inflação

Vinicius Torres Freire: A inflação do tijolo e do arroz tende a passar, também por um motivo ruim

Carestia será atenuada pela redução da renda dos mais pobres, com corte no auxílio

Tijolo, tintas, tubos e conexões ficaram bem mais caros na epidemia, além do arroz, do feijão, do ovo, do frango e do óleo de soja. São carestias diferentes, mas são o assunto da vida dura e real.

Varejo e grandes construtoras reclamam dos preços e da falta de produtos no prazo desejado. Vai passar, em parte boa notícia, em parte, não.

A alta do consumo de comida e de materiais de construção revela, como se ainda fosse preciso, a barbaridade da distribuição de renda no Brasil. Um tico mais de dinheiro na mão do povo causa bafafá. Quando acabar o auxílio emergencial, como vai ser?

Falta produto porque houve parada na produção na pandemia e porque o mercado de construção "formiga" esquentou, tudo óbvio. Houve forte redução de estoques na economia inteira, o que ficou evidente nos dados do PIB do segundo trimestre. O consumo de certos itens de resto explodiu a partir de maio, com o auxílio emergencial. A produção volta lentamente, no caso de materiais típicos da construção civil.

Apenas neste ano, até agosto, o preço médio do tijolo aumentou 17%. O das tintas, 6%. O do cimento, 11%. A inflação média, medida pelo IPCA, está em 0,7% neste 2020. Nem todo material para obras ficou mais caro, porém. O Custo Unitário Básico (CUB), o preço médio de fazer uma casa, por assim dizer, aumentou 2,9% em um ano, na média brasileira (ante 2,1% do IPCA em 12 meses), dados até junho. O preço da mão de obra para reformas ficou estagnado neste ano.

De modo geral, as vendas no varejo de material de construção subiram bem, em particular desde maio. No ano, já superam em 1,9% as do mesmo período de 2020 (mesmo assim, um crescimento fraco. A esta altura do ano passado, a alta nas vendas era de 4,5%). No varejo em geral, o faturamento ainda cai 1,8%.

A produção de materiais de construção ainda apanha muito, caindo 8,5% no ano, um pouco menos do que a indústria de transformação em geral (que cai 10,6%). O resultado é inflação, pontos de distribuição com pouco produto, atrasos na entrega. Não tem surpresa aí. Tende a passar.

Segundo os produtores de material, não houve destruição notável de empresas, embora as firmas estejam endividadas. Com a retomada da produção, ainda complicada pela epidemia e pela falta de matérias-primas, essa desordem no mercado será passageira, mas difícil. Os fabricantes dizem que, sem mais acidentes, a coisa volta ao normal pelo fim do ano.

Mais deprimente é que o problema será atenuado pela redução da renda dos mais pobres. O auxílio emergencial mais do que cobriu a perda total de rendimentos do trabalho (da "massa de rendimentos") na pandemia e beneficiou especialmente quem ganhava pouco ou nada. Os auxílios de renda chegam a 44% dos domicílios, segundo o IBGE.

Com o fim do pagamento do auxílio emergencial, talvez a massa de rendimentos não caia muito lá pelo início de 2021, especulam economistas, com otimismo exagerado. Esse corte em parte será compensado por alguma recuperação do emprego e pelo gasto do dinheiro poupado na pandemia.

Mas a volta do emprego dos pobres será muito lerda e precária, até porque se empregam em pequenos serviços, que dependem da normalização na vida das cidades, que vai demorar. Além do mais, a retenção do consumo (o aumento da poupança) deve ter ocorrido entre os mais ricos.

A recuperação que houver em 2021, além de parcial, será desbalanceada, em desfavor dos miúdos e miseráveis, para variar. As carestias, do arroz ou do tijolo, devem passar também pelo pior dos motivos.


Míriam Leitão: Governo pega a estrada velha

O Brasil já conhece os passos dessa estrada, sabe que não vai dar em nada. Sabe de cor os desvios, desvãos, delírios que podem levar à ideia de que algum ente governamental possa intervir em formação de preços de supermercados. Não dá para acreditar que o ministro Paulo Guedes não tenha tido força para explicar o básico ao governo Bolsonaro. A notícia de que o Ministério da Justiça notificou os supermercados pela alta dos alimentos seria cômica se não fosse séria. A inflação está baixa, não há uma elevação generalizada do índice. E, mesmo que houvesse, o Brasil sabe há 30 anos que não é por aí.

Na economia nada há de mais obsoleto do que isso que nos assombrou na segunda metade dos anos 1980, a tentativa de controle de preços e a acusação a supermercados. Depois de várias tentativas que sempre deram errado, o Plano Real escolheu um outro caminho, novo e elegante, que enfim derrotou a hiperinflação no Brasil. Houve derrapagens no meio do caminho, como o congelamento da gasolina no governo Dilma e a intervenção na energia. Deu errado. Na sucessão de retrocessos que nos atinge no governo Bolsonaro, só faltava mesmo essa, o Ministério da Justiça dar prazo para supermercado explicar o preço do arroz porque o presidente da República reclamou. Eu até lembraria que o ministro da Economia é liberal, mas isso nem importa a esta altura. Não se trata de incoerência em relação a uma escola econômica. É uma questão de bom senso e saber — palidamente que seja — a história do Brasil.

Então vamos lá voltar à quadra um, porque o terraplanismo atacou agora a economia. Três fatores elevaram os preços dos alimentos: entressafra, auxílio emergencial e exportações puxadas pelo dólar alto e pela demanda chinesa. A execução do benefício teve muitos defeitos, mas quando chegou aos mais pobres fez uma enorme diferença. Imagine uma mulher chefe de família que recebia R$ 190 de Bolsa Família e que de repente recebeu do governo R$ 600 ou até R$ 1.200. O efeito multiplicador foi forte, como expliquei ontem aqui, fenômeno que ouvi bem explicado dentro do próprio governo. Isso é bom, porque atenuou a recessão, mas por outro lado pressionou a demanda de alguns produtos. Alimentos e material de construção.

