Imposto de Renda
Promessas de Bolsonaro para 2023 já somam quase R$ 160 bi em gastos
Anna Carolina Papp*, UOL
Com a largada para o segundo turno das eleições, o presidente Jair Bolsonaro (PL) confirmou nesta terça-feira, 4, a promessa de conceder o 13.º a mulheres chefes de família que recebem o Auxílio Brasil em 2023 caso reeleito - sem dizer, porém, de onde sairiam os recursos. Com isso, as promessas eleitorais do presidente - parte delas sem a garantia de recursos no Orçamento - já somam R$ 158,6 bilhões.
Depois de prometer a manutenção do Auxílio em R$ 600, correção da tabela do Imposto de Renda, reajuste salarial para os servidores e prorrogação da desoneração dos tributos federais sobre combustíveis, Bolsonaro aposta agora em novas "bondades" nos benefícios sociais para derrotar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno. Na segunda-feira, ele já havia anunciado a antecipação do pagamento do Auxílio em outubro.
Competição predatória
"O segundo turno inaugura um período de competição fiscal predatória promovida principalmente pelo Bolsonaro", avalia o coordenador do Observatório Fiscal da Fundação Getúlio Vargas, Manoel Pires.
O custo de conceder a 13.ª parcela a mulheres que recebem o Auxílio Brasil é de R$ 10,1 bilhões. Segundo informações da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania do Ministério da Cidadania, são 16,85 milhões de famílias chefiadas por mulheres que recebem o mínimo de R$ 600 do programa.
A promessa do presidente não tem espaço no Orçamento de 2023 enviado ao Congresso, que prevê o pagamento médio de R$ 405. Segundo o Ministério da Economia, o custo extra para a manutenção dos R$ 600 seria de R$ 52 bilhões. Já na comparação com o orçamento do programa em 2022, o custo adicional para o ano que vem é R$ 67 bilhões - pois contempla a inclusão de novos beneficiários, totalizando 21,6 milhões de famílias.
A "fatura" ainda deve aumentar. No mês passado, Bolsonaro prometeu pagar um adicional de R$ 200 a beneficiários que conseguirem um emprego formal. O chamado Auxílio Inclusão Produtiva Urbana já consta na lei do Auxílio Brasil e prevê o pagamento extra, mas ainda não saiu do papel. Procurado, o Ministério da Cidadania afirmou que o programa "está em fase de regulamentação". Ainda não se sabe quanto a medida vai custar.
"Ainda temos um longo mês pela frente para ver o poder da caneta ressuscitando propostas e comprometendo ainda mais o Orçamento do ano que vem", avalia Juliana Damasceno, economista da Tendências.
Outra medida que ficou de fora do Orçamento do ano que vem é a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, que levaria a uma perda de no mínimo de R$ 17 bilhões de arrecadação. A promessa, aliás, vem desde a campanha de Bolsonaro 2018. Há medidas inclusas no Orçamento, como os R$ 11,6 bilhões reservados para reajuste dos servidores do Executivo. Esse valor, porém, só permite uma correção de 4,8%, menos do que a inflação prevista.
Desonerações
Também foram prorrogadas as desonerações sobre combustíveis - grande aposta de Bolsonaro na campanha. A prorrogação da redução do PIS/Cofins e da Cide sobre gasolina, gás natural e etanol custará R$ 34,3 bilhões. Já a do PIS/Cofins sobre diesel e gás de cozinha, R$ 18,6 bilhões.
"Temos a obrigação de, num horizonte de oito anos, reduzir os gastos tributários pela metade - e estamos indo na contramão", diz Damasceno. "Por que a gente prorrogaria essa desoneração se o próprio Ministério da Economia diz que não teremos pressão pelo lado do preço no ano que vem, nem do petróleo, nem do câmbio?", questiona. (COM BROADCAST).
Texto publicado originalmente no portal UOL.
RPD || Entrevista Especial - Bernard Appy: "Tributação do consumo no Brasil só tem exceção, não tem regra"
Reforma tributária precisa trazer mais simplicidade, racionalidade e equilíbrio para o Brasil ganhar competitividade, avalia Bernard Appy
Caetano Araújo e André Amado / RPD Online
Um dos maiores especialistas no complicado sistema tributário brasileiro, o economista Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal – um think thank independente, cujo objetivo é contribuir para melhorar a qualidade do sistema tributário no Brasil e para o sistema de gestão fiscal brasileiro – é o entrevistado especial desta 37a edição da Revista Política Democrática Online.
Appy, que se dedica a desatar o injusto e complexo sistema tributário brasileiro desde a década passada, quando atuou como secretário executivo e de política econômica do Ministério da Fazenda, foi um dos mentores do estudo que deu base para a criação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, do deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP). Por decisão do atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a comissão especial da Casa que analisava o mérito da reforma tributária foi sustada em maio passado.
O projeto da PEC 45 teve como principal ponto a unificação de tributos federais (PIS, Cofins e IPI), estaduais (ICMS) e municipais (ISS). Batizado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o novo tributo seguiria o modelo do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), aplicado em outros países.
Atualmente a reforma tributária está em discussão no Senado Federal por meio da PEC 110/2019, que prevê a substituição de nove tributos, o IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS, ISS, pelo IBS. A diferença entre as propostas é essencialmente de prazo: 2 anos de teste e 8 de transição na PEC 45 e 1 ano de teste e 5 de transição na PEC 110.
Na entrevista à Revista Política Democrática Online, ele explica a importância de uma reforma tributária ampla, que simplifique o pagamento de tributos no Brasil e que foque, sobretudo, no aumento de produtividade. Appy também comenta o PL 2337, que trata do Imposto de Renda, que é de autoria do Poder Executivo e que tem sido alvo de críticas de todos os setores. Confira a entrevista a seguir:
Revista Política Democrática Online (RPD): Há algum tempo, costuma-se discutir as possíveis reformas tributárias a partir de eixos como a centralização, a descentralização, complexidade versus simplicidade, opacidade versus transparência, e progressividade versus regressividade. Em que medida essas questões expressam problemas reais brasileiros, e quais seriam as consequências negativas desses problemas para o país?
Bernard Appy (BA): De fato, um bom sistema tributário tem algumas características: ser simples para o contribuinte; ser transparente, ou seja, as pessoas têm de saber quanto estão pagando de imposto; tem de ser neutro, isto é, o sistema tem de distorcer o mínimo possível a forma de organização da produção, porque, ao distorcer a forma de organização da produção, o sistema geralmente resulta em ineficiência e menor crescimento da economia; e ele tem de ser progressivo, ou seja, quem tem mais capacidade contributiva tem que pagar mais do que tem menos capacidade contributiva. E isso tem de valer para todas as categorias de tributos.
Nós temos cinco categorias principais de tributos: (1) tributos sobre o consumo, que são tributos sobre a produção e a comercialização de bens de serviço, mas que, quando bem desenhados, são tributos sobre o consumo; (2) tributos sobre a renda; (3) tributos sobre o patrimônio, ou a transferência de patrimônio; (4) tributos sobre a folha de salários, que geralmente estão vinculados ao financiamento de benefícios da seguridade social; e (5) tributos regulatórios, desde tributos sobre o comércio exterior, como imposto de importação, até tributos ambientais, que têm ganhado destaque na discussão internacional, mas que é um tema ainda pouco explorado no Brasil.
O sistema tributário brasileiro não tem nenhuma das características desejáveis de um bom modelo de tributação – simplicidade, transparência, neutralidade e progressividade. Temos um sistema que é extremamente complexo - na área de tributações de bem de serviços, provavelmente o mais complexo do mundo. Temos um sistema que é extremamente opaco – quando se está comprando uma mercadoria, ou um serviço, não se tem a menor ideia de quanto de imposto está sendo pago. Temos um sistema que é tudo, menos neutro, pois no Brasil, ao menos na tributação do consumo só tem exceção, não tem regra.
Na tributação do consumo, a maior parte dos países tem um único imposto, que é o imposto sobre valor adicionado, o IVA. O Brasil tem cinco tributos gerais sobre o consumo – o PIS e a COFINS, contribuições federais que têm uma legislação semelhante, mas duas formas de incidência, cumulativa e não cumulativa, o imposto sobre produtos industrializados (IPI), que é federal, o ICMS que é estadual, e o ISS municipal. E cada um desses tributos tem uma quantidade enorme de alíquotas, de benefícios fiscais e de regimes especiais. Não é exagero, portanto, dizer que a gente tem um sistema tributário, que, pelo menos na tributação do consumo, só tem exceção e não tem regra. Ou seja, quando você só tem exceção, todo mundo vai se organizar para tentar se beneficiar da melhor forma possível das exceções, e isso acaba destorcendo completamente a forma de organização da economia e prejudicando o crescimento do país.
Por fim, temos problemas extremamente sérios do ponto de vista da progressividade do sistema tributário, porque, no Brasil, temos falhas no sistema de tributação da renda que fazem com que uma parcela extremamente relevante das pessoas de alta renda seja muito pouco tributada.
Isso decorre de uma série de falhas, como, por exemplo, o modelo brasileiro de tributar exclusivamente na empresa e isentar na distribuição de lucros. Em si, a tributação na empresa e a isenção na distribuição não é um problema distributivo, se o lucro for efetivamente tributado na empresa a 34% – que é a soma da alíquota do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Só que, no Brasil, por uma série de fatores, em muitos casos o imposto pago na empresa é muito menor do que 34%. Isso acontece no caso de grandes empresas, porque tem uma série de mecanismos que permitem que o lucro fiscal, ou seja, o lucro tributável, seja muito menor do que o lucro contábil. E acontece também, no caso dos regimes simplificados de tributação, como lucro presumido ou simples.
