89, que criou o regime de permissão de lavra garimpeira (PLG).  Dessa forma, o texto não se manifesta sobre a utilização de balsas e dragas de sucção, das mais simples às mais complexas, ou a atividade de revolvimento de solos com uso de maquinário como pás-carregadeiras, tratores de esteira e escavadeiras hidráulicas para extração de ouro pelas PLGs.

O Ministério Público Federal (MPF) já alertou sobre essa omissão, apontando que “a não adoção, na legislação mais moderna, de critérios objetivos para delineação da atividade de garimpo", acaba permitindo "enquadrar na ideia de garimpagem atividades que, por sua natureza, aproximam-se da indústria e da empresa".


Garimpo ilegal no Rio Madeira. Foto: Polícia Federal
Garimpo ilegal no Rio Madeira. Foto: Polícia Federal
Garimpo ilegal no Rio Madeira. Foto: Polícia Federal
Garimpo ilegal no Rio Madeira. Foto: Polícia Federal
Garimpo ilegal no Rio Madeira. Foto: Bruno Kelly/Greenpeace
Garimpo ilegal no Rio Madeira. Foto: Polícia Federal
previous arrow
next arrow
 
Garimpo ilegal no Rio Madeira. Foto: Polícia Federal
Garimpo ilegal no Rio Madeira. Foto: Polícia Federal
Garimpo ilegal no Rio Madeira. Foto: Polícia Federal
Garimpo ilegal no Rio Madeira. Foto: Polícia Federal
Garimpo ilegal no Rio Madeira. Foto: Bruno Kelly/Greenpeace
Garimpo ilegal no Rio Madeira. Foto: Polícia Federal
previous arrow
next arrow

Nova categoria para garimpo

Outras duas mudanças incluídas no texto vão impactar diretamente esse ramo da extração mineral. Proposta do deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA) incorporada ao relatório cria uma nova categoria para o garimpo, denominada “lavra de superfície”. 

Na prática, a modalidade vai permitir a lavra em área de superfície já requerida por outro empreendimento de mineração, com objetivo de explorar o subsolo. Ou seja, enquanto um empreendimento de grande porte explora o subsolo, um garimpo poderá explorar a superfície da mesma área.

Em parte, lembra Jarbas Vieira, o garimpo ilegal na Amazônia já ocupa áreas tituladas por grandes mineradoras. “O relatório da deputada tenta nitidamente agradar a todos os setores da mineração. E existe uma disputa de áreas entre garimpo e mineração industrial. Muitos garimpos operam ilegalmente em áreas já requeridas pelas grandes mineradoras. Com essa nova categoria, as duas atividades poderão acontecer dentro do mesmo título minerário”, observa.

O garimpeiro como microempreendedor

Outra proposta do grupo do deputado busca instituir a figura do garimpeiro pessoa jurídica. A proposta é de que o garimpeiro se torne Microempreendedor Individual (MEI), mas sem esclarecer em quais hipóteses esse regime vai ser possível.

“Não fica claro se o garimpeiro será MEI e só ele vai poder explorar aquele PLG ou se o garimpeiro que hoje trabalha para uma pequena mineradora, dessas que operam como garimpo, será MEI”, questiona Jarbas.

Dirceu Santos Frederico Sobrinho, presidente da Associação Nacional do Ouro (Anoro) e defensor da criação da figura do “pequeno minerador” —que realiza garimpo com uso de maquinários— também fez contribuições para o GT. Em uma das audiências realizadas, Sobrinho admitiu que o garimpo não pretende abandonar o uso do mercúrio em curto prazo, pois, segundo ele, a atividade no Brasil não seria possível sem o uso do metal líquido.

Em outubro, o Infoamazonia mostrou que três Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) ligadas à Anoro são investigadas  por danos sociais e ambientais e por “esquentar” 4,3 toneladas de ouro extraído ilegalmente no Pará. Dirceu Sobrinho é sócio majoritário em uma delas.

Concentração de poderes na agência federal

A autonomia de estados e municípios sobre projetos de mineração também foi colocada à prova na primeira versão da minuta, que transferia todas as competências em relação aos processos minerários à ANM, “sendo dispensados os atos de anuência de Estados e Municípios para a exploração dos recursos minerais”.

