Igreja católica

CNBB pede respeito à democracia e às instituições

Dom Walmor afirmou na mensagem que o país "está sendo contaminado por sentimento de raiva e de intolerância"

Correio Braziliense

Em vídeo sobre o 7 de Setembro, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) orientou os brasileiros a não se deixarem convencer por “quem agride os poderes Legislativo e Judiciário”, num recado ao presidente Jair Bolsonaro. “A existência de três Poderes impede totalitarismos, fortalecendo a liberdade de cada pessoa”, afirmou o presidente da CNBB, dom Walmor Oliveira de Azevedo. “Independentemente de suas convicções político-partidárias, não aceite agressões às instituições que sustentam a democracia.”

Dom Walmor afirmou na mensagem que o país “está sendo contaminado por sentimento de raiva e de intolerância” e se opôs a uma série de bandeiras e políticas de Bolsonaro, entre as quais o incentivo e a facilitação da compra de armas de fogo por civis.

“Muitos, em nome de ideologias, dedicam-se a agressões e ofensas, chegando ao absurdo de defender o armamento da população. Quem se diz cristã ou cristão deve ser agente da paz, e a paz não se constrói com armas”, disse.

Bolsonaro e apoiadores apelaram ao discurso de viés religioso para conclamar cristãos a aderirem às manifestações a favor do Planalto. Isoladamente, padres haviam incentivado católicos a participarem dos protestos em defesa de Bolsonaro.

Além do apoio ao presidente, a pauta tem dois assuntos já superados no Congresso: voto impresso e impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal. Parte dos bolsonaristas também clama por uma intervenção militar. Pastores de igrejas evangélicas engrossaram as convocações do movimento bolsonarista, alegando a defesa da liberdade de expressão e de culto, e prometeram uma mobilização sem precedentes.

Por meio de seu presidente, a cúpula da principal entidade da Igreja Católica no país demonstrou preocupação com atos violentos e pediu respeito à vida durante as manifestações de rua no Dia da Independência, diante do agendamento de protestos contra e a favor do governo federal. O mote da campanha da CNBB é “somos todos irmãos”.
“Respeite a vida e a liberdade de seu semelhante. Aquele com quem você não concorda é também amado e tem uma família que aguarda o seu retorno com segurança”, apelou dom Walmor. “As desavenças não podem justificar a violência, a intolerância nos distancia da Justiça e da paz, afasta-nos de Deus.”

Excluídos

O presidente da CNBB também defendeu uma série de posições contrárias à gestão Bolsonaro. Ele lembrou da alta da inflação e do desemprego, da fome e da miséria, pautas que o governo evita comentar. “Não podemos ficar indiferentes a essa realidade, que mistura o desemprego e a alta inflação, acentuando gravemente exclusões sociais. São urgentes políticas públicas para a retomada da economia, e a inclusão dos mais pobres no mercado de trabalho”, disse.

O líder dos bispos católicos afirmou que a pandemia da covid-19 “é mal que ainda nos ameaça”, sugeriu respeito às medidas de distanciamento social e definiu a vacinação como uma “tarefa cristã”.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4947685-cnbb-pede-respeito-a-democracia-e-as-instituicoes.html


Ricardo Noblat: À medida que se enfraquece, mais perigoso Bolsonaro se torna

Até que melhore, a situação ainda vai piorar muito

Blog do Noblat / Metrópoles

Quanto mais isolado fica, mais perigoso se torna Jair Bolsonaro. Quanto mais votos ele perde como candidato à reeleição, mais dobra sua aposta no golpe que o manteria no poder.

Se não há consenso político para derrubá-lo, também não haverá para fazê-lo ditador caso seja derrotado na eleição do ano que vem – mas isso não o impedirá de continuar tentando até lá.

“A situação ainda vai piorar muito antes que possa começar a melhorar”, disse, ontem, a este blog um ministro do Supremo Tribunal Federal. Com ele concordam políticos de todas as cores.

Como atravessar os 16 meses que restam ao governo se Bolsonaro seguir esticando a corda na esperança de rompê-la a seu favor? Por ora, ninguém em Brasília ou fora daqui tem a resposta.

Ninguém acredita também numa súbita conversão de Bolsonaro à democracia. Presidente não pode tudo, mas pode muito. E o muito que pode basta para causar severos estragos ao país, como se vê.

Fernando Collor montou um ministério de notáveis imaginando com isso driblar o risco de impeachment – não adiantou. Eleito presidente com forte apoio militar, nem por isso apelou à farda.

Dilma se elegeu e se reelegeu contra a vontade dos militares. Acabou derrubada com o discreto apoio deles. Michel Temer salvou-se do impeachment apelando aos políticos, não às armas.

A única boa notícia do momento é a resistência cada vez maior da Justiça, do Congresso e de setores amplos da sociedade à ideia de trocar a democracia pela ditadura.

Para alguma coisa, afinal, serviria um presidente insano.

Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/a-medida-que-se-enfraquece-mais-perigoso-bolsonaro-se-torna


Lourenço Cazarré: Laços de sangue, igreja católica e trabalho duro

Bem mais que um livro sobre a imigração italiana dirigida ao Sul do Brasil no Século 19, Tutti brasiliani (Editora Libretos, 205 páginas), é uma obra cujo verdadeiro centro é o fantástico desdobramento dessa onda migratória já no Brasil, fenômeno que acabou por transformar o nosso país num dos maiores produtores de grãos do mundo. Mas vamos com calma.

Comecemos pela viagem dos Bortot para o Brasil, muito bem documentada, e que seguramente pode ser vista como uma mostra do que ocorreu com dezenas de milhares de outras famílias. Usando um sobrenome que em sua mais remota origem pode ser francês ou austríaco, os Bortot trabalhavam há, no mínimo, três séculos como meeiros de um grande proprietário de terras na região de Belluno, nos Alpes italianos. Lá, em uma pequena área, criavam uns poucos animais – vacas, ovelhas, burros, porcos e galinhas – e mantinham algumas culturas – videiras e trigo – que os sustentavam ao longo do ano. E, para reforçar as proteínas, caçavam pássaros com redes. Para fazer suas roupas, fiavam cânhamo, lã e linho. E esfolavam raposas, toupeiras e lebres para vender a pele.

Em meados do século 19, parte dessas famílias italianas de muitos filhos, apertadas em sítios modestos, começaram a migrar para a América em busca de melhores perspectivas de futuro. Na ordem de preferência: Estados Unidos, Argentina e Brasil.

Os Bortot, que chegaram ao Brasil em 1893, receberam do governo (financiada, a ser paga em alguns anos) o que julgavam ser uma vasta porção de terra, vinte hectares, algo impensável no país de origem. Uma das curiosidades da onda italiana dirigida ao Sul do Brasil é que, na quase totalidade, os emigrantes eram agricultores.

No Rio Grande do Sul, eles foram contemplados om glebas na zona da Serra. Basicamente, terrenos inclinados, cobertos de mato e perdidos nos cafundós intransitáveis. Os alemães, que desembarcaram antes, a partir de 1825, receberam lotes às margens dos rios. Por isso, como puderam desde logo comercializar seus produtos em Porto Alegre, enriqueceram mais rapidamente.

No meio da mataria cerrada, os filhos de Dante Alighieri tiveram de se virar. Foi o que fizeram. Botaram abaixo as árvores centenárias e com elas ergueram suas casas. Quase todos eles, além das habilidades agrícolas, tinham noções de marcenaria, carpintaria e ferraria. Assim, utilizando-se de conhecimentos centenários trazidos da terrinha, passaram a criar seus porcos, a plantar trigo e a tratar de suas videiras. Comiam sua polenta e bebiam vinho e grapa. E passaram também a consumir os surpreendentes pinhão e palmito. O excesso de produção, quando havia, entrava no escambo por, digamos, sal e fumo. Uns abriram comércios para reforçar o caixa. Outros, mais habilidosos, começaram, nas raras horas vagas, a instalar moinhos e a fabricar carroças e arados. Dessas ferrarias de fundo de quintal, surgiria, depois, a pujante Caxias do Sul, a Manchester guasca.

Passados uns poucos anos, ressurgiu a necessidade de buscar novas terras, e mais baratas, para a descendência crescente. Em 1920, os Bortot partiram para o Noroeste do Rio Grande do Sul, onde podiam adquirir propriedades maiores e, o que era o mais importante, com terrenos planos. Alguns dos filhos dos pioneiros fixaram-se em Paim Filho, numa região cuja cidade mais importante é hoje Sananduva.

