Imposto

Protecionismo de Trump tem raízes no passado dos EUA

 Conselheiro de Lincoln, Carey via a política de livre-comércio como uma forma de dominação econômica britânica, mais ou menos como Trump faz agora com a China

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Henry Charles Carey foi um economista do século 19, conhecido por ser o principal teórico econômico do protetorado industrial dos Estados Unidos. Sua defesa do protecionismo se contrapunha às ideias do “laissez faire” (livre-comércio) britânico representado por David Ricardo e Adam Smith. Quem me chamou atenção para a importância desse economista na história dos Estados Unidos foi meu velho camarada Gilvan Cavalcanti de Melo, editor do site Democracia política e novo reformismo.

Dele recebi duas páginas instigantes do livro Grundisse (Boi Tempo), os manuscritos de Karl Marx (1818-1883) intitulados “Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie” (Elementos fundamentais para a crítica da economia política), no qual o autor de “O Capital” destaca a originalidade das ideias de Carey àquela altura da expansão capitalista pelo mundo. Um dos manuscritos é “Formações econômicas pré-capitalistas”, que contraria o determinismo histórico stalinista. Esses textos somente foram publicados em 1941.

Natural da Filadélfia, Henry Charles Carey (1793 –1879) foi um dos principais representantes da escola americana de economia política no século 19. No seu livro Harmonia de interesses, comparou e contrastou o que ele chamava de “sistema britânico” de livre comércio com o “sistema americano” de desenvolvimento econômico, mediante proteção alfandegária e intervenção governamental para estimular a produção. Essa obra fez dele o mais importante consultor econômico de Abraham Lincoln (1809-1865) na Presidência dos EUA.

Era filho do também economista Mathew Carey (1760-1839), um irlandês reformador e editor de livros radicado na Filadélfia, cujos ensaios sobre economia endossavam as ideias de Alexandre Hamilton (1755-1804, um dos federalistas patronos da democracia americana, sobre a proteção e a promoção da indústria. Henry Carey também escreveu sobre salários, sistema de crédito, juro, escravidão, direito autoral, ensaios que reuniu na trilogia “Princípios da ciência social”.

Marx reconhece Carey como o único economista original entre os norte-americanos de sua época, mas criticou sua tentativa de apresentar o capitalismo norte-americano como um sistema harmonioso. No “Grundrisse”, observa que Carey, vindo de um país onde a sociedade burguesa se desenvolveu sem as estruturas feudais europeias, tendia a ver as relações de produção capitalistas da sua época como naturais e eternas. A implicância de Marx se deve ao fato de que Carey considerava os antagonismos sociais do capitalismo meras distorções herdadas do feudalismo europeu, especialmente do modelo britânico, que não se aplicariam aos Estados Unidos.

Indústria e reforma agrária

Como agora faz o presidente norte-americano Donald Trump, Carey defendia que o protecionismo era essencial para o desenvolvimento das indústrias nacionais. Segundo ele, as tarifas de importação protegeriam as indústrias nascentes da concorrência externa, principalmente da hegemonia britânica. Para ele, o livre comércio beneficiava apenas as nações já industrializadas, ampliando as desigualdades globais. Diante disso, o Estado deveria adotar medidas para fortalecer o mercado doméstico e estimular a produção nacional. Mais parecido com o tarifaço de Trump é impossível.

Carey não era apenas economista, era também um ativista político, ligado ao senador Henry Clay e à chamada American System, que propunha tarifas protecionistas, investimento em infraestrutura, um banco nacional forte e, sobretudo, promovia forte campanha contra a Inglaterra, acusada de sufocar e matar as indústrias norte-americanas, mais ou menos como Trump faz agora com a China. Mas não apenas os chineses. O presidente norte-americano afirma que a maioria dos países explora os Estados Unidos, quando o que aconteceu nos últimos cem anos foi o contrário.

Abraham Lincoln foi muito influenciado pelas ideias de Carey, inclusive no combate à escravidão e na defesa da reforma agrária, que resultaram na Guerra da Secessão. Segundo o economista, a vitória sobre as dificuldades para a produção agrícola, pelo árduo e continuado esforço, dá direito ao primeiro ocupante da terra à sua propriedade no solo. Seu valor constitui uma proporção muito pequena do custo despendido, porque representa somente o que seria exigido, com a ciência e os recursos ao longo do tempo, para elevar a terra de seu primitivo estado à situação produtiva.

A propriedade da terra, por conseguinte, seria somente uma forma de capital investido, uma quantidade de trabalho ou os frutos do trabalho permanentemente incorporados ao solo; pelo qual, como para qualquer outro capitalista, o proprietário é compensado por uma parte do produto. As teses de Carey tanto legitimaram a “conquista do Oeste” quanto o consequente massacre das populações indígenas.

Além de referência histórica, a política econômica republicana nos EUA durante o final do século 19, de certa forma, as ideias de Carey também influenciaram o nacional-desenvolvimentismo latino-americano de Celso Furtado e Raúl Prebisch, em meados do Século 20, que pode renascer das cinzas, inclusive aqui no Brasil.


Trump dobra a aposta contra a China e causa pânico nos mercados

Teme-se um período de recessão econômica sem que se saiba como e quando se sairá dela. A retaliação chinesa mirou as empresas de tecnologia dos Estados Unidos

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou a China com tarifas adicionais de 50%, se Pequim não retirar suas taxas retaliatórias de 34% sobre os EUA. A escalada da guerra tarifária entre os dois gigantes da economia mundial provocou queda generalizada nas bolsas de valores de todo o mundo, principalmente na Ásia e na Europa. No Brasil, o Ibovespa, principal índice de desempenho das ações, abriu o mercado em queda de 1,7%, encerrando o dia com perda de 1,38%, enquanto o dólar fechou em alta, sendo vendido a R$ 5,91.

Nos EUA, fecharam em queda o Dow Jones, de 0,91%, e o S&P 500, de 0,23%. O Nasdaq de alta tecnologia reagiu e registrou pequena alta de 0,10%, entretanto o S&P 500 VIX, o chamado “índice do medo”, fechou com alta de 3,69%, em 46,98 pontos. Historicamente, os maiores patamares desse índice foram registrados na crise da Rússia, em agosto de 1998, quando fechou em 44,28; na crise financeira norte americana, em setembro de 2008, quando o tradicional banco de investimentos Lehman Brothers foi à falência e o índice fechou em 59,89; e na pandemia de covid-19, em março de 2020, quando chegou a 53,54.

O S&P 500 VIX é chamado de “índice do medo” porque tem a capacidade de refletir o sentimento dos investidores em relação à incerteza e à turbulência do mercado nos EUA e, sobretudo, mundo afora. No estresse financeiro, é uma resposta rápida à seguinte pergunta: você prefere deixar de ganhar um determinado valor ou arriscar perdê-lo mediante a possibilidade de um bom rendimento? A primeira opção é a resposta da maioria das pessoas. O índice VIX procura mostrar ao mercado essa aversão ao risco.

Esse comportamento, comum do ser humano, foi estudado pelo economista Richard Thaler. Segundo ele, quando as pessoas estão em uma situação mais favorável, preferem não mudar nada e manter o que já têm. Isso só muda quando há algo importante para resolver e não se tem o direcionamento para isso. O VIX (sigla para volatility index) é um índice de volatilidade criado pela Bolsa de Valores de Chicago. Esse indicador reflete o desempenho das ações das empresas que compõem o S&P 500 por 30 dias seguidos.