Em seu voto nesta quarta-feira, Greyce Elias voltou atrás na proposta e estabeleceu área máxima de 200 hectares para o licenciamento na esfera municipal.

O Comitê dos Territórios Frente à Mineração destaca que ao concentrar os poderes sobre os processos minerários na ANM, a proposta fecha "os principais canais atuais de interlocução e luta das comunidades atingidas e ameaçadas pela mineração", já que é nas esferas municipais e estaduais que acontecem as principais articulações provocadas por organizações da sociedade civil.


previous arrow
next arrow
 
previous arrow
next arrow

Guias de Utilização

Outro dispositivo polêmico é a possibilidade de início da operação de exploração antes mesmo da concessão minerária, através de Guias de Utilização, que são autorizações provisórias, antes da concessão definitiva, criadas para autorizar explorações em situações específicas.

Com a nova proposta, através da Guia de Utilização, grandes e pequenas mineradoras poderão explorar economicamente suas minas sem que a agência tenha analisado toda a viabilidade do requerimento e dado autorização para o funcionamento integral do projeto. O texto também permite a renovação da Guia por tempo indeterminado até a concessão total.

Os deputados também propõem que empresários possam utilizar os títulos de requerimentos como garantia em operações de crédito, incluindo as autorizações de pesquisa, antes da apresentação dos relatórios que atestam a existência de minério.

“Esse é outro ponto muito frágil, praticamente um cheque em branco concedido antes mesmo da conclusão da fase de pesquisa, que inclusive pode apontar que não existe minério algum naquela área”, destaca a advogada Juliana de Paula.


MARIDO DA RELATORA LIGADO A EMPRESAS DE MINERAÇÃO

No início de setembro, o deputado João Carlos Bacelar (PL-BA) expôs aos demais membros do GT que a deputada Greyce Elias é casada com Pablo Cesar de Souza, o Pablito, ex-superintendente do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral  (DNPM-MG), que foi substituído pela ANM, e até poucos meses sócio de empresas do setor de mineração. Ex-deputado estadual em Minas Gerais, Pablito atualmente é assessor no gabinete do senador Rodrigo Pacheco (PSD-RO).

Questionado sobre a proximidade com o setor da mineração e se isso não poderia configurar conflito de interesses, Pablo respondeu ao Infoamazonia que se desligou das empresas ligadas à mineração, a última “há seis meses”.

Mesmo alegando não ter influência sobre os encaminhamentos da comissão, Pablo fez questão de defender a minuta do projeto. Por telefone, disse que o atual Código de Mineração é muito antigo, de 1967, e que é incompatível com a mineração em 2021. “É uma proposta muito boa e que respeita os anseios da sustentabilidade e setor ambiental, em um processo totalmente transparente”, afirmou Pablo sobre o relatório da deputada e esposa Greyce.

O deputado Joaquim Passarinho, sub-relator e um dos principais colaboradores dos novos artigos da minuta , é outro parlamentar que não esconde a proximidade com o setor mineral. Em 2014, quando ainda era possível financiamento de campanha eleitoral por empresas, 30% do financiamento da campanha de Passarinho veio de empresas do setor.Uma das suas propostas incorporadas na minuta da relatora foi a declaração de utilidade pública do setor de mineração.

Outro sub-relator bastante próximo das mineradoras é Evair Vieira de Melo (PP/ES), que assim como Passarinho recebeu recursos para a campanha de 2014. Partiu de Evair a proposta para aprovação automática de processos na ANM que não sejam analisados em um ano.

Ambientalistas e defensores dos povos originários da Amazônia apontam que nenhuma das propostas dos seus segmentos foi incorporada na minuta, e que o arranjo da discussão em um Grupo de Trabalho da Câmara não é o mais adequado para criação de um novo Código de Mineração. 

“Concordamos que o Código precisa de atualização, mas é preciso uma maior participação popular. A mineração é um setor impactante na sociedade e deixa marcas profundas. Não podemos aceitar que essa tramitação do GT venha do jeito que foi e vá para votação no plenário sem um debate amplo. É um processo muito viciado”, declarou Jarbas Vieira. 

Infoamazonia enviou questionamentos aos sete sub-relatores e à relatora Greyce Elias, mas nenhum deles respondeu aos pedidos de entrevista.