Depois, no começo dos anos 1930, mais uma vez empurrados adiante pela redução das propriedades, determinada pelos inventários, alguns dos Bortot partiram para o Sudoeste do Paraná. Fixaram-se em um pequeno vilarejo, que é hoje Pato Branco (85 mil habitantes). O Sudoeste do Paraná era então, e seria por mais uns vinte anos, o nosso Faroeste.

A descrição do crescimento das cidades paranaenses, fundadas majoritariamente, por descentes de italianos partidos do Rio Grande do Sul, é um dos pontos altos do livro. O autor fala de incontáveis tiroteios, jagunços assalariados, grileiros impiedosos, tocaias, violações, assassinatos, falsificação de documentos, terras tomadas à bala e misteriosas empresas protegidas por políticos inescrupulosos…

Ao longo de sua saga, em duas oportunidades, os Bortot foram vítimas das muitas guerras travadas pelas elites intelectuais do Rio Grande do Sul – leia-se: caudilhos ricos formados em Direito em São Paulo, em geral palavrosos e arrogantes – que costumavam brigar, de vez em quando, por motivos impenetráveis para gringos que mal arranhavam a língua portuguesa. Na revolução de 1893, os Bortot foram depenados. Tropas famintas comeram todos os animais e todos os grãos. Repetiu-se o mesmo em 1923. E a gringada, o que poderia fazer? Ora, que fosse se queixar ao Papa porque não havia autoridade pública brasileira à qual pudessem apresentar a conta.

Ivanir José Bortot. Foto: Divulgação

Lê-se o livro de Ivanir José Bortot como se fosse um romance sobre uma família europeia que vem fazer a América. Exatamente como em um livro de ficção, a cada geração, dois ou três membros do clã se destacam. Ora é uma mulher forte que cria seus muitos filhos sem a ajuda do marido precocemente falecido. Ora é um sujeito empreendedor que funda muitas empresas e dá trabalho a irmãos, irmãs, cunhados e cunhadas. Ora é um nonno, que guarda as memórias da família, que pede ao neto que lhe segure a mão no instante em que vai partir deste mundo. Ora é o ingresso de alguém – descendente de terceira geração – em uma universidade.

Sim, esse é um fato muito importante para os imigrantes: a ocasião em que um neto ou um bisneto – pode ser de italiano, alemão, polaco, português ou ucraniano – enverga uma fatiota e senta-se a uma escrivaninha para ganhar, às vezes em um mês, no conforto do ar-condicionado, o que seus ancestrais levavam décadas para amealhar sob o sol impiedoso.

Esse livro será ampliado no futuro, tenho certeza, porque a saga dos descentes de italianos do Rio Grande do Sul – e, também, dos alemães e poloneses – ainda não foi contada. Partindo do Estado original, eles tomaram nos anos 1920 o Oeste de Santa Catarina. Chegaram ao Paraná nos anos 1930 e continuaram a subir pelo mapa: Mato Grosso, Rondônia, Pará e Amazonas foram colonizados a partir de 1970. Depois, nos anos 1980, a diáspora gaúcha seguiu para o Sul do Maranhão, o Norte de Goiás (Tocantins) e o Oeste da Bahia. E, aparentemente, termina quando chega ao Sul do Piauí, em 1990. Em resumo, falta contar a epopeia dessa gente que forjou o semicírculo da produção agrícola que sustenta, há várias décadas, as contas desta nação inzoneira, cartorária e carnavalesca.

Por fim, destaco outra peculiaridade deste livro. Ivanir Bortot exerce o jornalismo há cerca de cinco décadas. Na maior parte desse tempo, atuou em publicações voltadas à economia. Daí que seu livro, desde as primeiras páginas, dá números ao que está sendo descrito. Um porco custa tanto. Uma vaca equivale a tantas barricas de vinho. Esse fato, o fato de que toda coisa tem seu preço, em geral, é pouco abordado nos livros escritos pelos historiadores genuínos, os de carteirinha. Nada contra os mestres catedráticos, mas no trabalho de Bortot vemos claramente como vai se formando o patrimônio de uma família ao longo de décadas. Não apenas o patrimônio palpável, físico (casas, lojas, hotéis, serrarias, veículos, culturas agrícolas, transportadoras, indústrias), que aumenta à força de muito suor e trabalho incessante. Mas não é só isso. Ivanir Bortot registra também os valores morais – impalpáveis, outra espécie de riqueza – que alicerçam o progresso. Valores como, por exemplo, a solidariedade, já que nesses grupos, por décadas, o patrimônio é um só e é de todos. Uma solidariedade que é, ao mesmo tempo, a previdência social e o plano de saúde da família. A solidariedade que aflora toda vez que a tragédia arrebenta com um deles.

A confiança alicerçada nos laços de sangue faz com que o controle dos negócios seja delegado às mãos do mais talentoso, o líder nato, aquele que em geral é aceito e reconhecido por todos ou pela maioria.

Se fosse possível sintetizar esse movimento migratório tão importante na história nacional, talvez se pudesse dizer que os descendentes dos peninsulares instalados no Sul do Brasil há mais de um século e três décadas – e que hoje se espalham do Norte ao Sul – construíram sua história baseados em três pilares: os laços de sangue, os valores da igreja de Roma e a ética do trabalho duro, incessante.


Folha de S. Paulo: Momento de desgovernos exige coro dos lúcidos, diz dom Walmor, presidente da CNBB

Dom Walmor Oliveira de Azevedo, 66, também fala sobre racismo e assédio sexual na Igreja

Anna Virginia Balloussier, Folha de S. Paulo

O "coro dos lúcidos" é o antídoto contra "desgovernos e politização abomináveis", diz dom Walmor Oliveira de Azevedo, 66, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

Ao ser instado a avaliar a atuação do governo Jair Bolsonaro na pandemia, o arcebispo de Belo Horizonte lamenta que "medidas adotadas pelas instâncias governamentais ignoraram as preciosas contribuições do campo científico".

Isso em tempos em que, "como bem lembra o papa, um vírus invisível colocou o mundo de joelhos" e já vitimou 21 clérigos no país. A anual assembleia-geral dos bispos foi adiada duas vezes, agora para 2021.

Nesta entrevista à Folha, dom Walmor fala sobre racismo e assédio sexual na Igreja Católica.

Também critica a ideia de uma bancada católica no Congresso e diz que a CNBB está atenta a ataques contra ela promovidos por católicos como o youtuber bolsonarista Bernardo Küster. "Ninguém tem o direito de ofender outra pessoa impunemente, espalhar mentiras."

Sabe-se quantos bispos e padres se infectaram com Covid-19 e quantos morreram? 
A Comissão Nacional de Presbíteros, vinculada à CNBB, contabilizou 415 padres que adoeceram até agosto e 21 mortes. Mas esses números certamente são maiores, considerando os missionários das comunidades religiosas e a complexidade da Igreja, presente em todo o território. Lembro que a ação missionária da Igreja entre os pobres não foi interrompida. Ao invés disso, se intensificou. Assim, mesmo com a adoção das medidas de segurança, muitos católicos adoeceram a serviço da fé.

Como foi a adaptação da Igreja, com muitos clérigos idosos, a tempos virtuais? 
Com seus percalços naturais, mas bastante exitosa. Isso se deve ao envolvimento de fiéis leigos, agentes da Pastoral da Comunicação, que contribuíram para que nossas comunidades expandissem seu alcance a partir das tecnologias digitais.

Oportuno dizer que esses encontros não eliminam a necessidade das reuniões presenciais para celebrar a fé. Vive-se um tempo singular, quando é preciso assumir que somos corresponsáveis uns pelos outros. A Igreja organiza suas celebrações presenciais sempre atenta aos indicadores da pandemia.

O sr. criticou a condução de Bolsonaro no começo da crise. Nove meses depois, como vê a atuação do presidente? 
A gravidade foi subestimada, e medidas adotadas pelas instâncias governamentais ignoraram as preciosas contribuições do campo científico. Esse descompasso repercutiu na população, contribuindo para que muitos não cumprissem as medidas de prevenção.

Sem generalizado senso de corresponsabilidade, o país sofreu com explosões de casos e aumento da pobreza, pois o descontrole da pandemia agrava suas consequências na economia. Considera-se a necessidade de um consistente programa de vacinação, exigindo superação de desgovernos e politização abomináveis. O momento exige o coro dos lúcidos.

