Impeachment
Mudez de Bolsonaro é recuo tático para conter impeachment, diz Paulo Baía
Cientista político avalia estratégia do presidente diante da ofensiva do STF, em artigo publicado na revista Política Democrática Online de julho
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A mudez do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nos últimos dias é apenas um recuo tático para conter um possível processo de impeachment e a ofensiva do STF no inquérito das fake news contra seus apoiadores, avalia o sociólogo e cientista político Paulo Baía, em artigo publicado na revista Política Democrática Online de julho. “Não pensem que Bolsonaro está contido em sua saga contra a democracia e os valores iluministas, como demonstra em sua fala mansa ao comunicar ter sido contaminado com o coronavírus e estar se tratando com cloroquina e hidroxicloroquina”, disse.
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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todas as edições, gratuitamente, em seu site, além de fazer ampla divulgação nas redes sociais. Baía avalia que Bolsonaro permanece com sua “atitude ambígua” ao insistir que a pandemia é uma chuva inofensiva, sem mencionar os milhares de brasileiros mortos, que a lógica da imunidade de rebanho trata como cadáveres baratos.
No artigo publicado na revista Política Democrática Online, o sociólogo lembra que, desde o início do governo, em janeiro de 2019, as ruas, até então monopolizadas por bolsonaristas em rituais de enfrentamento ao Estado Democrático de Direito, ganharam novos protagonistas reverberando o Fora Bolsonaro. São os aliados aos panelaços quase diários em centenas de cidades espalhadas pelo país.
De acordo com o cientista político, os efeitos destruidores da crise sanitária da Covid-19 sobre o sistema produtivo e gerador de renda no Brasil somaram-se à ineficiência de uma política econômica essencialmente rentista conduzida por Paulo Guedes e toda a sua equipe. “Os tempos do coronavírus descortinaram uma realidade para a qual Paulo Guedes não é afeito, desconhece o que tem de ser feito, mostrando-se inapto”, afirma.
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Luiz Carlos Azedo: San Tiago e Maia
”O presidente da Câmara encabeça o que podemos chamar de “oposição positiva”, que vem sendo muito mais responsável do que o Palácio do Planalto no enfrentamento das crises”
Uma das figuras mais interessantes da política brasileira foi Francisco Clementino de San Tiago Dantas. Carioca da gema, começou a carreira pela porta da extrema-direita — após concluir o curso na Faculdade Nacional de Direito —, em 1932, na Ação Integralista Brasileira (AIB), da qual se afastou na tentativa de deposição de Getúlio Vargas, em 1938, para se dedicar à advocacia e à carreira acadêmica. Depois, trabalhou na organização do Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial, órgão ligado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Foi vice-presidente da refinaria de petróleo de Manguinhos por nove anos. Voltou à política para assessorar Vargas no governo, de 1951 a 1954, participando da criação da Petrobras e da Rede Ferroviária Federal.
Filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), elegeu-se deputado federal por Minas Gerais, em 1958, tendo sido nomeado embaixador do Brasil na ONU, em agosto de 1961. Mas sequer assumiu, por causa da renúncia de Jânio Quadros, três dias depois. Os ministros militares tentaram impedir a posse do vice-presidente João Goulart na Presidência, mas enfrentaram forte resistência popular, liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que montou uma rede nacional de emissoras da rádio. A saída para o impasse foi uma emenda constitucional instituindo o regime parlamentarista, da qual San Tiago foi um dos articuladores.
Goulart assumiu a presidência em 7 de setembro de 1961, indicando Tancredo Neves, do Partido Social Democrático (PSD), como primeiro-ministro. San Tiago foi escolhido para a pasta das Relações Exteriores, dando sequência à “politica externa independente” de Jânio. Deixou o ministério para disputar um novo mandato na Câmara. Em janeiro de 1963, um plebiscito determinou, por larga margem de votos, o retorno ao presidencialismo. San Tiago assumiu o Ministério da Fazenda, com um programa de austeridade econômica baseado no Plano Trienal, de Celso Furtado, ministro extraordinário para o Planejamento. O plano previa a retomada de um índice de crescimento econômico em torno de 7% ao ano, e a redução da taxa de inflação, que em 1962 chegara a 52%, para 10% em 1965.
A crise que levaria ao golpe de 1964, porém, já estava em curso. Diante da polarização entre conservadores e reformistas, San Tiago fez um pronunciamento dramático pela televisão, em que apontava a existência de “duas esquerdas”: a “positiva”, onde ele mesmo se inseria; e a “negativa”, a ala esquerda do PTB, encabeçada por Brizola, que se opunha ao Plano Trienal e à “política de conciliação”. Furtado e Dantas deixaram o governo. Militares, políticos e empresários organizavam a deposição de Goulart, que pediu ajuda a San Tiago para formar um governo de frente única. Em janeiro de 1964, porém, o PSD, de Juscelino Kubitschek, e a Frente de Mobilização Popular (FMP), liderada por Brizola, manifestaram-se contra a proposta. Em 31 de março de 1964, o general Humberto Castello Branco assumiu o poder. San Tiago faleceu no Rio de Janeiro em 6 de setembro daquele ano.
Sucessão
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), lembra San Tiago Dantas. Nunca apoiou o governo Bolsonaro, entretanto, como presidente da Câmara, encabeça o que podemos chamar de “oposição positiva”, graças a qual o Poder Legislativo vem sendo muito mais responsável do que o Palácio do Planalto no enfrentamento das crises. Maia foi o grande artífice da aprovação da reforma da Previdência, muito mais do que Paulo Guedes, o ministro da Economia. O presidente Bolsonaro atrapalhou muito mais do que ajudou. O mesmo se pode dizer de outras medidas aprovadas pelo Congresso, como a flexibilização da legislação trabalhista, as medidas de combate à pandemia do coronavírus, o novo marco do saneamento e, nesta semana, a aprovação do Fundeb.
Essa postura de Maia vem desde o governo de Michel Temer, cujo afastamento somente não foi aprovado porque o presidente da Câmara, que seria seu sucessor natural, se opôs às articulações com esse objetivo. Deve-se a Maia, em boa medida, o encalhe dos projetos mais retrógrados do governo Bolsonaro nas comissões da Câmara. Em fim de mandato, Maia enfrenta uma nova queda de braço com o Palácio do Planalto: a sua sucessão. Bolsonaro quer assumir o controle da Câmara, via Centrão, elegendo um aliado de confiança. O grande obstáculo é Rodrigo Maia, que provou, na votação do Fundeb, não ser um pato manco.
Rosângela Bittar: O processo
Opositores ao governo já iniciaram a caminhada, mas ainda não há um líder
O desfecho das manifestações nas ruas, dos manifestos dos movimentos organizados, das reuniões privadas e debates públicos ainda não está totalmente visível. Os opositores ao lamentável governo Jair Bolsonaro já iniciaram a caminhada, mas seu horizonte ainda não tem o nome de um líder ou uma definição clara sobre o cenário político que procuram. O propósito é levar adiante um processo, organizado e consequente.
A partir de agora, estão decididos a selecionar os fatos, dia a dia, até que fiquem instaladas as condições para providências concretas. No debate do domingo, na GloboNews, em que formalizaram sua união contra o mal, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e os ex-ministros Ciro Gomes e Marina Silva apontaram estágios diferentes da reação política ao escárnio do governo Jair Bolsonaro com a opinião pública dos brasileiros.
