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COP26: O que Brasil vai prometer e exigir na conferência sobre mudança climática
Nathalia Passarinho / BBC News Brasil em Londres
Brasil chega à COP26 com uma missão difícil: reduzir impacto da imagem negativa criada pela política ambiental de Bolsonaro
Lideranças de mais de cem países vão se reunir em Glasgow, na Escócia, para discutir novos compromissos para garantir a meta do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura média da Terra em 1,5°C. O Brasil tende a ser alvo de pressões por causa da aceleração do desmatamento desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência.
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Enquanto o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o premiê do Reino Unido, Boris Johnson, e diversas outras lideranças estarão presentes ao menos para a abertura da COP26 ou o final dos trabalhos, o presidente brasileiro não vai comparecer à conferência. A delegação vai ser liderada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite.
O Brasil vai apresentar como compromisso reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 37% até 2025, em 43% até 2030 e vai oficializar o objetivo de antecipar em 10 anos, de 2060 para 2050, a neutralidade de carbono no país - quando todas as emissões são reduzidas ao máximo e as restantes são compensadas, por exemplo, com tecnologia de captura de carbono da atmosfera.
A outra promessa, já adiantada pelo presidente Jair Bolsonaro na Cúpula do Clima nos Estados Unidos, em abril, é zerar o desmatamento ilegal até 2030.
"Nosso propósito é atuar de maneira construtiva, queremos chegar a entendimentos. Não queremos assumir a responsabilidade de um fracasso de Glasgow. Temos dito isso aos britânicos", disse à BBC News Brasil um dos integrantes da delegação brasileira na COP26.
Segundo essa fonte, o Brasil não vai emperrar as negociações, mas também não irá aderir a metas de redução de emissões em setores específicos da economia, como corte da emissão de metano na pecuária, promoção de um menor consumo de carne, ou prazo para transição de carro à gasolina para carro elétrico - compromissos que a União Europeia e o Reino Unido defendem.
O peso da imagem negativa
A dificuldade da delegação brasileira será convencer os demais países sobre a seriedade de seus compromissos ambientais, diante de dois anos consecutivos de aumentos no desmatamento da Amazônia.
Dados mostram que, no governo Bolsonaro, em 2020, o número de focos de incêndios em todo o território foi o maior em 10 anos; o volume de emissões de carbono em 2019 foi o maior em 13 anos, e o desmatamento da Amazônia atingiu o maior patamar desde 2008.
"Existe uma guerra contra o meio ambiente em curso no Brasil e vai ser difícil esperar que governos, negociadores, empresas, investidores acreditem em uma mudança radical de postura do governo brasileiro no último ano de mandato do presidente Bolsonaro frente ao que aconteceu nesses últimos anos", diz o pesquisador e ambientalista Carlos Rittl, especialista em política pública da Rain Forest Foundation, ONG ambiental da Noruega.
Integrantes da comitiva brasileira ouvidos pela BBC News Brasil classificaram o ambiente de negociação na COP26 como "mais complexo", "mais difícil" e "mais duro" para o Brasil, na comparação com conferências anteriores.
Mas os negociadores apostam em tentar demonstrar que, neste ano, principalmente após a saída do ministro Ricardo Salles do Meio Ambiente, o governo mudou de postura para adotar medidas de combate ao desmatamento.
"Não é simples, mas queremos procurar, na medida do possível, desfazer a percepção a nosso ver hoje equivocada - e eu sublinho hoje - de que nós não reconhecemos que existe um problema de desmatamento e que também não estamos tomando medidas concretas para conter o desmatamento", disse um dos negociadores brasileiros à BBC News Brasil.
Como evidência de um resultado preliminar dessa "nova postura" do governo, serão mostrados dados de redução do desmatamento em agosto e setembro desse ano frente ao ano passado. No entanto, especialistas dizem que isso não é suficiente para apontar uma trajetória de queda.
"Todos os índices ambientais de clima no Brasil pioraram nos últimos dois anos e meio. As emissões aumentaram por dois anos consecutivos, o desmatamento na Amazônia aumentou por dois anos, os incêndios aumentaram dois anos seguidos, as invasões de terras públicas também", destacou Marcio Astrini, secretário-geral do Observatório do Clima.
E o que o Brasil vai cobrar na COP26
A principal cobrança do Brasil será que países ricos definam regras claras para pagar os US$100 bilhões por ano prometidos a nações em desenvolvimento para projetos relacionados à contenção das mudanças climáticas. Para o Brasil, o governo quer ao menos US$ 10 bilhões em financiamento externo.