A título de exemplo, tome-se um profissional liberal, que trabalha por conta própria, cujo faturamento mensal é de R$ 125 mil e que tem despesas da ordem de R$ 25 mil com aluguel de escritório, secretária, outros tributos, exceto tributos sobre o lucro. Esse profissional liberal, que tem uma renda bruta de R$ 100 mil, vai pagar de tributos sobre o lucro apenas 11,9% desses R$ 100 mil pelo regime de lucro presumido, e depois vai distribuir o restante para a pessoa física com isenção.
Já um empregado formal, que tem uma renda de 100 mil reais paga não só 27,5% de imposto de renda de pessoa física (IRPF), mas a empresa ainda paga cerca de 27% de contribuição sobre folha desse empregado, sem contar o FGTS. Como o os benefícios previdenciários do empregado formal são limitados a R$ 6,4 mil, na prática a contribuição sobre a folha da empresa acima desse valor é equivalente a um imposto sobre a renda do empregado. Quando se faz a conta somando o IRPF com a contribuição sobre folha da empresa e deduzindo o valor presente dos benefícios recebidos pelo empregado, chega-se a uma alíquota sobre a sua renda de quase 38% (com proporção do custo para a empresa).
Ou seja, a alíquota incidente sobre a renda mensal de R$ 100 mil de um profissional liberal que atua como sócio de uma empresa de lucro presumido é de 11,9%, enquanto a alíquota incidente sobre um empregado formal de mesma renda é mais do que o triplo. Esse é um exemplo claro do nível de distorção na tributação da renda a que chegamos no Brasil. Enquanto o profissional “pejotizado” é tributado a uma alíquota absurdamente baixa, o empregado formal é tributado a uma alíquota excessivamente alta.
O que acontece, portanto, no Brasil? Por conta dessas múltiplas falhas no sistema tributário, temos problemas seríssimos de progressividade na tributação da renda e temos distorções que prejudicam muito o crescimento – especialmente no âmbito da tributação do consumo. Vou explicar melhor esse ponto.
A multiplicidade de tributos sobre o consumo e sua enorme complexidade, geram efeitos muito negativos para o crescimento da economia. Em primeiro lugar, o custo burocrático de pagar imposto, relativamente a padrões internacionais é extremamente elevado no Brasil. Um estudo de uma universidade alemã que compara 100 países situa o Brasil em último lugar, como o país com maior complexidade para pagar tributos.
Em segundo lugar, como já indiquei, quando se tem um sistema com muitas exceções, a tendência é sempre haver divergências de interpretação entre os contribuintes e o fisco, o que aumenta o grau de litígio tributário, que é monumental no Brasil. Um estudo do Insper indica que, hoje, o litígio tributário no país – federal, estadual e municipal, nas esferas administrativa e judicial – chega a mais de R$ 5 trilhões, o que corresponde a mais de 70% do PIB. Desse montante, talvez um trilhão e meio, dois trilhões de reais, sejam créditos podres, mas ainda sobra algo como três trilhões, três trilhões e meio de reais, de fato mais de 40% do PIB de litígio tributário ativo no Brasil.
É muito provável que o Brasil seja o campeão mundial em litígio tributário, e isso não só tem custo para as empresas e o governo – com advogados, contadores etc. –, mas também aumenta o custo do Poder Judiciário do Brasil, que dedica boa parte de sua energia à cobrança da dívida ativa. Outro efeito negativo é a própria absorção da energia da alta administração das empresas, que, ao invés de estar se ocupando em tornar a empresa mais competitiva, está preocupada em evitar que a empresa quebre, por conta de um litígio tributário que, às vezes, pode representar mais de 50% do seu patrimônio líquido. Não bastasse o custo elevado, esse sistema distorcido de tributação gera forte insegurança jurídica, o que compromete o investimento.
Em terceiro lugar, as distorções na tributação do consumo acabam onerando os investimentos e as exportações, reduzindo o potencial de crescimento do país. Um sistema bem desenhado de tributação do consumo, que é o imposto sobre valor adicionado, desonera completamente exportações, tributa as importações de forma equivalente à produção nacional, e desonera completamente investimentos. No Brasil, por conta da cumulatividade do sistema, e de falhas na desoneração dos investimentos e das exportações, estamos aumentando o custo dos investimentos, prejudicando a competitividade do país e reduzindo nosso potencial de crescimento.
Por último, a enorme complexidade da tributação do consumo acaba levando a economia brasileira a se organizar de forma muito ineficiente. Uma boa forma de entender essa distorção é imaginar um mundo sem imposto e pensar como ele se organizaria. A introdução do imposto não deveria mudar essa forma de organização. No caso do Brasil, pense que, nesse mundo sem imposto, uma empresa tivesse de montar um centro de distribuição. Onde montaria? Onde minimizasse o custo de logística, certo? Ou seja, minimizaria o custo de trabalho, que é a remuneração do caminhoneiro, e o custo de capital, que é o valor do caminhão e do combustível. No Brasil, por conta de benefícios fiscais, a maioria dos centros de distribuição são montados em locais distantes dos centros de consumo, aumentando o custo de logística para poder receber um benefício tributário.
Aquilo que do ponto de vista da empresa faz sentido, que é minimizar seu custo total, isto é, o custo econômico e o custo tributário, do ponto de vista do país não faz sentido, porque eleva o custo econômico. Ou seja, por conta de distorções no sistema tributário gastamos mais caminhões, mais trabalho de caminhoneiro, mais combustível, mais estrada, para levar a mesma mercadoria para o mesmo consumidor final. Isso, na verdade, é perda de produtividade, despende-se mais trabalho e capital para fazer uma determinada atividade econômica, do que seria preciso despender se não fosse a distorção introduzida pelo sistema de tributação.
Isso, na verdade, resulta em uma perda de produtividade que pode ser muito grande. Para vocês terem uma ideia, tem um estudo do economista Bráulio Borges, que está disponível no site do Centro de Cidadania Fiscal, que estima que a eliminação dessas distorções na tributação do consumo poderia elevar o PIB potencial do Brasil em 20 pontos percentuais em um horizonte de 15 anos. Esse maior crescimento beneficiaria todo mundo: beneficiaria obviamente as famílias, porque aumentaria o poder de consumo delas; beneficiaria as empresas, porque elevaria o volume de vendas; e beneficiaria o governo, porque, mantida a carga tributária, o maior crescimento da economia elevaria a arrecadação. Desde que esse aumento da arrecadação não virasse automaticamente gasto, o resultado seria uma trajetória sustentável para a dívida pública. A partir de certo momento, o ajuste fiscal abriria inclusive espaço para alguma ampliação do gasto público ou para uma redução da tributação.
RPD – Quais são as distorções que existem no sistema tributário brasileiro?
BA - As distorções que existem no sistema tributário são, portanto, de duas naturezas: distorções que prejudicam o crescimento, sobretudo na tributação do consumo, e distorções distributivas, sobretudo na tributação da renda. Podemos olhar a situação brasileira como um o copo meio cheio ou meio vazio. Olhar o copo como meio vazio é dizer: "O sistema tributário brasileiro é um horror: a quantidade de distorções é tão grande que, honestamente, não consigo enxergar nada parecido em outros países do mundo". Por outro lado, pode-se ver o copo meio cheio: "Tudo bem, essas distorções são tão grandes que, no Brasil, é possível fazer mudanças que tornem o sistema tributário simultaneamente mais progressivo e mais eficiente". É muito comum você encontrar na discussão sobre política tributária um trade off, um conflito, entre eficiência e progressividade. No Brasil, as distorções são tão grandes que é possível ter um sistema que seja ao mesmo tempo mais eficiente e mais progressivo. Claro que, para conseguir fazer isso, é preciso enfrentar interesses que estão consolidados dentro do sistema tributário atual. Não se trata de algo politicamente fácil, mas, tecnicamente, nossas distorções são tantas que dá para melhorar em todas as dimensões simultaneamente.
RPD: À medida que o processo de globalização avança, nossos problemas tornam-se cada vez mais problemas globais, e as soluções também precisam avançar um pouco nesse sentido da cooperação internacional, para dar conta desses problemas. No plano estritamente tributário, dois exemplos bastante claros disso seriam as tentativas de se fazerem acordos em torno da tributação dessas grandes empresas de tecnologia, tentativas recentes, e os esforços no sentido do combate aos paraísos fiscais. É possível avançar nessa direção, e a cooperação internacional pode ajudar?
BA: A cooperação internacional é fundamental em algumas áreas da tributação. Uma parte da tributação, que é a tributação do consumo, é essencialmente doméstica, e, portanto, neutra do ponto de vista do comércio internacional. Não importa se a mercadoria é produzida no país ou no exterior, se você tiver um bom sistema de tributação do consumo, a tributação vai ser a mesma, e isso não distorce o comércio internacional, nem a alocação de recursos internacionais. Uma parte da tributação sobre a propriedade também é essencialmente doméstica, como, por exemplo, a tributação sobre o patrimônio imobiliário – IPTU e ITR.
Mas tem uma área em que a cooperação e a coordenação internacional são absolutamente fundamentais – a tributação da renda. A renda é tributada no lugar onde a renda é gerada, e isso faz com que você tenha uma série de distorções internacionais que limitam a possibilidade de tributação de cada país, sobretudo na tributação do lucro de grandes empresas multinacionais. As empresas multinacionais acabam tendo possibilidade de redução da tributação de várias formas. Uma delas é alocando o lucro em jurisdições de baixa tributação. Por exemplo, muitas Big Techs têm sede na Irlanda, onde o lucro é tributado a uma alíquota de 12,5%, uma alíquota bastante baixa para padrões internacionais. Esse problema é especialmente relevante quando o lucro resulta de intangíveis, como ocorre na nova economia, pois é muito fácil realocar a propriedade intelectual entre jurisdições.