Ciro, por exemplo, fixou-se no impeachment, opção do grupo de partidos de esquerda e centro com quem tem conversado. Não agora, imediatamente, mas com previsão para agosto ou setembro. Fernando Henrique demonstrou cautela com relação a isto e seu raciocínio sobre os desdobramentos da nova frente ampla aponta em direção à travessia até as eleições de 2022.
Por sinal, o impeachment nunca foi a primeira opção do ex-presidente. Na deposição do ex-presidente Fernando Collor, FHC dizia que “impedimento é bomba atômica, existe para não ser usada”. Uma semana depois desta caracterização extrema, estava ele, pessoalmente, colhendo a assinatura de Marcelo Lavenère, então presidente da OAB, à petição. Entre a frase e a ação o impeachment se impusera.
No caso atual, o ex-presidente ainda se guia pela fase inicial, a prudência. É preciso observar como, nesses próximos dois a três meses, os fatores das crises produzidas e alimentadas por Bolsonaro se refletirão sobre o destino do governo.
Podem surgir elementos que acelerem o processo de impedimento ou que retardem a saída para a disputa eleitoral. Por exemplo: o inquérito das fake news vai evidenciar a participação de algum filho nas atividades do gabinete do ódio? Algum dos processos que restaram no TSE poderia afastar a chapa Bolsonaro-Mourão? O inquérito da interferência do presidente na ação da Polícia Federal comprovará as suspeitas de ligação do seu grupo político com milicianos?
São questões a terem respostas nos próximos meses. Definirão a ação da frente de oposição.
As eleições municipais que ocorrerão neste meio tempo não são obrigatoriamente pontes para um grande consenso, mas podem funcionar como mata-burro.
Muito há para ser definido. No diálogo das forças que agora se unem contra o esfacelamento político, econômico, humano e ético do Brasil, não apareceram nomes de líderes que poderão galvanizar essas forças políticas. É o que mais se procura, hoje. Os nomes. O nome.
É preciso, antes, avaliar convergências, incompatibilidades, esquemas que podem sustentar a mudança. O que colocar no lugar? Que partidos vão se aliar para formar uma chapa? Quem com quem, em torno do quê? São questões urgentes na agenda deste período que se segue ao primeiro passo, o da união.
O fato político que servirá de denominador comum ainda não amadureceu, mas a iniciativa de aliança já foi suficiente para evidenciar que Jair Bolsonaro está absolutamente isolado. O Centrão, grupo parlamentar que divide o governo Bolsonaro com os militares, tem votos para evitar o impeachment, mas não tem consistência para garantir estabilidade política que o presidente precisa. Os partidos tradicionais, de centro e centro-esquerda, que poderiam assumir o papel, são dominados pelos líderes ora em oposição. E não poderá contar com os arranjos espontâneos do eleitorado de 2018.
Marcelo Coelho: Medo do impeachment entorpece a oposição
Por incrível que pareça, muitos brasileiros se sentem fracos diante de um pateta
Fora algum incidente mínimo, as manifestações pela democracia e contra o racismo no domingo passado foram expressivas, bem organizadas e incapazes de dar pretexto a infiltrados e aproveitadores.
Talvez a movimentação contra Bolsonaro ganhe mais força a partir de agora.
Não é nenhum bicho de sete cabeças, afinal, sair às ruas com a devida máscara cirúrgica e todas as precauções de praxe.
Se o presidente e seus seguidores descreem do coronavírus, nem por isso precisam ter exclusividade nos atos de protesto.
E as ruas vinham fazendo falta na luta pela democracia.
Nunca vi tantos abaixo-assinados. Nunca cliquei tantos apoios a documentos na internet. O problema é que o mundo virtual, por mais que tenha lá suas estatísticas, não dá ideia da dimensão real das coisas.
Mil fanáticos de amarelo, com um presidente no meio, acabam projetando uma imagem superdimensionada de seu peso político.
Não minimizo a ameaça que representam. Muito ao contrário: estão se armando e naturalmente tendem a crescer, porque se julgam mais fortes do que são.
Colagem com fundo azul claro, mostra uma caixa a manivela com desenho do vírus do covid-19 desenhado, dele salta o palhaço Bozo numa mola.
André Stefanini
Como não havia manifestantes do outro lado, iam até acreditando que eram, de fato, a maioria da população.
Um pouco de gente real, protestando contra o fascismo, era indispensável. Se não houver vandalismo e violência (algo que lamentavelmente seduz parcelas dos manifestantes), é possível que a coisa cresça.
Agora começa a cair a ficha. A oposição anda intimidada, entorpecida e confusa, enquanto o bolsonarismo não para de avançar.
Não há sinal mais claro disso do que a quantidade de argumentos invocados contra o impeachment.
A saber: 1) não há maioria no Congresso; 2) se Bolsonaro sair, entra Mourão, o que não é vantagem; 3) se Bolsonaro não sair, ficará mais fortalecido ainda; 4) ele ainda tem apoio de um terço do eleitorado; 5) o momento agora é de unir forças contra a Covid-19, sem uma crise política por cima.
Este último argumento saiu um pouco de moda. Todos sabemos que Bolsonaro é o maior obstáculo ao enfrentamento do coronavírus. A tentativa de esconder os dados de letalidade é sua última proeza. Ele faz tudo o possível para espalhar a doença. Deseja o vírus com a mesma intensidade com que deseja as armas de fogo e as queimadas da Amazônia.
Passo aos outros argumentos.
Não há maioria no Congresso. Sim, pode ser verdade. Mas Bolsonaro tem se isolado cada vez mais. Quem poderia imaginar, há poucos meses, que Lobão, Moro, Joice e Janaina estariam na oposição?
No Brasil, o improvável acontece todo dia. Talvez o Congresso precise de mais alguns empurrõezinhos. Na eventualidade de novas mobilizações de rua, ou de novas barbaridades presidenciais, pode ser que se mexa. Só não vai se mexer se, mesmo entre opositores convictos de Bolsonaro, o medo do impeachment predominar.
E será estranho se o Congresso continuar apoiando as forças que pretendem fechá-lo.
Segundo argumento. Ah, de que adianta tirar um capitão para dar posse a um general? Poucos argumentos me parecem tão acovardados como este.
Na hipótese de uma vitória do impeachment, o clima político do país seria totalmente diverso. Estaríamos vendo um fortalecimento entusiasmante da democracia e uma recomposição radical do equilíbrio de forças. Mourão teria de se adaptar a esse esquema ou negociar uma transição.
Também pode acontecer de Bolsonaro vencer a batalha do impeachment, e sair ainda mais fortalecido. Mas não é bem assim. Trump não ficou melhor nem pior depois de confirmado no cargo.
Você pode dizer que o Brasil é diferente; mesmo antes de ser votado, o impeachment poderia dar pretexto para Bolsonaro dar o seu desejado golpe.
Discordo. Quanto mais forte a bandeira do impeachment, menor a sua ousadia. Ele é evidentemente um burro e um descontrolado. Lembro de 1992. Posto contra a parede, Fernando Collor se perdia em caretas, acessos e pronunciamentos desesperados. Foi seu próprio coveiro.