Os US$ 100 bi deveriam ser pagos todo ano de 2020 a 2025. Mas os países desenvolvidos já não cumpriram a meta de 2020 e faltam mecanismos que definam onde os recursos podem ser depositados e o formato de escolha dos projetos contemplados.
Em comunicado sobre a COP26 distribuído ao corpo diplomático brasileiro, a que a BBC News Brasil teve acesso, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, afirma que cortar emissões em alguns setores da economia, sem compensações, seria "economicamente inviável".
"Nós reconhecemos a necessidade de a meta global de neutralidade de emissões ser alcançada o quanto antes. No entanto, mitigar as emissões de algumas atividades é economicamente inviável ou fisicamente impossível no curto prazo", escreveu o ministro.
"A redução imediata em alguns setores pode encarecer a energia e gerar escassez, tornando alguns serviços, produtos e, especialmente alimentos, mais caros pelo mundo."
Segundo especialistas, esse discurso do ministro do Meio Ambiente indica que o Brasil vai se fiar à posição de grande produtor de alimentos, essencial para o abastecimento mundial, para reforçar a demanda por compensações dos países ricos à redução de emissões.
"O Brasil vai se empenhar em cobrar financiamento dos países desenvolvidos para países em desenvolvimento. Por duas razões: primeiro porque é legítimo países em desenvolvimento pedirem essa ajuda e porque o Brasil sabe que esse é o calcanhar de Aquiles das nações ricas", avalia Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
"O Brasil e outros países em desenvolvimento podem dizer: 'eu não cumpri isso, mas você também não fez sua parte'", completa.
Ambientalistas concordam que os países ricos precisam assumir a responsabilidade de financiar o impacto climático em nações pobres e devem pagar os US$ 100 bilhões anuais, mas alertam que o Brasil pode acabar se beneficiando pouco desses recursos, porque a atual política ambiental do governo desperta desconfiança.
"Essa é uma COP em que financiamento é assunto importante. Espera-se que todos saiam da conferência sabendo de onde virão os US$ 100 bilhões por ano prometidos para apoiar países em desenvolvimento. Mas, definitivamente, esse recurso não vai ser destinado a quem caminha na direção contrária da conferência", disse Carlos Rittl, especialista em política pública da Rain Forest Foundation, ONG ambiental da Noruega.
Crédito de carbono
Outro pleito do Brasil será a regulamentação do mercado de crédito de carbono. A ideia é que um país que exceda suas metas em determinado setor possa vender o excedente em forma de "crédito" para nações que não estejam alcançando as próprias metas.
A expectativa é que o Brasil defenda, durante a COP26, que créditos antigos de carbono produzidos pela indústria brasileira nos anos seguintes à assinatura do Protocolo de Kyoto, em 1997, possam ser negociados e reaproveitados. A validade desses créditos iria só até 2020, já que havia ficado estabelecido que a regulamentação do Acordo de Paris, assinado em 2015, estabeleceria novas regras para esses títulos.
"Esses créditos foram gerados sob um regime e agora esse regime mudou. A data de novo regime era 2020. Desde o Acordo de Paris, já se sabia que os créditos de Kyoto não seriam mais aceitos", explicou Marcio Astrini, do Observatório do Clima,
"Mas a indústria brasileira tem muitos desses créditos que não chegaram a ser negociados e é um pleito dessas empresas tentar reaproveitar parte deles."
Promessas do Brasil são ambiciosas?
Ambientalistas criticam o texto da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil, como é chamado o documento com compromissos climáticos que cada país submete à COP26. O Brasil havia apresentado uma NDC preliminar em 2015, antes da assinatura Acordo de Paris, que previa alcançar a neutralidade de emissões em 2060.
Em dezembro de 2020, submeteu uma NDC atualizada, incluindo um objetivo de curto prazo de reduzir em 37% as emissões até 2025 em relação aos níveis de 2005 e assumindo como meta a redução de 43% em 2030, o que antes era uma intenção. Ficou mantido no texto a neutralidade de carbono em 2060, mas posteriormente Bolsonaro disse, em discurso na Cúpula do Clima, nos Estados Unidos, que anteciparia a meta para 2050.
A redação da NDC foi amplamente criticada por ambientalistas por abrir brecha para a interpretação de que a neutralidade de carbono e as metas intermediárias de redução de emissões seriam condicionadas ao financiamento de países desenvolvidos. Isso porque a NDC revisada retirou do texto anterior trecho que dizia que o cumprimento das metas não dependiam de apoio internacional.