Outro método muito utilizado são operações entre estabelecimentos de uma mesma multinacional em dois países – um com alta tributação, o outro com baixa tributação. Para maximizar o lucro, a empresa busca exportar com preços abaixo do valor de mercado, do país de alta tributação para o de baixa tributação, e importar com preços acima do de mercado na situação inversa. Há uma série de medidas para tentar regular esse tipo de operação – conhecidas como legislação de preços de transferência – mas seu escopo é limitado e o controle complexo.
Por conta dessa situação, o mundo vem passando, desde meados dos anos 80, por um processo de race to the bottom, uma competição tributária mundial de redução de alíquotas na tributação da renda corporativa. Em meados dos anos 80, a alíquota média da tributação do lucro das grandes empresas nos países da OCDE era superior a 40%; hoje está em 23%. Recentemente, vem-se tentando conter esse movimento, por meio de duas iniciativas importantes. Uma delas, já com quase 10 anos, é a iniciativa BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), da OCDE e do G20, que propõe medidas voltadas à coordenação entre os países e à limitação da transferência de lucro para localidades de baixa tributação. A outra iniciativa, mais recente, envolve um processo de tentativa de tributação das Big Techs através da atuação em dois pilares. Um dos pilares é a definição de uma alíquota mínima de tributação do lucro em todos os países, de 15%, que ainda é uma alíquota relativamente baixa, mas foi a politicamente possível de ser adotada. O segundo pilar é um critério de distribuição de parte do lucro gerado pelas subsidiárias de grandes empresas, sobretudo das Big Techs, entre o país sede da empresa e o país onde é consumido ou utilizado o bem ou serviço fornecido pela subsidiária.
Avanços existem, portanto, mas ainda é muito pouco para poder, realmente, permitir uma tributação adequada do lucro entre todos os países. A alíquota mínima proposta, de 15%, ainda é muito menor que a alíquota média incidente sobre o lucro distribuído na OCDE, que é de cerca de 42% – considerada a alíquota na empresa e na distribuição. Ou seja, o reinvestimento dos lucros nos países de baixa tributação seguirá sendo um bom negócio.
A coordenação internacional é, pois, um movimento importante, que complementa aquilo que os países têm de fazer domesticamente. Depois de um longo período de race to the bottom, de contínua redução da alíquota na tributação da renda coorporativa, já se pode ver o começo de uma reversão desse processo, embora muito aquém daquilo que seria necessário para que os países, de fato, venham a ter autonomia e liberdade, na definição das suas políticas de tributação do lucro. Mas, é um avanço importante; é uma mudança que se vem acelerando e que esperamos ande ainda mais rapidamente.
RPD: Voltando ao Brasil. O que são as PECs 45 e 110 e por que não avançaram?
BA: A PEC 45 é uma proposta de emenda constitucional apresentada pelo deputado Baleia Rossi, inspirada em um trabalho que desenvolvemos no Centro de Cidadania Fiscal; e a PEC 110 é uma proposta de reforma tributária do Senado Federal, que tomou por base um trabalho realizado pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly. As duas propostas têm, basicamente, o mesmo objetivo – reformar o sistema de tributação do consumo no Brasil. Apresentam algumas diferenças, mas, na essência, têm características muito semelhantes – buscam substituir os atuais tributos sobre o consumo por um único Imposto sobre Bens e serviços (IBS), compatível com o padrão mundial de um bom imposto sobre o valor adicionado, incidente sobre uma base ampla de bens e serviços.
As duas propostas também preveem duas transições. Uma transição para os contribuintes, ou seja, dos tributos atuais para os novos tributos. A transição se iniciaria por um período de teste em que o IBS seria cobrado com a alíquota de 1%, seguindo-se um período de transição, em que as alíquotas dos tributos atuais seria progressivamente reduzida, e a alíquota do IBS seria elevada, mantendo a carga tributária. A diferença entre as propostas é essencialmente de prazo: 2 anos de teste e 8 de transição na PEC 45 e 1 ano de teste e 5 de transição na PEC 110.
Uma segunda transição diz respeito à distribuição da receita para os entes da Federação. Quando se migra de um sistema com a base fragmentada entre o ICMS e o ISS, que são cobrados dominantemente no Estado e no Município de origem, para um sistema de base ampla – que junta ICMS com ISS – e com a tributação no destino, isso afeta a distribuição da receita entre os entes da Federação. A PEC 45 prevê uma transição de 50 anos na distribuição federativa da receita, e a PEC 110, uma transição de 15 anos.
Mas há diferenças entre as duas propostas. A principal diz respeito ao número de alíquotas e à autonomia dos entes na fixação de suas alíquotas e, portanto, na gestão de sua receita. De um lado, a PEC 45 propõe que a alíquota para todos os bens e serviços seja uniforme, mas prevê que os Estados e os Municípios tenham autonomia para fixar suas alíquotas. Como o IBS é um imposto sobre o consumo, isso significa que a alíquota será a mesma para o consumo de bens e serviços, mas cada Estado e cada Município poderá decidir se tributa mais ou menos seus consumidores, que são também os eleitores. De outro lado, a PEC 110 prevê a possibilidade de múltiplas alíquotas, sem dar autonomia para Estados e Municípios quanto à definição da alíquota e, portanto, ao controle de sua arrecadação.
Outra diferença entre as duas propostas diz respeito ao escopo dos tributos substituídos pelo IBS. Na PEC 45, o IBS substituiria o PIS, a Cofins, o IPI, o ICMS e o ISS. Na PEC 110, o IBS substituiria ainda o IOF, a CIDE-Combustíveis e a contribuição para o salário-educação.
O grande problema para o avanço dessas propostas é o posicionamento do governo federal. Uma das resistências históricas ao avanço da reforma tributária, que era a posição dos Estados que não queriam perder a possibilidade de conceder benefícios fiscais, foi superada. Hoje todos os Estados da Federação, por intermédio de seus respectivos secretários de Fazenda apoiam uma reforma tributária ampla, nos moldes da PEC 45 e da PEC 110. O mesmo vale para os pequenos e médios municípios, representados pela Confederação Nacional dos Municípios.
Falta, ainda, contornar a resistência dos grandes municípios que não querem perder o poder de cobrar o ISS, mas o grande problema me parece ser o posicionamento do governo federal, que nunca apoiou a proposta. Inicialmente, como havia duas propostas – uma na Câmara e outra no Senado –, o governo dizia que não tinha como se posicionar. Por conta disso, foi criada uma Comissão Mista de deputados e senadores para compatibilizar as propostas, que começou a funcionar no início de 2020, mas teve seus trabalhos interrompidos pela pandemia. No início de 2021, o relator da Comissão Mista, Deputado Aguinaldo Ribeiro, apresentou seu parecer, mas a troca da presidência na Câmara dos Deputados passou a ser um obstáculo para a tramitação da reforma na Câmara, pois a PEC 45 era apoiada pelo grupo do ex-presidente, Rodrigo Maia, sofrendo resistência política por parte do novo presidente, Arthur Lira.
O que permanece hoje é a tramitação da PEC 110, no Senado Federal. O relator da PEC 110, Senador Roberto Rocha, aproveitou muito do trabalho da Comissão Mista e, ao mesmo tempo, fez um trabalho político junto ao governo federal, para mitigar as resistências do Ministério da Economia à reforma. A principal mudança feita pelo Senador para atender o governo federal foi substituir o modelo de um único IVA (o IBS) por um modelo com dois IVAs. Haveria um IVA subnacional – o IBS –, que substituiria o ICMS e o ISS e seria gerido conjuntamente por Estados e Municípios. Haveria também um IVA federal, que seria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituiria o PIS e a Cofins. A proposta também prevê a criação de um imposto seletivo, incidente sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, que substituiria o IPI. Com as mudanças feitas pelo Senador, a proposta não enfrenta mais a oposição do Ministério da Economia, mas tampouco tem um apoio muito entusiasmado.
Por fim, há também algumas resistências setoriais à reforma tributária. A superação dessas resistências provavelmente exigirá o tratamento favorecido para alguns setores – como saúde, educação e transporte público urbano. O Senador Roberto Rocha, a meu ver corretamente, deixou a definição dos tratamentos favorecidos para a regulamentação do IBS e da CBS.
Mesmo com o bom trabalho de mitigação das resistências políticas feito pelo Senador Roberto Rocha, no entanto, é difícil saber como andará a reforma tributária. Aparentemente há um bom apoio no Senado Federal, mas, por se tratar de um tema amplo e complexo, seu avanço depende de uma clara priorização.
RPD: Prevê-se algum calendário para a aprovação?
BA: Não. Hoje não tem um calendário previsto. Está na Comissão de Constituição e Justiça, que não se reúne há meses, por conta da resistência em tratar da sabatina do indicado pelo presidente para o Supremo Tribunal Federal. Cogita-se de levar a proposta diretamente ao plenário do Senado, medida que conta com o apoio da indústria, que reconhece a contribuição da reforma tributária para o crescimento, não só da indústria, mas também dos demais setores.
Aliás, há outro estudo, dos economistas Edson Domingues e Débora Freire – também disponível no site do Centro de Cidadania Fiscal – que mostra que, mesmo com hipóteses conservadoras de impacto da reforma sobre o crescimento, todos os setores da economia serão beneficiados. É verdade que a indústria seria mais beneficiada, não porque a reforma crie uma distorção a favor da indústria, mas, ao contrário, porque as distorções do sistema atual prejudicam mais a indústria que os outros setores, seja pela oneração dos investimentos e das exportações, seja porque o consumo de produtos industriais é, hoje, mais tributado do que o consumo dos demais bens e serviços.