Esse fenômeno é temporário porque nos últimos quatro meses do ano o valor do benefício vai cair. Mesmo assim, a inflação de alimentos em domicílio, que subiu 11,39% em 12 meses, deve continuar pressionada. E alimentos têm mesmo oscilações fortes. A cebola, que subiu 81% nos primeiros sete meses do ano, no oitavo mês caiu 17,81%. Contudo, o índice geral do IPCA continua baixo, chegou a 0,70% o ano. Menos de 1%.

Nesse índice de agosto, a educação foi a âncora, explica o professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio. Houve a concessão de descontos pelas escolas, e o item caiu 3,47%. Se tivesse sido zero, calcula Cunha, a inflação do mês seria de 0,45%, em vez de 0,24%. Os preços continuarão oscilando naturalmente. Não há uma conspiração entre donos de supermercados e arrozeiros. Reduzir a tarifa é uma boa ideia, até porque as barreiras são tão altas que deveriam ter sido reduzidas há mais tempo.

No segundo semestre a sazonalidade da carne é de alta, e além disso está acontecendo com esse e outros produtos uma demanda externa maior, com preço competitivo por causa do dólar alto. Isso torna mais caro o importado. Houve uma queda de 42% na importação de trigo, os preços da farinha até subiram 12%, mas macarrão está com alta zero de preço. Deve ser isso que fez o presidente da associação de supermercados, ao sair da reunião com o presidente Bolsonaro, parafrasear Maria Antonieta. Em vez de “dê-lhes brioches” sugeriu que as pessoas trocassem o arroz por macarrão.

Meses atrás houve quem dissesse que o presidente do Banco Central teria que escrever uma carta para explicar por que não atingiu a meta de inflação. Não por ficar acima, mas porque o risco era de ficar abaixo do piso da meta. Agora o que está acontecendo é uma alta localizada de preços, fácil de entender, e difícil de reverter artificialmente. Qualquer intervenção distorce, como os ruídos dos últimos dias: declarações, reuniões, ameaças e notificações. Quando Jair Bolsonaro dizia nada entender de economia, estava falando sério. Quando disse que entregaria tudo a Paulo Guedes, não estava falando sério.


Celso Ming: Inflação real e inflação percebida

Nada indica disparada dos preços que levante preocupações especiais com eventual erosão do poder aquisitivo da população

A inflação de agosto medida pelo IPCA foi de apenas 0,24%, mais baixa do que o 0,36% de julho e, no entanto, a sensação de alta de preços provocou inesperada tensão política que lembrou os velhos tempos da hiperinflação.

Os dirigentes dos supermercados pediram providências urgentes do governo para conter os preços dos produtos da cesta básica. Em resposta, o presidente Bolsonaro, às vésperas das comemorações de 7 de Setembro, fez apelos ao patriotismo dos empresários para que segurassem as remarcações.

Esses apelos sugeriram que o principal instrumento de controle dos preços teria mais a ver com o comportamento humano e com a moralidade do que com os imperativos da lei da oferta e da procura.

De todo modo, nada indica uma disparada dos preços que levante preocupações especiais com eventual erosão do poder aquisitivo da população. A alta acumulada no ano até agosto foi de apenas 0,7%, e os analistas de economia consultados pelo Banco Central para o Boletim Focus apontam, para todo o ano de 2020, uma inflação de 1,78%. Por que, afinal, a apreensão?

Por trás dela há algumas distorções. A primeira tem a ver com uma alta real de itens importantes da cesta básica. Os preços do arroz, por exemplo, acumularam avanço de 19,2% nestes primeiros oito meses do ano. E os do óleo de soja, o mais consumido pela população, alta de 18,6%.

Esse avanço dos preços do óleo de soja tem uma explicação. Trata-se de um produto cotado em dólares, porque largamente exportado, e, neste ano, as cotações da moeda americana em reais subiram mais de 30%. O aumento dos preços do arroz foi produzido pelo aumento do consumo interno. O confinamento, por si só, puxou a demanda de alimentos básicos. E há o auxílio emergencial, que pôs algum dinheiro no bolso das pessoas de baixa renda, que, por sua vez, aumentaram a procura por itens básicos.

Mas isso não é tudo. Como já comentado por esta Coluna em outras oportunidades, os índices de preços sofreram certa deformação estatística que se imagina temporária. O confinamento mudou a estrutura de consumo. Despesas com viagens, serviços pessoais (como cabeleireiro, manicure), roupas, academia, restaurantes, bares, etc., foram substancialmente reduzidas. Em compensação, aumentaram as com alimentos.

No entanto, o IBGE seguiu com as coletas de preços nos mercados e nas unidades de serviços, como se a cesta média de consumo não tivesse sofrido alterações. E calculou a variação do custo de vida levando em conta os mesmos pesos apresentados pelos itens de consumo vigentes antes da pandemia.

Quando a vacina estiver disponível e à medida que a vida se normalizar, essa distorção técnica também deve desaparecer ou, pelo menos, reduzir-se. Abaixo está um gráfico que mostra os pesos de cada uma das grandes áreas de consumo no custo de vida.

Outra distorção é meramente psicológica. As pessoas tendem a dar mais importância às variações dos preços dos alimentos do que às de outras áreas da economia, especialmente nos serviços.

Essa é a principal razão pela qual tão frequentemente se ouve a observação de que o comportamento dos preços nas feiras e nos supermercados não guarda proporção com os índices oficiais de inflação. Nessa hora, as pessoas não levam em conta que as despesas com aluguel, condomínio, condução, mensalidades escolares e outros serviços não subiram ou até caíram, embora continuem a fazer parte importante do orçamento doméstico.

Boa questão está em saber como o Banco Central vai lidar com essas novas tensões na hora de rever os juros básicos (Selic) na próxima reunião do Copom, marcada para dia 16.