Além disso, como houve uma revisão técnica do total emissões no Brasil no ano base de 2005, o país poderá emitir de 200 milhões a 400 milhões de toneladas a mais de gás carbônico até 2030.
Para Marcio Astrini, do Observatório do Clima, o governo brasileiro deveria ter sido mais ambicioso nos percentuais de redução de emissões em vez de manter os patamares, o que permitirá emissões ainda maiores que as previstas antes do Acordo de Paris.
"O Brasil apresentou uma revisão da NDC que retroage, que vai, na prática, permitir até 400 milhões de toneladas de emissões a mais que o previsto na NDC preliminar, de 2015", criticou.
Já integrantes da delegação brasileira argumentam que as promessas brasileiras são mais ambiciosas que as dos demais países em desenvolvimento.
"A China, por exemplo, que é o país hoje que mais polui, que mais emite gases de efeito estufa, disse que, a partir de 2030, vai iniciar um processo de redução de emissões. Então, até 2030, o país terá o direito de aumentar suas emissões", observou um integrante da delegação.
Na queda de braço entre países ricos e em desenvolvimento sobre o nível de ambição que devem assumir, o temor é que as negociações travem. E se a meta de manter o aquecimento global em 1,5°C não for cumprida, o resultado vai desde o desaparecimento total de diversos países insulares à desertificações de florestas e mudanças radicais no dia a dia de todos.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/geral-59040715
Malu Gaspar: Exército trabalha para descolar imagem de Pazuello de militares na CPI da Covid Visualizações: 34
O Exército vem trabalhando nos últimos dias para impedir que o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello na CPI da Covid prejudique a reputação da força. O comandante do Exército, general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, conversou sobre o assunto na segunda-feira à noite com o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz.
Nos últimos dias, também fez chegar a Pazuello recados para que o ex-ministro não associasse sua atuação no ministério aos papéis que desempenhou no Exército. Temia-se, inclusive, que Pazuello pudesse comparecer de farda à CPI – o que foi desencorajado nas mensagens enviadas ao ex-ministro.
Pazuello tranquilizou os interlocutores e prometeu ir ao Senado à paisana. Mas o comportamento do ex-ministro nos treinamentos prévios à CPI, no final de semana, deixou os militares preocupados.
Num dos momentos de maior tensão, o ex-ministro se exasperou e começou a dizer que não iria admitir ser abandonado, por que estava cumprindo uma missão como oficial da ativa.
A expressão acendeu um alerta no Exército, preocupado com a forma como Pazuello pudesse descrever sua atuação no ministério. Foi por isso que, além de reforçar a ordem para que Pazuello não ostentasse seu vínculo com a força no depoimento, o comandante Paulo Sérgio decidiu também procurar o senador Omar Aziz.
Na conversa, na segunda-feira à noite, Aziz garantiu que a CPI ouviria Pazuello como ministro e não como general ou militar – a pessoa física e não a pessoa jurídica, como ele mesmo disse na conversa, segundo fontes próximas a Aziz.
O presidente da CPI e o comandante do Exército se conhecem há muitos anos. O senador foi governador do Amazonas quando o general era comandante da 12ª Região Militar, com sede em Manaus. O general Paulo Sérgio passou dez anos na Amazônia em diferentes funções.
Na conversa com Omar Aziz, o comandante também informou em primeira mão ao presidente da CPI que Pazuello talvez não pudesse prestar ao depoimento porque dois coronéis com quem ele tinha estado no final de semana estavam com suspeita de Covid.
Um desses coronéis é Elcio Franco, ex-secretário-executivo de Pazuello, que também acompanhou o treinamento do ex-ministro no Palácio do Planalto, no final de semana. A suspeita de Covid foi depois confirmada, e Pazuello conseguiu adiar o depoimento para o dia 19 de maio.
Fonte:
O Globo
DW Brasil: Brasil fez a pior gestão do mundo na pandemia, diz estudo
Instituto australiano elabora ranking global com 98 países de acordo com a resposta que deram à crise da covid-19. Nova Zelândia lidera
Nenhum país do mundo lidou de forma tão ruim com a pandemia do novo coronavírus como o Brasil, segundo um estudo publicado nesta quinta-feira (28/01) por um instituto australiano.
O Instituto Lowy, baseado em Sidney, abordou a reposta à crise em 98 países, com base em seis critérios: mortes confirmadas; casos confirmados; casos por cada milhão de habitantes; mortes por milhão de habitantes; casos em proporção à testagem; testes por cada mil habitantes.