Valores mais altos indicam uma expectativa de maior oscilação de preços e incerteza, enquanto valores mais baixos sugerem maior confiança e estabilidade. Por isso, em tempos de crise, o VIX serve para medir a volatilidade esperada do mercado de ações, o sentimento dos investidores em relação à incerteza, o risco e a turbulência à frente no mercado de ações. Por isso mesmo, orienta para a tomada de decisões em momentos de crise financeira.

Perdas trilionárias

Como na situação desta segunda-feira, quando as quedas nas bolsas foram generalizadas: Nikkei 225 (Japão): -6,5%; Shanghai Composite (China continental): -6,4%; ASX 200 (Austrália): -3,8%; Kospi (Coreia do Sul): -5,2%; Taiex (Taiwan): -9,7%; STI (Singapura): -7,5%; Nifty 50 (Índia): -4,0%; Sensex (Índia): -3,7%.

Diante desses resultados, logo cedo, Trump foi às redes pedir para as pessoas não serem fracas e estúpidas. Não adiantou muito, a Dax da Alemanha caiu quase 10% no início do pregão, enquanto o FTSE 100 do Reino Unido tinha uma redução de quase 6% e o índice Cac 40 da França estava registrando queda de 7%.

Trump atirou na China, mas acertou os principais aliados dos Estados Unidos na Ásia, Japão e Coreia do Sul, além da Austrália. Toyota, Honda e Nissan estão entre as empresas mais atingidas. O primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, ao mesmo tempo em que se aproximou da China, ainda tenta um acordo com Trump. O Japão é o maior investidor estrangeiro nos Estados Unidos.

China e Estados Unidos produzem quase metade dos bens globais. Com a ameaça desta segunda-feira, Trump escalou mais ainda a crise: “Se a China não retirar seu aumento de 34% acima de seus abusos comerciais de longo prazo até esta terça-feira, 8 de abril de 2025, os Estados Unidos imporão tarifas adicionais à China de 50%, com efeito em 9 de abril”, publicou em sua rede social.

Na conversa com jornalistas na Casa Branca, estabeleceu um horário: a China tem até o meio-dia de hoje para recuar. É um ultimato que ainda pode fazer desta terça-feira um dia de pânico nos mercados financeiros. Uma guerra comercial generalizada é temida por governos e empresas porque pode provocar uma onda inflacionária mundial, com aumento de matérias-primas, bens de consumo e serviços.

Teme-se um período de recessão econômica sem que se saiba como e quando se sairá dela. A retaliação chinesa mirou as empresas de tecnologia dos Estados Unidos, ao aumentar o controle sobre a exportação de terras raras para os EUA. Samário, gadolínio, térbio, disprósio, lutécio, escândio e ítrio são matérias-primas utilizadas na fabricação de chips para celulares, computadores, cartões e outros produtos tecnológicos.

Na sexta-feira, Alphabet (dona do Google), Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla, as gigantes da tecnologia, já acumulavam perdas de US$ 1,8 trilhão. Ao todo, empresas listadas no mercado norte-americano perderam US$ 6 trilhões em valor de mercado em apenas dois dias.

Nas entrelinhas: todas as colunas no Blog do Azedo


Desaprovação do governo Lula está perto do não retorno

 A superexposição de Lula por meio de entrevistas e eventos não neutralizou a percepção negativa que a população tem da economia. A causa é a inflação

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Por onde quer que se olhe, o apoio da população ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua em queda livre. Apesar de o governo adotar medidas com o propósito de melhorar a própria imagem, como o empréstimo consignado para assalariados, a bolsa de estudos Pé-de-Meia para jovens adolescentes de baixa renda e a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até cinco salários-mínimos, Lula não consegue estancar a sua queda nas pesquisas.

A Pesquisa Genial/Quaest, divulgada nesta quarta-feira, mostra que a desaprovação do governo Lula subiu de 49% para 56% entre 25 de janeiro e 25 de março, enquanto a aprovação caiu de 47% para 41%. Os números são brutos. O esforço de marketing realizado pelo ministro Sidônio Palmeira (Comunicação Social) até agora não surtiu efeito. A tese de que o problema do governo era sobretudo não se comunicar com a sociedade está sendo posta em xeque pelas pesquisas.

Parece o caso da velha máxima do gerenciamento estratégico: quando um projeto está dando errado, se as mesmas coisas continuarem a ser feitas, continuará dando errado. A quase universalidade dos números negativos reflete um mal-estar generalizado da sociedade com o governo federal.

A queda na aprovação ocorre em todas as regiões do país. No Nordeste, principal reduto eleitoral de Lula, a vantagem que era de 35 pontos percentuais (pp) caiu para 6 pontos entre dezembro e março, e a desaprovação subiu para 23 pp maior que a aprovação. No Sul, a diferença é de 30 pp. Entre as mulheres, é a primeira vez que a desaprovação chega a 53% e supera a aprovação, que está em 43%.

Sem o apoio maciço do Nordeste, da maioria das mulheres e dos brasileiros de baixa renda, o projeto de reeleição do Lula estará irremediavelmente comprometido. A aprovação está em 34% para quem tem renda familiar de mais de 5 salários-mínimos, em 36% para quem tem renda de 2 a 5 SM e chegou a 52% para quem tem renda de até 2 salários. A vantagem estratégica de Lula entre os eleitores de até 2 SM já foi de 43 pp em julho de 2024; agora, está em apenas 7 pp.

A desaprovação ao governo Lula chegou a 26% entre os seus próprios eleitores, ou seja, 25% de sua base de apoio. Isso significa um deslocamento muito além daqueles que votaram em Lula no segundo turno para impedir a reeleição de Jair Bolsonaro. Esse percentual abarca muitos que votaram em Lula no primeiro turno, o que é ainda mais preocupante para o Palácio do Planalto. O nome disso é frustração de expectativas.

Força de inércia

Com esses resultados, é o caso de Lula ir para o divã e avaliar a sustentabilidade de seu projeto de reeleição. É preciso encontrar as causas profundas desse descontentamento, que não está sendo revertido por medidas que o governo julgava capazes de alavancar a sua popularidade. O alcance dos projetos não atingiu a escala que se esperava.

O programa Pé-de-Meia, por exemplo, além das dificuldades de controle sobre a sua execução nos municípios, para que realmente chegue aos que devem ser beneficiados, exibe um aspecto que precisa ser mais bem avaliado pelo governo: ninguém vai convencer os pais dos alunos que não recebem a bolsa de que seus filhos não têm igualmente esse direito, se estudam na mesma escola pública do jovem com Pé-de-Meia.

O crédito consignado, o empréstimo do Lula, é um indiscutível sucesso de bilheteria: até 24 de março de 2025, mais de 5 milhões de assalariados haviam solicitado o consignado CLT, totalizando mais de R$ 50 bilhões. Entretanto, a maioria pega o empréstimo para quitar ou renegociar dívidas com os bancos e operadoras de cartão de crédito. Ou seja, o programa é bem-vindo, mas não impacta de imediato o custo de vida.

Até agora, a proposta de isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil também não surtiu o efeito esperado; como só valerá para o próximo ano, pode ser que ainda traga resultados efetivamente positivos no futuro. A maioria da população tem a percepção de que a economia piorou e o governo caminha na direção errada: são 56% em ambos os quesitos.

A superexposição de Lula por meio de entrevistas e eventos foi alicerçada nesses programas, porém não neutralizou essa percepção negativa que a população tem da economia. A causa principal é a inflação, sobretudo o preço dos alimentos nos supermercados e dos combustíveis nos postos de gasolina. Lula subestima a inflação como fez no Plano Real, em 1994, quando estava na oposição e combatia o ajuste fiscal.