Vinicius Torres Freire: Entenda os fatos da revolta do arroz

País já teve carestia maior de alimentos desde 1999, mas empobreceu muito

O Brasil já passou por carestias maiores dos preços dos alimentos. Qual o motivo da revolta com a inflação do arroz? Na média, os brasileiros não éramos tão pobres desde 2008, o desemprego é imenso, provavelmente o maior em décadas; mesmo com o auxílio emergencial, o medo e o sofrimento devem estar nos picos da nossa curva de misérias.

A inflação da comida está entre as 20% maiores desde 1999, quando o país adotou câmbio flutuante e metas de inflação. O preço dos alimentos subiu mais em meses de 2003, 2008, 2013 e 2016. Para os cereais, 2001 e 2012 também foram anos ruins. A inflação geral, porém, é a quinta menor desde 1999 (no acumulado em 12 meses).

O dólar caro determina a variação do preço dos alimentos e dos cereais ou do arroz em particular? Um tanto. Uma estatística com dados precários indica que, bidu, consumo mundial e safras também fazem o preço. Por exclusão, nota-se que o consumo doméstico deve ter algum efeito. Mas não há dados detalhados sobre a variação do consumo no país.

A Associação Brasileira da Indústria do Arroz diz que não tem tais informações. Algumas das maiores indústrias produtoras preferem não divulgar os números das suas vendas. Segundo dados da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, o Brasil produziria 11,17 milhões de toneladas de arroz na safra 2019/2020, consumiria parte disso (10,8 milhões) e começaria o período com um estoque de 554 mil toneladas.

A exportação de arroz aumentou muito de 2019 para 2020. Neste ano, até agosto, o país exportou 1,15 milhão de toneladas, ante 665 mil em 2019, no mesmo período, pelos dados oficiais. O Brasil também importa muito arroz. O saldo da balança do arroz, exportações menos importações, está em 735 mil toneladas, ante 160 mil toneladas em 2019. Na previsão do Ministério da Agricultura, o consumo médio mensal seria de 900 mil toneladas.

Uma conta de papel de pão indica, pois, que teria havido um aperto no mercado, dadas as quantidades disponíveis e o excesso (saldo) de exportações. Se esse aperto é capaz de explicar a alta de preços é outra história, ainda mais difícil de contar porque faltam dados recentes de variação do consumo doméstico.

O diretor de uma trading (empresa que negocia commodities no mercado internacional), que prefere não se identificar, afirma que o preço ficou bom no mercado externo, as vendas externas aumentaram, e os produtores seguram algum estoque para conseguir preço melhor no mercado doméstico, que teria tido também um aquecimento.

Nesta quarta-feira, o governo autorizou a importação de até 400 mil toneladas de arroz, sem imposto. A perspectiva de trazer logo o produto pode fazer algum efeito nos preços, mas pequeno e não no curto prazo.

“O impulso [de preços] veio especialmente da demanda aquecida”, lê-se na análise de agosto do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura da USP). O pessoal do Cepea escreve também que “do lado da oferta, orizicultores, de olho no movimento de alta nos valores, limitaram as vendas de novos lotes de arroz em casca no mercado spot, à espera de preços ainda maiores”.

Sim, os produtores se beneficiam de preços melhores (assim como se arrebentam em anos de preços ou safras ruins). De resto, não aumentariam a produção sem o sinal dos preços maiores.

Os entendidos dizem que, sem importação, os preços continuarão altos por alguns meses, embora o consumo doméstico e o mundial esteja algo mais imprevisível, por causa da pandemia.


Míriam Leitão: Os preços ao sabor do tempo

O problema não é apenas o arroz. Ele subiu 15,69% e deve ter sido isso que preocupou a repórter mirim que foi à reunião ministerial. Nos primeiros sete meses do ano, pelo índice oficial, o feijão preto subiu ainda mais: 29,51%. A batata inglesa, 25%. A cebola está de chorar: 81%. Isso de janeiro a julho no IPCA. Hoje sairá o dado de agosto. E o índice geral deve ficar em torno de 0,3%. O acumulado do ano até julho é de apenas 0,46%. O caminho do presidente de pedir “patriotismo” aos supermercados não funciona, mas sim a lei da oferta e da procura. Espera-se que, a esta altura, o ministro Paulo Guedes já tenha explicado ao presidente a ideia básica.

A demanda subiu em parte em consequência do sucesso do programa de transferência de renda para pessoa física. O auxílio emergencial chegou aos mais pobres, houve demanda grande de alimentos e de material de construção. Alguns dos itens de construção estão com atraso de três meses para entrega. Além disso, as exportações do agronegócio, favorecidas pelo dólar alto e pela demanda chinesa, bateram recorde, pressionando ainda mais alguns preços.

No meio de uma recessão deste tamanho, pode parecer estranho. Mas isso tem explicação. Uma parte do programa do governo contra os efeitos da pandemia na economia foi o auxílio emergencial. E ele, noves fora as fraudes e as filas da Caixa, foi bem-sucedido. Pelos dados que o próprio governo tem, na faixa mais pobre da população, com rendimentos de até R$ 500, o auxílio elevou a renda em 250%. Entre quem ganha de R$ 500 a R$ 1.000, houve 150% de recomposição. E nos que recebem até R$ 1.500 chegou a 75%. Isso teve um efeito multiplicador grande na economia. Quem recebeu comprou alimentos, material de construção e alguns itens da linha branca.

O auxílio criou um padrão de consumo que é temporário. No primeiro momento ajudou a atenuar a queda da economia, mas num segundo momento pode haver um “vento contra”, como ouvi no próprio governo. Na hora em que o auxílio acabar, pode haver uma queda forte no consumo. Isso é que faz com que o ministro da Economia fale tanto no Renda Brasil que, contudo, ele não sabe como viabilizar.

O governo foi ineficiente na transferência de recursos para as empresas. As linhas para a pessoa jurídica foram confusas e demoradas. As grandes conseguiram acesso, mas as pequenas empresas, não. O processo decisório foi muito lento, com idas e vindas, e o dinheiro só agora está chegando à ponta. Exceto um ou outro programa que deu certo, como o Pronampe, no resto, o governo enrolou-se em suas próprias burocracias e indecisões.