Dentro desses critérios, o instituto colocou a Nova Zelândia como o país que deu a melhor resposta à covid-19, com fechamento de fronteiras, lockdowns pontuais e um estrito programa de testagem por parte do governo da social-democrata Jacinda Ardern.
Do outro lado da tabela, em último lugar, aparece o Brasil, com mais de 220 mil mortes confirmadas, provável subnotificação de casos e um governo de extrema direita que, durante toda a pandemia, minimizou seus perigos e ignorou as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Na parte debaixo do ranking, antes do Brasil, aparecem México, Colômbia, Irã, Estados Unidos e Bolívia. Na de cima, a Nova Zelândia é seguida por: Vietnã, Taiwan, Tailândia, Chipre, Ruanda, Islândia e Austrália.
O melhor país latino-americano no ranking é o Uruguai, em 12º. Da União Europeia (UE), a mais bem colocada é a Letônia, na nona colocação. A Alemanha, maior economia do bloco e que conseguiu controlar a primeira onda da covid-19 com relativo sucesso, viu as mortes dispararem desde o fim de 2020 e ocupa apenas a 55ª posição na lista dos 98 países avaliados.
"Alguns países administraram a pandemia melhor que outros, mas a maioria se destacou apenas por um desempenho insatisfatório", diz o estudo.
"Democracias tiveram um sucesso relativamente maior"
A China - onde o vírus surgiu - não foi incluída no ranking. O motivo é, segundo o instituto, a falta de dados disponíveis sobre testes.
Durante a pandemia, Pequim tentou controlar a percepção externa sobre sua gestão da crise e mostrar que seu sistema, de controle estrito de movimentação, muitas vezes com supressão de liberdades e cerceamento a vozes críticas, seria preferível às democracias ocidentais, muitas das quais falharam durante a crise.
"Em média, os países com modelos autoritários não tiveram nenhuma vantagem prolongada na supressão do vírus. De fato, apesar de um início difícil e algumas exceções notáveis, incluindo os EUA e o Reino Unido, as democracias tiveram um sucesso relativamente maior do que outras formas de governo no tratamento da pandemia durante o período examinado. Em contraste, muitos regimes híbridos, como a Ucrânia e a Bolívia, parecem ter sido menos capazes de enfrentar o desafio", observa o estudo.
O Instituto Lowy diz que não houve um vencedor claro quando se tratou de qual sistema político lidou melhor com a pandemia. Mas países pequenos, com populações abaixo de 10 milhões de pessoas, mostraram ter algumas vantagens.
"Em geral, países com populações menores, sociedades coesas e instituições capazes têm vantagem em lidar com uma crise global, como uma pandemia", diz o relatório.
No total, os casos já ultrapassaram 100 milhões no mundo inteiro. Cerca de 2,2 milhões de pessoas morreram devido ao novo coronavírus desde que o coronavírus causador da covid-19 foi detectado pela primeira vez, em dezembro de 2019.
Gaudêncio Torquato: Identidade e imagem dos políticos
Se há uma ambição comum aos políticos, sem exceção, é construir e manter uma imagem positiva junto aos eleitores, em particular, e perante a sociedade, em geral.
O sonho é quase uma obsessão nesses tempos de pedradas na Geni em que se transformou a política. A imagem dos políticos de todas as esferas está soterrada.
As Casas parlamentares – câmaras de vereadores, assembleias legislativas, Câmara Federal e Senado – recebem nota de desaprovação de brasileiros de todos os rincões e categorias profissionais. Governantes – prefeitos, governadores e presidente da República - são mal avaliados.
O fato é que a sociedade parece de costas para a política, sob um pesado clima negativo que joga as margens da rejeição de políticos para índices acima de 60% a 70%, algo nunca visto.
Afinal, o que significa imagem? Por que ela é tão negativa?
Tentemos esboçar alguns aspectos. Em primeiro lugar, é preciso distinguir imagem de identidade. Por identidade, compreende-se a coluna vertebral do político, englobando coisas como seu pensamento, história de vida, feitos e fatos relevantes de sua trajetória, comportamentos e atitudes. Portanto, a identidade é a verdade do político, o que é e o que representa. O termo origina-se do latim – idem, idêntico, semelhante.
Já a imagem é a projeção da identidade, ou seja, é a percepção que as pessoas formam do agente político, produzida por associação de ideias, observação sobre atos e maneira de ser, comparação desse painel de situações com outros painéis tirados de outros protagonistas.
Essa percepção vai se alongando no território mental dos observadores, a partir das expressões que estes captam, seja por meio de conceitos e ideias, seja por meio da estética (maneira de falar, de vestir, de gesticular etc).