*Fabio Bispo é repórter do InfoAmazonia em parceria com o Report for the World, que aproxima redações locais com jornalistas talentosos para reportar assuntos pouco cobertos em todo o mundo.

Fonte: Infoamazonia
https://infoamazonia.org/2021/12/02/novo-codigo-de-mineracao-propoe-aprovacao-automatica-de-milhares-de-processos-parados-na-anm/


Privatização da Eletrobras pode aumentar desmatamento e emissões no Brasil

Estimativas apontam que as emissões de gases-estufa do setor elétrico crescerão 33% se “jabutis” de parlamentares forem aprovados

Aldem Bourscheit / Infoamazônia

Criada em 1961, a Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobras) está na longa agenda de privatizações do governo Jair Bolsonaro, cuja oferta de ações pode passar dos R$ 100 bilhões. A proposta para desestatização da empresa, que responde por até 29% da energia gerada no país, recebeu emendas no Congresso que podem aumentar o desmatamento na Amazônia e as emissões de gases-estufa. Os chamados “jabutis” embutidos na medida provisória comprometem metas nacionais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa assumidas pelo governo Bolsonaro na Cúpula do Clima (COP26), aponta o Instituto Escolhas.

O jabuti é um réptil típico da natureza sul-americana, mas como teria dito o político Ulysses Guimarães (1916-1992), ele “não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente”. Daí a expressão vir à tona quando parlamentares inserem emendas em propostas legislativas sem qualquer relação com o texto original.

A Câmara alterou a Constituição em 2019 e proibiu os “jabutis” em medidas provisórias, reforçando uma decisão de 2015 do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas essas emendas seguem vivas no parlamento. 

Conforme a análise do Instituto Escolhas, as emissões do setor elétrico saltarão 33% se forem aprovados “jabutis” inseridos no texto da privatização da Eletrobras. Em entrevista a veículos de imprensa, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), negou que as emendas sejam “jabutis” porque tratam do setor energético, ou seja, diriam respeito ao tema que tramita no Congresso.

Os “jabutis” na proposta de desestatização da Eletrobras mapeados pelo Instituto Escolhas.

Uma das propostas obriga a construção e o uso por 70% do tempo de termelétricas a gás natural nas regiões Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Norte, dominada pela floresta tropical. Além disso, o desmate e outros impactos virão com a instalação de gasodutos para abastecer as geradoras. O gás é um combustível fóssil e sua queima emite gases como metano, um dos vilões do aquecimento global. Sua maior fonte no país é o pré-sal.

Uma reportagem do InfoAmazonia mostrou que o gás natural pode ganhar escala na produção nacional de eletricidade para atender à crescente demanda socioeconômica. A participação de hidrelétricas na matriz energética caiu de 90% para 64% nas últimas duas décadas, e o índice deve chegar a 50% em 2027. A Eletrobras responde hoje por 54% da eletricidade gerada na Amazônia. 

Temos uma avenida de oportunidades para investir em energias limpas do futuro, como solar e eólica, com grande potencial e competitividade crescente. Mas a cada leilão e ato político são reforçadas as amarras em modelos energéticos que se tornarão obsoletos. Do jeito que está, a conta de luz e a contribuição dos brasileiros à crise do clima ficarão ainda maiores.
Sérgio Leitão, diretor-executivo do Instituto Escolhas

Para Sérgio Leitão, diretor-executivo do Escolhas, a privatização da Eletrobras deveria dar capacidade de investimento, aumentar a concorrência, reduzir tarifas e diversificar os tipos de geração no setor energético nacional. Mas os aportes e políticas em curso sinalizam que o país manterá uma matriz energética geradora de impactos ambientais, sociais e climáticos. 

“Temos uma avenida de oportunidades para investir em energias limpas do futuro, como solar e eólica, com grande potencial e competitividade crescente. Mas a cada leilão e ato político são reforçadas as amarras em modelos energéticos que se tornarão obsoletos. Do jeito que está, a conta de luz e a contribuição dos brasileiros à crise do clima ficarão ainda maiores”, reforçou.