O fato é que agora há pelo menos 25 milhões de pessoas que dependem basicamente do dinheiro do governo para viver, e as empresas estão fragilizadas, muitas quebraram e essa era a hora de haver maior oferta empregos. Por isso, a preocupação em manter o programa de desoneração dos 17 setores mais empregadores. E é isso que está sendo debatido no Congresso. O ministro Paulo Guedes quer oferecer em troca uma desoneração para todos os setores, desde que limitado aos empregos de até um salário mínimo e dependendo da aprovação do tal imposto sobre pagamentos. Muito provavelmente o veto será derrubado e esses setores poderão recolher à previdência um percentual sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha.

Em relação à inflação, há um enorme desencontro de números. Produtos que subiram muito de preço, em geral alimentos, e outros que ficaram bem baixos. Por isso, o IPCA está em torno de 2% em 12 meses. Já o IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas, acumula alta de 15,2%. O dólar alto bateu forte nos preços do atacado, as commodities dispararam, como o minério de ferro. O IGP-DI de agosto, divulgado ontem, deu 3,87%, maior do que a inflação de um ano medida pelo IBGE. Os dois institutos medem coisas diferentes. A profunda recessão da economia manterá os preços no atacado bem diferentes dos preços ao consumidor, exceto por alguns setores, como alimentos.

O pior ingrediente que pode ser adicionado à economia, neste momento, é um ataque de populismo do presidente da República, fazendo apelos a supermercados ou insinuando artificialismos. Em um país que tem sofrido, nesta administração, sérios retrocessos em tantas áreas, só faltava ter que lidar com interferência governamental na formação de preços.


Bruno Boghossian: Bolsonaro quer segurar preço da comida para preservar popularidade

Presidente sentiu o aperto da alta dos alimentos, que afeta eleitor de baixa renda

Jair Bolsonaro sentiu o aperto da alta dos alimentos. Depois de ter cobrado “patriotismo” dos empresários na hora de remarcar os preços, ele pediu nesta terça-feira (8) aos donos das redes que o lucro com suas vendas “seja próximo de zero”.

O presidente já disse várias vezes que não entendia nada de economia, mas também não precisava exagerar. A ideia era desviar para as empresas a irritação dos consumidores com o arroz e o feijão mais caros. Essa campanha, no entanto, levou o problema para dentro do Planalto.

O próprio Bolsonaro anda inquieto com o assunto. Também nesta terça, ele pediu a uma youtuber mirim que perguntasse a Tereza Cristina (Agricultura) sobre o preço do arroz. A ministra deu à menina apenas uma resposta genérica, mas quem pareceu frustrado foi o presidente.

O preço da comida é uma variável sensível para qualquer governante, já que pesa principalmente sobre a população mais pobre. A disparada atual é especialmente adversa para Bolsonaro porque o presidente acaba de colher nessas classes o aumento de aprovação que deu fôlego a seu governo no pico da pandemia.

O aumento de preços pode reforçar o pessimismo dos grupos da base da pirâmide com o futuro da economia. Em agosto, 70% dos brasileiros com renda abaixo de dois salários mínimos ouvidos pelo Datafolha afirmaram que a inflação vai aumentar nos próximos meses.

O ritmo e as projeções sobre o futuro dessa alta lançam Bolsonaro numa encruzilhada. A escalada se tornou mais evidente agora, no momento em que o auxílio emergencial foi cortado pela metade. Segundo economistas, essa onda pode durar até o ano que vem, quando o pagamento do benefício deve ser encerrado.

Na prática, Bolsonaro quer que os donos de supermercados congelem artificialmente as etiquetas para amortecer o impacto do aumento sobre sua popularidade. Se eles obedecerem, o governo terá que assumir o controle de preços como política oficial. Se não for atendido, o presidente pagará uma parte da conta.


Míriam Leitão: Erro argentino

A Argentina cometeu o erro de deixar a inflação voltar e se estabelecer. O governo de Mauricio Macri até tentou, mas a taxa nunca baixou para níveis aceitáveis. Está, este ano, em 24%. Isso se tornou o ponto de fragilidade que a fez viver uma pressão forte no dólar esta semana. O Banco Central reagiu subindo três vezes a taxa de juros até chegar a 40% ao ano, para tentar segurar o câmbio.

Macri corrigiu muito dos erros que encontrou. A inflação mesmo manipulada no governo Cristina Kirchner, só ficou um ano abaixo de 20%, em 2009. A administração Kirchner fez uma intervenção no Indec, criou outro índice e ainda reprimiu tarifas públicas. Quando assumiu, Macri teve que corrigir o erro passado e a taxa chegou a 40%. Depois caiu, mas nunca abaixo de 20%.

Macri conseguiu também elevar as reservas cambiais que tinham sido dilapidadas pela sua antecessora. Ele recebeu o governo com US$ 25 bilhões e em janeiro estava com US$ 63,9 bilhões, mas esse nível baixou nos últimos dias. Com inflação alta e déficit fiscal é difícil enfrentar um momento de estresse internacional.

O dólar subiu quase 9% na quinta-feira, para 22 pesos, o maior nível desde a chegada de Macri à Casa Rosada, no final de 2015. O governo reagiu. Aumentou novamente os juros, a terceira alta em sete dias, desta vez para 40%. Na semana anterior, a taxa básica estava em 27,25%. Se comprometeu a reduzir o gasto público e cortou a meta de déficit fiscal do ano, de 3,2% do PIB para 2,7%. A terceira medida foi reduzir o volume de dólares que os bancos podem manter em reservas para forçá-los a vender a moeda americana.