O poder de compra da população decaiu nesses dois quesitos, apesar da redução do desemprego e do aumento da renda média. Isso poderia ser compensado pelos programas sociais do governo, porém, 67% da população de baixa renda identifica esses programas como direito adquirido. É o caso do Bolsa Família.

Nas entrelinhas: todas as colunas no Blog do Azedo


Foto: reprodução Metrópoles | Mario Sérgio Telles / reprodução Metrópoles

Reforma tributária: CNI defende Imposto sobre Valor Agregado Único em 2023

Deborah Hana Cardoso | Metrópoles

Defendido pela indústria e pelo setor financeiro e considerado o “filé mignon” das propostas já apresentadas, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) Único deverá reunir uma gama de tributos federais, estaduais e municipais em uma única alíquota. O novo governo já sinalizou que pretende retomar as discussões sobre uma reforma tributária no próximo ano.

Os parlamentares, no entanto, discutem duas opções: se seria aplicado o IVA Único, que reuniria todos os impostos em uma única alíquota; ou o Dual, que faria a distinção entre impostos federais e estaduais. “A CNI defende o IVA Único, como alavancador do crescimento econômico no Brasil”, explicou ao Metrópoles o gerente-executivo de economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mário Sérgio Telles (imagem em destaque).

As pretensões da indústria, porém, esbarram em muitos fatores: governos federal, estadual, municipal; serviços; agro; e população. “São interesses conflitantes, que dificultam a reforma”, avalia Telles.

“Governos, estados e municípios – cada um briga para arrecadar mais. Tem as empresas, que buscam simplificação para pagar menos e ganhar mais; e o consumidor, que quer pagar menos”, explicou Jules Queiroz, doutor em direito econômico, financeiro e tributário pela Universidade de São Paulo (USP).

De acordo com Telles, o governo Lula já fez acenos positivos em relação à pauta. “Há manifestações favoráveis internas dentro do governo eleito, como Simone Tebet e o próprio Geraldo Alckmin. Também existe apoio para a reforma em diferentes níveis, incluindo integrantes do PT e da ala técnica; Pérsio Arida é favorável”, afirma.

“Ela [a reforma tributária] ajudará o Brasil a crescer. Tem efeito na produtividade, simplifica, reduz custos, evita a guerra fiscal”, disse o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), ao jornal O Globo.

Telles foi questionado se o nome escolhido para o Ministério da Fazenda poderia influenciar o andamento da pauta no Congresso. “Não vejo que o próximo ministro seja um problema para o avanço da reforma tributária; é uma pauta que tem um apoio amplo”, declarou.

A reforma precisa andar no período da “lua de mel” do governo, ou seja, nos primeiros seis meses de 2023, quando há popularidade do presidente eleito e “boa vontade” do Parlamento. Outras gestões, inclusive a de Bolsonaro, não conseguiram avançar com a pauta. “O governo de Jair Bolsonaro autossabotou a própria reforma, pois o debate do IVA estava mais maduro, e Paulo Guedes insistiu em uma CPMF”, explicou Telles.

Impostos e federalismo

Especialistas ouvidos pelo Metrópoles consideram que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 110/2019, que pretende criar o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), apresenta o texto mais “maduro”. O projeto segue o modelo francês de tributação, que está vigente no país europeu desde 1930 e deve desembarcar no Brasil quase 100 anos depois.

O IVA Único substituiria PIS (Programa de Integração Social), Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto Sobre Serviços (ISS). “O IVA, diferentemente da Contribuição Social de Bens e Serviços (CBS), é o filé da discussão.”

A PEC nº 110/2019 une todos os tributos da Federação – não só os federais, como queria Paulo Guedes [com a CBS]”, explicou Jules Queiroz.

“Uma reforma tributária deve tributar o consumidor, e não a origem, o que beneficiaria o Nordeste e o Norte. Mas isso faria o Sul e o Sudeste perderem muito. Isso tem que ser conversado, implementado de forma gradual, para que a Federação seja reequilibrada”, completou Jules.

O popular IVA Único também recebe críticas. “Há preocupação com o federalismo brasileiro, em se manter a autonomia administrativa dos estados e municípios”, disse o advogado tributarista Bruno Teixeira, sócio do escritório Tozzini Freire Advogados. “O [IVA] Dual se adapta melhor às necessidades do federalismo brasileiro”, observou Jules.

“A reforma tem de levar em consideração as desigualdades regionais […]. Há estados que dependem de incentivos fiscais para a manutenção de sua atratividade, como a Zona Franca de Manaus”, finalizou Bruno Teixeira.


Por que donos de empresas geralmente pagam menos impostos do que seus funcionários

Camilla Veras Mota*, BBC News Brasil

Foi com essa comparação que o empresário Sergio Zimerman defendeu, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo na segunda-feira (7/11), uma reforma do sistema tributário brasileiro.

Com o exemplo pessoal, o fundador da rede de pet shops Petz argumentava que a ênfase na cobrança de impostos sobre o consumo — em vez da renda ou do patrimônio, por exemplo — concentra riqueza.

De fato, os mais pobres no Brasil pagam proporcionalmente mais impostos do que os mais ricos. Essa é uma dinâmica que vai no sentido contrário do que diz a Constituição, segundo a qual, "sempre que possível, os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte" (Artigo 145). Ou seja, quem ganha mais deveria pagar mais.

A seguir, a BBC News Brasil discute em três gráficos algumas das distorções que explicam por que o conjunto de regras tributárias do país penaliza os mais pobres e permite, em algumas situações, que donos de empresas paguem proporcionalmente menos impostos do que seus próprios funcionários.

Porquinho, dinheiro e calculadora
Vigente no Brasil desde 1996, isenção da tributação de lucros e dividendos é adotada em poucos países

Tributação concentrada no consumo

Em 2021, o governo arrecadou R$ 2,94 trilhões em impostos. A maior parte, 43,5%, veio da cobrança de tributos sobre bens e serviços.

Um montante de R$ 1,28 trilhão, incluídos aí os tributos cobrados pelas três esferas: municipal (ISS), estadual (ICMS) e federal (IPI, PIS/Cofins).

A ênfase do sistema tributário brasileiro em impostos sobre o consumo é típica de países com baixo desenvolvimento socioeconômico, explica a professora de direito tributário da Universidade de Leeds Rita de la Feria.

"Os países com nível de desenvolvimento mais alto tendem a dar mais importância à tributação sobre a renda dos indivíduos", ela destaca.

Distribuição da carga tributária no Brasil. Em proporção do total (%) - 2021.  .

Para efeito de comparação, os impostos sobre bens e serviços representam em média 32% da arrecadação total entre os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma fatia mais de 10 pontos percentuais menor do que no Brasil.

Uma das razões para a divergência, segundo a especialista, está no fato de que os países com nível mais baixo de desenvolvimento, que geralmente têm uma parcela grande da população com renda muito baixa, têm um universo mais restrito de contribuintes para imposto sobre a renda.

Outro motivo vem da complexidade da tributação da renda. Muitas nações em desenvolvimento têm uma administração tributária muito pequena e pouco desenvolvida e, por isso, dão preferência à tributação do consumo, cuja implementação é mais fácil.

"Mas esse não é o caso do Brasil", frisa a especialista. "A administração tributária no Brasil é muito desenvolvida. Talvez por conta da legislação tributária ser tão ruim, o país teve de se adaptar e aperfeiçoar a administração", completa.