Hidrelétricas e linhão cortando reserva indígena

Outras emendas parlamentares determinam a contratação de energia gerada em Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) em leilões que ocorrerão até 2026 e estendem por 30 anos as concessões para hidrelétricas como a de Tucuruí, no Pará. Essas medidas podem ampliar a construção de pequenas geradoras nas bacias Amazônica e do Tocantins-Araguaia, além de aumentar a conta de eletricidade dos brasileiros, avalia o Instituto Escolhas. 

Um outro jabuti na proposta da privatização libera a construção de um linhão entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR) logo após estudos iniciais. Mas o Ibama liberou em setembro as obras, consideradas de “interesse nacional” por conectar Roraima ao sistema elétrico brasileiro. A energia do estado, que sofre com apagões constantes, vem de termelétricas e da Venezuela. 

Dos 721 km do linhão, 125 km cortarão a Terra Indígena Waimiri-Atroari, localizada no Amazonas e em Roraima. Lá vivem mais de 2 mil pessoas em quase 60 aldeias, incluindo população isolada, que prefere não manter contato. Estradas e picadas serão abertas no território para a implantação e manutenção de 250 torres e dos fios de alta tensão. 

Linhão Manaus-Boa Vista previsto na privatização da Eletrobras vai cruzar pela TI Waimiri Artroari.

Jonas Fontenele, advogado do Programa Waimiri Atroari, conta que as propostas dos indígenas para que o linhão desviasse de seu território foram ignoradas pelo governo, que minimiza impactos da obra por ser paralela à rodovia BR-174. “Os indígenas esperam que a linha não atropele seu direito de viver em paz em suas terras, como está na Constituição e na Convenção 169 da OIT”, destaca. “O linhão impactará para sempre a vida deles. Perto dele, não poderão fazer roçados ou aldeias. Além disso, a obra e a manutenção da infraestrutura atrairão ainda mais pessoas estranhas à terra indígena, que sofre impactos e ataques sobretudo desde a ditadura militar”.  

O linhão impactará para sempre a vida deles. Perto dele, não poderão fazer roçados ou aldeias. Além disso, a obra e a manutenção da infraestrutura atrairão ainda mais pessoas estranhas à terra indígena, que sofre impactos e ataques sobretudo desde a ditadura militar. 
Jonas Fontenele, advogado do Programa Waimiri Artroari

Em meados dos anos 1970, a construção da BR-174, entre Manaus e Boa Vista, e a implantação de uma mina de cassiterita, usada em embalagens e soldas, ampliaram prejuízos aos Waimiri Atroari. Na década seguinte, a hidrelétrica de Balbina (AM) trouxe desmatamento e inundou uma área de 2.360 km². 

O Ibama e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações não atenderam aos pedidos de entrevista do InfoAmazonia até o fechamento da reportagem para explicar como reduzirão os impactos sobre ambientes naturais e populações indígenas das obras do linhão Manaus-Boa Vista, e nem como serão cumpridas metas nacionais para corte de emissões de gases-estufa.

OS NÚMEROS DA ELETROBRAS

– Capital social de R$ 39,057 bilhões (2020)
– 48 hidrelétricas, 14 termelétricas, 2 usinas nucleares, 43 usinas eólicas e 1 usina solar
– 29% de capacidade instalada para geração de energia
– 76.128 km de linhas de transmissão
– 1 Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel)
– 50% de participação em Itaipu Binacional

Fonte: Instituto Escolhas e Eletrobras

Na última conferência das Nações Unidas sobre a crise global do clima (COP26), encerrada no último sábado (13) em Glasgow (Escócia), o governo brasileiro prometeu cortar pela metade as suas emissões de gases-estufa até o fim da década e zerá-las até 2050. As emissões nacionais são concentradas no desmatamento e agropecuária (73%) e no setor energético (18%), que incluem as emissões da geração hidrelétrica. 

Para o deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), a desestatização da Eletrobras reflete a grande diferença entre o que se pratica e o que é dito e assumido em foros internacionais pelo Brasil, o país que mais desmata e mais queima florestas no mundo. “A privatização da Eletrobras obriga quem comprá-la a seguir comprando e produzindo ‘energia suja’. O Congresso não pode compactuar com retrocessos como esse”, avaliou o parlamentar. A Câmara debate a conversão em lei da MP para privatização da empresa.


Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

Fonte: Infoamazônia
https://infoamazonia.org/2021/11/18/privatizacao-eletrobras-desmatamento-emissoes/