Embora o cenário não seja claro, acredito que há uma possibilidade de aprovação do substitutivo da PEC 110 pelo Senado. Além do apoio de vários senadores, o presidente Rodrigo Pacheco também é favorável à proposta. O parecer do Senador Roberto Rocha é bom. Pode não ser o ideal, que seria criar um único imposto sobre bens e serviços, mas é um projeto equilibrado politicamente e que atende bastante bem as necessidades do Brasil.
RPD: Está em tramitação no Congresso uma proposta sobre o Imposto de Renda que muitos qualificam como ruim. Qual sua opinião?
BA: É o PL 2337, que é o do poder Executivo e já foi aprovado na Câmara dos Deputados. O substitutivo tem alguns elementos positivos, como a correção da tabela do imposto de renda da pessoa física, que efetivamente está defasada, e algumas mudanças na tributação das aplicações financeiras. Os problemas do projeto estão, sobretudo, nas mudanças propostas para a tributação do lucro auferido pelas empresas.
O substitutivo aprovado na Câmara propõe reduzir a tributação das empresas, de 34% para 26% introduzindo, em contrapartida, uma tributação de 15% na distribuição de dividendos. Adicionalmente, o projeto elimina o atual regime de juros sobre o capital próprio, pelo qual uma parcela do lucro distribuído pelas empresas é dedutível como despesa (deixando de pagar 34%), sendo tributado exclusivamente na fonte a 15% quando da distribuição. Desse ponto de vista, o projeto até aproxima o modelo brasileiro do padrão internacional – que é a tributação na empresa e na distribuição. O problema é que o projeto prevê alguns casos em que não haveria a tributação na distribuição de dividendos, caso, principalmente, das empresas do SIMPLES e do regime de lucro presumido, com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões, mas também da distribuição de dividendos para holdings.
Quais os problemas desse projeto? Eu diria: vários.
Para entender esse ponto, é preciso voltar ao que eu disso no início, ou seja, que um projeto que mude o sistema tributário brasileiro deveria aumentar a progressividade e contribuir para a economia se tornar mais eficiente e crescer mais. Adicionalmente, no Brasil temos duas bases tributárias que são excessivamente tributadas, que são consumo e folha de salários, e temos duas bases que que poderiam ser mais exploradas, que são renda e patrimônio. O que faz esse projeto aprovado na Câmara dos Deputados?
O primeiro problema tem a ver com a composição da carga tributária. Segundo a Instituição Fiscal Independente, o projeto reduz a tributação da renda em quase R$ 40 bilhões e aumenta a tributação do consumo, principalmente via eliminação de benefícios fiscais para medicamentos, em cerca de R$ 15 bilhões. Ou seja, o projeto vai na contramão daquilo que a precisamos fazer no Brasil, que é tributar mais renda e menos consumo. Já temos aí um problema estrutural.
Segundo, embora seja verdade que a tributação na distribuição de dividendos possa corrigir distorções distributivas, o projeto abre duas exceções que reduzem muito, ou mesmo revertem, esse efeito positivo. A primeira dessas exceções é exatamente a isenção na distribuição de lucro por empresas do SIMPLES e lucro presumido com faturamento até R$ 4,8 por ano, o que tende a ampliar distorções que já são relevantes na tributação de trabalhadores “pejotizados”. Tomando por base aquele exemplo que dei do profissional liberal, que hoje já paga uma alíquota baixíssima de 11,9% sobre sua renda de R$ 100 mil por ano, caso o projeto que passou na Câmara seja aprovado, essa alíquota cairia ainda mais, para 8,7%. Ou seja, aquele que deveria pagar mais imposto, se eu corrigisse as distorções do sistema tributário brasileiro, vai pagar ainda menos do que paga hoje, amplificando as distorções atuais.
Adicionalmente, os grandes acionistas de grandes empresas ou já têm ou irão criar holdings para receber seus dividendos. Isto significa que a maior parte da renda desses acionistas não sofrerá a tributação na distribuição de dividendos.
Não estou dizendo que está errado você não tributar o imposto que é reinvestido, mas é preciso entender que, na prática, é provável que o grande acionista da grande empresa pague menos imposto do que paga hoje, porque será beneficiado pela redução da alíquota na empresa, e, no grosso da distribuição, não será tributado. Quem é que, afinal, vai estar de fato sendo mais onerado por conta da tributação na distribuição? É o pequeno e médio acionista da grande empresa – aquele que está na bolsa de valores. Esse acionista não tem holding. Ele recebe direto na pessoa física e certamente será o grande prejudicado pela mudança.
O desenho final ficou muito desequilibrado. O profissional liberal de alta renda, que hoje já paga pouco imposto, vai pagar ainda menos. O grande acionista da grande empresa talvez pague até menos imposto do que paga hoje. E o pequeno acionista da grande empresa é quem de fato via pagar a conta com a mudança que está sendo proposta. Claro que acho que, do ponto de vista distributivo, não é uma boa solução. Em alguns casos agrava o problema e, em outros, certamente, não resolve de forma adequado o problema distributivo do modelo brasileiro de tributação da renda.
Por último, do ponto de vista do impacto sobre o crescimento, tudo indica que o projeto também está desequilibrado. É verdade que a redução da alíquota na empresa e a introdução da tributação na distribuição pode ter um efeito positivo sobre investimentos, principalmente para empresas menores, que têm mais dificuldade de acesso a crédito. Em contrapartida, várias características da proposta geram distorções que tendem a ter um impacto negativo sobre o crescimento.
Em primeiro lugar, a isenção na distribuição de lucros para empresas com faturamento até R$ 4,8 milhões, vai estimular as empresas a se fragmentarem artificialmente, ou, até pior, a reduzir seu faturamento ou a sonegar para ficar dentro do limite de faturamento.
Em segundo lugar, com a eliminação do regime de juros sobre capital próprio, amplia-se a distorção entre a tributação do capital próprio (capital aplicado em ações ou cotas da empresa) e o capital de terceiros (dívida). Ou seja, cria-se um incentivo para que as empresas se endividem mais, o que as torna mais frágeis em situações de alta volatilidade econômica.
Em terceiro lugar, e por fim, o projeto tende a tornar o sistema mais complexo, porque a tributação em duas etapas – na empresa e na distribuição – exige uma série de controles, para evitar a distribuição disfarçada de lucros. Esse pode ser um custo a pagar se os demais efeitos da mudança forem positivos, mas certamente não é o caso do projeto aprovado pela Câmara.
Em resumo, diria que o efeito final do projeto, do meu ponto de vista, é bastante ruim tanto do ponto de vista distributivo quanto do impacto sobre o crescimento. O que é engraçado é que o projeto faz isso reduzindo a arrecadação, ou seja, perdem-se recursos públicos para piorar o sistema tributário. Sem dúvida alguma, trata-se de um projeto muito mal desenhado.
RPD: O Senado tem tentado fazer avançar a questão?
BA: O projeto tem hoje a relatoria do senador Ângelo Coronel, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Ele tem dado declarações de que pretende aprovar apenas o reajuste da tabela do imposto de renda das pessoas físicas, deixando o resto do projeto para ser discutido com calma em um prazo mais longo – que provavelmente não se encerraria nesse governo. Mas na política nunca é possível ter certeza sobre o que irá acontecer.
É interessante notar que o projeto original do governo estava descalibrado, pois claramente aumentava a carga tributária, mas, pelo menos, estava mais equilibrado que o que foi aprovado pela Câmara, porque compensava a redução da alíquota na empresa com uma série de medidas antielisivas. Essas medidas elisivas foram quase todas tiradas do projeto pelo relator na Câmara do Deputados. O desenho das medidas antielisivas tinha problemas, que precisavam ser corrigidos, mas o conceito estava correto.
RPD: Depois do que foi dito hoje, pode-se concluir que os interesses setoriais têm muito mais medo de aumento de custos focados neles de forma direta do que de outros problemas até maiores, mas que sejam mais gerais e de médio prazo e longo prazo, o que dá um viés aos deputados que tentam interpretar esses interesses, um viés muito imediatista talvez, e muito particularista. Não sei se essa minha primeira avaliação bate com sua interpretação dessas tramitações tão desiguais entre as propostas, sobre as quais você falou antes, e o projeto do governo.
BA: De fato, uma boa reforma tributária não é uma reforma em que todo mundo ganha, principalmente na tributação da renda. Em uma proposta bem desenhada, quem paga muito pouco hoje por conta das distorções do sistema atual vai ter que pagar mais.
No caso da reforma da tributação do consumo, tem setores que vão passar a pagar proporcionalmente mais do que pagam hoje e outros que irão pagar proporcionalmente menos. Obviamente isso tende a gerar resistência daqueles que acham que serão prejudicados, mesmo que eles efetivamente sejam beneficiados, por conta do maior crescimento.
Estamos diante de uma daquelas reformas em que o benefício para a sociedade é muito grande. Mesmo que acarrete uma redistribuição setorial da carga tributária, o maior crescimento favorecerá a todos os setores. Essa é a compreensão que precisa haver, assim como foi no caso da reforma da previdência, que apesar de prejudicar algumas pessoas era justa e necessária para garantir a solvência do país.
No caso da reforma tributária, temos de entender que existem distorções no sistema atual que prejudicam o crescimento e prejudicam a progressividade do sistema, e que, para corrigir essas distorções, pelo menos em termos proporcionais, alguns setores e algumas pessoas vão ter de pagar mais imposto do que pagam hoje, para que o país se torne mais eficiente e mais justo. Essa é uma discussão difícil do ponto de vista político, mas é uma discussão que acredito possível de ser feita. Se os parlamentares entenderem o quanto a correção dessas distorções torna o país mais eficiente e mais justo, o quanto isso ajuda o país a crescer de uma forma mais inclusiva, acho que existe espaço sim para avançar com essa pauta.