Desse modo, a percepção é o mapa formado do continuum que abriga os atos do cotidiano dos atores políticos. Isso explica, por exemplo, como a boa imagem de um político, plasmada em um primeiro momento, poderá se afunilar e acabar se tornando negativa em um segundo ou terceiro momento.
De tanto repetir os mesmos cacoetes, conceitos politicamente incorretos, gafes e coisas do gênero, figurantes tendem a sair do conforto da boa imagem para o inferno das más avaliações.
A sombra
Para melhor compreensão, atentem para esta imagem: a identidade equivale à sombra abaixo dos pés de uma pessoa submetida ao sol do meio dia. Não se vê resquício de sombra, eis que os raios do sol incidindo sobre o centro da cabeça não a deixam aparecer. Entendamos que, sob o sol do meio dia, a imagem corresponde exatamente à identidade.
À medida que o sol se inclina no poente, os raios, incidindo sobre o corpo de uma figura, alargam sua imagem, desenhando no chão a projeção de sua massa corporal.
Assim, ao se pôr, o sol deixará no chão extensa imagem projetada do corpo, um traçado desengonçado, diferente do desenho mais próximo que se registra, por exemplo, às 13 ou às 14 horas. Quanto mais esgarçada, mais a imagem distorce a identidade.
Esse fenômeno ocorre com políticos ou celebridades. Alguns conseguem manter a imagem próxima à identidade, mas a maioria já não consegue. Na projeção, algumas imagens adentram a esfera positiva, tornando-se extraordinárias, dignas de elogios. Outras, não. Mais parecem monstrengos. Apliquemos as abordagens a algumas de nossas figuras públicas.
Quem está com a imagem no altar da admiração? Sérgio Moro, um deles. Sua identidade é a do juiz sério, que cumpre a missão profissional e desperta a alma cívica. Passou a encarnar os valores de justiça, dignidade, ética, autoridade, ordem e dever de ofício. Sua imagem acolhe valores inerentes à identidade. No caso, identidade e imagem caminham juntas. Se alguém enxerga nele imagem de super-herói é por conta do vácuo ético aberto pela esfera política. Moro passa a ser a resposta à indignação.
A falta de racionalidade
E Lula?
É um caso sui generis. Se a racionalidade estivesse mais presente na alma nacional, estariam ele e Dilma mergulhando nos rios de sangue fervente e tomando banho de chuva permanente de brasas no 7º circulo do inferno de Dante. A razão?
Porque os cordões umbilicais de ambos estariam amarrados à maior recessão da história brasileira, sendo os responsáveis por nossos milhões de desempregados. Infelizmente para a classe artística, Lula é a encarnação da divindade.
A crise que produziu o maior rombo fiscal de todos os tempos, para os artistas, Gleisi Hofmann e companhia, é obra de golpistas. Risível.
A emoção dá as cartas. Sob o colchão emotivo, Lula continua a receber as bênçãos de grande parcela da população nordestina. Que enxerga nele o despachante de grandes obras sociais, o semeador que plantou o Bolsa Família e outras benesses.
Não é que a imagem do ex-presidente acaba de melhorar segundo o Ibope?
O mito não será varrido do cenário. Entrará no pleito e, podem acreditar, administrará a campanha ou a não campanha (se não for candidato) com fervorosa emoção. Será um Cristo conduzindo a cruz até o calvário.
O mesmo pode se dizer da ex-presidente Dilma Rousseff. Não duvidem se chegarmos a vê-la no Senado em 2019, eleita em outubro de 2018 como senadora do.....Piauí. Os piauienses, compadecidos, poderão conceder à ex-presidente responsável pelo rombo-Brasil o título de Excelência Senatorial (não sanatorial).
Mas, voltando à questão da imagem. O tempo vai apagando mágoas e defeitos. Ouve-se no Nordeste que “Lula roubou, mas fez”.
A lembrança vem a propósito de Paulo Maluf. Preso após antiga pendenga na Justiça, Maluf é o político mais identificado com o lema criado por Ademar de Barros na década de 50: “rouba, mas faz”.
Constata-se, porém, que, aos 86 anos e com câncer, o ímpeto social contra sua figura arrefece. Já não se vê tanta indignação em relação a Maluf. Foi purgado em parte pela roubalheira desses tempos nebulosos.
Ouvi esta semana: “diante dos grandes ladrões, Maluf virou trombadinha”. Diminuiu de porte.
Em tempo: triste é ver uma Nação transformar calhordas em heróis. Ou lobos vestindo a pele de cordeiros.
* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação