Imposto

Luiz Carlos Azedo: A volta do “mais do mesmo”

“O governo está quebrado e não tem recursos para implantar o programa Renda Brasil, que substituirá o Bolsa Família, menina dos olhos de Bolsonaro para sua reeleição”

O governo Bolsonaro perdeu o ímpeto das reformas. É normal, mas após o segundo ano de governo. Entretanto, a pandemia antecipou a inércia. E, se levarmos em conta o papel coadjuvante que representou na reforma da Previdência, o presidente Jair Bolsonaro nunca teve muita motivação para protagonizar as reformas econômicas. Sua agenda prioritária sempre foi outra, o conservadorismo nos costumes, que também anda encalhado no Congresso, e o fortalecimento do Executivo em relação aos demais Poderes, como fato consumado na política. Se ainda houver alguma reforma este ano, será a tributária, na qual as propostas em discussão na Câmara e no Senado são mais ambiciosas do que o projeto apresentado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para embrulhar a recriação do imposto sobre operações financeiras. Uma solução simples para um problema muito mais complexo, que seria modernizar o nosso sistema tributário para torná-lo mais eficiente, equilibrado para os entes federados e mais justo, socialmente.

Entre os economistas, há uma compreensão quase unânime de que a dívida pública, se nada for feito, trará de volta a inflação no próximo ano (o termômetro é o câmbio), que somente não está acontecendo por causa da recessão e do desemprego. Mesmo economistas como Samuel Pessoa e Armínio Fraga, que defendem políticas de austeridade fiscal, já admitem a criação de um novo imposto para evitar o colapso do governo federal no próximo ano. A alternativa que está se discutindo, a partir da proposta de Guedes, é a volta da CPMF. A tese é ampliar a base de arrecadação para ter a menor alíquota do imposto. Com isso, o governo espera resolver seu problema de caixa e evitar a insolvência.

Como aconteceu na reforma da Previdência, uma reforma tributária depende muito mais da Câmara e do Senado do que do empenho do Palácio do Planalto. O projeto encaminhado por Paulo Guedes não tem nada a ver como isso: seu foco é a falta de caixa. Por causa da pandemia, o governo está quebrado e não tem recursos para implantar o programa Renda Brasil, que substituirá o Bolsa Família, menina dos olhos de Bolsonaro para sua reeleição. Na pauta da Câmara e do Senado, respectivamente, as PECs 44 e 110 são outra coisa: uma reforma tributária de verdade.

Diferenças
A PEC 45/2019, elaborada por Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, tem como relator o deputado Baleia Rossi (SP), presidente do MDB. É defendida também pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que pretende aprovar a reforma tributária antes de deixar o comando da Casa. O ponto central do projeto é a substituição de cinco tributos por um único imposto, que seria chamado de imposto sobre bens e serviços (IBS). O modelo é inspirado em sistemas utilizados em outros países, que reúnem em um único imposto sobre valor adicionado (IVA) toda a tributação sobre o consumo, com uma alíquota uniforme. Economistas como Samuel Pessoa defendem a proposta.

A PEC 110/2019, de autoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, em discussão no Senado, porém, tem a preferência dos tributaristas, porque promove uma simplificação tributária mais ampla, unificando nove impostos. A PEC, porém, facilita a concessão de incentivos fiscais a alguns setores produtivos e atividades econômicas específicas — como de alimentação básica, saneamento básico, educação infantil, o que não é bem-visto pelos fiscalistas, porque gera subsídios cruzados e guerra fiscal.

Voltando ao ponto de partida. O governo não aposta em nenhuma dos dois projetos já em tramitação. Fatiou a sua proposta de reforma tributária, porque o interesse maior de Guedes é sair do sufoco orçamentário. O problema é que essa estratégia mexe com os nervos da equipe econômica, recrutada entre economistas liberais, cuja motivação para participar do governo está longe de ser apenas financeira, é ideológica. Se Guedes jogar a toalha e aderir ao “mais do mesmo”, a equipe implode.