Foi uma tempestade perfeita, conta à coluna o economista Dante Sica, da consultoria Abeceb, de Buenos Aires. A gota d’água veio das turbulências internacionais, provocadas por Donald Trump. Antes disso, a Argentina já enfrentava uma seca histórica que reduziu a geração de dólares pelo agronegócio. Na tentativa de impedir que a inflação mensal passe dos 2%, o governo vendeu dólares. Torrou US$ 7,3 bi das reservas desde janeiro. Fundos estrangeiros aproveitaram a oferta e aumentaram a demanda pela moeda estrangeira. A atuação vacilante do Banco Central nos últimos dias também contribuiu. Na sexta-feira anterior, havia aumentado os juros para 30,25%, tentando conter a inflação. Na quinta subiu outra vez os juros. Mesmo assim, o dólar disparou e por isso ontem as taxas foram para os 40%. A agência de classificação de rating Fitch piorou a perspectiva da dívida argentina citando a inflação alta e os desequilíbrios fiscais.

— Estou revisando as projeções. O PIB, que cresceria até 2,7% em 2018, deve ficar em 2,3%. A inflação pode fechar o ano em 24%. O governo foi mal na semana passada e teve que corrigir antes que houvesse uma reação. Não vi as pessoas saindo às ruas atrás de dólares. Na verdade, o que tem arranhado a imagem do governo é a inflação alta — conta Dante Sica.

Em 2017, a inflação ficou em 24,6%. O PIB subiu 2,9% e o ritmo estava acelerando, tanto que, no quarto trimestre, a alta anualizada foi de 3,9%. Para nós, esse crescimento foi bom. As exportações para lá saltaram 31% no ano passado, para US$ 17,6 bilhões. A balança foi positiva para o Brasil em US$ 8,1 bi, alta de 88% na comparação com o ano anterior. Em 2018, de janeiro a abril, as exportações cresceram mais 15%. No topo da lista estão automóveis, veículos de carga, tratores e chassis. Uma crise prolongada por lá acabaria por afetar a recuperação das montadoras brasileiras.

Dante Sica diz que o governo Macri é um “equilibrista de pratos”. Ele tenta melhorar os indicadores sem derrubar os outros. Mas o fato é que a Argentina convive há muito tempo com a inflação alta e com déficit fiscal, que no ano passado foi de 3,9% do PIB. Em 2016 havia sido de 4,6%. Além disso, a sociedade argentina busca proteção na moeda americana quando a incerteza aumenta.

Brasil e Argentina sofreram uma devastação inflacionária nas décadas de 1980 e 1990 até estabilizarem suas moedas. O Brasil reage fortemente em cada alta, como aconteceu em 2015, e traz a inflação para baixo. A Argentina aceitou um pouco mais de inflação e agora paga o preço. Este é um inimigo com o qual não se pode conviver.


Míriam Leitão: Alavanca da retomada

A vitória sobre a inflação construiu o caminho pelo qual o país saiu da recessão. Por causa da queda dos preços, houve uma sequência de eventos favoráveis na economia que permitiu o início da retomada. Não foi a recessão que derrubou a inflação, foi a queda da inflação que superou a recessão. Nas causas da vitória estão a produção agrícola e a ação do Banco Central.

O mocinho da virada foi o preço de alimentos, mas a redução da inflação foi generalizada, tanto que, como disse o Banco Central, sem os alimentos a taxa teria ficado em 4,54%. A queda foi resultado da supersafra, mas também dos acertos da política econômica, principalmente do BC.

A inflação estava acima de 10% em janeiro de 2016 e terminou 2017 em 2,95%. O INPC, que mede a evolução da cesta de consumo de famílias até cinco salários mínimos, terminou o ano em 2,07%. Como esse índice corrige benefícios previdenciários, isso ajudará também nas contas públicas, porque o Orçamento foi elaborado prevendo 3,1%.

Por causa da queda dos preços, houve mais espaço no orçamento das famílias para outros consumos. E isso aconteceu principalmente porque foram os alimentos que puxaram a média dos preços para baixo. Em 2016, houve momentos em que a inflação de alimentos se aproximou de 15%. O grupo terminou 2017 com deflação de 4,8%. Com a queda da inflação, os juros puderam ser reduzidos em mais de sete pontos percentuais. O relaxamento monetário permitiu renegociação de dívidas privadas e redução dos preços de rolagem da dívida pública. Com menos inflação e menos juros, houve um aumento da confiança e, mais tarde, da produção e das vendas.

Um evento levou ao outro, numa sequência de fatos positivos na economia que desafiou o ambiente tóxico da política, com a revelação da inaceitável conversa entre o presidente e o empresário Joesley Batista e todas as articulações nefastas para manter o governo.

Apesar da confusão política, a economia foi encontrando seu caminho para sair do buraco de duas quedas sequenciais do PIB de 3,5%. Mas a crise política impõe um teto para a recuperação. A alta do PIB de 2017 deve ter ficado em torno de 1%. Pouco para o tamanho da perda, apenas permite que o país comece a fazer o caminho de volta.

Ao contrário de todos os outros momentos da história do real, esta queda da inflação não elevou a popularidade presidencial e a aprovação do governo. Uma das razões é que o ambiente ainda é de crise, a renda permanece em níveis mais baixos do que já esteve, o desemprego continua muito alto. Além disso, os vilões — preços que subiram muito apesar da queda geral — atingem em cheio a classe média: combustíveis, mensalidades escolares, energia, planos de saúde. Essa recuperação é também diferente de outras recessões, porque o país está saindo à francesa. Lentamente. A última recessão deste tamanho foi provocada pelo Plano Collor. A recuperação ocorreu no governo Itamar, e o país saiu do PIB negativo de 1992 para a alta de quase 5% em 1993. O clima agora ainda é de crise, o país continua com sequelas, as empresas investem pouco, o governo enfrenta graves dificuldades fiscais.

Sair desse fosso pela queda dos preços é um fato curioso no Brasil que teve durante tanto tempo uma relação atormentada com a inflação. Ela arruinou a economia do país várias vezes. Quando voltou a dois dígitos no fim de 2015 e começo de 2016, temia-se a reindexação da economia. O cenário felizmente não se confirmou.