A opção de tributar mais o consumo do que a renda tem um efeito prático direto sobre a desigualdade: ele pesa mais sobre os mais pobres. No jargão dos especialistas, é uma modalidade considerada "regressiva" - os impostos "progressivos", por sua vez, são aqueles que contribuem para reduzir a desigualdade.

O peso da tributação indireta sobre os mais pobres

Um exemplo prático: um brasileiro que recebe um salário mínimo por mês e um milionário que compram um xampu de R$ 20 em um supermercado pagam os mesmos 44,2% em impostos sobre o valor do produto, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Nessa situação, em proporção da renda mensal, o mais pobre desembolsa mais do que o mais rico.

A distorção fica visível em trabalhos como o publicado neste ano pelos pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Felipe Moraes Cornelio, Theo Ribas Palomo, Fernando Gaiger Silveira e Marcelo Resende Tonon.

O cálculo do impacto da incidência desses impostos sobre a renda das famílias mostra que os 10% mais pobres pagam o equivalente a 21,2% da renda em "tributos indiretos".

Para os 10% mais ricos, os tributos indiretos representam um percentual significativamente menor da renda total, 7,8%, levando em consideração a renda familiar per capita.

Incidência da tributação indireta na renda total. Por décimos de renda familiar per capita.  .

O sistema de tributação do consumo do país, na avaliação de Rita de la Feria, é "um dos piores do mundo".

A especialista, que trabalhou na reforma tributária de Portugal entre 2010 e 2011 e depois acompanhou a de países como Angola, Moçambique, Uzbequistão e Albânia como consultora do Fundo Monetário Internacional (FMI), segue de perto o debate no Brasil. Esteve em 2020 em uma audiência no Congresso como convidada na Comissão Mista da Reforma Tributária e diz esperar voltar a discutir o assunto em breve.

Existe uma grande expectativa de que a reforma tributária seja uma das primeiras pautas tocadas pela terceira gestão do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em seu programa de governo, a chapa Lula/Geraldo Alckmin se comprometeu a "simplificar e reduzir a tributação do consumo".

A ideia de simplificação já consta em algumas das propostas que tramitam no Congresso, entre elas a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, que prevê a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em substituição ao IPI e PIS e Cofins (federais), ao ICMS estadual e ao ISS municipal. A inspiração é o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), adotado em diversos países.

A PEC 110 também prevê a instituição de uma espécie de IVA — no caso, em regime dual, um de competência de Estados e municípios e outro federal.

À reportagem, a professora da Universidade de Leeds diz preferir, tecnicamente, a PEC 45, por unificar os cinco tributos atuais em apenas um imposto, mas ressalta que qualquer uma das duas "é melhor do que vocês têm agora". "Não há explicação para o que vocês têm agora."

Debate da PEC 110 na CCJ do Senado em 2019
PEC 110 e PEC 45 propõem reforma no sistema de tributação do consumo vigente no país

Ricos também pagam menos imposto de renda

Parte da regressividade da tributação sobre o consumo é compensada pelo imposto de renda. Como ele incide proporcionalmente sobre os ganhos dos contribuintes, quem ganha mais, paga mais.

Com um porém: no Brasil, a alíquota efetiva (ou seja, o percentual da renda que de fato é tributado) cresce à medida que a renda aumenta, mas apenas até a faixa entre 20 e 30 salários mínimos. Daí pra frente, quanto mais rico, menor o valor pago de imposto de renda.

Essa foi a conclusão de um estudo recente elaborado pelo sindicato dos auditores da Receita Federal, o Sindifisco Nacional, com base nos dados da declaração de 2021:

Alíquota efetiva média do IRPF (%). Por faixa de renda - em salários mínimos mensais.  .

"Alguns mecanismos fazem com que ricos ou super-ricos paguem menos tributos do que classe média e os mais pobres", diz Isac Falcão, presidente do Sindifisco Nacional.

Uma parte significativa da distorção, ele explica, se deve ao fato de que o Brasil isenta de pagamento de imposto os ganhos provenientes de lucros e dividendos - uma importante fonte de renda para os mais ricos.

É o caso de muitos dos empresários, por exemplo, que não recebem salário, mas uma participação nos lucros de suas companhias. Ou daqueles que investem em ações - e que, pela legislação vigente, não precisam recolher impostos quando recebem distribuição de dividendos.

O Brasil tributa o lucro, mas ainda na empresa, antes de ele chegar no bolso do acionista. Essa cobrança, contudo, não é equivalente quando se fala em justiça tributária e capacidade contributiva, a ideia do "quem pode mais, paga mais".

A depender do regime tributário em que a empresa se encontra - Simples Nacional, lucro real ou lucro presumido -, a alíquota efetiva pode ser significativamente menor do que a alíquota nominal, que é, de forma simplificada, o percentual que está de fato na lei.

Isso porque as empresas podem fazer uma série de deduções e exclusões para diminuir o montante que serve de base para o cálculo do imposto. E não raro utilizam uma série de benefícios legais, uma prática que tem contribuído para aumentar ainda mais a distância entre o chamado lucro societário, aquele apurado pela contabilidade da empresa, e o lucro tributário, diz Falcão.

Para ele, a isenção da tributação de lucros e dividendos, adotada em poucos países e vigente no Brasil desde 1996, ajuda a inverter a lógica que deveria balizar a tributação do imposto de renda.

"Aqueles que têm maior capacidade econômica e, portanto, maior capacidade contributiva, deveriam pagar mais. Nos países mais desenvolvidos, a tributação é progressiva, no Brasil, ela é regressiva."

A tributação de lucros e dividendos também foi defendida por Lula durante a campanha, assim como o aumento do limite para isenção do pagamento de imposto de renda dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 5.000,00.

*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil


Inflacion | Arte: Shutterstock/Lightspring

Nas entrelinhas: Dragão da inflação contra mito guerreiro

Luiz Carlos Azedo/ Nas entrelinhas / Correio Braziliense

Com perdão para o trocadilho — Glauber Rocha que nos perdoe —, o presidente Jair Bolsonaro está convencido de que seu maior adversário nas eleições é a inflação. Os números corroboram esse temor, pois a alta dos preços, principalmente dos combustíveis e dos alimentos, pode levar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à vitória no primeiro turno. O que se discute no governo é a adoção de medidas de contingenciamento dos preços, seja pelo congelamento puro e simples, seja pela via de incentivos fiscais. A nova mudança na direção da Petrobras tem esse objetivo.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), que é considerado uma prévia da inflação oficial do país, está em 0,59% em maio, após ter registrado taxa de 1,73% em abril, somando 12,20% em 12 meses, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Diante disso, Bolsonaro resolveu demonizar a Petrobras, que seria o grande dragão da inflação. Vestiu a armadura de mito guerreiro e defenestrou mais um presidente da empresa, o terceiro. José Mauro Ferreira Coelho durou 40 dias do cargo, sendo demitido por telefone pelo novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Saschida. Para o seu lugar, Bolsonaro indicou Caio Mario Paes de Andrade, atual secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.

Empreendedor em tecnologia da informação, mercado imobiliário e agronegócio, Caio Mario Paes de Andrade tem formação em comunicação social pela Universidade Paulista, pós-graduação em administração e gestão pela Harvard University e é mestre em administração de empresas pela Duke University. Foi presidente do Serpro até agosto de 2020, quando passou a fazer parte do Ministério da Economia. Mas é um neófito na área de energia e petróleo.