Nunca disse que é uma pauta fácil. Não é. Tecnicamente, acho que nós amadurecemos muito na discussão da reforma da tributação do consumo. Acho que ainda precisamos amadurecer mais na discussão da reforma do Imposto de Renda – olhar as várias alternativas que existem e avaliar custos e benefícios de cada uma delas. Sem dúvida, é um daqueles temas que mais cedo ou mais tarde o Brasil vai acabar enfrentando e, espero eu, enfrentando de forma adequada. Isso vai acabar acontecendo, caso contrário vamos continuar sendo um país que não cresce; um país excessivamente desigual. Temos de enfrentar essas questões se pretendermos tornar o Brasil um país mais inclusivo, que ofereça perspectivas para as pessoas. Não adianta resolver o problema distributivo e não ter crescimento. É fundamental abrir oportunidades para as pessoas com o crescimento econômico. E a reforma tributária trata dessas questões centrais para o futuro do Brasil: a questão distributiva, a questão do crescimento e a questão da inclusão social.
Saiba mais sobre o entrevistado
Bernard Appy é diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), uma organização voltada a análises econômicas que buscam a melhora na gestão pública, além disto Bernard é o mentor da proposta de reforma tributária que está em transitou no congresso em 2019. Appy ficou em evidência nas eleições presidências de 2018, quando se tornou referência de diversos candidatos à presidência no modelo de pensar novas alternativas de pensar a aplicação do imposto de renda.
Caetano Araújo é graduado em Sociologia pela Universidade de Brasília (1976), mestre (1980) e doutor (1992) em Sociologia pela mesma instituição de ensino. Atualmente, é diretor-geral da FAP e Consultor Legislativo do Senado Federal. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Teoria Sociológica e Sociologia Política.
André Amado é escritor, pesquisador, embaixador aposentado e diretor da revista Política Democrática On-line. É autor de diversos livros, entre eles, A História de Detetives e a Ficção de Luiz Alfredo Garcia-Roza.
Câmara conclui votação de projeto que altera regras do Imposto de Renda
Faixa de isenção do IRPF passa de R$ 1.903,98 para R$ 2.500 mensais. Lucros e dividendos serão taxados em 15%
A Câmara dos Deputados concluiu a votação do projeto que altera regras do Imposto de Renda (PL 2337/21). A proposta, que é a segunda fase da reforma tributária, será enviada ao Senado.
De autoria do Poder Executivo, o projeto foi aprovado na forma do substitutivo do relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA). De acordo com o texto, os lucros e dividendos serão taxados em 15% a título de Imposto de Renda na fonte, mas fundos de investimento em ações ficam de fora.
No texto-base aprovado ontem, a alíquota proposta era de 20%, mas com a aprovação de emenda do deputado Neri Geller (PP-MT) nesta quinta-feira, o tributo passou para 15%.
O Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) será reduzido de 15% para 8%.
Já a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) diminuirá 0,5 ponto percentual em duas etapas, condicionadas à redução de incentivos tributários que aumentarão a arrecadação. Assim, o total, após o fim desses incentivos, será de 1 ponto percentual a menos, passando de 9% para 8% no caso geral. Bancos passarão de 20% para 19%; e demais instituições financeiras, de 15% para 14%.
Tabela do IR
Quanto à tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), a faixa de isenção passa de R$ 1.903,98 para R$ 2.500 mensais, correção de 31,3%. Igual índice é usado para reajustar a parcela a deduzir por aposentados com 65 anos ou mais.
As demais faixas terão reajuste entre 13,2% e 13,6%, enquanto as parcelas a deduzir aumentam de 16% a 31%. Deduções com dependentes e educação continuam no mesmo valor.
Todas as mudanças valerão a partir de 2022.
Desconto mantido
Depois das negociações de ontem, foi mantido o desconto simplificado na declaração de ajuste anual para todos os declarantes, no valor máximo de R$ 10.563,60.
Atualmente, o desconto é de 20% dos rendimentos tributáveis, limitado a R$ 16.754,34, e substitui todas as deduções permitidas, como gastos com saúde, educação e dependentes.
Pela proposta inicial, esse desconto somente seria possível para aqueles que ganham até R$ 40 mil por ano, limitado a R$ 8 mil (20%).
Impacto orçamentário
Apesar das mudanças no projeto original do Executivo, o relator afirmou que não haverá impacto na arrecadação inicialmente projetada pelo governo. "Impacto zero. Não vamos ter contribuição alguma para o aumento do déficit fiscal. Pelo contrário, acreditamos que as medidas de desoneração do capital produtivo vão impulsionar a economia, que vai gerar mais arrecadação", disse Celso Sabino.
Ele afirmou que já previa a redução da alíquota para distribuição de dividendos, por isso aumentou a alíquota das empresas, inicialmente prevista em 6,5%, para 8%.
Apesar de ser neutra para o governo, a reforma vai atingir alguns contribuintes, conforme reconheceu o relator. "A ampla maioria vai pagar menos, mas o indivíduo que receba R$ 70 milhões de renda por dividendos vai pagar mais imposto", comentou.
Pontos rejeitados
Na votação em Plenário, foram rejeitadas as seguintes emendas:
- - emenda do deputado Aelton Freitas (PL-MG) previa um escalonamento na cobrança do imposto sobre lucros e dividendos, de 3% a 15% ao longo de cinco anos;
- - emenda do deputado Bohn Gass (PT-RS) pretendia impor alíquota de 25% para lucros e dividendos mensais acima de R$ 40 mil;
- - emenda da deputada Talíria Petrone (Psol-RJ) pretendia submeter os lucros e dividendos à tabela progressiva do IRPF;
- - emenda do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) pretendia isentar da tributação os lucros e dividendos distribuídos a sócios de escritórios de advocacia;
- - emenda do deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP) pretendia estender a isenção atual sobre os lucros ou dividendos para aqueles distribuídos até 31 de dezembro de 2022 com base nos resultados apurados até 31 de dezembro de 2021;
- - emenda do deputado Eduardo Cury (PSDB-SP) pretendia fixar o IRPJ em 6,5% durante 2022 e em 5,5% a partir de 2023;
- - emenda do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) pretendia permitir a apuração e o pagamento consolidados do IRPJ e da CSLL pelas empresas controladoras e controladas;
- - emenda do deputado Bohn Gass pretendia reajustar os valores da tabela do IRPF em 47%;
- - emenda do deputado Wolney Queiroz (PDT-PE) pretendia reajustar, no mesmo índice do projeto, as deduções de despesas com instrução e por dependentes;
- - destaque do PSL pretendia manter o desconto simplificado na declaração de ajuste do IRPF em R$ 16.754,34;
- - emenda do deputado Wolney Queiroz pretendia retomar a permissão de desconto, na declaração de ajuste anual, dos valores pagos pelo empregador à Previdência Social a título de contribuição patronal do empregado doméstico;
- - emenda do deputado Danilo Cabral (PSB-PE) pretendia impedir o fim do voto de qualidade do presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em caso de empate em julgamentos administrativos;
- - emenda do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) pretendia retomar a isenção, para o período de 2022 a 2026, do imposto de renda retido na fonte a incidir sobre remessas ao exterior de pagamentos por arrendamento mercantil de aeronaves;
- - emenda do deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP) pretendia isentar investimentos em debêntures de infraestrutura do pagamento do adicional de IRPJ de 10% previsto na legislação;
- - emenda do deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) pretendia permitir às instituições financeiras deduzirem da base de cálculo do IRPJ e da CSLL as reservas feitas para créditos a receber cujo pagamento esteja atrasado por 90 dias ou mais.
Fonte: Agência Câmara de Notícias
https://www.camara.leg.br/noticias/802838-camara-conclui-votacao-de-projeto-que-altera-regras-do-imposto-de-renda/
Everardo Maciel: Matéria tributária virou um circo de horrores
Antes, existiam movimentos visando à redução de carga tributária de empresas ou setores. Agora, buscam aumentar a dos outros
Everardo Maciel / O Estado de S. Paulo
Não acreditei quando li na imprensa, há algum tempo, que setores não apenas postulavam a redução de sua carga tributária, mas pretendiam aumentar a carga de outros. Presumi, equivocadamente, que o repórter não entendera o que foi dito.
Antes, existiam movimentos, nem sempre legítimos, visando à redução de carga tributária de empresas ou setores. Agora, esses movimentos, muitas vezes, buscam aumentar a dos outros. A matéria tributária se transformou, pois, num circo de horrores e os projetos de “reforma”, em exercícios de predação, inclusive entre os entes federativos.
Para dar curso à predação se faz uso da linguagem como instrumento de manipulação, a exemplo de: eliminação de “distorções”, que desconsideram o imperativo constitucional de redução das desigualdades regionais de renda e passam ao largo da sonegação e do planejamento tributário abusivo, que são distorções verdadeiras no sistema tributário;
“Alinhamento internacional”, que supõe práticas que não são universais, média de alíquotas nominais que nada significam etc, quando o que de fato atrai investimento são diferenciais na competição tributária (em disputas esportivas com os EUA, recomenda-se que o Brasil opte pelo futebol, em lugar do basquetebol);
Remissão à “literatura internacional”, tomada como dogma, quando em realidade é uma coleção de ensaios sobre situações específicas, que jamais deverá ser transposta acriticamente, sem tomar em conta as circunstâncias políticas e históricas de um país;
Dramatização insubsistente de fatos, a exemplo da história dos sapatos crocs, cuja oscilante classificação é apontada como evidência da má qualidade do sistema tributário brasileiro e, a rigor, é um caso associado à aplicação de direitos antidumping, pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), a sapatos importados da China, sabendo-se que calçados, qualquer que seja sua classificação, têm a mesma tributação; impróprias comparações entre a tributação das pessoas jurídicas (risco empresarial, pagamento de outros tributos, além do Imposto de Renda) e das pessoas físicas (FGTS, férias e sua conversão parcial em dinheiro, aposentadoria integral ou não, 13.º salário, seguro-desemprego), em lugar de coibir situações que configurem dissimulação na prestação de serviços;
Linguagem ambígua, como confundir competição fiscal lícita com guerra fiscal ou afirmar que a carga tributária não vai aumentar, quando o que importa é a repercussão específica sobre contribuintes ou preços, e não um indicador de caráter agregado;
Saltos lógicos, consistindo em apontar problemas no burocratismo tributário, cuja solução se inscreve no âmbito da administração tributária, para pretextar mudanças na natureza dos tributos.