O rebanho bolsonarista só se mantém em um terço porque não está confrontado com a existência fatual dos outros 70%. Vive numa bolha. A loucura se transmite, como um vírus. Mas a razão também tem seus poderes: estaríamos na idade da pedra se não fosse assim. Com imensos esforços, o nazismo e o stalinismo foram derrotados. É incrível que tantos brasileiros se sintam fracos diante de um pateta.
*Marcelo Coelho é membro do Conselho Editorial da Folha, autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”. É mestre em sociologia pela USP.
El País: Reunião expõe ao menos dois crimes de Bolsonaro, apontam juristas
Vídeo e entrevista desmontam versão de presidente sobre PF e elevam pressão sobre Aras por denúncia. A uma radio, mandatário diz ter sido avisado de operações policiais contra a família
Carla Jimenéz, Afonso Benites e Felipe Betim, do El País
A íntegra da reunião do conselho de ministros de Jair Bolsonaro revelada nesta sexta-feira por ordem do decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, expôs como nunca o modus operandi do Governo ultradireitista e desmontou a versão do presidente de que ele jamais havia cobrado mudanças na estrutura de segurança, Polícia Federal incluída, para proteger seus familiares. Nas imagens, Bolsonaro aparece não apenas ameaçando trocar “ministro” caso não fosse atendido na missão de preservar seus parentes de “sacanagens” —ele mira na direção do então ministro da Justiça, Sergio Moro no exato momento—, como fala também da necessidade de proteger “amigos”. O Planalto vinha repetindo que o presidente, na reunião, se referia à segurança pessoal de seus familiares, que cabe ao GSI (Gabinete Segurança Institucional), e não a policiais federais. A menção aos amigos, porém, complica ainda mais a linha de defesa de Bolsonaro no inquérito que apura se ele tentou interferir na PF, uma vez que o GSI não teria como se envolver na proteção de quem não seja da sua família.
De acordo com juristas ouvidos pelo EL PAÍS, o vídeo corrobora a tese de Moro de que houve intenção de intervir na corporação policial, e aponta para ao menos dois crimes: advocacia administrativa e prevaricação. O primeiro é um crime previsto no Código Penal, que é patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública. Já a prevaricação diz respeito a ações ou omissões de funcionário público para atender objetivo de terceiros.
“O vídeo traz uma fala bastante clara do presidente dizendo que não mediria esforços para interferir em estrutura governamental —no caso, a Polícia Federal— para proteger familiares e amigos. Isso corrobora a versão do ex-ministro Sérgio Moro”, diz Eloísa Machado, professora de direito constitucional na FGV Direito de São Paulo. “Não podemos esquecer que, de fato, o presidente promoveu mudança na Polícia Federal, indicando pessoa muito próxima da família e que depoimentos do inquérito confirmam também essa versão”, explica Machado. “O vídeo derruba a justificativa do Bolsonaro de que ele se referia à segurança do GSI, e não à PF. Ele fala expressamente em ‘foder amigos meus’, e amigo de presidente não tem segurança do GSI. Só pode ser a PF”, concorda Rafael Mafei, da USP.
Um jurista próximo à Procuradoria Geral da República, avalia que o vídeo é muito ruim do ponto de vista jurídico para o presidente Bolsonaro. “Ele demonstra muita preocupação. Ele quer o tempo todo puxar esse assunto. Ele avisa aos ministros o tempo todo que precisa deles. Aquela reunião foi para o Moro”, acredita. Ele destaca que o presidente falou que contava com “inteligência particular”, e que a PF não informava nada. “Não tinha nada a ver com segurança, ele criticou a PF. Mesmo não sendo assunto, ele falava, e mudava o assunto”, explica ele.
A pressão sobre Moro ficou destacada em vários momentos da reunião. Em um deles, Bolsonaro disse que o ministro deveria se manifestar sobre a prisão de pessoas que furavam a quarentena para conter os contágios do novo coronavírus. “Tem que falar, pô! Vai ficar quieto até quando? Ou eu tenho que continuar me expondo? Tem que falar, botar pra fora, esculachar!”. Em outra ocasião, voltou ao tema da “interferência” e avisou seus ministros de que iria interferir em suas pastas se fosse preciso. Reclamou que a Polícia Federal não passava informações ao Planalto. “Eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção”. E prosseguiu: “Eu não posso ser surpreendido com notícias. Eu tenho a PF que não me dá informações. Eu tenho as... as inteligências das Forças Armadas que não tenho informações. ABIN tem os seus problemas, tenho algumas informações”.
Depois, em entrevista à Jovem Pan após a divulgação do vídeo, o presidente voltou a reforçar a ideia de que exigia de Moro espécie de proteção via PF. “O tempo todo vivendo sob tensão, possibilidade de busca e apreensão na casa de filho meu, onde provas seriam plantadas. Levantei isso, graças a Deus tenho amigos policiais civis e policiais militares do Rio de Janeiro, que isso tava sendo armado pra cima de mim”, disse Bolsonaro. “Moro, eu não quero que me blinde, mas você tem a missão de não deixar eu ser chantageado”, lembrou.
Efeito político e próximos passos
O conteúdo do vídeo agora será analisado pela Procuradoria Geral da República —que também terá e mãos uma série de depoimentos e as novas acusações feitas pelo ex-aliado de Bolsonaro Paulo Marinho. “Certamente esse vídeo ajuda a compor o acervo probatório indiciário de crimes”, diz Eloísa Machado. A pressão agora recai sobre Augusto Aras, uma vez que ele pode acusar formalmente o presidente de crime. “Com certeza há substância para abrir um pedido de afastamento. Se vai abrir ou não é outra coisa. Mas isto é muito mais que o Fiat Elba que afastou o presidente [Fernando] Collor e muito mais que a pedalada fiscal da presidenta Dilma [Rousseff]”, diz o jurista próximo à PGR. Machado, da FGV, concorda com o embasamento para destituição.. “São crimes comuns, que também geram afastamento e perda do cargo, caso aconteça a condenação”, conclui.
Para o advogado Marco Aurélio de Carvalho, o procurador-geral Augusto Aras, tem a obrigação de apontar o crime de prevaricação do presidente diante do conteúdo do vídeo, ou ele mesmo pode ser acusado de prevaricação. “Essa tentativa de interferência se enquadra plenamente no artigo 85 da Constituição Federal e é suficiente para dar ensejo, entre outras, a pedido de cassação do presidente”, diz o advogado Cristiano Vilela, da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo.
A grande pergunta é como Aras, indicado por Bolsonaro em setembro de 2019 como alguém “alinhado” ao Planalto, reagirá. Se decidir pela denúncia contra Bolsonaro, ela ainda precisará dos votos dois terços dos deputados para virar uma ação penal e, assim, afastar o presidente do Planalto. Para tentar prever o quanto de pressão o procurador-geral e o Congresso terão na matéria, uma variável é quanto de desgaste as imagens, cheias de palavrõs e vulgaridades, trarão para o apoio popular de Bolsonaro, já afetado pela crise do coronavírus. Rafael Mafei, da USP, é cético: “O vídeo alimenta a base de Bolsonaro”.
Em sua defesa, o presidente disse que considerou a divulgação do vídeo como positiva. “Até que foi boa. Cada um pense, interprete da maneira que quiser esse vídeo, mas é a maneira que eu tenho de ser. E vou continuar sendo assim porque antes da eleição eu era assim. Como militar eu era assim”, afirmou em entrevista à rádio Jovem Pan. Ainda tratou as revelações de Moro como falsas. “É mais um tiro n’água, mais uma farsa como tantas outras que eu acompanho em minha vida”.