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Luiz Carlos Azedo: Estado de choque

“Guedes propõe solução simples para um problema complexo: mais um imposto. Como sabe que é isso, pode ser para criar um cavalo de batalha, justificar seu fracasso e deixar o cargo”

A ideologia de livre mercado do vienense Friedrich August Von Hayek, paradigma da política liberal conservadora do pós-guerra, foi historicamente associada às doutrinas de choque. Embora originárias das décadas de 1920/1930, suas ideias somente ganhariam força após a II Guerra Mundial. Esse caráter de “choque” foi resultado do envolvimento de Hayke com regime ditatoriais da América Latina, entre os quais a ditadura sanguinária do general Augusto Pinochet, no Chile. A doutrina de choque funciona como uma chantagem, porque as pessoas são persuadidas de que a única opção é aceitar o “mal menor” diante das crises, o que se traduz em soluções selvagens para a desregulamentação da economia e alienação patrimonial, assim como a naturalização do desemprego em massa e da chamada “destruição criativa”.

Obviamente, Hayke foi um crítico das teorias de John Maynard Keynes, o que dificultou muito sua vida no imediato pós-guerra, por causa do sucesso das políticas keynesianas nos Estados Unidos, depois da Grande Depressão de 1929, e na reconstrução da Europa Ocidental, com o Plano Marshall, no imediato pós-guerra. Entretanto, Hayke ganhou o prêmio Nobel de 1970 e conquistou corações e mentes dos dois principais líderes ocidentais da década seguinte, Ronald Reagan, presidente republicano dos Estados Unidos, e Margareth Thatcher, primeira-ministra conservadora do Reino Unido. Com isso, sua figura controversa deixou de ser associada aos ditadores latino-americanos e passou ser identificada com a bem-sucedida política “neoliberal” desses dois líderes.

Com o colapso da antiga União Soviética e do comunismo no Leste Europeu, o mundo ingressou num período de aparente unipolaridade, até a Rússia de Putin se reerguer como potência energética, a aliança franco-alemã se consolidar na Europa e a China, emergir como novo player da economia mundial, cujo eixo comercial se deslocou do Atlântico para o Pacífico. Simultaneamente, um filósofo norte-americano, John Rawls, que cresceu em Baltimore e havia servido no Pacífico — Nova Guiné, Filipinas e Japão —, durante a II Guerra Mundial, começou a ser muito discutido nos Estados Unidos, por causa de suas teses sobre a justiça, o direito dos povos e a equidade. Formado em Princeton, no começo dos anos 1950, estudou na Universidade de Oxford, no Reino Unido, onde conviveu com outro gigante do liberalismo, Isaiah Berlin.

Equidade
Justiça, equidade e desigualdades eram as principais preocupações de Rawls, que questionava a forma como os princípios de justiça se baseavam. Ele estava preocupado com a relação entre a política e as desigualdades, que ultrapassa os julgamentos morais individuais. Por essa razão, estabeleceu uma correlação entre os princípios da justiça e a forma como os sistemas educacional, sanitário, tributário e eleitoral funcionam. Crítico da guerra do Vietnã e simpático aos movimentos de direitos civis das minorias, concluiu que todos têm as mesmas demandas para as liberdades básicas e que as desigualdades sociais e econômicas deveriam ter um limite razoável, que fossem associados a cargos e posições acessíveis a qualquer um, de forma a que todos pudessem sobreviver com dignidade. Nesse aspecto, o Estado deveria ser garantidor da justiça com equidade. Suas palestras sobre o tema foram reunidas num livro por ele revisado em 2001: Justiça como equidade: uma reformulação (Martins Fontes), muito adotado nas escolas de direito no Brasil. Sua Teoria da Justiça era o livro de cabeceira do presidente Bill Clinton, do Partido Democrata.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, é um discípulo da Escola de Chicago, liderada por Milton Friedman, outro prêmio Nobel de Economia, de quem foi aluno e apadrinhado na ida para a equipe econômica do general Pinochet. A essência do seu pensamento se baseia na formação de preços, livre mercado e expectativas racionais dos agentes econômicos. Há um ano, o ministro anuncia uma reforma tributária, sem apresentá-la, enquanto o Congresso discute dois projetos, um no Senado, de autoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), e outro na Câmara, do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), com base em estudos do economista Bernard Appy.