Ao assumir a presidência da CNBB em 2019, o sr. disse que se ofereceria ao diálogo com Bolsonaro. Ele aconteceu? 
Poderia ter ocorrido mais diálogo, pois a Igreja tem muito a contribuir. Uma contribuição que é alicerçada no Evangelho de Jesus Cristo, sem partidarismos, sem defesa de interesses mesquinhos. A Igreja, insistentemente, defende que é preciso cuidar dos mais pobres. Trata-se do ponto de partida para todo governo que deseja ser bem sucedido na missão de ajudar na construção de uma sociedade mais justa.

Como a instituição reage a leigos como Bernardo Küstner, youtuber católico bolsonarista que ataca a CNBB e a chama de comunista? 
A Igreja congrega muitas diferenças. Há irrestrito respeito à liberdade de cada um. Ao mesmo tempo, a CNBB está atenta a situações que se configuram crimes. Ninguém tem o direito de ofender outra pessoa impunemente, dedicar-se a calúnias, espalhar mentiras.

Há uma equipe, formada por teólogos, comunicadores e juristas, mobilizada para essa tarefa. Em casos extremos, ela busca meios legais para coibir crimes e punir seus autores. Infelizmente, algumas pessoas se dedicam a caluniar e a agir com agressividade, adotando um jeito de ser incoerente com a fraternidade cristã.

Qual foi o recado das eleições municipais? 
Sinalizam para um enfraquecimento das polarizações que muito atrapalham a democracia, pois criam um clima fratricida, com apegos a ideologias. Só o tempo dirá se, de fato, vamos iniciar novo ciclo na democracia brasileira, mas penso que o recado das urnas é que o povo não tolera extremismos, seja de que lado for.

A CNBB teve a campanha Meu Voto Importa, que dizia ser importante ficar atento para não ser enganado. Quais as maiores fake news que alcançam cristãos? 
Há notícias falsas de que a Igreja defende ou repudia este ou aquele candidato. Ou que esta ou aquela pessoa não merece voto por se opor aos valores do Evangelho. Ora, esse tipo de julgamento não é feito pela Igreja Católica, que é apartidária e defende a liberdade dos cidadãos.

Cabe a cada pessoa que se aproxima dos ensinamentos de Nosso Senhor e Salvador identificar qual candidato cultiva um jeito de ser e agir coerente com a identidade cristã, afastando-se daqueles que fazem proselitismo e não priorizam os mais pobres. Importante desconfiar também dos que se propõem a constituir ou fortalecer a 'bancada da Igreja Católica'. A Igreja não constitui grupos nos parlamentos para defender seus interesses.

O sr. criticou, no Facebook, o aborto legal feito numa menina de dez anos que engravidou após ser estuprada pelo tio. Vê como acertada a iniciativa de grupos religiosos de tentar deter o procedimento? 
Defendemos sempre o que a fé cristã católica nos ensina: a vida é inviolável, em todas as suas etapas. Trata-se de um princípio inegociável, que deveria inspirar leis e decisões nas instâncias do poder. As autoridades deveriam zelar para que as mães pudessem viver uma gestação saudável e oferecer perspectivas de um futuro digno para a mãe e a sua criança.

Mas respeita-se sempre o ordenamento jurídico-legal vigente, com ele abrindo debates construtivos para defender princípios éticos. Não podemos impor nossas perspectivas. O aborto é uma violência contra a vida. Mas não se combate a violência com agressividade.

O arcebispo de Belém é investigado por abuso sexual. Não é um caso isolado. A CNBB faz o bastante para coibir casos de assédio no clero?
Infelizmente, quando se noticia que há uma investigação em curso, a opinião pública, em ato contínuo, já impõe estigmas, antes mesmo de qualquer parecer das instâncias competentes. Importa a verdade e a confiança depositada em quem merece respeito e credibilidade. Temos presente o que nos diz o apóstolo Paulo escrevendo aos Coríntios: 'Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele'.

Recentemente, a CNBB e a Conferência dos Religiosos do Brasil instituíram núcleo que vai auxiliar as dioceses na criação de suas comissões responsáveis por encaminhar denúncias à Santa Sé. Foi instituída também a Comissão Especial de Proteção da Criança, Adolescente e Vulneráveis.

O papa nomeou novos cardeais em novembro, entre eles o primeiro afroamericano. Ao observamos um conclave, a maioria é de senhores brancos. O racismo interno é algo detectado pela Igreja? 
O racismo é mal que precisa ser enfrentado inclusive na Igreja. O papa continua avançando na composição de feições próprias da universalidade da Igreja. Oportuno lembrar: Francisco é o primeiro pontífice eleito que nasceu no hemisfério sul.

Por que observamos o aumento de pessoas sem religião no Brasil e em boa parte do Ocidente? 
Todas as instituições, inclusive as ciências, têm enfrentado questionamentos e cedido lugar às perspectivas mais individualistas, subjetivas. O ser humano, gradativamente, se fecha nas próprias convicções, achando-se o centro de tudo. A religião ajuda as pessoas a enxergarem que existe algo maior, um propósito que ultrapassa o imediatismo, o caráter efêmero da vida. Esse propósito é Deus, de onde viemos e para onde retornaremos.

Que ensinamentos tiraremos de 2020? 
Somos desafiados a aprender, com humildade, um novo estilo de vida, percebendo com ainda mais clareza que, diante da obra do Criador, somos pequenos e nada controlamos. Bem lembra o papa que um vírus invisível colocou o mundo de joelhos.

Este tempo de pandemia justamente mostra que o ser humano propaga a morte, quando, irresponsavelmente, sem considerar o amanhã, trata com descaso o planeta. Mas, paradoxalmente, este mesmo tempo desafiador inspira conversões, luzes que brilham nas trevas, dissipando a escuridão.

RAIO-X

Walmor Oliveira de Azevedo, 66

É arcebispo metropolitano de Belo Horizonte desde 2004 e presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) desde 2019. Nascido em Côcos (BA), foi professor universitário e tem doutorado em teologia bíblica pela Pontífícia Universidade Gregoriana, de Roma.


Juan Arias: Em carta ainda inédita, bispos do Brasil se declaram estarrecidos com a política suicida de Bolsonaro

Bispos afirmam que até a religião é usada neste momento “para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes”

No Brasil, o país com o maior número de católicos no mundo, 152 bispos assinaram uma carta dura, ainda não divulgada, contra o Governo e seu presidente, Jair Bolsonaro, na qual afirmam que o país “passa por um dos momentos mais difíceis de sua história”, que eles definem como” tempestade perfeita”, já que une, de acordo com os bispos, “a crise sem precedentes na saúde ao avassalador colapso da economia”.

A carta dos bispos aos católicos brasileiros é uma condenação dura e contundente da atual política bolsonarista. É especialmente importante pela dureza das acusações, pelo uso de uma linguagem sem a clássica diplomacia da Igreja e por ser assinada também pelo cardeal Claudio Hummes, um dos maiores amigos do papa Francisco e que, portanto, nunca teria firmado tal documento sem a sua aprovação prévia.

Foi o pontífice argentino quem revelou que havia escolhido como papa o nome de Francisco, para lembrar São Francisco de Assis, porque o cardeal brasileiro, no momento em que conquistou a maioria dos votos no Conclave, o abraçou e lhe pediu: “Nunca se esqueça dos pobres”. O cardeal Hummes é prefeito emérito do Dicastério da Cúria Romana para o Clero, onde esteve à frente até 2010 como responsável pelo cuidado de todos os sacerdotes do mundo.

Existem hoje na Igreja Católica poucos documentos tão duros contra um Governo, e menos ainda como o de Bolsonaro, cujo presidente se declara católico praticante e conservador. Estamos acostumados, no máximo, a condenações por parte da Igreja Católica de Governos de cunho comunista ou simplesmente da esquerda, dificilmente de conservadores e de direita, os quais, pelo contrário, a Igreja sempre encheu de elogios e privilégios, como fez na Espanha com o ditador general Franco ou no Chile com Augusto Pinochet. Ainda me lembro da visita do Papa João Paulo II ao Chile, sua familiaridade e simpatia no trato com o ditador dentro do palácio presidencial. No Brasil, nem nos tempos da ditadura militar foram publicados documentos tão fortes da Igreja como o atual dos 152 bispos contra Bolsonaro.