O escritor autoexilado nos Estados Unidos e ideólogo do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, concordou com a ideia de as imagens mostram um presidente “autêntico”: “Ouvi dizer que o Moro e o Celso de Mello estavam escondendo um vídeo do Bolsonaro, para depois exibir e dizer: ‘Ah, vamos mostrar ao povo quem é o Bolsonaro’. Pois mostraram, Bolsonaro é o presidente que todos os brasileiros quiseram e querem. É o presidente que não suporta ver uma elite armada oprimindo um povo desarmado.”
Processo contra Weintraub e impeachment
Ao citar “povo desarmado”, Carvalho se referia ao trecho da reunião em que Bolsonaro falou abertamente que pretende armar a população. Um dos intuitos declarados foi o de intimidar prefeitos que decretaram quarentena durante a pandemia de coronavírus. "O que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui!”.
As imagens ainda revelaram o plano do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) de se aproveitar da crise sanitária para alterar uma série de regras de proteção ambiental, mostram Damares Alves (Direitos Humanos) ameaçando governadores de prisão e escancaram a conduta do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que ameaçou autoridades e ministros do Supremo Tribunal Federal. “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”, disse Weintraub. O ministro da Educação é o que está mais próximo de se complicar por causa do vídeo. Na decisão que liberou a íntegra das imagens, Celso de Mello apontou “indício de crimes contra a honra” do Supremo.
No meio político, a reação foi imediata. A oposição, que não tem maioria no Congresso e ainda não convenceu o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a por em andamento um processo de impeachment, não poupou indignação: “Repleto de crimes, ameaças à democracia, quebras de decoro e de falta de ética para gerir uma nação. São inaptos, mas também são abjetos. Bolsonaro não pode continuar a frente da presidência da República! Tem que cair pelo bem do país”, escreveu o senador Randolfe Rodrigues (REDE).
A antiga líder do Governo no Congresso, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), disse que o Ministério Público não pode mais segurar qualquer denúncia contra Bolsonaro. “As provas são cabais e podem embasar tanto um processo de impeachment quanto de interdição. Bolsonaro conseguiu dar munição aos dois. É um mito!”, ironizou.
Marco Aurélio Nogueira: Democratas de todas as colorações, uni-vos!
Ou se unem com determinação, ou o Brasil ficará inviável por longo período
Não é preciso arrolar, pela enésima vez, os ilícitos e as perversões que desabam sobre a sociedade. Formam robusto prontuário. Só não os vê quem não quer.
A continuidade do governo Bolsonaro ameaça a vida, a Nação, a sociedade. Lança-nos num vórtice de destruição, que potencializa o vírus e infecta a reprodução da ordem social.
Precisamos dar um basta a essa situação, em que a insanidade governamental se mistura com o ativismo fanatizado da extrema direita e com o silêncio dos democratas. Bolsonaro é a crise viva, em expansão. Sua remoção precisa ser posta na mesa, para que se evite o abismo.
Mas não é só o impeachment. Será preciso reorganizar o País. Disputas internas não ajudarão, por mais que sejam inevitáveis.
Também somos responsáveis pelo que está aí. Cometemos erros, que não foram processados. Continuamos a nos dividir, a brigar com a própria sombra, a insistir em atitudes e discursos que não dialogam com as pessoas, não as direcionam, não as esclarecem. Somos prisioneiros do cálculo eleitoral, do oposicionismo retórico. Estamos carentes de ideias, de luzes, de lideranças. De articulação.
Temos de encontrar um meio de fazer oposição com eficácia e generosidade. Sem vetos. Sem postulações doutrinárias. Sem maniqueísmos. Sem tergiversações. É um suicídio continuarmos a repetir fórmulas que não funcionam mais e prolongam uma agonia paralisante.
Há que agir. No Parlamento, nas redes sociais, na imprensa, nos núcleos da sociedade civil. A quarentena não é pretexto para ficarmos à espera de um raio que caia em Brasília. A cautela não dispensa a denúncia veemente, antes a exige.
Ainda há muitos brasileiros impregnados pela imagem redentora do “mito”, ressentidos, frustrados, com raiva, sem compreensão dos tempos da política, do valor da democracia e da representação parlamentar. Precisamos alcançá-los, trazê-los para o terreno da racionalidade democrática. Não avançaremos repetindo mantras surrados, que não levam a lugar nenhum, nem convencem quem precisa ser convencido.
Devemos reconhecer nossas limitações, insuficiências, falhas de compreensão da realidade.
Os democratas brasileiros – de centro, liberais, conservadores, de esquerda – deixaram-se dividir por excessos, querelas ideológicas, batalhas infrenes de poder. Levaram longe demais a exploração de suas diferenças. Não olharam atrás da porta. Não perceberam que pela direita crescia uma onda contrária a eles, hostil a seus programas, às perorações de seus líderes, ao modo como se apresentavam ao mundo.
Não decodificaram a linguagem da época. Continuaram amarrados aos mesmos dogmas, às mesmas diatribes e polêmicas, reunindo-se em tribos impotentes, agredindo-se reciprocamente.
Menosprezaram o adversário principal, achando que poderiam derrotá-lo com um sopro. Assistiram à propagação de uma gosma venenosa que contagiou parte importante da população. Permaneceram agarrados às obsessões de antes, a fantasmas insepultos, a promessas ocas e frases de efeito.
Em 2018 perderam a eleição presidencial para um político tosco, inescrupuloso e manipulador, que fez seus adversários comerem poeira. Foi um espetáculo vergonhoso, trágico, pelo qual estamos pagando alto preço.
Passada a refrega, os democratas permaneceram a lamber suas feridas. Viram o circo pegar fogo, orbitando lideranças que não lideram, rotinas engessadas, partidos estraçalhados e impotentes. Hoje zelam pelas instituições e pelos ritos constitucionais, o que é ótimo. Mas suas falas não reverberam, só fazem prolongar a existência de um governo perdido e descompensado.
Continuaremos a brigar as mesmas brigas? Teremos coragem e disposição para reorganizar a agenda, aposentar o que não mais agrega valor à política, buscar o que lateja em meio aos escombros do sistema que ajudamos a erguer, mas não mais nos ajuda? Saberemos afastar preconceitos e abrir espaço para os jovens, as novas linguagens, os youtubers e comunicadores, os parlamentares que não seguem ordens partidárias rígidas? Ou vamos prosseguir achando que somos donos do futuro?
Muitos acreditam que o sistema de pesos e contrapesos está intacto. Em nome disso, ignoram o arbítrio e a violência legal do Executivo. Não criticam os jogos procrastinadores do Congresso, a covardia de suas lideranças. São benevolentes com o Judiciário.
Chegamos à hora da verdade. Necessitamos de pessoas que ajam com firmeza democrática e republicana. Nossa fronteira está além de contraposições inúteis entre esquerda e direita, liberalismo e socialismo, mercado e Estado. Temos de nos reposicionar. Reaprender a dialogar, com paciência e tolerância. Que os moderados se disponham a lutar, que os radicais lutem de outro modo. Que todos baixem o tom, dispensem maximizações extemporâneas e apurem o foco.
Ou os democratas se unem com determinação – para fazer política, travar a luta cultural, interpelar a população – ou o País ficará inviável por um longo período.