Como já vimos, é preciso compatibilizar nosso liberalismo com a justiça social. O que a pandemia escancarou foi o sucateamento da saúde e da educação e a brutal violência e iniquidade social nas favelas, periferias e grotões do país. Entretanto, agora, Guedes anuncia uma proposta de reforma tributária cujo eixo é a criação de imposto com tributação automática de operações digitais, para arrecadar mais de R$ 100 bilhões. Na prática, é uma exumação da antiga CPMF, que foi criada originalmente para viabilizar recursos para a Saúde.

O problema de Guedes é o crescimento da dívida pública por causa da pandemia, que deve elevar o deficit fiscal de R$ 134 bilhões para, aproximadamente, R$ 700 bilhões, o que inviabiliza as políticas de transferência de renda e pode provocar o colapso financeiro do governo federal, se não houver uma reforma administrativa e nova reforma previdenciária no próximo ano. Guedes propõe uma solução simples para um problema complexo: mais um imposto. Política de choque. Como sabe que é isso mesmo, pode ser, também, para criar um cavalo de batalha, justificar seu fracasso e deixar o cargo.

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Luiz Carlos Azedo: Uma crise instalada

”A queda na arrecadação é tratada por Bolsonaro como uma espécie de castigo aos governadores que estão defendendo o isolamento social”

O choque entre o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, é a face mais visível de uma crise de maiores proporções entre a União e os estados, numa recidiva da velha contradição centralização versus descentralização. A epidemia de coronavírus e a recessão mundial dela decorrente exacerbaram o conflito, que se manifesta na discussão sobre aprovação do chamado Plano Mansueto, ou seja, a ajuda a estados e municípios. Bolsonaro está em litígio aberto com os governadores e prefeitos que estão na linha de frente do combate à epidemia de coronavírus e não esconde o incômodo com o alinhamento entre eles e o ministro Mandetta.

Uma decisão de Bolsonaro é emblemática quanto às dificuldades que cria para os governadores na implementação da estratégia de distanciamento social adotada pelo Ministério da Saúde para conter a velocidade da epidemia. No fim de março, as operadoras de telecomunicações ofereceram ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) um mapa de calor para mostrar a geolocalização da população. O intuito era identificar aglomerações e situações de risco de contaminação do novo coronavírus. Bolsonaro vetou o uso das informações, que seria mais uma arma no combate à Covid-19, pois o georreferenciamento permite a pronta atuação das autoridades locais para reduzir essas aglomerações.

O ministro Marcos Pontes chegou a gravar um vídeo anunciando a implantação do sistema nesta semana. No sábado, porém, Bolsonaro ligou para Pontes e suspendeu tudo. Alegou que há riscos para a privacidade do cidadão e que a Presidência precisa estudar melhor o tema, apesar de um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) aprovar o uso da ferramenta proposta pelas teles, uma solução semelhante à que foi adotada pela Coreia do Sul, um dos países com menores taxas de mortalidade pela Covid-19.

A decisão de Bolsonaro tem endereço certo: o governador tucano João Doria, que está controlando o nível de isolamento social no estado de São Paulo pelo monitoramento dos celulares. Para se ter uma ideia de como isso é útil, a diferença de 50% para 70% da população em regime de distanciamento social, para efeito da propagação da epidemia por pessoa, salta de uma média de dois para quatro novos contaminados, ou seja, um crescimento exponencial.