Sempre se dizia que na Igreja Católica duas instituições eram as melhores do mundo: seus serviços secretos e sua diplomacia. E essa diplomacia sempre foi proverbial em documentos endereçados a Governos e governantes. Desta vez, porém, os bispos brasileiros usaram uma linguagem contundente, dura, de aberta condenação contra o Governo e o presidente. Basta este parágrafo da carta para julgar a força de condenação que os bispos quiseram dar a seu documento:

“O desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia também nos estarrece. Esse desprezo é visível nas demonstrações de raiva pela educação pública; no apelo a ideias obscurantistas; na escolha da educação como inimiga; nos sucessivos e grosseiros erros na escolha dos ministros da educação e do meio ambiente e do secretário da cultura; no desconhecimento e depreciação de processos pedagógicos e de importantes pensadores do Brasil; na repugnância pela consciência crítica e pela liberdade de pensamento e de imprensa (...).” E continua: “na indiferença pelo fato de o Brasil ocupar um dos primeiros lugares em número de infectados e mortos pela pandemia sem, sequer, ter um ministro titular no Ministério da Saúde.”

Segundo os bispos, até a religião é usada neste momento no Brasil “para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes”. E eles acabam recordando as enigmáticas palavras do apóstolo Paulo quando alerta em sua Epístola aos Romanos que “a noite vai avançada e o dia se aproxima; rejeitemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 13,12).

No documento, os bispos condenam abertamente o atual Governo e a política totalitária do presidente Bolsonaro. Dizem, sem rodeios: “Analisando o cenário político, sem paixões, percebemos claramente a incapacidade e inabilidade do Governo Federal em enfrentar essas crises”. E os bispos lançam uma condenação taxativa quando afirmam que o atual Governo “não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos”, mas, ao contrário, “a defesa intransigente dos interesses de uma economia que mata, centrada no mercado e no lucro a qualquer preço”. Vocábulos como “desprezo”, “raiva”, “grosseiro” e “repugnância” nunca tinham sido vistos em um documento importante como este firmado por 152 bispos católicos. Lembro-me de que, quando era correspondente deste jornal no Vaticano, um bispo da Cúria Romana me mostrou um pequeno dicionário de palavras “fortes” que nunca deveriam ser usadas em documentos assinados pela hierarquia da Igreja, nem sequer pelo Papa.

Citando o papa Francisco em relação à crise do meio ambiente, com a guerra contra a Amazônia e o massacre dos indígenas, os bispos recordaram suas palavras quando escreveu por ocasião do Dia do Meio Ambiente: “Não podemos pretender ser saudáveis num mundo que está doente. As feridas causadas à nossa mãe terra sangram também a nós”.

Agora, Bolsonaro e seu Governo sabem que, além do clamor majoritário do Brasil contra os crimes cometidos por ele e por seu Governo contra todas as minorias, somado ao desastre na questão da pandemia e da educação, terá que enfrentar esta condenação da Igreja Católica, a maior confissão religiosa do mundo e deste país. Bolsonaro sabe que não se trata de um inimigo fácil, pois conta com 1,31 bilhão de seguidores no mundo, dos quais 110 milhões apenas no Brasil. Não é um exército pequeno. E é forte por estar desarmado, ou melhor, armado apenas com a força da fé.


Poder espiritual ganha força com sincretismo religioso em Brasília

Buscas por novas experiências move pessoas sem religião no país, que apresenta aumento de evangélicos

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Sincretismo religioso e misticismo movem multidões de pessoas para a região de Brasília, a capital do poder. Toda essa mobilização ocorre em meio ao aumento de número de evangélicos e de pessoas sem religião no país, conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O assunto é tema da reportagem especial da 16ª edição da revista Política Democrática Online, editada e produzida pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília. Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.

» Acesse aqui a 16ª edição da revista Política Democrática Online

Todo o movimento em torno de Brasília, segundo sociólogos e antropólogos, tem relação com o aumento do número de pessoas sem religião no país, que, em 2010, era equivalente a 8% da população. Além disso, em 2022, se mantida a tendência atual de crescimento da quantidade de evangélicos, os católicos devem representar menos de metade da população brasileira. Desde os anos 1990, o catolicismo registra queda significativa no número de fiéis: em 2010, 64% dos brasileiros professavam a religião, contra os 91% registrados em 1970.

No ano 2000, 26,2 milhões de pessoas se declaravam evangélicas, o que representava 15,4% da população. Dez anos depois, esse número saltou para 42,3 milhões de pessoas, o equivalente a 22,2% dos brasileiros. Em 1991, os evangélicos somavam 9% e, em 1980, 6,6% da população brasileira. Todo esse movimento tem reflexo na política. A bancada evangélica hoje tem 91 parlamentares no Congresso Nacional.

As urnas reforçaram a bancada evangélica no Congresso Nacional. Para a Câmara dos Deputados foram eleitos 84 candidatos identificados com a crença evangélica – nove a mais do que na última legislatura. No Senado, os evangélicos eram três e, em 2019, serão sete parlamentares. No total, o grupo que tinha 78 integrantes ficará com 91 congressistas.

O levantamento é do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), com base nos dados disponíveis no portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2014, o Diap identificou 75 deputados seguidores da doutrina evangélica. Em 2010, a bancada tinha 73 representantes na Câmara.

Leia mais:

» Coronavírus: Como epidemia pode afetar crescimento econômico da China e do Brasil?

» Brasil precisa avançar na construção de sistema nacional de educação, diz Ricardo Henriques

» Bolsonaro apoia plano de Trump que favorece Israel em meio à guerra, diz José Vicente Pimentel

» Protesto contra o Congresso? Confira editorial da revista Política Democrática online

» Educação, recuo da indústria e poder religioso são destaques da Política Democrática Online de fevereiro

» Acesse aqui todas as edições da revista Política Democrática online


O Estado de S. Paulo: Para se aproximar da Igreja, governo aposta em Damares

Após conflitos de Bolsonaro com líderes católicos e com aval do presidente, a ministra passa a ser a interlocutora da administração com a CNBB e se reúne com bispos

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Com aval do presidente Jair Bolsonaro, a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) assumiu o papel de interlocutora do governo com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Primeira integrante da equipe bolsonarista a manter uma reunião de trabalho com a entidade da Igreja Católica, Damares tenta construir pontes e desfazer conflitos que marcam a relação do presidente com os religiosos.

“Ai da política se não fosse a Igreja”, disse a ministra ao sair do encontro com a cúpula da CNBB, na quarta-feira passada. Pastora da Igreja Batista da Lagoinha, uma denominação protestante, a ministra fez uma reverência à importância da Igreja num país de maioria católica, mesmo com o crescimento dos evangélicos, aliados preferenciais do presidente.

Há um histórico de atritos entre a CNBB e Bolsonaro que remonta à campanha eleitoral, quando o então candidato do PSL apareceu em vídeo dizendo que a entidade – comandada pela ala do clero considerada progressista, que atuou contra o regime militar – era “a parte podre da Igreja Católica”.

A pedido de Damares, a CNBB abriu suas portas em Brasília para ouvir explicações sobre projetos do governo. A ministra fez acenos de parceria em ações sociais para crianças, jovens e idosos e afirmou aos bispos que há católicos entre seus principais assessores. Saiu de lá com o texto da Campanha da Fraternidade e um convite para participar do lançamento, na próxima quarta-feira. Um compromisso na Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, porém, impedirá a sua presença.

Agendada de última hora, a reunião de Damares com os religiosos não contou com o presidente da CNBB, d. Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo de Belo Horizonte (MG), que tinha uma viagem marcada. Participaram do encontro o primeiro-vice-presidente da CNBB e arcebispo de Porto Alegre (RS), d. Jaime Spengler, o segundo-vice e bispo de Roraima (RR), d. Mário Antônio da Silva, e o secretário-geral e bispo auxiliar do Rio, d. Joel Portella. “Estabelecemos um canal de diálogo muito positivo e, naquilo que pudermos colaborar, sobretudo na promoção de valores que nos unem, estaremos juntos”, afirmou d. Jaime Spengler.

Planalto
Na prática, a interlocução com Damares desloca o tradicional eixo de relacionamento da CNBB com o Executivo. Após a redemocratização, bispos tinham canal direto no Palácio do Planalto e costumavam ser recebidos por presidentes. No governo Dilma Rousseff, a entidade tinha assento no Conselhão, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

O diálogo da ministra com a CNBB ocorreu uma semana depois de o papa Francisco receber e abençoar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas a conversa não tratou do Vaticano. Bolsonaro, também na semana passada, renovara as críticas ao pontífice por causa da exortação apostólica Querida Amazônia.