Unamo-nos, enquanto há tempo!
Reinaldo Azevedo: Megapedido de impeachment é útil, educa e civiliza. Mas sem pressa
Nada obriga Rodrigo Maia a decidir em um prazo determinado
Um, por assim dizer, megapedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro acaba de chegar à Câmara. É subscrito por 154 cidadãos, incluindo parlamentares e dirigentes de PT, PC do B, PSOL e PSTU, e cerca de 400 entidades da sociedade civil. É o 36º a cair na mesa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). É mais do que justo e merecido. Convém, no entanto, apelando à poesia em tempos de pandemia, não perder a vida por delicadeza.
Vamos lá. Por mais que o lírico da tubaína com cloroquina dê, a cada dia, motivos novos para a institucionalidade se assombrar, é preciso pensar nas consequências, que vêm sempre depois (by Marco Maciel), caso a Câmara rejeite a autorização para enviar a denúncia ao Senado, que é a Casa que abre o processo. Quem quer Bolsonaro fora precisa de 342 deputados; quem não quer, de 172 apenas.
Não basta a maioria. É preciso ter uma maioria eficaz, o que não é fácil de conquistar. Não é necessário ser muito bidu para estimar que inexiste hoje esse número, especialmente quando o presidente decidiu ir às compras. O “fundão do centrão”, como já chamei nesta coluna, está à disposição —e não exatamente em liquidação. A cada dia, Bolsonaro torna mais caro o apoio da escória.
Não estou, obviamente, me opondo a que se apresente a denúncia. A questão relevante é o que fazer com ela. Já chego ao ponto depois de algumas considerações.
Vale a pena ler a petição. Tem um caráter didático. O número de agressões à ordem legal é assombroso. Alguns dos atos do presidente lá relacionados também são exemplos flagrantes de crimes tipificados pelo Código Penal, pela Lei de Segurança Nacional (7.170) e pela Lei das Organizações Criminosas (12.850).
Isso significa dizer, a propósito, que já dá para afirmar que Augusto Aras, procurador-geral da República, entrará para a história como exemplo de omissão. O parecer do doutor sobre a divulgação ou não da íntegra da reunião ministerial tarja-preta do dia 22 de abril sai da pena de quem parece engajado num esforço que não tem a Constituição como horizonte último.
Há em seu texto uma nefasta linguagem de quem tem uma agenda política. E o doutor nem toma cuidado com a lógica elementar. Se a publicação da íntegra da reunião se presta à exploração eleitoral, por que seria diferente com a não publicação? No comando do Ministério Público, Aras escolheu um lado, é isso? O rebaixamento intelectual a que estamos submetidos não é o menor dos nossos males.
Sim, é preciso apresentar à mancheia denúncias por crimes de responsabilidade contra Bolsonaro. Mas não vejo nem constitucionalidade nem inteligência em tentar forçar Rodrigo Maia a decidir se arquiva no lixo os pedidos ou os põe em tramitação. Nada obriga o presidente da Câmara a decidir num prazo determinado. Se o STF lhe impusesse tal decisão, tratar-se-ia de óbvia ingerência do Judiciário no Legislativo.
Se obrigado, tanto o arquivamento como a tramitação, neste momento, contribuiriam para fortalecer o combalido Jair Bolsonaro. Se Maia arquiva, isso sugeriria que está num campo ideológico que não é o seu —e seria pouco inteligente relegá-lo a tal nicho. Se põe um pedido para tramitar e não se conseguem os 342 votos necessários, o que se tem é o enfraquecimento do presidente da Câmara em benefício de um Bolsonaro que, por óbvio, não reúne qualidades intelectuais e morais para governar o país.
Ocorre que a ausência desses dois atributos não é sinônimo de falta de condições políticas. Sei que o isolamento deixa a todos aflitos, mas convém que se leia com cuidado o noticiário, que se consultem os especialistas em economia, que nos voltemos todos a algumas lições básicas de política. A crise está apenas no começo. Não se depõe um presidente a partir de sacadas e janelas. Por mais indignados que estejamos. Por mais líricos que sejamos.
Nunca ninguém cometeu, na Presidência, tantos crimes comuns e de responsabilidade em tão pouco tempo como Bolsonaro. O pedido coletivo como estratégia e esforço de mobilização ajuda a iluminar o momento. Se for um instrumento para pressionar Maia, é só um tiro no pé.
O Estado de S. Paulo: Congresso acumula 32 pedidos de impeachment e sete de CPIs para investigar Bolsonaro
Oposição e partidos de centro aumentam ofensiva contra o presidente, que tenta se 'blindar' com o Centrão
Camila Turtelli e Julia Lindner, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Apesar da aproximação do governo com líderes do Centrão para tentar se "blindar", partidos da oposição e de centro aumentaram nos últimos dias a ofensiva contra o presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Ao menos sete pedidos de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) estão na fila para serem abertos e os requerimentos de impeachment se acumulam na mesa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Nesta quinta-feira, 21, mais um foi apresentado, totalizando 32 – o que o torna recordista de pedidos em 17 meses de governo, como mostrou o Estadão.
Um dos pedidos de CPI mais avançados é o encabeçado pelo Cidadania, que tem como foco a investigar as acusações, feitas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, de que Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal para proteger aliados. “Aqui no Senado já temos quase todas as assinaturas necessárias”, afirma a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), sem, no entanto, revelar quantos faltam. Para ser criada, é preciso o apoio de 27 parlamentares.
Na Câmara, onde são necessárias 171 assinaturas, o deputado Arnaldo Jardim (SP), líder do Cidadania, diz não ver contraposição entre a investigação parlamentar e a que é conduzida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o caso. “São esforços que se somam”, disse.
Nos bastidores, a expectativa é que a abertura de uma comissão sobre as acusações de Moro tem potencial para ser tão ou mais explosiva do que a CPI dos Correios, que em 2005 apurou denúncias relacionadas ao processo do mensalão, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Por esse motivo, o governo tem atuado para conter o avanço das assinaturas e evitar que uma investigação neste momento pode se tornar uma "CPI do fim do mundo", fragilizando ainda mais o presidente.
Caso criado, o colegiado poderá solicitar depoimentos e ter acesso a diversos documentos do governo federal que uma comissão normal da Câmara ou do Senado não teria. Em 2005, a CPI foi criada para investigar as denúncias de corrupção nas estatais, mas o foco acabou virando para o mensalão.
Sob pressão de aliados e após sofrer sucessivas derrotas políticas no ano passado, Bolsonaro passou a distribuir cargos aos partidos do Centrão em troca de apoio no Congresso, ressuscitando a velha prática do "toma lá, dá cá". Até agora, Progressistas, Republicanos e PL já foram contemplados. Como revelou ontem o Estadão, até mesmo a liderança do governo na Câmara deve ser transferida para um indicado do bloco.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) é autor de um dos pedidos de CPI, apenas na Câmara. Ele diz ter coletado 101 assinaturas até o momento e cita as sessões virtuais, em que parlamentares não precisam estar presencialmente em Brasília, como um obstáculo. “No plenário a gente faz corpo a corpo, pede um a um, por requerimento na frente do parlamentar e entrega a caneta. Argumenta e pronto. A distância é duro”, disse. O deputado Aliel Machado (PSB-PR) diz ter 120 assinaturas para o mesmo pedido. “Nossa expectativa é de conseguir todas as assinaturas em até 20 dias.”