Nada disso importa. A tese que empolga Bolsonaro é a do ex-ministro da Cidadania Osmar Terra, para quem a epidemia já atingiu o seu pico e entrará em declínio, acabando em maio, o que não bate com os modelos matemáticos da equipe do Ministério da Saúde. Segundo Terra, que é médico, o isolamento social não tem eficácia e apenas aprofunda a recessão, além de retardar a autoimunização da maioria da população. A tese também está sendo endossada pelo líder do governo na Câmara, deputado Victor Hugo (PSL-GO), que vem defendendo abertamente a saída de Mandetta do governo. Ontem, Mandetta não falou com a imprensa. Sua permanência no governo é incerta.

Ajudas
A estrela da entrevista de ontem no Palácio do Planalto foi a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, que anunciou medidas destinadas a proteger grupos de risco, como indígenas, quilombolas, ciganos, moradores de rua e idosos em asilos. Damares também contrariou a orientação do Ministério da Saúde e defendeu o chamado isolamento vertical, ou seletivo, focado nesses grupos. Na ocasião, anunciou a distribuição de cestas básicas e o confinamento de tribos indígenas, quilombolas e acampamentos ciganos, além de uma rede de proteção aos moradores de rua e outras populações de risco, formada por instituições filantrópicas e religiosas.

Mas o maior conflito é mesmo a negociação do Plano Mansueto. O ministro da Economia, Paulo Guedes, convenceu Bolsonaro a não ceder a governadores e prefeitos, que pedem socorro financeiro em razão da queda da arrecadação. Eles são responsabilizados pela recessão e o desemprego. A queda na arrecadação é tratada por Bolsonaro como uma espécie de castigo aos governadores que estão defendendo o isolamento social.

As negociações entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e os líderes partidários com o governo, nos últimos dias, foram muito tensas. Guedes foi duro: “O desenho deste projeto é muito perigoso, é um cheque em branco para governadores e prefeitos fazerem uma gestão descuidada, levando todo ônus para o contribuinte, justamente no momento em que mais precisamos da boa gestão para proteger os mais vulneráveis”, declarou.

Rodrigo Maia, entretanto, articulou mudanças no projeto para garantir a aprovação da nova versão do chamado Plano Mansueto, que foi limitada à instituição de um seguro-garantia de arrecadação para estados e municípios, com impacto estimado de R$ 80 bilhões. “A posição que ouvi majoritária entre os líderes é que nós façamos como se fosse um seguro. Se arrecadação era 100 e caiu pra 70, o governo recompõe 30. Se daqui a quatro meses a arrecadação era 100 e foi 100 (novamente), o governo não precisa dar um real”, afirmou Maia.

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Luiz Carlos Azedo: Inflamável

“O pano de fundo da disputa entre Bolsonaro e governadores é a tabela de frete rodoviário, cuja constitucionalidade será julgada pelo STF. Há inquietação entre os caminhoneiros”

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), subiu o tom contra o presidente Jair Bolsonaro, ontem, na reunião dos governadores, por causa da queda de braço envolvendo a questão dos combustíveis. Bolsonaro havia desafiado os governadores a zerar a cobrança de ICMS sobre combustíveis, prometendo fazer o mesmo.

“Estamos trabalhando em uma postura de que, em primeiro lugar, se trata as coisas sérias de uma forma séria. Essa questão de impostos é uma questão tributária, é uma questão muito séria. Então, o presidente da República deveria ter reunido primeiramente sua equipe econômica antes de entrar em um debate tão criminoso como esse, que é o debate de quebrar todos os estados, inclusive a Federação, prejudicando aqueles que são mais pobres”, declarou Ibaneis.

Presente à reunião, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou apagar o incêndio e disse que a redução dos impostos sobre combustíveis só pode ser um objetivo de médio e longo prazos. O ICMS sobre combustíveis é o único imposto cobrado no destino, e não na origem, como os demais, sendo uma das principais fontes de receita dos estados.