No documento, o papa afirma que conferir um status internacional não é “solução” para a crise ambiental e social da floresta, mas diz que toda a comunidade global deve colaborar. Cobra que governos locais não se vendam a interesses econômicos e políticos. Para divulgar o texto “ao mundo inteiro”, o Vaticano escreveu na rede social do papa que ele pretendia “despertar estima e solicitude pela Amazônia, que também é nossa”. Bolsonaro reagiu no dia seguinte: “A Amazônia é nossa, não é como o papa tuitou ontem, não, tá?”.

A resposta do presidente reflete sua desconfiança e também do generalato das Forças Armadas com o que é considerado por eles como desrespeito à soberania brasileira sobre a porção nacional do território amazônico.

A preocupação atravessou, no ano passado, o Sínodo dos Bispos para a Pan-Amazônia, uma assembleia eclesial para discutir problemas da região. No auge das tensões sobre o Sínodo, o Itamaraty destacou um embaixador para manifestar à Santa Sé a insatisfação do governo.

Já o presidente da CNBB demonstrou contrariedade com os planos de exploração econômica das terras indígenas propostos pelo governo. Organismos católicos, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), ambos presididos por bispos, são os mais críticos a projetos de Bolsonaro. Damares, inclusive, já acusou bispos de atuação “político-partidária”.

Vaticano
A ministra construiu uma aproximação com a Igreja ao longo de 2019. Sua equipe costuma receber assessores da CNBB, como o padre Paulo Renato Campos. Em dezembro, Damares visitou o papa Francisco no Vaticano. Na ocasião, elogiou o pontífice e admitiu que a postura do líder da Igreja era a de buscar o “diálogo”, até com outras religiões. Diálogo, aliás, tem sido a palavra-chave de bispos brasileiros quando questionados sobre o governo Bolsonaro.

A interpretação corrente no clero, porém, era a de que até então o presidente não tinha interesse em conversar e mostrava predisposição ao conflito com o clero. Embora costume receber com frequência líderes evangélicos e participe de cultos nos fins de semana, Bolsonaro só recebeu uma única vez o presidente da CNBB, logo após a eleição de d. Walmor, em maio de 2019.

Outros governos
Desde a redemocratização, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) cultiva relações diretas com o Palácio do Planalto, com momentos de calmaria e tensão. Anualmente, a Igreja publica análises de conjuntura, mas também costuma se pronunciar, por meio dos bispos que ocupam a presidência e a secretaria-geral, a respeito de projetos e políticas sociais e econômicas dos governos. Veja abaixo alguns dos embates entre a CNBB e ex-presidentes:

Collor
Os bispos foram contra as políticas econômicas neoliberais do governo Fernando Collor de Mello desde o início da administração, como os acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e apontavam para a informalidade no mercado de trabalho interno. Em 1992, no processo de impeachment que culminaria na renúncia de Collor, a CNBB  apoiou demais entidades civis que lideraram manifestações pela saída do então presidente. No Congresso Nacional, o então presidente da CNBB, d. Luciano Mendes de Almeida, falou que o povo estava atônito com abusos, corporativismo, desvio de verbas, clientelismo e fisiologismo.

FHC
Em 1997, a CNBB foi contra a política de privatizações do governo tucano, especialmente, contra a venda da Vale do Rio Doce. Fernando Henrique Cardoso reagiu dizendo que privatização da Vale não era matéria para os bispos opinarem. A CNBB deu apoio ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em atos pela reforma agrária. Órgãos da CNBB também acusaram o governo FHC de comprar apoio para aprovar a emenda da reeleição. A CNBB chegou a dizer que o tucano perdeu a credibilidade junto a sociedade.

Lula
Em 2006, após o escândalo do mensalão, a CNBB passou a cobrar que o governo Luiz Inácio Lula da Silva não convivesse com a corrupção e, num ano eleitoral, criticou alianças partidárias do presidente, embora tenha se oposto a um impeachment. Lula diria, em 2009, que Jesus faria aliança com Judas para aprovar projetos no Congresso, o que ofendeu o episcopado. Outro atrito era a política econômica de Lula. Os bispos cobravam que ele não privilegiasse o capital. A CNBB também se posicionou contra o avanço de pesquisas sobre células tronco, incentivadas durante o governo do petista, e reclamou da distribuição de preservativos e outros métodos contraceptivos, como pílulas do dia seguinte e DIU (dispositivo intra-uterino).

Dilma
O aborto seria a marca da relação de Dilma Rousseff com os bispos com debates de cunho moral presentes nas campanhas eleitorais de 2010 e 2014, vencidas pela petista. Em 2012, durante o primeiro mandato, a CNBB se manifestou contra a escolha de uma ministra pela presidente. Dilma decidira nomear como ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres a professora universitária e pesquisadora da temática Eleonora Menicucci, defensora da descriminalização do aborto.

Temer
A CNBB manifestou ressalvas ao afastamento de Dilma, em maio de 2016, que levaria Michel Temer ao Planalto. Em 2017, a CNBB se opôs frontalmente à reforma da previdência e pediu mobilização dos cristãos contra a proposta elaborada pelo governo Michel Temer, que ficaria parada no Congresso Nacional por causa das investigações criminais e da delação da JBS contra o emedebista. Diante de denúncias de corrupção, o porta-voz da CNBB, secretário-geral d. Leonardo Steiner disse que Temer não tinha "condições éticas" de seguir no cargo.

 


'Divergência do bolsonarismo com Igreja é barulho de rede social', diz Damares

Ministra afirma que pretende estabelecer mais cooperação entre cúpula católica e o governo

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA -  A ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), que assumiu o papel de interlocutora do governo com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o governodisse ao Estado que acredita que a relação está boa e promete mais cooperação de pautas e políticas públicas: "Em alguns momentos, em alguns lugares, a Igreja chega o Estado não chega".

A senhora visitou a CNBB em nome do presidente Bolsonaro, com a ciência dele, representando o governo?
A visita se deu com conhecimento do presidente. Ele sabia da visita e da agenda. Não representei o governo como um todo, mas apenas o ministério. Nossas pautas foram muito pontuais.

A senhora é capaz de melhorar a relação do governo com a CNBB, após episódios como a divergência sobre o Sínodo da Amazônia e críticas frequentes do presidente e seus apoiadores ao Papa Francisco?
Eu me coloco à disposição para ser ponte, se necessário for. Mas acho que essa relação está boa. Não vejo esses ruídos todos. Acho que é mais barulho nas redes sociais do que de verdade a relação entre CNBB e Estado.

É um dos objetivos do governo reatar com a CNBB em 2020?
Isso nunca foi conversado, mas não vejo essa questão de não reatar ou rompimento. Esse rompimento nunca houve. A primeira visita que o atual presidente da CNBB (d. Walmor Oliveira de Azevedo) fez, assim que tomou posse, foi ao presidente da República. A CNBB tem inúmeras atividades ligadas a diversos ministérios. Quando a gente pensa no CIMI (Conselho Indigenista Missionário), a gente associa à Funai (Fundação Nacional do Índio) e política indigenista. Quando a gente pensa em Pastoral da Criança, a gente já associada aos ministérios da Saúde, da Cidadania e ao nosso próprio ministério.

Pesa o fato de ser uma pastora conhecedora dos valores cristãos?
Eu não fui como pastora, fui como ministra e como sou militante em defesa da vida e da família e há muitos anos trabalhando com idosos, com criança... Todas as pastorais ligadas à CNBB de uma forma ou de outra uma vez na vida eu já participei. E essas pastorais todas têm uma relação muito grande entre os temas que elas lidam e os do ministério. Era apenas para apresentar à CNBB a formatação do ministério que estamos fazendo. Era uma visita que deveria ter acontecido ano passado.

Pode haver mais cooperação e parcerias do governo Bolsonaro com a Igreja Católica?
Com certeza, muita parceria entre governo e Igreja. Foi uma das coisas que nós falamos lá (na visita). A Igreja tem a Pastoral da Juventude que faz um trabalho espetacular e nós estamos construindo uma política nova para a juventude no Brasil. Dá para fazer muita coisa junto. A Igreja Católica cuida com muito carinho de alguns segmentos, como as famílias no cárcere - presidiários, mulheres, até mesmo as unidades socioeducativas, a população carcerária. A Igreja como um todo tem um trabalho social extraordinário, incrível. Em alguns momentos, em alguns lugares, a Igreja chega aonde o Estado não chega.


Política Democrática || Reportagem Especial: Sincretismo religioso mostra força do poder espiritual de Brasília

Capital federal atrai famosos para rituais de consagração; misticismo se fortalece com várias opções na região

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Elas caminham com vestidos longos coloridos, seguram lanças com pontas afiadas e enchem de bijuterias braços e cabelos. Aos poucos, lotam o Templo do Vale do Amanhecer, que há 50 anos reúne centenas de médiuns em Planaltina, a 50 quilômetros do Congresso Nacional, em Brasília. As ninfas, como as mulheres são chamadas pela doutrina, entram nos rituais de consagração e mediunidade acompanhadas de parceiros, sempre uniformizados com calça marrom e camisa preta.

O Vale do Amanhecer mostra a força do sincretismo religioso na região de Brasília, que também se mantém como capital mística do Brasil. Todo esse movimento em torno da capital federal, segundo sociólogos e antropólogos, tem relação com o aumento do número de pessoas sem religião no país, que, em 2010, era equivalente a 8% da população. O dado é do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No Brasil, de acordo com levantamento realizado por cientistas britânicos, pelo menos um quarto das pessoas sem religião acredita em reencarnação e quase um terço, na existência de vida após a morte. O estudo é do programa Understanding Unbelief, segundo o qual não seguir alguma religião não significa que a pessoa não acredita em um Deus ou mais.

No Vale do Amanhecer, os fiéis se reúnem em torno da mediunidade, e, segundo eles, trabalhos de cura espiritual são realizados com frequência. A simbologia presente é sincretista. Jesus de Nazaré divide orações com Mãe Iara, do Rio Amazonas, e Iemanjá, das águas salgadas. O enredo principal da consagração se desenvolve a partir do Pai Seta Branca, reencarnação de São Francisco de Assis como cacique tupinambá e espírito líder da religião.

Aqui vem todo tipo de gente, cristão, espírita, católico, umbanda, ateu, agnóstico”, afirma o presidente do Vale do Amanhecer, Raul Zelaya (72 anos), caçula de quatro filhos da sergipana Neiva Chaves Zelaya, conhecida como Tia Neiva, autodenominada clarividente. Antes de fundar a doutrina, cuja bandeira leva as palavras “humildade, tolerância e amor”, a líder trabalhou como caminhoneira na construção de Brasília, em 1957. Ela morreu em 1985, aos 60 anos.

A doutrina surgiu em 1959, com uma comunidade de espiritualistas, no Núcleo Bandeirante, fundada por Tia Neiva. Construído 10 anos depois, sob o Morro da Capelinha, em Planaltina, o templo-mãe do Vale do Amanhecer, como chamam seus seguidores, logo atraiu milhares de fiéis e curiosos, transformando-se também em ponto turístico. Na época, Tia Neiva passou a designar seguidores para erguer outros locais de cura espiritual.


Saiba mais

Hoje, segundo os dirigentes, existem quase 1.000 templos do Vale do Amanhecer, a maioria deles espalhada pelos 26 estados brasileiros, além do Distrito Federal. Outros países, como Estados Unidos, Suíça e Portugal, também têm unidades da doutrina construídas por seus seguidores.

O presidente do Vale do Amanhecer conta que atores globais, cantores e políticos frequentam o templo de Planaltina, assim como muitos estrangeiros, principalmente japoneses. Paola Oliveira, Miguel Falabella e Elba Ramalho estão entre os famosos que já visitaram o espaço. A reportagem apurou que, no início dos anos 1980, o então presidente do Brasil, João Baptista Figueiredo, também compareceu ao local, que, segundo os dirigentes, se mantém com a ajuda voluntária dos frequentadores e venda de uniformes da doutrina. Não há cobrança de dízimo.

Apesar de receber políticos, a direção do templo diz proibir qualquer tipo de campanha ou apoio declarado a um candidato ou partido. “Nosso templo é para o vencido e para o vencedor. Não existe comício aqui, nem defender candidato, nem pedir voto”, explica Raul.

Além disso, segundo o mestre João Nunes, a doutrina condena a prática do aborto. Em relação a casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda não tem uma posição claramente definida, apesar de nunca ter realizado uma cerimônia como essa. “Sabemos que, no nosso meio, tem vários homossexuais, assim como muitos heterossexuais, mas não estamos aqui para julgar”, afirma Nunes.

Além de reunir adultos e idosos em sua maioria, o Vale do Amanhecer também desenvolve ações de caridade em grupos de crianças, adolescentes e jovens. Por outro lado, de acordo com seus dirigentes, o Estado ainda não reconhece o local, oficialmente, como templo religioso e, por isso, deve pagar impostos.


Da busca por novas experiências a aumento de evangélicos

No Brasil, O aumento do número de pessoas sem religião é reflexo da busca por novas formas religiosas ou sincréticas, de acordo com o sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Eurico Antônio Gonzalez Cursino dos Santos. “Elas não são arrebanhadas por alguma forma religiosa tradicional, como catolicismo ou cristianismo evangélico, e, por isso, são muito levadas à experimentação religiosa”, explica o pesquisador.

Santos observa que Brasília sempre foi palco do que ele chama de “manifestação religiosa não regulada ou espontânea”. “Caracteriza-se por pouca doutrina e pouca regulagem institucional na vida das pessoas” afirma. Ele reforça que, na medida em que aumenta seu número, as pessoas sem religião não necessariamente adotam o ateísmo, mas buscam novas formas de experimentar a espiritualidade.

Não é só o número de pessoas sem religião que tem aumentado no país. Em 2022, se mantida a tendência atual de crescimento da quantidade de evangélicos, os católicos devem representar menos de metade da população brasileira. Desde os anos 1990, o catolicismo registra queda significativa no número de fiéis: em 2010, 64% dos brasileiros professavam a religião, contra os 91% registrados em 1970.

No ano 2000, 26,2 milhões de pessoas se declaravam evangélicas, o que representava 15,4% da população. Dez anos depois, esse número saltou para 42,3 milhões de pessoas, o equivalente a 22,2% dos brasileiros. Em 1991, os evangélicos somavam 9% e, em 1980, 6,6% da população brasileira. Todo esse movimento tem reflexo na política. A bancada evangélica hoje tem 91 parlamentares no Congresso Nacional.


VOCÊ SABIA?

As urnas reforçaram a bancada evangélica no Congresso Nacional. Para a Câmara dos Deputados foram eleitos 84 candidatos identificados com a crença evangélica – nove a mais do que na última legislatura. No Senado, os evangélicos eram três e, em 2019, serão sete parlamentares. No total, o grupo que tinha 78 integrantes ficará com 91 congressistas.

O levantamento é do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), com base nos dados disponíveis no portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2014, o Diap identificou 75 deputados seguidores da doutrina evangélica. Em 2010, a bancada tinha 73 representantes na Câmara.

Na avaliação do professor da UnB, o catolicismo lida bem com a secularização, conceito que descreve a perda da importância da religião nas posições de poder e socialização no mundo. “O protestantismo evangélico se incomoda muito com isso, já que está tomando espaço na política e quer governar o país em nome de Cristo”, afirma. “O processo de secularização, antes de tudo, se manifesta pelas leis, que tiram da religião o poder e vão colocando-o em instâncias, pessoas, instituições e crenças laicas. Hoje, a ciência que é a base”.

A análise sobre a expansão evangélica envolve comparações com o funcionamento da igreja católica, cujas relações com o que hoje é denominado Estado remontam à chegada dos portugueses em 1500, acompanhados de integrantes do clero, de acordo com a antropóloga Paula Montero, da Universidade de São Paulo (USP). Desde 2015, ela coordena projeto de pesquisa sobre o secularismo brasileiro.

Até o final do Império, eram os religiosos católicos os responsáveis por atividades de registro civil (nascimentos, casamentos e mortes) e pelo gerenciamento de boa parte das escolas, hospitais e cemitérios. Com o processo de secularização – separação oficial entre Igreja e Estado, a partir da Proclamação da República em 1889 e, mais especialmente, com a Constituição de 1891 –, escolas e cemitérios passaram a ser administrados por organizações públicas.

Nova mudança viria com a promulgação da Constituição Federal, em 1988. “Na ocasião, houve uma ruptura no entendimento da nação brasileira como sincrética e católica”, afirma Paula. Essa ruptura, explica ela, desencadeou um processo de valorização do pluralismo religioso, motivando diferentes doutrinas, entre elas a evangélica, a buscar formas de ampliar sua visibilidade na sociedade.