O PSOL fez o requerimento no fim de abril e até o momento conseguiu 80 assinaturas. Há ainda pedidos da Rede, PSDB e PT. “Estou confiante, o apoio a Bolsonaro, dentro da Câmara, tem diminuído bastante. Lembrando que hoje temos o apoio de partidos de centro e direita que querem o afastamento do presidente”, disse o líder do PT, Enio Verri (RS).
Impeachment
Nesta quinta-feira, partidos de oposição protocolaram um pedido coletivo de impeachment contra Bolsonaro. A diferença, agora, é que siglas, movimentos sociais e associações se uniram para fazer pressão pela saída do presidente através de um documento único. Os outros pedidos haviam sido apresentados individualmente por parlamentares.
No pedido, a oposição denuncia Bolsonaro com base em três pontos principais. Um deles foi o apoio ostensivo do presidente e sua participação direta em manifestações antidemocráticas contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal durante a pandemia do novo coronavírus; outro são as suspeitas de interferência política na Polícia Federal; e os pronunciamentos feitos em cadeia nacional contra o isolamento social, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e entidades médicas como forma da conter a propagação da covid-19.
Em apelo ao presidente da Câmara para que aceite o pedido de impeachment, parlamentares de partidos como PT, PSOL e PCdoB fizeram um evento no Salão Nobre da Casa para apresentar a denúncia contra Bolsonaro. Estavam presentes a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), o senador Rogério Carvalho (PT-PR), o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), a líder do PSOL na Câmara, Fernanda Melchionna (RS).
O ex-presidenciável Guilherme Boulos, do PSOL, que também participou do encontro, afirmou que Bolsonaro é "um problema de saúde pública" no País. "A prioridade do Brasil nesse momento deveria ser salvar isso, é justamente por isso que estamos aqui hoje. Bolsonaro virou não só um problema político, mas um problema sanitário. Bolsonaro é um problema de saúde pública no Brasil", disse.
Andrea Jubé: E vai colocar quem no lugar?
PEC impede vice de assumir Presidência em definitivo
Parlamentares que transitam na cúpula das duas Casas legislativas afastam um eventual impeachment alegando que a popularidade do presidente Jair Bolsonaro ainda é alta, não tem ambiente político, a economia claudica, mas ainda não tombou, e não tem povo na rua - até porque a pandemia da covid-19 impede aglomerações. Essas lideranças insistem que “precisa de povo na [Avenida] Paulista para derrubar presidente”.
Do rol de justificativas, o argumento cabal é a ausência de uma liderança nacional que traga estabilidade ao país. “Vamos tirar o Bolsonaro para colocar quem no lugar?” É a pergunta que todos se fazem e, invariavelmente, vem acompanhada de um silêncio e um suspiro. Um dirigente partidário observa, em tom pragmático, que “Bolsonaro é o que temos para o jantar”.
A leitura predominante entre parlamentares influentes nas duas Casas é a de que um impeachment neste momento só favorece o vice-presidente Hamilton Mourão e mais dois atores: o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
“E ninguém no Congresso gosta deles”, sublinha um senador experiente, sobre Moro e Doria. A menção a Mourão sugere outro verbo: não é gostar ou desgostar, trata-se de desconfiar.
Embora Moro tenha feito gestos de aproximação com o mundo político na passagem pelo governo, a maioria dos parlamentares ainda o vê como o “xerife” da Lava-Jato, que levou dezenas de deputados e senadores ao banco de réus.
Em março de 2017, a temida “Lista de Janot” - do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot - decorrente da Lava-Jato, resultou em 83 pedidos de abertura de inquérito para investigar políticos citados nas delações de executivos da Odebrecht. Um mês depois, o ministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal autorizou a investigação de oito ministros, três governadores, 24 senadores e 39 deputados.
Em outra frente, João Doria não empolga os congressistas. No começo do ano, o tucano era candidato a se reeleger governador. Mas o acirramento da crise sanitária e o palanque alcançado pelo antagonismo a Bolsonaro lhe conferiram protagonismo nacional e o catapultaram de volta à corrida sucessória.
Apesar da visibilidade, Doria tem dificuldade em conter o avanço do coronavírus no Estado, que se consolidou como o epicentro da pandemia. Ontem, em um discurso veemente, o tucano prometeu reagir se ficar confirmado que o governo federal o estaria retaliando politicamente, por exemplo, ao não enviar respiradores para o Estado. “Espero que o governo federal não faça seletividade política dos brasileiros que podem ou não podem sobreviver”, advertiu.
Outra ressalva é a de que Doria não desperta empatia na bancada nordestina. “Como é que eu vou chegar com o Doria no Nordeste?”, questiona um veterano do Senado, observando que o paulista não tem apoio na região, assim como Bolsonaro.
Por fim, Doria não une nem o PSDB. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não esconde a simpatia pelo projeto de Luciano Huck, embora há um mês tenha reconhecido em entrevista que Doria cresceu na crise, enquanto o apresentador encolheu. Além disso, uma ala dos tucanos prefere como presidenciável o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.
A pesquisa XP/Ipespe realizada há um mês mostrou que Bolsonaro alcança 28% de ótimo e bom, e 44% de ruim e péssimo. Políticos do Centrão consideram esses números relevantes, se comparados aos índices dos presidentes que sofreram impeachment.
Quando o então presidente da Câmara Eduardo Cunha (ex-MDB) - hoje em prisão domiciliar, por causa da covid-19 - deflagrou o processo contra Dilma Rousseff em dezembro de 2015, a petista tinha 69% de ruim e péssimo segundo pesquisa CNI/ Ibope. Fernando Collor tinha 59% de ruim e péssimo em agosto de 1992, segundo a CNI/Ibope - em dezembro os senadores aprovaram o impeachment.
Deputados e senadores ouvidos pela coluna creditam, em parte, a popularidade de Bolsonaro ao auxílio emergencial de R$ 600 concedido a um terço da população, embora a proposta originária tenha partido da oposição. “Acabou se transformando no Bolsa Família dele”, observou um senador.
Mas a avaliação quase unânime desse grupo influente é que a crise em torno das denúncias de Sergio Moro, em tramitação no STF, tem a força de um traque. “Videozinho não derruba presidente, o que o derruba é a economia e povo na rua”, reforça este senador.
Para outra liderança do Senado, Moro puxou o gatilho e atingiu o presidente, mas ainda não foi a bala de prata. Segundo este parlamentar, o descontrole sobre a pandemia fulminará Bolsonaro, porque o Brasil ficará entre os dois países com o maior número de vítimas fatais da covid-19, e cada família brasileira poderá ter perdido um parente ou um amigo para o coronavírus.
Ao mesmo tempo, nesse cenário de luto nacional, milhares de empresas terão ido à falência e o número de desempregados terá se multiplicado. “Isso vai enterrar a popularidade dele e será a bala de prata”, concluiu o senador.
Para neutralizar o “risco Mourão”, a oposição tenta convencer o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a criar uma comissão especial para votar a PEC 37 dos ex-líderes do PT Paulo Teixeira (SP) e Henrique Fontana (RS). A proposta impede o vice-presidente de assumir em definitivo a Presidência da República, na hipótese de vacância do cargo, e amplia a regra a governadores e prefeitos. No Amazonas, por exemplo, começou a tramitar o impeachment do governador Wilson Lima (PSC).