A indicação ainda precisa ser aprovada pelo Conselho de Administração da Petrobras. Dois presidentes anteriores da empresa, Roberto Castello Branco e Joaquim Silva e Luna, também foram demitidos do cargo. Ambos por causa dos aumentos dos preços dos combustíveis.

A missão de Caio de Andrade é uma cobra de duas cabeças: de um lado, segurar os aumentos dos combustíveis até as eleições (fala-se, inclusive, em congelamento do preço do gás de cozinha e do diesel); de outro, avançar com o projeto de privatização da empresa. Em ambos os casos, será preciso mudar a composição do conselho de administração da estatal e a legislação vigente. A narrativa do governo para fazer essa alteração está começando a ser construída. Como a pandemia foi controlada, graças à vacinação em massa, o pretexto para a mudança seria o impacto da Guerra da Ucrânia nos preços dos combustíveis, fertilizantes e alimentos.

A Guerra da Ucrânia será uma desculpa para outras medidas populistas, que visam manipular preços artificialmente, reduzir impostos e mitigar o impacto da inflação no orçamento doméstico, principalmente da população de baixa renda, que deriva para a oposição. O que parecia improvável, está acontecendo: uma aliança do ministro da Economia, Paulo Guedes, com os políticos do Centrão para segurar a alta de preços e conceder benefícios a empresas e famílias de baixa renda. A entrega da Petrobras, que era controlada pelos militares, à área econômica, com a perspectiva de sua privatização, um sonho de consumo das grandes petroleiras.

Teto de gastos

Como o mercado não é bobo e sabe que qualquer projeto econômico de médio e longo prazos depende das eleições, a primeira reação foi negativa: as ações da Petrobras fecharam em queda de mais de 3% no Ibovespa, principal índice de ações da Bolsa de Valores de São Paulo. Em Nova York, devido à nova troca, as ações amanheceram, ontem, em queda de mais de 11% no pré-mercado. A recuperação e a valorização da Petrobras, que voltou a ser uma empresa muito lucrativa, estão atreladas à política de paridade internacional adotada em 2016, durante o governo Michel Temer.

O ex-presidente Lula endossa as críticas à política de preços da Petrobras, mas manifesta-se contra a privatização da empresa. Ontem, comentando a mudança no comando da empresa, sugeriu que Bolsonaro desvincule os custos dos combustíveis da cotação do dólar: “Ele pode fazer uma reunião com o Conselho Nacional de Política Energética, trazer a Petrobras para a mesa, trazer o conselho da Petrobras e decidir que o preço não será dolarizado, que nós não vamos pagar o preço internacional, nós vamos pagar o preço do custo da gasolina aqui no Brasil”, afirmou.

Lula também atacou a política de teto de gastos, resgatando a velha retórica contra os banqueiros e as elites do país: “Por que aprovaram teto de gastos? Porque os banqueiros são gananciosos. Eles exigiram que o governo garantisse o que eles têm direito de receber e tentaram criar problemas para investimento na Saúde, na Educação, na Ciência e Tecnologia”. Segundo o petista, “o teto de gastos foi uma forma de a elite econômica brasileira e que a elite política fez para evitar que o pobre tivesse aumento dos benefícios, das políticas sociais, da educação e da saúde para garantir que os banqueiros não deixem de receber as coisas que o governo deve para eles”.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-dragao-da-inflacao-contra-mito-guerreiro/

Luiz Carlos Azedo: A culpa é da Petrobras

Bolsonaro ameaçou privatizar a empresa, um velho projeto do ministro da Economia, Paulo Guedes, que pode ganhar apoio popular por causa dos preços dos combustíveis

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Entrevistado por uma rádio evangélica do Recife, ontem, o presidente Jair Bolsonaro deu a sua maior e mais polêmica cartada para a reeleição até agora: a proposta de privatização da Petrobras. Dogma imexível da política brasileira, o tema teve um papel decisivo na derrota do candidato tucano Geraldo Alckmin à Presidência em 2006, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja reeleição estava em risco por causa do escândalo do mensalão. Governador de São Paulo e pré-candidato, Alckmin (PS- DB), em entrevista ao Canal Livre, da Band, dissera ser favorável às privatizações de estatais brasileiras, desde que o processo fosse amplamente fiscalizado e embasado por um marco regulatório robusto.

“Inúmeras áreas da Petrobras que não são o core (núcleo do negócio), o centro, objetivo principal, tudo isso pode ser privatizado. E se tivermos um bom marco regulatório, você pode até no futuro privatizar tudo, sem nenhum problema”, disse à época. Alckmin passou o resto da campanha tentando se desdizer, porque o marqueteiro de Lula, João Santana, transformou a questão num divisor de águas da eleição. Não havia o escândalo do “Petrolão”, que viria à tona com a Operação Lava-Jato, e, grande ironia, resultaria nas prisões de João Santana e de Lula.

A Petrobras é o maior símbolo do nosso modelo nacional desenvolvimentista. Sua criação resultou de uma campanha popular que representou o auge do nacionalismo na história republicana e contou com forte apoio dos militares. Um dos presidentes da empresa durante o regime militar, o general Ernesto Geisel, viria a suceder o general Emílio Médici na Presidência da República. As origens da Petrobras remontam à segunda metade da década de 1940. No Congresso formado em 1945, conservador, a maioria procurava apagar os traços autoritários do Estado Novo e revogar a legislação nacionalista do período.

No início de 1947, Eurico Dutra designou uma comissão para rever as leis existentes à luz da nova Constituição e definir as diretrizes para a exploração do petróleo. O anteprojeto do chamado Estatuto do Petróleo desagradou dos nacionalistas, que defendiam o monopólio estatal integral, aos grandes trustes. A reação nacionalista começou no Clube Militar e ganhou corpo com a criação do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, que lançou a Campanha do Petróleo, com slogan “O petróleo é nosso”, em 1948, obtendo forte apoio de trabalhistas e comunistas. Dutra desistiu do Estatuto e optou pela construção das refinarias estatais de Mataripe (BA) e de Cubatão (SP), a construção do oleoduto Santos-São Paulo e a aquisição de uma frota nacional de petroleiros.

Eleito em 1950, Getúlio Vargas voltou ao poder no ano seguinte. Em dezembro, mandou ao Congresso o projeto de criação da “Petróleo Brasileiro S.A.”, a Petrobras, empresa de economia mista com controle majoritário da União. Curiosamente, não estabelecia o monopólio estatal. Entretanto, outro projeto, apresentado pelo deputado Eusébio Rocha, estabelecia o rígido monopólio estatal, vedando a participação estrangeira. Duas concessões foram feitas: as autorizações de funcionamento das refinarias privadas já existentes e a participação de empresas particulares, inclusive estrangeiras, na distribuição dos derivados de petróleo. Em 3 de outubro de 1953, depois de intensa mobilização popular, Vargas sancionou a Lei no 2.004, criando a Petróleo Brasileiro S. A – Petrobras.

Velho projeto
O tom com que Bolsonaro ameaçou privatizar a Petrobras foi de desabafo, mas esse é um velho projeto do ministro da Economia, Paulo Guedes, que pode ganhar apoio popular na atual conjuntura da economia: a alta de preços de combustíveis alavanca a inflação e a Petrobras não tem recursos para investir na exploração do pré-sal, ficando de fora dos leilões de poços de petróleo, além de não conseguir produzir diesel e gasolina suficientes para abastecer o mercado brasileiro.