A ideia de que foi a recessão que derrubou a inflação não explica o que aconteceu. No Brasil, várias vezes tivemos recessão com preços subindo, a última vez foi em 2015. O país colheu uma supersafra e isso foi providencial. A produção agrícola foi o grande jogador em campo. Mas a atuação do Banco Central buscando a meta, quando parecia difícil ser atingida, e os acertos da política econômica ajudaram a derrubar os índices de preços. Os IGPs da FGV terminaram o ano com deflação. Em 2018, a inflação sobe um pouco, mas o temor do descontrole que havia no começo de 2016 foi superado. Na velha briga do Brasil contra a inflação, o país venceu desta vez.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)


Míriam Leitão: Otimismo pontual

Pela primeira vez desde o início da era do real, o Brasil pode ter alguns anos seguidos de inflação baixa e juros em níveis que quebram o recorde. Isso está na base do otimismo que cerca a conjuntura brasileira, apesar das ameaças econômicas e políticas. Na semana passada, alguns bancos e consultorias refizeram os cálculos das projeções de crescimento para este ano e o próximo.

O mercado oscila em fases de otimismo e pessimismo. Não por ciclotimia, mas por interesse. Os ganhos se realizam muito mais nas mudanças de humor do que nas fases de alta. Mas desta vez os economistas apontam os fatos que não são comuns na vida brasileira. Normalmente, a inflação caía para logo em seguida subir. Com os juros, acontecia o mesmo sobe e desce. Agora muitos calculam que há uma grande chance de se quebrar esse paradigma.

A inflação caiu de forma impressionante e puxada pelos alimentos. Houve uma reversão de mais de 16 pontos na inflação de alimentos quando se compara o ano passado, em agosto, com o agosto deste ano, em que o Brasil está com deflação em alimentos. A queda não foi causada pela recessão, mas sim por uma extraordinária oferta neste ano em que o país está tendo a vantagem de um crescimento de 13% no PIB agrícola e abundância de safra.

Em setembro, a prévia ficou abaixo do que se esperava, em 0,11%, e o IPCA cheio pode ser próximo de zero, apesar da alta da gasolina. Tudo isso empurra o Banco Central para a política estimulativa, ou seja, os juros terão que cair mais e buscar patamar abaixo de 7%, apesar de o Relatório de Inflação ter falado em “redução moderada da magnitude da flexibilização monetária”, o que quer dizer que, em vez de reduzir em um ponto percentual a taxa, o corte deve ser de 0,75% na próxima reunião. O BC falou também que o Copom “antevê encerramento gradual do ciclo”. Ele vai gradualmente parar de reduzir as taxas.

De qualquer maneira, já se aproxima da menor taxa da era do real. A última vez que se chegou em 7,25%, em 2012, foi da maneira errada e no momento impróprio. A ex-presidente Dilma exigiu a queda dos juros, o BC aceitou a intervenção, apesar de a inflação estar subindo. Ficou pouco tempo nesse patamar. Agora a avaliação dos economistas é que a inflação pode permanecer em torno de 4% nos próximos dois anos pelo menos, depois de um índice que corre o risco de ficar abaixo do piso da meta. Isso permitirá a taxa de juros mais baixa, o que ajuda no ponto mais nevrálgico dos indicadores fiscais: a dívida pública.

A agricultura começou esse círculo virtuoso, depois de o Brasil ter vivido ao fim do governo Dilma o maior surto inflacionário desde a eleição de Lula. Naquela época, em 2003, era o temor do desconhecido pela chegada do PT ao poder e foi enfrentado com sucesso pelo então ministro Antonio Palocci. O retorno da confiança derrubou o dólar, que permitiu a queda da inflação. O surto inflacionário de Dilma foi provocado pela manipulação dos preços que precisaram ser corrigidos. As decisões acertadas do Ministério da Fazenda e do Banco Central no governo Temer e a safra recorde viraram o jogo e derrubaram a taxa de inflação para níveis recordes. Isso permitiu o aumento do rendimento real e da renda disponível dos trabalhadores, mesmo numa conjuntura de alto desemprego. E o ciclo bom começou.

A agricultura não repetirá no ano que vem o desempenho deste ano, mas deve crescer 4% na previsão da MB Associados, que tem tradicionalmente excelente acompanhamento do setor agrícola. Não haverá o fenômeno de 2017, mas continuará numa onda boa.

Outra área que alimenta o otimismo é a externa. O país está com um déficit mínimo na conta-corrente e com uma balança comercial que na terceira semana de setembro havia acumulado no ano US$ 51 bilhões. O capital estrangeiro reduziu sua aposta na dívida brasileira. Era detentor de 23% dos títulos públicos e agora está com 13%. Mesmo assim, o real se valorizou.

Por tudo isso os economistas fazem previsões otimistas, mas sabem que a disputa eleitoral de 2018 é a mais imprevisível desde 1989. Não se tem a mais remota ideia de que projeto econômico vencer.

 


 José Márcio Camargo: Rumo à normalidade

A persistência de taxas de inflação muito abaixo da meta de 2% ao ano, apesar das políticas monetárias extremamente frouxas dos principais bancos centrais do mundo, tem gerado perplexidade entre os analistas. Em especial, parece difícil explicar por que, com taxas de desemprego já muito baixas para os padrões históricos nos Estados Unidos e na Alemanha, os salários nominais não mostram sinais de aceleração.

Esta persistência de taxas de inflação muito baixas está, a nosso ver, relacionada aos efeitos do processo de globalização sobre os preços dos bens comerciáveis. A globalização é, fundamentalmente, um processo de terceirização de atividades produtivas em nível internacional, no qual as empresas decidem localizar suas atividades naqueles países onde é mais barato produzir, seja porque os salários são mais baixos, dado a qualidade da mão de obra, seja porque as instituições são mais indutoras de esforço, seja porque a produtividade das empresas é maior, etc.

Como consequência, a concorrência se internacionalizou e os preços dos bens comerciáveis e a variação dos salários dos trabalhadores passaram a ser determinados pelo grau de ociosidade e pela disponibilidade de mão de obra em nível mundial e não mais para cada país. Como as taxas de investimento nos países asiáticos continuam elevadas e a disponibilidade de mão obra, abundante, os preços dos bens comerciáveis permanecem em trajetória de queda.