Segundo a emenda, vagando o cargo de presidente, será realizada eleição direta em 90 dias para escolha do sucessor. O texto também dispõe que “em nenhuma hipótese” o vice assumirá a chefia do Executivo em definitivo.
O relator da PEC é o deputado Felipe Francischini (PSL-PR), ex-aliado de Bolsonaro. A PEC teria efeito imediato. Para justificar, um petista evoca a PEC da reeleição de Fernando Henrique em 1997, que beneficiou o então titular do cargo.
Hélio Schwartsman: O dever do impeachment
Temos a obrigação moral de deflagrar o processo, mesmo que não tenha êxito
Não sei se um impeachment contra Jair Bolsonaro tem condições de prosperar. Numa avaliação política, eu diria que, hoje, não. Mas acredito que temos a obrigação moral de deflagrar o processo, mesmo que não tenha êxito. Os crimes de responsabilidade cometidos pelo atual mandatário são tantos, tão ostensivos e tão graves que deixar de acusá-lo equivaleria a coonestar suas atitudes.
O impeachment tem dupla natureza. Ele é ao mesmo tempo um instituto político e judicial. Se o bom articulador só deve levar sua proposta a votação quando sabe que vai ganhar, o policial é em tese obrigado a entrar em ação sempre que flagra uma ilegalidade.
No mundo real, sabemos que o guarda muitas vezes precisa fechar os olhos para violações menores, ou as delegacias ficariam atulhadas em picuinhas, mas, quando o meliante passa a agir em plena luz do dia, cometendo delitos cada vez mais graves e de forma cada vez mais conspícua, a opção de virar a cara para o outro lado já não se coloca. A maior flexibilidade proporcionada pela faceta política do impeachment não muda isso. Os desatinos de Bolsonaro atingiram um grau tal que ignorá-los seria compactuar com o perpetrante.
Estamos aqui numa situação análoga à do Partido Democrata diante das transgressões de Donald Trump. Mesmo sabendo que não havia a menor chance de o presidente ser afastado —os republicanos têm folgada maioria no Senado— e que havia o risco de a absolvição fortalecê-lo eleitoralmente, a liderança democrata entendeu que tinha a obrigação moral de tentar o impeachment. Julgou que as violações eram de tal monta que fingir que elas não ocorreram significaria faltar com o compromisso do partido com a democracia.
Em termos práticos, a diferença relevante é que Trump podia contar com a fidelidade dos senadores de um Partido Republicano cada vez mais coeso por causa da polarização; já Bolsonaro está na mão do centrão.
Míriam Leitão: Bolsonaro entre artigos e incisos
O presidente infringiu artigos da Constituição Federal e da lei do impeachment. Se ele não responder por isso, a democracia se enfraquece
O presidente Jair Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade. Vários. Ele tem ameaçado a federação, tem infringido o direito social à saúde, ameaça o livre exercício do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. Tanto a lei que regulamenta o afastamento do presidente, a 1079/1950, quanto a Constituição Federal estabelecem o que são os crimes de responsabilidade. Impeachment é um julgamento político, e quem estiver na presidência precisa apenas de 172 votos para barrá-lo. O inquérito na PGR investiga se ele cometeu outros crimes. Até agora os depoimentos e contradições enfraqueceram a defesa do presidente. O procurador-geral da República, Augusto Aras, pode querer muito arquivar o inquérito, mas os indícios aumentam a cada dia.
Bolsonaro pode enfrentar um processo de impeachment no Congresso, se o deputado Rodrigo Maia der início. Há elementos para embasar um pedido de interrupção de mandato por crime de responsabilidade. O Congresso pode fazer isso ou não. É processo longo e penoso. Mas se não ocorrer, a explicação não estará em falta de crime, mas sim em algum insondável motivo que pertence aos desvãos da política.
O artigo 9º da lei 1079 estabelece em seu inciso 7 que é crime contra a probidade da administração “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. Decoro que ele quebrou inumeráveis vezes. No inciso 5, “infringir no provimento de cargos públicos, as normas legais”. O que está sendo revelado no inquérito da suspeita de interferência na Polícia Federal dá várias razões para se concluir que ele tentou ferir esse dispositivo da lei. O artigo 6º caracteriza os crimes contra o livre exercício dos poderes constitucionais. O primeiro inciso fala em “tentar dissolver o Congresso Nacional” ou “tentar impedir o funcionamento de qualquer das Câmaras”. O presidente Bolsonaro já participou de atos que explicitamente pedem o fechamento do Congresso, em faixas e palavras de ordem e nos motivos da convocação. Discursou dizendo que acreditava nos manifestantes e afirmou que as Forças Armadas estavam com eles, em clara ameaça ao país. No artigo 7º, a lei de 1950 define o crime contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais. Nele, o inciso 9 indica: “violar patentemente qualquer direito e garantia individual.” Nesse ponto se enquadra a violação do direito à saúde, quando ele prega diariamente contra as medidas recomendadas por todas as autoridades sanitárias do mundo e todos os especialistas brasileiros em saúde pública.
No artigo 85 da Constituição Federal são considerados crimes de responsabilidade os atos do presidente que atentem contra: “a existência da União.” Bolsonaro foi do “aqueles governadores paraíba” até a conclamação dos empresários para jogar pesado contra os governadores porque “é guerra”. Isso atenta contra a União. “O livre exercício do Poder Legislativo e do Poder Judiciário”. Com as manifestações pedindo fechamento do Congresso e do Supremo, o que fez Bolsonaro? “O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais”. Ele os fere insistentemente.
Mesmo se for arquivado, o inquérito na PGR pode fornecer elementos para sustentar um processo de impeachment. Interferir na polícia judiciária afeta o próprio livre exercício do Poder Judiciário.
A lei 1079/50 foi muitas vezes analisada durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma. Ela foi acusada pelo artigo 10, que define “os crimes contra a lei orçamentária”. A Constituição também, no artigo 85, fala dos crimes orçamentários. Depois que passa, fica na memória pouca coisa, o registro é de que ela errou no Plano Safra, baixou decretos de criação de despesa sem a prévia autorização do Congresso. Mas foi mais. As pedaladas são apenas a palavra que a crônica política criou. Dilma caiu porque arruinou a economia, criou uma recessão que perdurou por dois anos, fez uma escalada de desemprego, abriu um rombo nas contas públicas e usou os bancos públicos para pagar despesas orçamentárias. Ela fez gestão temerária na economia. Eu achava naquela época, acho agora.
Desconhecer os crimes muito mais graves cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro é aceitar um perigo infinitamente maior. Não se trata de ameaça à economia. Agora é a democracia que corre riscos.
Elimar Pinheiro do Nascimento: Fios do Tempo. O impeachment é viável?
Será que o impeachment de Bolsonaro é viável? Esta é a questão que Elimar Pinheiro do Nascimento se propõe a responder hoje no Fios do tempo. A partir de uma perspectiva comparativa, tomando os exemplos anteriores dos impeachments de Collor e Dilma, Elimar do Nascimento expõe cuidadosamente as variáveis normalmente necessárias para haja a viabilidade de um processo de impeachment. Como ele mostra, uma resposta plausível depende de uma análise das relações da “opinião pública”, das ruas, dos mídias, do Congresso e do empresariado com o Governo Bolsonaro. Desta forma, tendo um olhar sociológico com um inteligente distanciamento dos interesses imediatos de militância, o autor faz uma reflexão lúcida sobre como, apesar de muitos desejarem o impeachment, tudo indica que ele é, por enquanto, inviável.