Contrasta com este quadro a inapetência para dar curso a leis complementares, previstas na Constituição de 1988 e até hoje não editadas, como, entre outras, a resolução dos conflitos de competência tributária entre os entes federativos, o disciplinamento da incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD), nos casos de domiciliados no exterior, e a concessão e revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais do ICMS.
É certo que a reparação dessa mora legislativa exige trabalho e não confere ao autor tanto prestígio quanto proclamar que tudo está errado no sistema tributário brasileiro e propor uma reforma “ampla”.
Paralelamente, é constrangedora a surpresa das autoridades com o volume de precatórios a serem incluídos no Orçamento de 2022, pois, afinal, são sentenças judiciais passadas, que deveriam ser objeto de um atento acompanhamento. Mais constrangedoras, entretanto, são as pretensões de promover seu parcelamento, ainda que mediante Proposta de Emenda Constitucional, na contramão de decisões já tomadas no STF e eternizando o problema, em desfavor da credibilidade fiscal.
Pode-se mitigar a repercussão do pagamento de precatórios. Para isso, contudo, se exige uma boa dose de criatividade e de capacidade de negociação.
*CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002)
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,materia-tributaria-virou-um-circo-de-horrores-e-as-reformas-exercicios-de-predacao,70003828835
Câmara dos Deputados aprova texto-base da reforma do Imposto de Renda
Substitutivo do relator Celso Sabino (PSDB/PA) foi aprovado por 398 votos a 77. Votação da proposta prossegue nesta quinta
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (1º) o texto-base do projeto que altera regras do Imposto Renda (PL 2337/21). Por 398 votos a 77, foi aprovado o substitutivo do relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA). Nesta quinta-feira (2), os deputados votarão os destaques apresentados pelos partidos na tentativa de mudar o texto.
De acordo com o substitutivo, os lucros e dividendos serão taxados em 20% a título de Imposto de Renda na fonte, mas fundos de investimento em ações ficam de fora. Na versão anterior, a alíquota era de 5,88% para os fundos.
Já o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) será reduzido de 15% para 8%. Na versão anterior, a redução levava o tributo para 6,5%.
A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) diminuirá 0,5 ponto percentual em duas etapas, condicionadas à redução de deduções tributárias que aumentarão a arrecadação. Após o fim das deduções, o total será de 1 ponto percentual a menos, passando de 9% para 8% no caso geral. Bancos passarão de 15% para 14%; e demais instituições financeiras, de 15% para 14%.
“A correção proposta na faixa de isenção da tabela do Imposto de Renda será a maior desde o Plano Real. Os contribuintes perceberão redução significativa no IR devido. E cerca de 16 milhões de brasileiros – metade do total de declarantes – ficarão isentos”, disse o relator.
Desconto mantido
Um dos pontos para os quais as negociações evoluíram a ponto de a oposição apoiar o texto é a manutenção do desconto simplificado na declaração de ajuste anual.
Atualmente, o desconto é de 20% dos rendimentos tributáveis, limitado a R$ 16.754,34, e substitui todas as deduções permitidas, como gastos com saúde, educação e dependentes.
Pela proposta inicial, esse desconto somente seria possível para aqueles que ganham até R$ 40 mil por ano, limitado a R$ 8 mil (20%). Após as negociações, o limite passou para R$ 10,5 mil.
Lucros e dividendos
Quanto à tributação de lucros e dividendos distribuídos pelas empresas a pessoas físicas ou jurídicas, o projeto propõe a tributação na fonte em 20%, inclusive para os domiciliados no exterior e em relação a qualquer tipo de ação.
A maior parte dos países no mundo realiza esse tipo de tributação. Entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas a Letônia não tributa lucros e dividendos.
Entretanto, ficam de fora as micro e pequenas empresas participantes do Simples Nacional e as empresas tributadas pelo lucro presumido com faturamento até o limite de enquadramento nesse regime especial de tributação, hoje equivalente a R$ 4,8 milhões, contanto que não se enquadrem nas restrições societárias de enquadramento no Simples.
Outras exceções são para:
- As empresas participantes de uma holding, quando um conglomerado de empresas está sob controle societário comum;
- As empresas que recebam recursos de incorporadoras imobiliárias sujeitas ao regime de tributação especial de patrimônio de afetação; e
- Fundos de previdência complementar.
Debate em Plenário
O projeto é a segunda fase da reforma tributária encaminhada pelo governo. Parlamentares de oposição, no entanto, manifestaram apoio à votação da proposta devido às alterações feitas pelo relator.
Segundo o deputado Afonso Florence (PT-BA), o texto agora “é um projeto da Câmara, em favor da reforma tributária justa e solidária”. Ele elogiou a redução do IR para a pessoa física e a taxação de lucros e dividendos.
O deputado Marcelo Ramos (PL-AM) elogiou o acordo obtido pelos líderes partidários, mas defendeu mudanças no projeto por meio de destaques. “Precisamos ter coragem de enfrentar o desafio de desonerar a tributação sobre o consumo, que pesa mais no bolso do trabalhador, do desempregado, do pai de família.”
Já o deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP) disse que a reforma no Imposto de Renda é necessária, mas criticou o texto ao apontar distorções a partir do porte das empresas, em favor das pequenas. “É uma espécie de regressividade para pessoas jurídicas, e assim as empresas não vão querer crescer, faturar”, disse.
O deputado Ivan Valente (Psol-SP) criticou a rapidez na discussão do projeto. “Falamos de reforma tributária há mais de dez anos, e o substitutivo não aborda taxação de grandes fortunas ou sobre valor agregado”, disse. “É um pequeno passo, faltou regressividade”, afirmou, cobrando tributação menor sobre os mais pobres.
O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), disse que, com o aval do Poder Executivo, a proposta dará origem a uma nova forma de tributar no País. “Esta nova forma de tributar vai ser mais justa, mais equânime para a sociedade: aqueles que ganham mais pagarão mais, aqueles que ganham menos pagarão menos.”
Durante a votação, Barros anunciou que, exceto por razões jurídicas, não deverá haver veto presidencial quanto ao fim dos juros sobre capital próprio ou à taxação de lucros e dividendos. “Se, por algum acaso, houver veto, o governo fará acordo para derrubá-lo”, disse.
Saiba mais sobre a tramitação de projetos de lei
Reportagem – Eduardo Piovesan e Ralph Machado
Fonte: Agência Câmara de Notícias
https://www.camara.leg.br/noticias/802325-camara-aprova-texto-base-de-projeto-que-altera-regras-do-imposto-de-renda/
Crescimento da economia requer incentivo a investimento
Sérgio Cavalcanti Buarque vai mediar debate da FAP na sexta-feira, com transmissão ao vivo pelo portal e pelas redes sociais
Cleomar Almeida, da equipe FAP
A reforma tributária deve considerar que o crescimento da economia requer mais incentivo a investimento e desestímulo ao consumo, diz o economista e consultor de planejamento estratégico Sérgio Cavalcanti Buarque. Ele vai mediar evento on-line sobre desenvolvimento e equidade na tributação dos dividendos, a ser realizado, pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Folha da Manhã, sexta-feira (13/8), das 16h às 19h.
Com a presença de outros especialistas no assunto e transmissão pelo portal e pelas redes sociais (Facebook e Youtube) da FAP, o debate deve abordar, sobretudo, duas questões relacionadas às propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional: justiça tributária e redução do imposto sobre o lucro direto de empresas com criação de imposto sobre dividendos.
Assista!
“O consumo é importante porque vai gerar demanda e estimula o investimento, mas, se invisto diretamente, também vou gerar aumento da capacidade produtiva e gerar demanda da cadeia produtiva. Então, é preferível incentivar investimento do que consumo”, explica o mediador.
Ele lembra que o governo federal apresentou “um projeto de reforma tributária muito tímido” e que vai na direção contrária à de duas propostas que já estão no Congresso, mais abrangentes, porque sugere simplificação de impostos, concentrando cinco impostos em apenas um.
Na avaliação do mediador, a proposta do governo tem aspecto interessante que trata de imposto de renda, o que, conforme observa, não está contido nas que foram apresentadas pelo Congresso. “Na proposta de imposto de renda, produz-se um item inovador, muito controverso, que é a cobrança de impostos sobre dividendos”, afirma.
Na prática, este último significa que a empresa paga o imposto de renda sobre o lucro dela e o que sobra é distribuído para os acionistas. “Então, o que está sendo discutido é que esse imposto sobre dividendos faz com que seja imputado, também, com tributos, aos acionistas de empresas, ou, digamos, a renda do capital”, diz o economista.
A pergunta que se coloca, de acordo com o mediador, é a seguinte: na medida em que se cobra imposto sobre a renda do trabalho, que é o salário, por que não cobrar imposto da renda do capital? “É exatamente o que os acionistas recebem de distribuição do lucro que ficou retido na empresa”, explica ele.