“Nós, governadores, estamos apanhando há 15 dias, de todo mundo, inclusive do senhor e do presidente”, disse Ibaneis ao ministro Guedes. Porta-voz do encontro, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, disse que “Guedes sabe que só pode reduzir a carga tributária a partir da aprovação do pacto federativo e da reforma tributária. Não é um assunto que pode ser resolvido imediatamente”.

O pano de fundo da disputa entre Bolsonaro e os governadores é a tabela de frete dos transportes rodoviários, cuja constitucionalidade será julgada no próximo dia 19 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Há grande inquietação entre os empresários do setor de transportes e os caminhoneiros avulsos, que ameaçam fazer uma nova greve. O tabelamento do frete foi aprovado pelo Congresso após a greve dos caminhoneiros, no governo Michel Temer, em 2018. Na época, Bolsonaro apoiou o movimento, conquistando apoio maciço dos caminhoneiros.

Nos bastidores do Supremo, é dada como certa a inconstitucionalidade da tabela de frete, cujo julgamento fora adiado pelo ministro Luiz Fux, relator do caso, a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU). A tabela em vigor trouxe como novidade no cálculo de valor a obrigação do pagamento do frete de retorno para algumas cargas, como combustível.

O texto também incluiu a cobrança de diárias de estadia e de refeição do caminhoneiro e um novo tipo de carga, a pressurizada. Com isso, a regulamentação passou a abranger, ao todo, 12 categorias. Além do aumento no preço dos fretes, os caminhoneiros querem ampliar a pauta para redução do diesel, com a exigência, por exemplo, de uma alíquota única de ICMS sobre os combustíveis para todos os estados. O combustível representa 38% dos custos do transporte rodoviário.

Jogou a toalha
Não foi só em relação à cobrança do ICMS que o governo recuou. Após a posse do ex-deputado Rogério Marinho no Ministério do Desenvolvimento Regional, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), anunciou que o Palácio do Planalto desistiu de encaminhar ao Congresso o seu projeto de reforma administrativa.

A forte reação dos servidores públicos e dos políticos às declarações do ministro Paulo Guedes sobre os servidores, nas quais comparou-os a parasitas, inviabilizou qualquer possibilidade de o governo manter essa iniciativa. O que está se discutindo, agora, é aproveitar uma emenda constitucional em tramitação numa das Casas para fazer uma reforma de iniciativa do Congresso, com certeza bem mais branda do que a pretendida por Guedes.

Repete-se a situação da reforma tributária, que o governo também desistiu de encaminhar ao Congresso. Câmara e Senado vão compor uma comissão mista para examinar a proposta do deputado Baleia Rosssi (MDB), que se baseia no projeto do economista Bernardo Appy.

Em contrapartida, os líderes do Congresso e o Palácio do Planalto entraram em acordo sobre os vetos do presidente Bolsonaro às emendas do Orçamento da União de 2020, que previa a liberação de R$ 30, 6 bilhões em emendas selecionadas pelo relator e por comissões. O Legislativo devolverá ao governo o poder de definir o destino de R$ 10,5 bilhões. As emendas individuais (R$ 9,6 bilhões) e as de bancadas (R$ 5,4 bilhões) são de liberação obrigatória.

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Luiz Carlos Azedo: Imposto do desemprego

“O governo deixará de arrecadar cerca de R$ 10 bilhões em cinco anos, mas a compensação viria na mudança das regras do seguro-desemprego”

Na mensagem enviada ao Congresso Nacional, ontem, o presidente Jair Bolsonaro anunciou suas prioridades para 2020, focadas na agenda econômica: reforma tributária, MP do Contribuinte Legal, independência do Banco Central, privatização da Eletrobras, promoção do equilíbrio fiscal e novo marco regulatório do saneamento. As propostas foram bem recebidas no Congresso, que começou o ano politicamente esvaziado. O ministro da Casa Civil, Ônyx Lorenzoni, cuja pasta foi esvaziada, fez uma entrega protocolar da mensagem. Bolsonaro estava em São Paulo, com o ministro da Educação, Abraham Weintraub, outro que anda em baixa no governo, para inaugurar um colégio militar.