A. M.
Fios do Tempo, 14 de maio de 2020
O impeachment é viável?
13 de maio de 2020
Independentemente do julgamento que fizermos sobre o processo de impeachment já utilizado no País por duas vezes em menos de 30 anos, o assunto veio à ordem do dia quando no domingo 19 de abril o Presidente esteve presente e apoiou uma manifestação que defendia o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, em frente ao quartel general do Exército. O tema foi reforçado, em seguida, quando o Presidente pretendeu humilhar o, até então, ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, comunicando-lhe a mudança do chefe da Polícia Federal pelo simples motivo de que a corporação não estaria lhe prestando as informações sigilosas sobre processos contra os seus familiares e aliados. Um claro abuso de autoridade e desrespeito às instituições democráticas. Antes, preparou a mudança certificando-se, em conversas palacianas, do apoio do Centrão, que conta com cerca de 200 cadeiras na Câmara dos Deputados. Em troca do quê, ainda não sabemos, mas podemos imaginar. Os dois primeiros cargos já foram cedidos a esse agrupamento político: a direção do DNOS e Secretaria Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional do Ministério do Desenvolvimento Regional. Mas, outros virão.
Em face dessa conjuntura, a pergunta sobre a viabilidade do impeachment tem cabimento.
Os dois casos anteriores de impeachment no Brasil mostram que pelo menos cinco condições devem ser preenchidas para que o processo, traumático, tenha sucesso: 1) estar, o Presidente, com índice de aprovação inferior a 10%; 2) ter na oposição a maioria da mídia; 3) perder o apoio da maioria dos grandes empresários; 4) perder a batalha das ruas e, finalmente; 5) ter a maioria esmagadora dos congressistas na oposição (2/3). Este último critério, aliás, só é preenchido depois que os anteriores se cumprem. Collor de Mello caiu depois de ter, nos 12 meses antes de sua queda, 48 das 52 edições das capas da revista Veja com reportagens de críticas e denúncias à sua gestão. Dilma precisou fazer um estelionato eleitoral, ter uma operação extraordinária de combate a corrupção no governo petista, que se alastrou por mais de dois anos antes de sua queda, e uma recessão econômica extraordinária no primeiro ano de seu segundo mandato, em 2015, para cair. Claro que uma crise econômica sempre favorece a perda de apoio popular e empresarial do Presidente, o que poderá ocorrer no segundo semestre deste ano. Porém, ainda não se sabe a quem a população culpará pelo recesso econômico.
Vejamos em que medida as condições, aparentemente indispensáveis a um impeachment, estão preenchidas ou em vias de o serem.
Pesquisa do jornal Folha de São Paulo, de 27 de abril, mostra que a maior parte dos brasileiros (48%) são desfavoráveis a um processo de impeachment. Apenas 45% são favoráveis. O mais importante, contudo, é que nesta mesma pesquisa, 33% aprovaram o governo de Bolsonaro. Aprovação que era de 30% em dezembro de 2019. A reprovação de seu governo é de apenas 38%. Em pesquisa mais recente, 7-19 de maio, da CNT/MDA, apoiam o Presidente 32% dos entrevistados, com queda de 2,5% desde janeiro de 2019. Ou seja, apesar de todos os feitos Bolsonaro mantém o apoio de 1/3 dos brasileiros. Dilma, às vésperas do impeachment tinha 7%. Portanto, a condição de perder, de maneira esmagadora, a luta da opinião pública não está preenchida. Ao contrário, o Presidente mostra ter um contingente de apoio de grande fidelidade. Minoritário, mas expressivo e, sobretudo, capaz de lhe levar ao segundo turno, que ele imagina ser contra o PT, o que lhe daria possibilidades reais de vencer. Registre-se que reeleição é o projeto prioritário do atual presidente.
Em relação à mídia, Bolsonaro adotou uma postura inteligente, diferentemente de Dilma e Collor. Primeiro, manteve ativa sua potente comunicação via internet, além de dezenas de comunicadores que o apoiam, não se sabe muito bem por quê. Segundo, tem tentado enfraquecer e desacreditar o canal de TV que lhe é mais crítico, e de maior audiência no País, a TV Globo, enquanto alimenta outros canais, particularmente a Record, com grupo dirigente reconhecidamente evangélico e conservador. Seus ataques constantes ao grupo Globo, que se somam às críticas dos petistas, têm como único objetivo desclassificar seu noticiário. Dessa forma, ele mantém fiel a si uma parte da mídia e veicula suficientes informações para alimentar as narrativas em seu favor, mantendo a opinião pública dividida.
Não há indícios claros, por enquanto, de perda do apoio da maioria dos grandes empresários. Pelo menos desconheço informações consistentes neste sentido. E, inteligentemente, Bolsonaro mantém seu ministro da economia, sua ponte mais segura com o mercado. Além de insistir em um discurso de retomada do trabalho, contra todas as prescrições dos especialistas, mas que agrada a maioria dos empresários.
Quanto às ruas, apenas os bolsonaristas a ocupam, com muito barulho, muitos carros e pouca gente, como as manifestações de 27 de abril e 9 de maio em Brasília. As pessoas que dele discordam, que são maioria no País, porém não absoluta (43,4% segundo a CNT/MDA), têm receio da pandemia e se manifestam apenas por panelaços nas janelas, e nas redes sociais. Fazem um pouco de barulho, mas em locais bem definidos e sem o poder de imagem que tem uma avenida paulista repleta de gente. Sem dúvida, como afirma Marcus André (colunista da Folha de São Paulo), a pandemia atrapalha.
Finalmente, com o aceno ao Centrão, Bolsonaro se prepara para uma eventual, mas improvável batalha congressual sobretudo após o fato de Lula ter dado ordens para o PT não assinar o pedido de impeachment que deputados começaram a preparar no início de maio. Não interessa ao PT a saída de Bolsonaro, pois, com ele, tem mais chances de ir ao segundo turno. De toda forma, o apoio do Centrão pode ser extremamente útil a Bolsonaro, caso os processos que correm no STF, inclusive o das denúncias de Moro, progridam de maneira desfavorável aos seus interesses. Questão que Bolsonaro tratou de reduzir ao nomear como seu novo ministro da Justiça e Segurança Pública um amigo do Presidente do STF, o ex-dirigente da AGU e forte candidato ao STF, André Mendonça, que ele denominou de “terrivelmente evangélico”.
Assim, a permanência de Bolsonaro, por enquanto, está assegurada. Em política as conjunturas mudam com rapidez, contudo, a probabilidade ainda é pequena e, no momento, inexistente.
Elimar Pinheiro do Nascimento é sociólogo, com doutorado pela Université de Paris V (Rene Descartes, 1982), e pós-doutorado na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Professor associado dos Programas de Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UNB) e do Programa Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Como citar
NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. O impeachment de Bolsonaro é viável? Fios do Tempo (Ateliê de Humanidades), 14 de maio de 2020. Disponível em: https://ateliedehumanidades.com/2020/05/14/fios-do-tempo-o-impeachment-e-viavel-por-elimar-pinheiro-do-nascimento/