“É muito fácil: aumentou a gasolina, culpa do Bolsonaro. Já tenho vontade de privatizar a Petrobras. Tenho vontade. Vou ver com a equipe econômica o que a gente pode fazer. O que acontece? Não posso controlar, melhor direcionar o preço, mas, quando aumenta, a culpa é minha apesar de ter zerado imposto federal”, disse o presidente da República. A repercussão das declarações no mercado foi imediata: no Ibovespa, principal índice da B3 (Bolsa de Valores de São Paulo), as ações da Petrobras chegaram a ter alta de 1,82% (ordiná- rias) e 1,99% (preferenciais).

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-culpa-e-da-petrobras/

Luiz Carlos Azedo: Diga ao povo que saio

Há um rosário de decisões de Guedes que o beneficiaram financeiramente, sem que tivesse que fazer uma nova aplicação em sua conta no exterior

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Tem coisas no Brasil difíceis de entender. Por exemplo: Dom Pedro I, que proclamou a Independência, é homenageado com uma das menores ruas do Centro Histórico do Rio de Janeiro, nossa capital de 1763 até 1960, quando a sede do governo foi transferida para Brasília. Começa na Praça Tiradentes, ao lado do Teatro Carlos Gomes, e termina na Rua do Senado, com 141 endereços, 112 residências, 24 estabelecimentos comerciais, três prédios inacabados e 227 moradores, com uma renda média de R$ 1,143. Dependendo do prédio, o preço de um apartamento varia de R$ 3 mil a R$ 8 mil o metro quadrado.

Como já começamos a contagem regressiva para o Bicentenário da Independência, vale o desagravo. Essa lembrança veio em razão do trocadilho do título da coluna com a decisão de Pedro I de não regressar a Lisboa, contrariando as ordens das Cortes Portuguesas, em 9 de janeiro de 1822: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto. Digam ao povo que fico”. O Dia do Fico, referência à frase célebre, foi uma preparação para a proclamação da Independência, em 7 de setembro de 1822.

Havia muita ambição e esperteza embarcadas naquela rebeldia. Liderar a Independência era a única maneira de manter o Brasil sob controle da Casa de Bragança — com ela, a monarquia, o regime escravocrata, o tráfico de negros escravizados e o projeto de reunificação da Coroa, que levaria Dom Pedro I a abdicar do trono em 7 de abril de 1831 e voltar para Portugal para lutar pelo trono para a filha primogênita Maria da Glória. Em contrapartida, herdamos a integridade territorial e o Estado brasileiro, com suas principais instituições. Não foi pouca coisa.

Ambição e esperteza é o que não faltam nas altas esferas do poder. Por exemplo, não conseguia entender a longa permanência do ministro da Economia, Paulo Guedes, no comando da pasta. A vida toda foi um economista ultraliberal. Na campanha eleitoral, fez a cabeça do presidente Jair Bolsonaro e virou o Posto Ipiranga da economia, com apoio do mercado financeiro, para fazer as reformas liberais, entre elas a tributária e a administrativa. Com o passar do tempo, não fez as reformas e fracassou. Nossa economia registra uma brutal desvalorização do real, inflação alta, desemprego em massa e estagnação
econômica. Outros liberais, diante da guinada populista iminente do governo Bolsonaro, já teriam entregado o cargo, como alguns fizeram em sua equipe.

Agora já sabemos a explicação para o “Fico” do ministro da Economia: enquanto o povo come osso, Guedes ganha muito dinheiro com a crise, porque a desvalorização do real engorda suas economias em dólar, que ontem fechou a R$ 5,48. A conta de Guedes num paraíso fiscal no exterior foi revelada, no último fim de semana, pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ). O Ministério da Economia informou que toda a atuação privada de Paulo Guedes foi “devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes”, mas há controvérsias. Eticamente, ganhar dinheiro com a desvalorização do real é incompatível com o cargo de ministro da Economia. No popular, é muita cara de pau.

Imposto de Renda
Por essa razão, Guedes foi convocado a dar esclarecimentos à Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara, e convidado também pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado a explicar a existência de sua empresa offshore, que não paga imposto no Brasil. Guedes abriu a empresa em 2014, ou seja, no ano da reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff. O horizonte econômico era de recessão e aumento da inflação. Até aí, tudo bem — toda vida ganhou dinheiro no mercado financeiro. Em 2016, porém, o governo criou facilidades para que todos repatriassem os recursos enviados para o exterior, mas Guedes não encerrou suas operações com a offshore. Deixou o dinheiro lá fora, no paraíso fiscal, mesmo depois de virar ministro da Economia.

Há um rosário de decisões de Guedes que o beneficiaram financeiramente, sem que tivesse que fazer uma nova aplicação em sua conta no exterior. O artigo 5o do Código de Conduta do setor público veda “investimento em bens cujo valor e cotação pode ser afetado por sua decisão”. Quando nada, o câmbio sempre será atingido por declarações ou atos do ministro da Economia, bem como do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que também tem conta numa offshore no exterior. É uma “não conformidade”.

Tudo isso acontece num momento crucial para o governo, que está em dificuldades para financiar o chamado Auxílio Brasil, programa de transferência de renda que Bolsonaro quer aprovar, para substituir o Bolsa Família. O problema é que o governo não tem dinheiro, tenta viabilizar o projeto com recursos do Imposto de Renda, que pretende modificar com esse objetivo, deixando de fora as contas offshore, é claro. O jabuti no IR, porém, subiu no telhado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já mandou recado de que não vai misturar alhos com bugalhos.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-diga-ao-povo-que-saio/

Cristovam Buarque: Olhe a responsabilidade, gente

Sem o PT, pode não chegar ao segundo turno, só o PT, pode não ganhar no segundo

Nesta semana, a reforma ministerial mostrou que Bolsonaro já está trabalhando para o pós-segundo turno, enquanto os líderes e partidos de oposição continuam no pré-primeiro. Com o novo Ministro da Defesa, ele deseja controlar as Forças Armadas; com o novo Ministro da Justiça busca o controle sobre as polícias estaduais; com a liberação da compra e porte de armas, equipa sua milícia paralela. Com Forças Armadas, polícias e milícias, Bolsonaro passa a ter forças armadas nas ruas, para contestar derrota por pequena margem de eleitores, caso não consiga argumento para contestar o resultado na Justiça Eleitoral.

Enquanto isto, as oposições continuam divididas entre os possíveis candidatos que depois disputarão entre eles qual vai ao segundo turno. Estes embates deixam marcas que poderão levar outra vez a abstenções e votos nulos no segundo turno, como aconteceu em 2018. Difícil imaginar os eleitores do PT votando em Ciro ou outro candidato, e eleitores do Ciro e de outros candidatos votando no Lula ou outro do PT, salvo se fosse construída uma aliança ampla de todos desde o primeiro turno.

Felizmente, tudo indica que o exército não está aceitando o papel de milícia do Bolsonaro, e alguns dos candidatos pela oposição assinaram um manifesto conjunto em defesa da democracia. Mas todos que percebem as consequências da reeleição do atual governo sobre o futuro do Brasil, deveriam se encontrar em um debate franco sobre qual deles tem mais chance de vencer a eleição; também quais as qualidades, erros e méritos que se reconhecem; em que princípios estariam unidos no governo seguinte. Esta reunião poderia ter a participação de entidades da sociedade civil, como ocorreu em momentos decisivos da história. Poderia inclusive ser presidida por uma ou mais destas entidades.