Outro ponto importante, na opinião de Buarque, é que o segundo projeto reduz o imposto sobre o lucro direto da empresa e cria imposto sobre dividendos. “Queremos refletir se essa equação não significa um estímulo ao investimento e um desincentivo ao consumo”, ressalta o consultor.
De acordo com o analista, o recurso que fica na empresa só tem uma forma de ser utilizado por ela: investimento. “Então, reduzindo imposto sobre lucro direto da empresa, deixa mais recurso para ela investir ou distribuir para os acionistas. Em tese, ela poderia distribuir mais”, diz.
No entanto, neste caso, segundo Buarque, como imputa-se imposto sobre dividendos, desincentiva mais recursos para os acionistas, que, em geral, os transformam em consumo. “Claro que uma parte pode ser poupança que volta a ser investimento, mas é um incentivo ao consumo”, observa.
“Quando se reduz imposto direito na empresa e se cria imposto sobre dividendo ou imposto distribuído, a pergunta é se isso não tem o lado extremamente positivo, que, ao mesmo tempo, incentiva o investimento e desestimula o consumo, que, em geral, é de luxo”, pondera.
Webinar | Desenvolvimento e equidade na tributação de dividendos
Data: 13/8/2021
Transmissão: das 16h às 19h
Onde: Portal e redes sociais da FAP (Facebook e Youtube)
Cristovam Buarque lista lacunas que entravam desenvolvimento do Brasil
Ex-presidente do IBGE avalia os prejuízos da suspensão do Censo 2021
FAP cria grupos de trabalho para discutir temas relevantes para sociedade
Tributação e modernidade: Congresso avança em reformas desconectadas do país
Benito Salomão / Correio Braziliense
Ainda sob os danos de uma crise sanitária que está prestes a ceifar a vida de 550 mil brasileiros e às vésperas de um ano eleitoral que promete ser o mais duro dos últimos 35 anos, o Congresso brasileiro mergulha em reformas econômicas desconectadas do contexto sanitário e de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento do país. Um exemplo disso é a proposta de reforma do imposto de renda que tramita na Câmara via PL 2337/21.
Antes de adentrar nos aspectos mais técnicos da supracitada reforma, é preciso se ater às questões políticas, igualmente importantes. Sobre isso, duas questões deveriam ser respondidas: i) Por que uma reforma do Imposto de Renda, seja ela boa ou ruim, precisa ser aprovada agora e não pode esperar até 2023, de forma que seja objeto de debate público e eleitoral e tenha a legitimação do eleitor? ii) Qual a possibilidade de um modelo tributário bem-feito sair de uma reforma fatiada, isto é, aprovada em etapas, sem estabelecimento claro do que é prioridade e do que é secundário? Aliás, qual o critério de prioridade de uma reforma tributária aos moldes do que tramita na Câmara? Por que o Imposto de Renda e, não, a unificação de impostos indiretos em um único IVA?
As respostas para tais questões devem ser dadas pelas autoridades empenhadas na aprovação dessa reforma, mas algumas considerações devem ser feitas. Em relação à primeira questão, a aprovação de uma reforma por um governo impopular, cuja capacidade de reeleição é baixa e em um período próximo das eleições, pode fazer com que o assunto volte à baila política a partir de 2023, sobretudo se a atual oposição vencer as eleições. Em outras palavras, os açodamentos para aprovação de uma medida de tamanho impacto pode levar o próximo governo eleito a revisitar o assunto e reformar a reforma. Melhor seria que o parlamento tivesse gastando esse capital político para aprovar medidas emergenciais para lidar com a crise sanitária que ainda mata muitos brasileiros.
Em relação à segunda questão, há fatores mais técnicos envolvidos sobre os quais é preciso empenhar maior atenção. Um regime tributário deve se pautar por alguns princípios: i) simplicidade, ou seja, passível de ser compreendido pelo contribuinte, ii) progressividade, o que significa que os impostos devem recair em maior volume sobre contribuintes com maior capacidade de pagamento e, iii) eficiência, isto é, o sistema tributário não pode causar ineficiências no sistema econômico, criando incentivos à sonegação, ao planejamento tributário e, principalmente, à alocação subótima dos recursos na economia.
O primeiro problema do projeto em trâmite é que ele não traz ganhos adicionais em nenhum dos princípios listados acima. Pelo critério da eficiência, uma reforma do IVA parece que traria mais ganhos à economia como um todo, pois unificaria vários impostos indiretos em um único imposto a incidir sobre valor agregado, impedindo, por exemplo, a tributação em cascata nas várias etapas das cadeias produtivas que minam a eficiência do sistema. Pela mesma razão, tal reforma não parece tornar o sistema tributário mais simples, pelo contrário, todas as mazelas do atual sistema, que o tornam excessivamente complexo e criam um elevado contencioso tributário, não são tocadas pela reforma.
Finalmente, no que se refere à progressividade, as melhoras são tímidas e poderiam estar incorporadas em uma reforma tributária mais ambiciosa. Resolver o problema da regressividade da carga tributária no Brasil requer um olhar especial quanto aos impostos sobre patrimônio, que, por sua vez, são constitucionalmente delegados a estados e municípios como IPVA, ITR e IPTU, respectivamente.
Dois problemas adicionais devem ser levados em conta em uma reforma tributária. Ela deve estar associada a um contexto de crise fiscal e estagnação do crescimento econômico ao qual o Brasil está submetido há quase uma década. Em outras palavras, o modelo tributário deve estar alinhado com objetivos da política macroeconômica, que não estão claros neste governo. Como uma reforma dessa natureza pode contribuir com o reequilíbrio das contas públicas e, ao mesmo tempo, não penalizar ainda mais a exaurida capacidade de crescimento da economia brasileira? Lembrando sempre que no Brasil o que determina o tamanho da carga tributária é exatamente o tamanho do gasto público. Apenas para que fique claro, o modelo tributário atual é ruim, precisa, sim, ser reformado, mas para tudo existe um tempo e um contexto. É preciso estabelecer, primeiro, as diretrizes macroeconômicas do país, em seguida vem a escolha dos instrumentos para alcançá-las.
Benito Salomão é economista do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGE-UFU)
Adriana Fernandes: O País quebrado de Jair Bolsonaro
Presidente disse que o Brasil está quebrado para justificar o fato de não ter cumprido uma promessa de campanha sempre cobrada por seus apoiadores: aumentar o limite da faixa de isenção do Imposto de Renda
Um presidente da República não deveria sair alardeando por aí que o país que ele mesmo governa está quebrado. Muito menos para servir de justificativa para o fato de não ter cumprido uma promessa de campanha sempre cobrada pelos seus apoiadores: aumentar o limite da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).
Saiu-se logo com a resposta mais fácil: o Brasil quebrou. Mas a verdade é que o presidente não mexeu uma palha para abrir espaço para corrigir a tabela do IRPF. Pelo contrário, beneficiou setores específicos nesses dois anos de governo e atropelou a discussão de mudanças no campo tributário por disputas políticas. Também não ajudou na pauta de corte de gastos ineficientes.
O que vão achar os investidores que compram papéis de um governo do qual o seu próprio presidente diz que está quebrado? É natural que comecem a cobrar cada vez mais para comprar os títulos da dívida brasileira.
Ou seja, pode custar mais dinheiro para os contribuintes que o presidente promete ajudar com a correção da tabela do IRPF.
A fala do presidente é irresponsável sob todos os aspectos. Mas é ainda mais perigosa no momento atual em que o Tesouro Nacional passou por meses de grande dificuldade para se financiar e tem pela frente um trabalho difícil para pagar uma montanha de dívida concentrada nos primeiros meses do ano e que já supera R$ 1,3 trilhão até o final de 2021.
A declaração é ainda mais inoportuna depois da revelação pelo Estadão de que o Brasil não honrou o pagamento da penúltima parcela de US$ 292 milhões para o aporte de capital no Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), a instituição financeira criada pelos cinco países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
O prazo para a quitação da parcela terminou no último dia 3 de janeiro e o Brasil agora está inadimplente com o banco que ajudou a fundar e é um dos acionistas.
A equipe econômica não quer nem que se fale em calote com temor do estrago. Prefere dizer que é um atraso. No dicionário, porém, a definição de calote é: dívida não paga.
O sinal é ruim. Outros organismos multilaterais também não receberam, mas não há transparência nenhuma do Ministério da Economia para explicar o que aconteceu, qual o tamanho da dívida e a razão de ela não ter sido paga.
Depois da fala do presidente nesta terça-feira, 5, é melhor a equipe econômica agir rápido, fazer uma declaração oficial para afastar a desconfiança.
Vinicius Torres Freire: Bolsonaro e Guedes querem tirar bilhões dos ricos da classe média
Reforma tributária do governo reduz FGTS, aumenta IR e custos de serviços para o 10% mais rico
A reforma tributária Bolsonaro-Guedes quer tirar R$ 32 bilhões por ano dos trabalhadores com carteira assinada, porque pretende diminuir a contribuição patronal para o FGTS. Quer acabar com as deduções com despesas médicas e educação no Imposto de Renda ou limitá-las —se acabasse com tudo, seriam outros R$ 20 bilhões anuais.
O imposto que substituiria o PIS/Cofins, a CBS, deve aumentar a carga tributária, em particular pesando mais sobre serviços consumidos pelos mais ricos, que se chamam de classe média (que pagam escolas e outros cursos, profissionais de saúde, terapeutas em geral, advogados, arquitetos etc.). Uma nova CPMF vai encarecer tudo para todo mundo e vai reduzir ainda mais o rendimento das aplicações financeiras. Lucros e dividendos seriam mais tributados, pegando de jeito profissionais liberais.