Para os preços dos bens não comerciáveis, serviços principalmente, ao contrário, as taxas de inflação continuam a acelerar, tendo atingido mais de 3% ao ano nos Estados Unidos. Mas essa aceleração não é suficiente para contrabalançar a deflação dos comerciáveis. Ou seja, a menos que sejam implementadas politicas claramente protecionistas no mundo desenvolvido, não parece próximo o momento em que as taxas de inflação nos países desenvolvidos irão ultrapassar a meta de 2% ao ano.

O Brasil permaneceu praticamente fora deste movimento de globalização da produção até o momento, por causa de dois fatores: uma legislação trabalhista, cujo objetivo era a proteção do trabalhador contra o empregador, e uma legislação que proibia a terceirização da atividade fim das empresas. Esses dois obstáculos foram removidos recentemente com a reforma da legislação trabalhista e a mudança da lei da terceirização.

A nova legislação trabalhista, ao criar a figura do contrato intermitente e permitir a negociação individual entre trabalhadores e empresas tanto do banco de horas quanto do próprio contrato de trabalho para trabalhadores com educação superior e salário acima de duas vezes o teto do INSS (hoje aproximadamente R$ 11 mil), irá ter efeitos importantes sobre o funcionamento do mercado de trabalho. A negociação individual do banco de horas permitirá à empresa programar as horas trabalhadas de cada trabalhador, de tal forma a minimizar os custos com horas extras. Além disso, o contrato intermitente e a negociação individual do contrato dos trabalhadores qualificados permitirão às empresas renegociar as condições de trabalho, em razão do comportamento da economia, flexibilizando os custos nominais da mão de obra.

A nova legislação trabalhista terá efeitos importantes sobre o funcionamento do mercado de trabalho

A nova lei que libera a terceirização para qualquer atividade da empresa terá um efeito importante sobre a produtividade. A empresa passará a fazer somente aquilo em que é mais eficiente, contratando outra empresa para fazer o que ela é menos eficiente e tem custo mais elevado. O resultado será significativa redução do custo de produção.

A implementação dessas reformas deverá mudar a dinâmica da taxa de inflação no Brasil, tornando-a mais parecida com o que ocorre no resto do mundo. Inflação muito baixa, ou deflação, dos bens comerciáveis mais que compensando a inflação dos serviços, permitindo ao Banco Central do Brasil adotar uma política monetária mais em linha com seus parceiros internacionais. Rumo à normalidade.

* José Márcio Camargo Professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, é economista da Opus Gestão de Recursos

 


Roberto Freire: Economia no caminho certo

O recrudescimento da grave crise política e moral enfrentada pelo Brasil afeta também o cenário econômico, mas os indicadores mais recentes apontam uma clara tendência de recuperação em várias frentes, o que revela o acerto do governo de transição nessa matéria. Os dados apresentados nos últimos dias nos permitem constatar que, apesar de todas as dificuldades, a economia do país vem se recuperando de forma consistente. Trata-se de uma realidade alvissareira e esperamos que seja um caminho sem volta.

Na última terça-feira (20), o Ministério do Trabalho divulgou o balanço atualizado do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que registrou a abertura de 34,2 mil vagas formais com carteira assinada em todo o país em maio. Foi o segundo mês consecutivo em que a criação de postos de trabalho superou o número de demissões.

Ainda de acordo com os dados apresentados pelo ministério, o resultado do acumulado entre janeiro e maio também é positivo: nesse período, foram geradas 48.543 vagas com carteira assinada no país, o melhor índice dos últimos três anos.

Outros dados relevantes tornados públicos nos últimos dias são os da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), divulgada pelo IBGE. Segundo o levantamento, em abril deste ano, o setor de serviços no Brasil apresentou um crescimento de 1% em relação a março – a maior alta registrada desde março de 2016, quando o indicador subiu 1,2%, e o melhor resultado para abril desde 2013 (2,1%).

A recuperação da economia, o grande feito do governo no pós-impeachment, se reflete também quando observamos a contínua queda da inflação nos últimos meses. Em junho, o Índice Geral de Preços (IGP-10) sofreu uma redução de 0,62%, atingindo a terceira taxa de deflação mensal seguida (-0,76% em abril e -1,1% em maio). O índice, medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), acumula uma redução de 1,43% neste ano.

Já o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) também registrou um recuo nas sete capitais pesquisadas pela FGV nas duas primeiras semanas de junho. O Recife apresentou a maior queda (-0,44%), passando de 1,01% para 0,57% no período. São Paulo, Salvador e Porto Alegre também tiveram reduções do índice inflacionário, enquanto três outras capitais registraram, inclusive, deflação (Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Brasília). A média nacional do IPC-S caiu 0,26 ponto percentual, passando de 0,39% na primeira semana de junho para 0,13% na segunda.

Como se vê, a economia brasileira vem respondendo bem à responsabilidade adotada pelo atual governo nessa área. O respeito às regras e a competência técnica da equipe econômica resgataram a credibilidade perdida nos últimos anos e geraram confiança junto ao mercado e à sociedade.

É evidente que temos de seguir trabalhando pela aprovação das reformas necessárias ao país, em especial das propostas de mudanças na legislação trabalhista e na Previdência que estão em tramitação no Congresso Nacional, além da fundamental discussão sobre a reforma política. Todas elas são muito importantes para que o país prossiga sua recuperação e supere a pior recessão econômica de nossa história.

Não há dúvida de que, se não houvesse eclodido a atual crise política e se tivéssemos um encaminhamento mais célere das reformas, a economia teria avançado ainda mais e com maior rapidez. Mas os números mostram, de forma cristalina, que tudo aquilo que já foi conquistado até este momento representa um enorme ganho para o Brasil. Mesmo com as fortes turbulências na política, o país dá sinais de que está voltando aos trilhos do crescimento. Esperamos que esse processo se consolide, apesar das dificuldades. Nosso compromisso é continuar avançando.

* Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS.