 

Foto: Ailton de Freitas

Objetos voadores fortalecem misticismo em Alto Paraíso

Diversas teorias tentam sustentar o suposto caráter místico de Brasília e região. "Sabemos de histórias de que a cidade foi construída na mesma disposição de pirâmides do Egito. A própria construção do local é muito mística, com alguns relatos de que Juscelino Kubitschek era maçom", diz o ufólogo João Silveira (55 anos), da Associação Brasileira de Ufologia.

De autoria da egiptóloga Iara Kern e do pesquisador Ernani Pimentel, o livro Brasília Secreta: Enigma do Antigo Egito, publicado pela Editora Pórtico, no ano 2000, mostra relatos curiosos sobre a construção da capital federal. O desenho e a disposição dos edifícios se assemelham a uma cidade egípcia erguida pelo faraó Akhenaton, casado com Nefertiti, rainha da 17ª Dinastia do Egito Antigo, em homenagem ao deus Aton.

Místicos transitam entre Brasília e Alto Paraíso, distantes a 240 quilômetros, devido ao interesse em ufologia, que se debruça no estudo de objetos voadores não identificados, os chamados óvnis. “Aqui, já vi objetos voadores descerem e pararem distante. Depois de um tempo, sumiram, de repente, para cima. Quem nunca viu não acredita, mas muitas pessoas que vivem aqui sabem disso”, afirma Silveira.

Pesquisador de óvnis, o morador de Brasília Augusto Rodrigues (57) afirma que a humanidade é dominada por uma elite alienígena metamórfica. De acordo com ele, o planeta Terra está sendo teleguiado por elites reptilianas: "É muita ingenuidade humana acreditar que estamos sozinhos no mundo. Existem forças maiores e vivas no universo, que dominam as elites política e econômica, para impor o que nós, pesquisadores, chamamos de Nova Ordem Mundial", acentua ele.

Moradora de Alto Paraíso, Antônia Augusta dos Anjos (37) diz que a cidade é marcada pela força do misticismo. Ela lembra que, em 2012, o município atraiu 15 mil pessoas, mais que o dobro da população local, para se prepararem para o fim do mundo. De acordo com o calendário maia, o dia 21 de dezembro daquele ano encerraria um ciclo de 5.125 anos e marcaria o fim do mundo, mas, para os místicos, a força dos cristais protegeria a cidade de qualquer profecia apocalíptica.

Em 1996, testemunhas disseram ter visto objeto estranho sobre a barragem do Lago Paranoá e tiraram fotos do fenômeno. A Entidade Brasileira de Estudos Extraterrestres (EBE-ET), localizada em Brasília, tem uma interpretação mais ampla da ufologia, já que, conforme explica, conjuga a ideia do desconhecido com estudo multidisciplinar, integrando física, astronomia, biologia, por exemplo.

 


Bernardo Mello Franco: Aliado ao garimpo, Bolsonaro prepara embate com a Igreja

Aliado ao lobby dos garimpeiros, Bolsonaro já comprou briga com índios, ambientalistas e líderes europeus. Agora ele prepara um novo embate com a Igreja Católica

Jair Bolsonaro disse que não dará entrevistas enquanto os jornais “não fizerem uma matéria real sobre o que aconteceu na ONU”. A imprensa noticiou que o presidente fez um discurso agressivo, exaltou a ditadura militar, atacou um cacique de 89 anos e mentiu sobre as queimadas na Amazônia. Na visão dele, uma “matéria real” trocaria o registro desses fatos por elogios.

A ameaça de boicote à imprensa não é nova. Bolsonaro já havia prometido silenciar outras vezes, mas nunca conseguiu segurar a língua. Ontem ele fez um esforço extra para cumprir a promessa. Ignorou os jornalistas e não discursou em solenidade oficial. Só falou em público uma vez, em minicomício para garimpeiros.

Numa cena incomum, o presidente foi até a porta do palácio e subiu numa cadeira para discursar. Do pedestal improvisado, expôs o que pensa sobre a floresta. “O interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore. É no minério!”, afirmou.

Bolsonaro não disfarça. Desde a campanha, ele critica as leis ambientais e promete incentivar a criação de novas Serras Peladas. Em seu lobby pela mineração, o presidente já comprou briga com índios, ambientalistas, servidores do Ibama e líderes europeus. Agora prepara o terreno para um embate com a Igreja Católica.

Ontem o bispo de Marajó, dom Evaristo Spengler, fez um apelo contra a exploração do subsolo amazônico. “Queremos pedir um não a projeto de mineração em territórios indígenas, não ao garimpo legal e ilegal na Amzônia, não à regularização de novos garimpos”, disse. Ele é um dos organizadores do sínodo que discutirá as ameaças à floresta a partir deste domingo.

Às vésperas do encontro, a tropa bolsonarista já trata a Igreja como inimiga. O presidente avisou que não vai a Roma para a canonização da irmã Dulce. No sábado, o guru Olavo de Carvalho disparou ofensas ao Papa Francisco. “Para mim, esse Bergoglio já deu no saco. Ele não é Papa nem no sentido figurado do termo”, atacou.

No minicomício de ontem, Bolsonaro encaixou uma nova provocação ao cacique Raoni, que já foi recebido com honras no Vaticano. “É outro que vive tomando champanhe em outros países por aí...”, desdenhou.


Dom Odilo P. Scherer: Sínodo da Amazônia no fogo das polêmicas

Não se justifica a suspeita de que a ação da Igreja Católica sirva a interesses estrangeiros

As imagens das queimadas e da fumaça na Amazônia foram amplamente divulgadas nas mídias nacionais e internacionais nas últimas semanas. Além dos preciosos pedaços da floresta tropical destruídos, o fogo também esquentou a cabeça de alguns governantes, a ponto de levar ao nível das ofensas pessoais e de chamuscar relações internacionais. Não é para menos. A maior floresta tropical do mundo, da qual fazem parte nove países da América do Sul, interessa muito a cada um desses países, especialmente ao Brasil, que detém sozinho cerca de 60% desse bioma extraordinariamente pródigo em vida, água e riquezas do subsolo.

Mas os interessados não são apenas esses nove países, prontos a levantar a voz em defesa da sua soberania sobre esses territórios. Muitos outros países estão de olho na Amazônia. Talvez tenha passado pela cabeça de algum governante saudoso dos tempos coloniais a hipótese inaceitável de uma “soberania relativa” dos países amazônicos sobre seus territórios. Em geral, porém, o mundo está interessado na Amazônia pelo fato de reconhecer que se trata de um bem extraordinário e único, que tem importância para todos os habitantes do nosso planeta.

A preocupação geral diante das ameaças reais de destruição do ecossistema amazônico é compreensível e não se precisaria pôr logo em xeque a soberania nacional. Há interesse no cuidado da Amazônia e os países da área, além de fazerem o possível para cuidar bem da Amazônia, poderiam aceitar a ajuda de outros países dispostos a fazê-lo. E até tirar vantagem desse interesse geral, compartilhando, de alguma forma, o ônus do bom cuidado desse “bem para todos”, sem que se questione a soberania dos países da área.

Até mesmo o Sínodo para a Amazônia, convocado pelo papa Francisco ainda em 2017, acabou na mira dos ânimos mais aquecidos. Esse sínodo é um evento da Igreja Católica com o objetivo de refletir sobre o conjunto da realidade amazônica, envolvendo o homem, o ambiente natural e a missão da própria Igreja na grande Amazônia. Para o sínodo foram convocados os bispos das dioceses amazônicas dos nove países: Brasil, Bolívia, Equador, Peru, Colômbia, Venezuela e as três Guianas.

O papa Francisco não é contrário à soberania nacional nem à autodeterminação de nenhum país, nem convoca bispos para tramarem contra os legítimos interesses de cada povo e casa país. Não se justifica a suspeita, levantada no ambiente aquecido das paixões nacionalistas, de que a ação da Igreja Católica na Amazônia sirva a interesses estrangeiros. A esse propósito convém lembrar que os missionários estão nos rincões mais retirados da Região Amazônica desde o século 17 e para lá não foram para escravizar indígenas, levar embora suas riquezas e devastar a natureza. Muito ao contrário, por muito tempo eles foram os únicos a tomar a defesa dos povos originários da Amazônia contra a ganância de quem ameaçava sua liberdade, suas terras e culturas.