Em resumo, o 10% mais rico do país, que tanto votou em Jair Bolsonaro, não parece ciente de que está para levar uma tunga do seu eleito. Esse 10% mais rico se chama de “classe média”, pois mede seu padrão de consumo com a escala de países como Estados Unidos e aqueles da Europa ocidental. A maioria de fato não é “rica”, nesse critério, mas está no topo da pirâmide da pobreza brasileira.
O governo quer reduzir a contribuição patronal para o FGTS de 8% para 6% —seria um corte de R$ 32 bilhões na arrecadação anual do fundo (segundo dados de 2019).
Em 2019, a Receita Federal estimou que os 12,9 milhões de declarantes do IR pelo modelo completo deixaram de pagar R$ 4,6 bilhões de imposto por causa da dedução com instrução e outros R$ 15,5 bilhões com a dedução de despesas de saúde. Nas contas dos economistas Fábio Goto e Manoel Pires, a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (que o governo quer no lugar do PIS/Cofins) aumentaria a carga tributária (publicaram essa análise no Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia, Ibre, da FGV).
Essas contas são meras primeiras aproximações. Não é assim que se calcula efeito de imposto. A redução do custo do FGTS pode de fato ajudar a criar algum emprego, diminuindo a perda de receita total do fundo (mas não o pagamento para cada trabalhador). Acabar com as deduções de saúde e educação pode ser um tiro pela culatra (os contribuintes podem recuperar as perdas declarando pelo modelo simplificado), para dar outro exemplo. Mas vai ter tunga, caso o plano Bolsonaro-Guedes vá adiante.
Em alguns casos, não se trata de má ideia, a depender do destino desses dinheiros. O problema é que a reforma tributária do governo vai sendo chutada, vazada, rumorejada ou apresentada à matroca. Desde o ano passado, é um monte de balões de ensaios, de “vamos ver se cola”, de tentativas reiteradas de dar um jeitinho de passar uma CPMF. Etc.
Isso não presta.
Bolsonaro está para chegar à metade do seu mandato (está em 40%) e seu governo não tem um plano organizado de reforma tributária (sim, eu sei, é uma crítica retórica, não existe governo em quase parte alguma).
Não é possível entender uma reforma de impostos sem conhecer suas partes, como se deixa de arrecadar, como se passar a recolher imposto etc. O óbvio. Não é possível fazer contas ou saber quem paga a conta. Nada. É uma mixórdia, parece conversa de quem faz rolo (como Bolsonaro dizia de seu amigão Fabrício Queiroz), de quem gosta de conto do vigário, de negócio da China.
Everardo Maciel: A verdadeira reforma tributária
No clima de boas iniciativas voltadas para construir um saudável ambiente de negócios e recuperar as finanças públicas, é natural que surjam propostas de reforma tributária.
Alguns delas buscam inspiração em experiências de outros países; outras, mais atrevidas, fazem lembrar a malsinada “nova matriz econômica”, que infelicitou o País nos últimos anos.
Sistemas tributários são intrinsecamente imperfeitos, porque construídos no embate parlamentar.
A pretensão de torná-los consentâneos com modelos teóricos, que se abstraem de restrições, é fascinante. Abre espaço para a imaginação, na busca de uma possível estética tributária. Desconhece, todavia, os riscos e custos de mudanças disruptivas, que envolvem virtuais danos ao equilíbrio fiscal, imprevisível redistribuição de carga tributária sobre os contribuintes e, sobretudo, a perspectiva de instauração de morosos e intrincados litígios judiciais, inerentes a um País onde prepondera a próspera indústria da litigância.
Parafraseando San Tiago Dantas, em discurso de posse na cátedra de Direito Civil da Universidade do Brasil, o sistema tributário é “campo das aquisições lentas, das transformações aluvionais”.
No campo material, as mudanças devem ser estratégicas e cautelosas, inspirando-se nas engenharias parcelares, preconizadas por Karl Popper.
Não se pode desconhecer que instabilidade de regras tributárias desaconselha os investimentos.
Em outra perspectiva, despontam os principais problemas do sistema tributário brasileiro: o processo e os procedimentos tributários. Sem o charme das novas concepções tributárias, o enfrentamento desses problemas demanda muita determinação para superar arraigadas resistências de índole cultural.
Ao qualificar como complexo o sistema tributário brasileiro, é bem provável que a percepção do analista tenha sido impactada pela complicação do sistema, o que desloca a matéria do campo da concepção abstrata para o da operabilidade.
O Imposto de Renda das Pessoas Físicas, por exemplo, não é simples, mas sua declaração é fácil. É isso o que conta para o contribuinte.
Alguns dados para ressaltar a dimensão dos problemas processuais e procedimentais: no País, a soma das disputas tributárias (inclusive créditos inscritos em dívida ativa) perfaz um montante de R$ 3,3 trilhões, valor equivalente a aproximadamente 50% do PIB previsto para 2017, segundo o Banco Central; o prazo para o desfecho, na Justiça, de controvérsias tributário-constitucionais, que se iniciam na primeira instância, em conformidade com o controle difuso de constitucionalidade, é de 15 a 20 anos, gerando graves desequilíbrios concorrenciais; estão se esgotando as possibilidades de oferecimento de avais e fianças a contribuintes que contestam lançamentos tributários pela via judicial; por força de um burocratismo predatório que contrasta, paradoxalmente, com a excelência tecnológica da administração tributária, a mais recente pesquisa do Banco Mundial sobre a facilidade de fazer negócios (“Doing Business”) classifica o Brasil, em termos de pagamento de impostos, na lastimável 184ª posição em um universo de 190 países (apenas quatro países pobres africanos, Bolívia e Venezuela têm desempenho inferior ao Brasil).
É impressionante a pouca atenção que se dá a essas matérias, dando a impressão que há uma firme intenção de preservar o império da litigância e da burocracia. Com as vigentes regras processuais e procedimentais, nenhum sistema tributário será eficaz.
Em lugar de estimular o exercício de inviáveis fantasias tributárias, o governo Temer deveria conferir prioridade à reforma dos processos e procedimentos tributários.
No Senado, já foram apresentadas propostas que lidam com aquela reforma: a PEC nº 112/2015, gestada na CPI do CARF, que funcionou naquela Casa; e a PEC nº 57/2016 e o projeto de lei complementar nº 406/2016, elaborados no âmbito da Comissão dos Juristas para Desburocratização. Essas proposições são, ao menos, um ponto de partida para discussões mais profundas.
* Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal
Helena Chagas: Nem um tiquinho de parlamentarismo - só um presidente fraco
Como se não tivesse mais nenhuma encrenca a cuidar, o presidente Michel Temer passou a defender abertamente a implantação do sistema parlamentarista no país, se possível já em 2018, sob o argumento de que, com ele, já vivemos numa espécie de "semiparlamentarismo" - ou semipresidencialismo, dependendo do gosto do freguês. Michel gosta de mostrar, dia sim, outro também, como é próximo do Congresso - que, afinal, cassou o mandato de Dilma Rousseff e o colocou lá - e como transita bem nesse mundo maravilhoso de deputados e senadores.
Pouco mais de uma semana depois de enterrar no plenário da Câmara a primeira denúncia do ainda PGR Rodrigo Janot contra ele, poder-se-ia até imaginar que sim. Só que, entre as chantagens do centrão para ficar com os cargos dos tucanos, a gula de sempre do PMDB e a rebeldia do dividido PSDB, a chapa está esquentando para Michel Temer no Congresso.
A última terça-feira mostrou quem está no comando. O presidente informou pela manhã que o governo estudava aumentar as alíquotas do IR da pessoa física para os salários mais altos, hipótese admitida na véspera pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Na hora do almoço, os líderes da base aliada começaram a reclamar, com o reforço do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que anunciou que a Casa não votaria aumento do IR. No fim da tarde, veio a nota de recuo do Planalto: o estudo não seria enviado ao Congresso. Na quarta de manhã, Temer já se desmentia com impressionante veemência.
Essa parece ser a dinâmica do governo Temer pós-salvação. A reforma da Previdência vai ficando mais distante, a medida provisória da reoneração da folha das empresas vai caducar por falta de apoio e a do Refis, se for votada, continuará desfigurada, rendendo arrecadação muito inferior ao previsto. Tudo indica também que a reforma política, que começou a tramitar de verdade esta semana, será feita à imagem e semelhança de seus autores, ou seja, atendendo aos interesses de deputados e senadores que querem se eleger ano que vem.
Nesse ambiente, o que se constata é que Michel Temer, um presidente impopular mas que ainda tem a caneta na mão, está mais para refém do que para comandante na relação com o Congresso. E que o uso da expressão "semiparlamentarismo" é uma frivolidade, um eufemismo para designar um presidente fraco nas mãos de um Congresso que, por pouco, não é mais fraco ainda. Institucionalmente, é o que temos, no limite da irresponsabilidade que seria falar em mudança de sistema de governo a esta altura.
De parlamentarismo, essa situação não tem nada. Nem semi, nem meio, nem um tiquinho. A começar pela inexistência de partidos com um mínimo de vocação programática, ou ao menos uma ideia de país na cabeça, diferentemente dos ajuntamentos fisiológicos que formam hoje essas siglas. Continuando com o abismo que separa hoje representantes de representados, cavado por um sistema político e eleitoral que não prevê qualquer fiscalização ou acompanhamento do eleito pelo eleitor. Desconexão total. Por fim, a falta de votos. Nem Michel e nem o programa que, aparentemente, está executando no governo receberam um só voto nas urnas.
Instituição é coisa séria, e como tal deve ser tratada. Não dá para brincar de parlamentarismo, semiparlamentarismo e outros bichos.
* Helena Chagas é jornalista desde 1983. Exerceu funções de repórter, colunista e direção em O Globo, Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil. Foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (2011-2014). Hoje é consultora de comunicação.