A única proposta de caráter social entre as prioridades do governo é o Programa Verde Amarelo, cujo objetivo é combater o desemprego. O grande jabuti é o desconto de 7,5% de contribuição no seguro-desemprego. Lançada em novembro passado, a proposta já está sendo ironizada no Congresso, onde é chamada de imposto do desemprego, e deve ser rechaçada pela Câmara, ainda mais num ano eleitoral, como aconteceu com outras propostas do ministro da Economia, Paulo Guedes, como a recriação da contribuição sobre operações financeiras e o chamado “imposto do pecado”, a supertaxação do cigarro e da bebida, rechaçada pelo próprio presidente Bolsonaro.

O governo deixará de arrecadar cerca de R$ 10 bilhões em cinco anos, mas a compensação viria na mudança das regras do seguro-desemprego, que possibilitaria uma arrecadação de R$ 12 bilhões em cinco anos. Em compensação, o período de recebimento do seguro-desemprego passaria a contar para a aposentadoria. O Programa Verde Amarelo mira o desemprego, com regras que flexibilizam a legislação em relação ao trabalho aos domingos e feriados, às férias e ao 13% salário. É destinado a trabalhadores que recebam até 1,5 salário-mínimo, em contratos de 2 anos. Estima-se que 500 mil pessoas poderão ser contratadas com a mudança.

Outra proposta do programa é a concessão de R$ 40 bilhões para até 10 milhões em microcrédito, destinados a pequenos empreendedores. De acordo com o governo, os recursos serão direcionados à população de baixa renda, aos “desbancarizados” e aos pequenos empreendedores formais e informais. Outra meta é reinserir no mercado de trabalho 1 milhão de pessoas afastadas por incapacidade, pela via da reabilitação física e habilitação profissional. Também está prevista a contratação de 380 mil pessoas com necessidades especiais.

Coronavírus
O governo está levando a sério a ameça de epidemia de coronavírus chegar ao Brasil, que já tem 14 pessoas infectadas. Ontem, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, anunciou que o Brasil, mesmo sem casos confirmados de infectados com coronavírus, vai reconhecer estado de emergência em saúde pública. A medida pode viabilizar a retirada dos brasileiros que estão na província de Wuhan, na China, o epicentro da epidemia, que está isolada. De acordo com o Ministério da Saúde, a escolha do local onde será a quarentena dos brasileiros trazidos da China ficará a critério do Ministério da Defesa. Provavelmente, uma base militar, em Florianópolis, em Santa Catarina, ou em Anápolis, em Goiás.

O ministro cita três razões para a quarentena: primeiro, a cidade de Wuhan escolheu fazer um isolamento. Quando se entra em um local de quarentena, se mantém em estado de quarentena. Segundo, lá estão concentrados 67% de todos os casos. Terceiro, quando se traz pessoas de várias regiões do país, elas seriam espalhadas para vários estados do Brasil, daí a necessidade de manter todos eles juntos. O ministro não falou, mas existe uma quarta razão: o sistema hospitalar no Brasil não está em condições de enfrentar uma situação na qual o vírus seja transferido de pessoa a pessoa, seria uma tragédia sem igual, desde a gripe espanhola. A saída é aumentar a vigilância epidemiológica nos aeroportos e portos e isolar os casos suspeitos imediatamente.