Pena que a política é mais dominada pela arrogância do otimismo do que pela consciência dos riscos. Cada candidato já se considera com um pé no segundo turno, e tem confiança que unirá os eleitores dos que ficaram para trás. Imaginaram isto em 2018, mas nem a boa qualidade do candidato do PT foi suficiente para evitar a rejeição que o partido tinha. Pode ser diferente agora, se o candidato for Lula e o PT tiver rejeição menor, sobretudo depois da anulação Lava Jato de Curitiba; ainda mais com o reconhecimento oficial de que houve parcialidade do juiz contra Lula. Mesmo assim, não é claro se ele e o PT teriam menos rejeição. É possível que mesmo sabendo o que Bolsonaro representa, muitos eleitores ficarão em casa, ou viajarão para não votar, ou votarão nulo, induzidos pela ideia divulgada pela própria oposição, de “nem Bolsonaro, nem PT”. Possível também que eleitores do PT façam agora o que foi feito com Haddad em 2018, anulando o voto e se abstendo.

Estes líderes precisam entender que, divididos, dificilmente qualquer deles tomará o lugar do candidato do PT, mas o PT deve entender que, solitário, dificilmente ganhará no segundo turno se não tiver o apoio dos outros candidatos e partidos. Sem o PT, pode não chegar ao segundo turno, só o PT, pode não ganhar no segundo.

Os candidatos e líderes de partidos que se opõem à estratégia da reeleição de Bolsonaro têm diante deles a imensa responsabilidade de não falharem por arrogância, por vaidade, preconceito. Não podem neste momento colocar seus partidos e suas propostas na frente do interesse maior da democracia e do futuro do país. É preciso unidade com um candidato de baixa rejeição que leve a uma vitória expressiva, cale os fanáticos e desarme as milícias, oficiais ou não.

*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro


Luiz Carlos Azedo: A Páscoa na pandemia

O presidente da República desperdiça seu ativo mais valioso: o tempo do mandato. É impressionante a falta de foco e o empenho em desconstruir certos consensos

Antes de mais nada, feliz Páscoa para todos. É uma data ecumênica por sua própria origem, pois foi ressignificada pelos cristãos como um momento de renovação das esperanças. A origem da Páscoa é o Pesach, a comemoração judaica da libertação dos hebreus da escravidão do Egito. Narrada nos Pentateucos, os primeiros cinco livros da Bíblia, em hebraico, a palavra significa “passagem” e faz menção ao anjo da morte no Egito — a décima praga, conforme a narrativa bíblica. A festa foi reinventada pelos cristãos, passando a se remeter à crucificação e à ressurreição de Cristo.

“E, se Cristo não ressuscitou, logo logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé”, diz o apóstolo Paulo, em I Coríntios 15:14. Na fé católica, foi por meio da ressurreição que a humanidade teve a redenção de seus pecados. Jesus Cristo sacrificou-se para redimir o povo e dar-lhe uma nova chance de salvação. No seu sacrifício, o poder de Deus teria se manifestado.

Estamos encerrando a Semana Santa sem procissões nem missas campais, porém, plena de simbolismo. O Brasil vive uma das maiores tragédias de sua história, com uma média de mais de 3 mil mortos por dia nas últimas semanas, em razão do descontrole da pandemia da covid-19. Existe uma energia humana nos subterrâneos dessa tragédia social que, em algum momento, transbordará para as ruas. Essa resiliência, que seria traduzida nas cerimônias religiosas tradicionais, de alguma forma, acabará se transformando em manifestação política.

Além do agravamento da crise sanitária, também há desorganização da economia. Não estamos falando da redução das atividades econômicas em razão do distanciamento social, mas da desestruturação das contas públicas e da falta de um projeto de retomada do crescimento econômico. É um problema anterior à pandemia, mas que se agravou com ela, principalmente agora, com a aprovação de um Orçamento da União completamente fora da realidade, que agrava as dificuldades já existentes e cria novos problemas, contratados para o pós-pandemia.

Perda de tempo
Há um estresse político criado por arroubos autoritários e tentativas de ruptura do pacto federativo da Constituição de 1988. À época da Constituinte, como tudo estava em discussão, havia moedas de troca suficientes para construção dos acordos entre União, estados e municípios. Agora, uma das dificuldades para aprovação da reforma tributária, por exemplo, é a escassez dessas moedas. O xis da questão acaba sendo sempre a polêmica sobre a arrecadação do ICMS na origem ou no destino das mercadorias, além dos termos da partilha das receitas dos impostos entre os entes federados.

O presidente da República desperdiça seu ativo mais valioso: o tempo do mandato. É impressionante como a falta de foco e o empenho em desconstruir certos consensos políticos — na política externa e na Defesa, no meio ambiente e na segurança pública, no respeito aos direitos humanos e às minorias —, desloca a ação do governo dos verdadeiros problemas do nosso desenvolvimento. A janela de oportunidade das reformas, o primeiro ano de mandato, foi desperdiçada. Agora, em plena pandemia, antecipou-se a disputa eleitoral, porque Bolsonaro conseguiu fazer com que sua reeleição subisse no telhado.

A expectativa de poder está se deslocando de Bolsonaro para a oposição. Mesmo com os desgastes causados pela Lava-Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se coloca na arena em vantagem, ao comparar suas realizações de governo com as de Bolsonaro. A última proeza do presidente da República foi unir os demais pré-candidatos, no episódio de demissão do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa e dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. O governador paulista João Doria (PSDB), o ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT), o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (DEM), o empresário João Amoedo (Novo) e o comunicador Luciano Huck (sem partido) mandaram o recado: Bolsonaro, não! Podem não se unir no primeiro turno, mas estão contra a reeleição.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-pascoa-na-pandemia/

Luiz Carlos Azedo: O trem andou

A independência do BC agrada ao mercado, porque garante mais previsibilidade na economia, mas não desenrola a política econômica

A independência do Banco Central (BC) foi aprovada, ontem, na Câmara, por 339 votos a 114, depois de 30 anos de discussão. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), fez da votação uma demonstração de força e uma sinalização para o mercado de que vai retornar à agenda das reformas. A aprovação também é um contraponto à gestão do antecessor, deputado Rodrigo Maia(DEM-RJ), que está sendo responsabilizado por Lira e pelo Planalto pelo atraso na votação das medidas econômicas necessárias para enfrentar a crise. Não é bem assim, a matéria já estava pronta para ser aprovada e contava com ampla maioria. Provavelmente, seria a primeira medida a ser votada caso o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) fosse o eleito.

Na verdade, o que está atrasando a votação das medidas econômicas é a falta de entendimento político entre a turma do Centrão, os militares do Planalto e a equipe econômica em relação à maioria dos assuntos, sem que Bolsonaro tome uma decisão. Por exemplo, a criação do auxílio emergencial, desejo da ampla maioria dos parlamentares, não vai adiante porque toda a Esplanada dos Ministérios se recusa a cortar na própria carne, e a equipe econômica também não quer criar um imposto.

A independência do BC agrada ao mercado, porque garante mais previsibilidade na economia, mas não desenrola a política econômica. Diretores do banco terão mandato de quatro anos, com direito a uma reeleição. Os mandatos não coincidirão com o do presidente da República, que indicará o presidente e demais diretores do BC. Caberá ao Congresso aprovar a indicação e, se for necessário, destituir os diretores do banco.

Em tese, a independência do BC acaba com interferências do Executivo na política monetária. Num regime de metas de inflação, isso garante que a política de juros seja administrada com foco exclusivo na estabilidade da moeda. Alguns analistas acreditam que os juros do mercado futuro, que servem para a rolagem da dívida pública, tenderão a cair com a decisão. A medida é muito criticada pela esquerda e economistas desenvolvimentistas, mas há muitos países governados por partidos de esquerda que têm bancos centrais independentes.