Fonte: http://www.diariodopoder.com.br/artigo.php?i=55099777466

 


‘Nosso vício é a dependência do Estado’

Entrevista com André Lara Resende, economista

Alexa Salomão, O Estado de S.Paulo

Para economista, maior problema do País não é inflação, mas a incapacidade de equilibrar as contas públicas

No início do ano, o economista André Lara Resende levantou uma polêmica em torno da relação entre taxa de juros e inflação. A regra prega que juro alto é como a Novalgina: um remédio eficiente para baixar a inflação. Mas o artigo de Lara ia contra esse princípio: taxas de juro altas por muito tempo - como ocorre no Brasil - teriam o efeito inverso e sustentariam a inflação. E mais: a taxa de juros não cede porque o Estado gasta demais. Haveria aí um ciclo vicioso.

Nesse contexto, a reforma da Previdência é essencial. Agora, Lara lança o livro Juros, Moeda e Ortodoxia, em que aborda o tema de maneira mais extensa e mantém a posição: “Nosso vício não é a inflação, mas a dependência excessiva de um Estado patrimonialista e incompetente que é levado a se endividar em excesso”.

A seguir, trechos de sua entrevista.

O sr. poderia explicar o princípio de sua teoria sobre juros e inflação que tanta polêmica causou entre os economistas?

Antes de mais nada, não se trata de uma teoria, mas de uma conjectura. A teoria sempre postulou a existência de uma relação inversa entre a taxa de juros e a inflação. Ou seja, que a elevação da taxa de juros reduz a inflação e vice versa. A teoria monetária predominante - que pauta os bancos centrais - está baseada em metas para a inflação e uma regra para a fixação da taxa de juros.

Simplificadamente, se a inflação sobe acima da meta, o banco central deve elevar a taxa de juros mais do que proporcionalmente a aceleração da inflação. É uma espécie de regra de bolso, que parece funcionar na prática. Acontece que com a ameaça da deflação nos países avançados depois da grande crise financeira de 2007/2008, os bancos centrais se viram impossibilitados de continuar baixando a taxa de juros quando elas chegaram a zero. A teoria levaria a crer que, diante das mãos atadas dos bancos centrais, a deflação se aceleraria. Não foi o que ocorreu. A inflação, assim como a taxa de juros, se estabilizou perto de zero.

E o que isso quer dizer?

Inverte a convencional relação inversa entre a taxa de juros e a inflação. Por isso é tão polêmica. Abre-se a possibilidade de que seja a alta taxa de juros que sustente a inflação. As razões para isso seriam basicamente duas. Primeiro, altas taxas de juros mantidas por longo tempo, sobretudo quando a dívida pública é alta, agravam o desequilíbrio fiscal e levantam dúvidas sobre a solvência a longo prazo do Estado. Segundo, a taxa de juros funcionaria como sinalizador das expectativas de inflação.

O fato de a inflação ter sido tão resistente no início da recessão é um sinal de que talvez essa “conjectura” possa estar acontecendo no Brasil: taxa de juros funciona como sinalizador de inflação?

Sim, é uma possibilidade. Não apenas no Brasil, mas em toda parte hoje, há sinais de que o efeito da recessão e do desemprego sobre a inflação é muito mais fraco do que parecia.

O Brasil, então, no que se refere a inflação é como um alcoólatra: não pode cheirar um copo de álcool que tem recaída?

A inflação não é um vício, mas o sintoma de vícios. Que vícios seriam esses? O principal deles é a incapacidade de garantir o equilíbrio a longo prazo das contas públicas, a tentação permanente de levar o Estado a gastar mais do que ele é capaz de extrair via impostos da sociedade. Nosso vício não é a inflação, mas a dependência de um Estado patrimonialista e incompetente que é levado a se endividar em excesso.

E por que a taxa de juros é tão resistente no Brasil? Desde o Plano Real, nunca foi abaixo de 7%.

Essa é a pergunta que há anos, desde a estabilização do real, tem causado perplexidade e levado os analistas a quebrar a cabeça. A possibilidade de que na raiz da questão esteja um desequilíbrio fiscal estrutural, diante do qual a alta taxa de juros contribua para agravar o problema. É justamente a tese da dominância fiscal.

Mas existe mesmo a chamada “dominância fiscal”: a perda de efeito da taxa de juros sobre o controle da inflação quando o Estado gasta mais do que pode?

Dominância fiscal é uma situação anormal, que se torna tão mais provável quanto mais alta for a percepção da probabilidade de insolvência do Estado e de calote na dívida pública. O Estado brasileiro é muito deficitário, sua dívida como proporção do PIB é alta e cresce rapidamente. Reunimos portanto as condições para o caso de “dominância fiscal”.

“Reunimos” em que sentido? Podemos vir a sofrer dessa anormalidade ou já estamos nela?

Reunimos, no sentido de que as condições para a dominância fiscal estão aí. Se estamos ou não em dominância fiscal é algo que não se pode afirmar categoricamente. Só uma análise aprofundada, a mais longo prazo, pode ajudar a responder à pergunta.

Há uma defesa incondicional da reforma da Previdência para equilibrar as contas e a dívida pública. Qual seria o efeito da reforma sobre os juros?

Como está, o sistema previdenciário é insustentável. O problema não é novo. Quando destacado para estudar a questão no governo FHC, já estava claro que o sistema iria explodir antes de 2020. Algumas modificações foram feitas na idade mínima e chegamos até aqui, mas a queda brusca da taxa de natalidade e o rápido envelhecimento da população tornaram a previdência insustentável. O desequilíbrio é grave e afeta todo o sistema, mas é na Previdência dos funcionários públicos onde a crise é mais aguda. Grande parte do desequilíbrio das contas públicas, sobretudo estaduais e municipais, vem da Previdência dos servidores. Sem dúvida, a aprovação de uma reforma coerente, que garantisse a saúde e a solvência das contas públicas no longo prazo, é fundamental para viabilizar a queda da taxa básica de juros.

 

Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,nosso-vicio-e-a-dependencia-do-estado,70001846449