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Luiz Carlos Azedo: A locomotiva do Brasil

“Depois de um ano à frente das finanças do governo paulista, Meirelles saiu do silêncio obsequioso em que estava em relação ao ministro Paulo Guedes”

Em conversa com a jornalista Miriam Leitão, do jornal O Globo, o secretário de Fazenda do governo de São Paulo, Henrique Meirelles, resolveu fazer um contraponto com o ministro da Economia, Paulo Guedes, comparando o desempenho da economia paulista com a do Brasil em 2019, primeiro ano dos governos Jair Bolsonaro e João Doria. São Paulo cresceu 2,6%, com uma projeção de 3% e 3,5% em 2020. A comparação foi puro veneno: “Imagina 2019 se o Brasil tivesse crescido à taxa de São Paulo. Agora, tire São Paulo da taxa nacional e o país teria crescido só 0,3%, por aí”.

A maldade não parou: “Nos serviços, em 12 meses até novembro, o país teve 0,9%, e São Paulo teve 3,2%. A indústria caiu 1,1% no país, enquanto em São Paulo cresceu 0,3%”. Segundo Meirelles, o estado gerou 40% dos empregos formais do ano passado. Presidente do Banco Central nos governos Lula e Dilma e ministro da Fazenda do presidente Michel Temer, Meirelles continua com seu prestígio inabalado no mercado financeiro, pois tem a seu favor o fato de ter administrado a crise de 2008 do ponto de vista cambial e ter tirado o país da recessão, após o impeachment de Dilma Rousseff.

Ou seja, depois de um ano à frente das finanças do governo paulista, Meirelles saiu da espécie de silêncio obsequioso em que estava em relação à gestão do ministro Paulo Guedes. Elogiou o Banco Central, em cujos os modelos macroeconômicos disse confiar, e revelou sua intenção de debater a reforma tributária. Segundo ele, o projeto dos estados foi apresentado como substitutivo à emenda 45, em tramitação na Câmara, e à emenda 110, que está no Senado. A proposta é uma alíquota única para todos os produtos em cada estado, com uma margem para subir ou descer, de acordo como a avaliação de comitê gestor formado por União, estados e municípios, para acabar com a guerra fiscal.

Desempenho fiscal
O xis da questão tributária: o governo federal não sabe o que fazer desde a queda do secretário de Receita, Marcos Cintra, que apostava na recriação da CPMF. Agora, a equipe econômica estuda novamente a possibilidade de adoção do imposto sobre operações financeiras, que dificilmente será aprovado pelo Congresso. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é contra o novo imposto. O ambiente também não será dos mais favoráveis à mudança, em razão das eleições municipais. Os comentários de Meirelles sinalizam nova postura do ex-ministro, no sentido de ter um protagonismo aberto em relação à agenda econômica do governo, hoje monopolizada pelo ministro Paulo Guedes. Veremos os próximos lances quando o Congresso começar a discutir as reformas para valer.

O mercado está na expectativa da divulgação do resultado fiscal do governo, que somente ocorrerá no fim do mês. O resultado fiscal do governo, da ordem de R$ 70 bilhões, resultou do aumento de arrecadação proporcionado pelos leilões do pré-sal, uma receita excepcional, e de manobras na execução financeira: a Fazenda só liberou os contingenciados quando teve a certeza de que os ministérios não teriam tempo hábil para gastar o dinheiro. Não é uma “pedalada” fiscal clássica, mas seu efeito é muito parecido. O problema é que isso não muda em nada a realidade da economia.

O resultado do conjunto da obra foi deixar o mercado financeiro borocoxô. Depois da inflação acima da meta, uma possível maquiagem no resultado das contas públicas desanima os investidores, o que se refletiu na Bovespa nesta semana. A meta do deficit primário do governo para este ano é de R$ 124 bilhões, será cumprida com toda certeza, seja porque foi estabelecida com uma margem de segurança para evitar a falta de responsabilidade fiscal — que é motivo de impeachment —, seja porque o governo soube gerenciar seu fluxo de caixa de maneira a não impactar a narrativa oficial. Como sabe das coisas, porque conhece as entranhas das contas públicas, Meirelles está todo assanhado e pretende voltar à ribalta, com esse discurso de que São Paulo voltou a ser a locomotiva do Brasil.

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