Outro passo importante foi a instalação da Comissão Mista de Orçamento, que estava sendo adiada por causa de uma disputa pelo seu comando entre o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o Centrão. A presidente da CMO é a deputada Flávia Arruda (PL-DF), indicada por Arthur Lira. Com 31 deputados e 11 senadores, a comissão instalada, ontem, vai examinar o Orçamento de 2021; em abril, outra composição será feita, para discutir o Orçamento de 2022. O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ao instalar a comissão, descartou a criação de um novo imposto para financiar a prorrogação do abono emergencial.

Doria versus Aécio
A lavagem de roupa suja em público no PSDB continuou ontem. O governador João Doria praticamente deu um ultimato à cúpula do partido para afastar o deputado Aécio Neves (MG), em nota duríssima; Aécio rebateu. Do jeito que vão as coisas, será impossível a permanência de ambos na legenda. O problema é que Doria tem mais poder político, por causa do governo de São Paulo, mas quem tem maioria na cúpula da legenda é o político mineiro.

É impressionante como a disputa pela presidência da Câmara desagregou a legenda. Mostrou para Doria que uma parte considerável da bancada pode ter derivado para a base do presidente Jair Bolsonaro, comprometendo seu projeto eleitoral. A forma como o governador paulista pretende resolver o problema não está clara. Há três hipóteses: (1) forçar os pares a lhe entregar o comando da legenda; (2) sair do partido para ser candidato por outra legenda; (3) desistir da candidatura, tendo Aécio como pivô da tragédia.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-trem-andou/

Luiz Carlos Azedo: O recado da Ford

Pode-se responsabilizar o governo Bolsonaro pela saída da Ford do Brasil? Por não ter feito nada para evitar, sim; mas essa não foi a causa principal

Neste episódio do encerramento das operações da Ford no Brasil há mais coisas entre o céu e a terra do que os aviões da Embraer. A propósito, a mais importante empresa de tecnologia da indústria nacional, que foi a consagração do modelo de substituição das importações, luta para sobreviver, depois do fracasso da bilionária parceria com a Boeing. A indústria de aviação passa por uma reestruturação mundial, agravada pela pandemia do novo coronavírus, que teve forte impacto no transporte de passageiros. De certa forma, a redução do fluxo de pessoas pode ajudar a volta por cima da Embraer, que produz aviões menores, como o E190, para 100 passageiros, ideal para a aviação regional. A startup EGO Airways divulgou, recentemente, que o avião brasileiro vai operar 11 rotas italianas, inicialmente, tendo por hubs os aeroportos de Forli e de Catânia, no norte e no sul da Itália, respectivamente; depois, na rota Milão-Roma.

Pode-se responsabilizar o governo Bolsonaro pela saída da Ford do Brasil? Por não ter feito nada para evitar, sim; mas essa não foi a causa principal. Em tese, poderíamos ter disputado a permanência das fábricas com a Argentina e o Uruguai, mas isso exigiria um arranjo institucional impossível de ser feito sem reforma tributária, política industrial e política de comércio exterior adequadas. Além disso, poderia ser uma solução de curto prazo, porque a indústria de automóveis passa por uma revolução tecnológica, na qual a Ford ficou para trás. Já são vendidos no Brasil, por exemplo, cerca de 20 modelos diferentes de carros elétricos Audi, Chevrolet, Nissan, Jaguar, BMW, Renault, JAC, Mercedes-Benz, BYD e Tesla. A briga boa é para produzi-los aqui no Brasil, mas, aí, surge o problema da automação: modernas plantas industriais são automatizadas, a mão de obra barata deixou de ser um atrativo.

As grandes marcas não são imortais, mesmo quando a empresa opera no país há mais de 100 anos. A Esso, com 50 anos de mercado, tinha 1,7 mil postos de combustíveis quando deixou de existir. Estava no Brasil desde 1912. No início, os postos se chamavam “Standard Oil Company of Brazil”. Não se sabe, ao certo, quando a marca e sua mascote, o tigre, foram adotados. Mas, na década de 1940, quando o Repórter Esso estreou na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a marca já tinha alguma popularidade. Em 2008, a rede Esso foi comprada pela Cosan. Três anos depois, a própria Cosan se uniu à Shell, formando a Raízen. Na ocasião, Cosan e Shell anunciaram que a marca Esso seria substituída.

Tecnologia
A troca de bandeira não é uma operação fácil. Só para vestir os frentistas da Esso com o uniforme da Shell a companhia precisou de 300 mil macacões e 60 mil bonés. A Raízen investiu R$ 130 milhões para trocar a bandeira pela Shell. E como será com o carro elétrico, cujas baterias são recarregadas na garagem? Foi melhor a Petrobras vender logo a BR Distribuidora — corre o risco de que faltem compradores interessados — e investir na exploração do pré-sal, antes que seja tarde demais. Inovação é o que mantém as empresas vivas. Para isso, precisam conversar com startups ou criar programas de pesquisa e desenvolvimento. Entretanto, preferimos subsídios e reservas de mercado, que têm pernas curtas quando ocorre uma revolução tecnológica, como agora, com forte impacto na divisão internacional do trabalho.

A Blockbuster era uma companhia gigante e com uma grande clientela. Morreu de maneira surreal. Deixamos de alugar DVDs para assistir a vídeos por meio de serviço de streaming em demanda, como Netflix e o Net Now. Teve a oportunidade de comprar a Netflix em 2000 e não comprou, preferiu focar na atenção ao cliente de suas lojas. Na época, a Netflix era só um serviço de delivery de DVD. A empresa faliu em 2013. Na década de 1970, a Kodak chegou a ser dona de 80% da venda das câmeras e de 90% de filmes fotográficos. E, na mesma década, inventou o que ia falir a empresa: a câmera digital. Como ia prejudicar a venda de filmes, eles engavetaram a tecnologia. Duas décadas depois, as câmeras digitais apareceram com força e quebraram a Kodak. Faliu em 2012.

Em 2005, o Yahoo! era o maior portal de internet do mundo e chegou a valer US$ 125 bilhões. Pouco mais de 10 anos depois, a companhia foi vendida para a Verizon, por apenas US$ 4,8 bilhões. Ela poderia ser o maior portal de pesquisa da internet, mas decidiu ser um portal de mídia. O PARC (Palo Alto Research Center) da Xerox tinha objetivo de criar tecnologias inovadoras: computadores, impressão a laser, Ethernet, peer-to-peer, desktop, interfaces gráficas, mouse e muito mais. Conseguiu. Steve Jobs só criou a interface gráfica de seus computadores após uma visita ao centro da Xerox, no coração do Vale do Silício. Quem menos lucrou com essas inovações foi a própria Xerox.

MySpace, Orkut e Atari tiveram trajetórias parecidas: estagnaram e foram engolidas pela concorrência. Os dois primeiros, por Facebook e Twitter; o terceiro, pela Nintendo. Mas, nada foi mais espetacular do que a ultrapassagem do Blackberry. Chegou a ter mais de 50% do mercado de celulares nos Estados Unidos, em 2007. Contudo, naquele mesmo ano, começou a sua derrocada. O primeiro iPhone foi lançado em 29 de junho de 2007. A Blackberry ignorou as tecnologias que o concorrente estava trazendo, como o touch screen. Resultado: a Apple dominou o mercado de consumidores pessoas-físicas.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-recado-da-ford/