Em vez de retirarem navios de riquezas, eles carreavam para a Amazônia recursos humanos e materiais em quantidades nunca calculadas nem alardeadas, cuidando da saúde, da alfabetização e da promoção humana e cultural das populações indígenas e ribeirinhas. Quanto suor, quanto sangue e quantas lágrimas oferecidos de maneira silenciosa e incansável pela dignidade e pelos direitos humanos daquelas populações, longamente esquecidas pela sociedade e pelo Estado! E se no século 18 o marquês de Pombal não tivesse expulsado os jesuítas das missões da Amazônia, o desenvolvimento humano, social e cultural da região estaria bem mais avançado do que se encontra atualmente.

A preocupação da Igreja Católica com a destruição da Amazônia e com os problemas ambientais daí decorrentes não se iniciou com o atual governo do Brasil, como bem recordaram os participantes do encontro preparatório do sínodo da Amazônia, em agosto, em Belém (PA). Em carta divulgada, eles expressaram novamente sua preocupação diante das questões ambientais da Amazônia e das ameaças contra a ação da Igreja naquela região. Recordaram que desde 1952 os bispos da área vêm tomando posição diante desses problemas. Em 1972, o papa Paulo VI fez um forte apelo em favor da Amazônia. “Cristo aponta para a Amazônia”, disse ele, indicando que a Igreja devia inserir-se mais e mais naquela realidade.

Em 1990 os bispos da Amazônia emitiram o documento Em defesa da Amazônia, chamando a atenção para o desastre ecológico iminente, com consequências catastróficas para todo o ecossistema mundial. Os apelos em favor da Amazônia também aparecem no documento final da 5.ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, realizada em Aparecida em 2007: a natureza deve ser protegida contra toda forma de depredação e destruição irracional. Cabe-nos uma responsabilidade moral diante das ameaças à Amazônia (cf. n.ºs 470-475).

No manifesto de Belém, acima referido, os participantes denunciaram mais uma vez o envenenamento de rios e lagos, a poluição do ar com as queimadas, a pesca predatória, a invasão de terras indígenas por mineradoras, garimpos e madeireiras e o comércio ilegal dos produtos da biodiversidade. “Defendemos vigorosamente a Amazônia (...). A soberania brasileira sobre essa parte da Amazônia é para nós inquestionável. Entendemos, no entanto, e apoiamos a preocupação do mundo inteiro em relação a esse macrobioma, que desempenha uma importantíssima função reguladora do clima planetário.” E concluíram:

“Todas as nações são chamadas a colaborar com os países amazônicos e com as organizações locais empenhadas na preservação da Amazônia, porque dessa macrorregião depende a sobrevivência dos povos e do ecossistema em outras partes do Brasil e do Continente”.

* Cardeal-Arcebispo de São Paulo


Bernardo Mello Franco: Bispo rebate ofensiva do governo contra a Igreja: "Só vimos na ditadura"

A CNBB não deve se intimidar com as críticas do Planalto à sua atuação na Amazônia. ‘A Igreja está do lado dos mais fracos’, diz dom Evaristo Spengler, bispo de Marajó

A Igreja Católica não deve se intimidar com a ofensiva do Planalto contra a sua atuação na Amazônia. O ministro Augusto Heleno fez críticas a um seminário convocado pelo papa Francisco para discutir os problemas da região. Em vez de calar os bispos, aumentou a insatisfação do clero com o governo.

O jornal “O Estado de S. Paulo” revelou que relatórios da Abin descrevem a CNBB como “potencial opositora”. O general Heleno se referiu ao Sínodo da Amazônia como “interferência em assunto interno do Brasil”. Acrescentou que pretende “neutralizar” o evento religioso.

O bispo do Marajó, dom Evaristo Spengler, afirma que não cabe ao governo monitorar os debates da Igreja. Ele diz que o clero já suspeitou da presença de arapongas numa assembleia em Marabá. “Isso é um retrocesso que só vimos na ditadura militar”, protesta.

Dom Evaristo esclarece que o papa anunciou o seminário em 2017, muito antes da eleição de Jair Bolsonaro. Ele diz que a Igreja “não é neutra”, o que não significa que tenha partido. “A Igreja está do lado dos mais fracos, dos mais pobres, dos ribeirinhos e dos indígenas”, afirma.

Para o religioso, o discurso do governo esconde interesses econômicos. “Estão incentivando um modelo predatório de desenvolvimento, que extrai as riquezas da floresta e deixa a população na pobreza”, critica. “Querem construir hidrelétricas, abrir rodovias e permitir o avanço do agronegócio e das mineradoras”.

Desde a campanha, Bolsonaro trata ONGs e ambientalistas como inimigos. Ele acusa as entidades de atentarem contra a soberania nacional e planejarem a “internacionalização” da Amazônia. A pregação tem eco no núcleo militar do governo. “Isso é uma fantasia para justificar a exploração predatória da floresta. Estamos no tempo das fake news”, rebate dom Evaristo.

Na segunda-feira, o ministro do Meio Ambiente aumentou a tensão com a Igreja ao ofender a memória de Chico Mendes, assassinado em 1988. Segundo Ricardo Salles, o líder seringueiro usava a luta ambiental para “se beneficiar”. A declaração revoltou a ala progressista do clero. “Querem desclassificar quem defende os povos da Amazônia”, afirma o bispo do Marajó.


Míriam Leitão: Erros do governo na Amazônia

Generais se preocupam com o Sínodo católico sobre Amazônia, e ministro do meio ambiente ataca Chico Mendes. Os problemas da região são outros

Em termos de Amazônia, o atual governo está se especializando em criar falsas polêmicas, como se já não fossem suficientes os problemas que a região realmente enfrenta. O Planalto considera que é preciso monitorar uma reunião da Igreja Católica sobre Amazônia, porque entende que será um atentado à soberania brasileira na região se líderes católicos criticarem o governo. “Nós não damos palpite sobre o deserto do Saara, ou o Alasca”, disse ontem o general Augusto Heleno. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atacou um morto. Fez acusações irresponsáveis contra Chico Mendes, assassinado há 30 anos.

A vitória de Jair Bolsonaro se deveu em parte à forte militância dos líderes das igrejas evangélicas. O ideal é que nenhuma religião fizesse militância partidária e eleitoral, porque essa mistura de púlpito e palanque interfere no direito de escolha do eleitor. Contudo, qualquer denominação religiosa é livre para defender temas que achar mais coerente com seus valores. O mesmo grupo político que não se preocupou com o uso das igrejas evangélicas na caminhada eleitoral de Jair Bolsonaro agora acha perigoso o que a Igreja Católica discutirá no Sínodo sobre Amazônia a ser realizado em outubro, em Roma.

O Estado é laico. Isso todos sabem, mas é sempre bom lembrar nestes tempos em que ministros acham que podem fazer proselitismo religioso nas decisões de políticas públicas. As igrejas também são livres para terem as suas visões dos fatos. É delirante a ideia de que se houver críticas ao governo Bolsonaro a soberania do Brasil estará ameaçada. Primeiro, crítica ao governo não é atentado à pátria. Segundo, a Amazônia não é apenas brasileira, é um bioma que se espalha por nove países. Terceiro, a Igreja Católica vem alertando sobre a urgência de proteção do meio ambiente muito antes de haver o governo Bolsonaro. É de 2015 a Encíclica Laudato Si do Papa Francisco.

Em entrevista à repórter Tânia Monteiro, do “Estado de S. Paulo”, o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), admitiu que há uma preocupação do Planalto com as reuniões preparatórias do Sínodo. Disse que o assunto “vai ser objeto de estudo cuidadoso pelo GSI”. E promete: “Vamos entrar fundo nisso.”

Melhor faria o GSI se aproveitasse a experiência que o general Heleno e outros integrantes da cúpula do governo acumularam quando serviram na Amazônia para entrar fundo nos problemas reais da região: a invasão de grileiros em florestas e parques nacionais, o desmatamento ilegal e predatório, a ameaça aos indígenas, a destruição da biodiversidade, os documentos falsos de propriedade de terra, o uso da região como rota do crime organizado.

As divergências que os especialistas de diversas áreas, as entidades do terceiro setor e eventualmente integrantes do clero tenham em relação às posições do governo Bolsonaro sobre questões ambientais e climáticas são apenas isso: divergências. Uma sociedade democrática é, por natureza, plural. As pessoas divergem, discutem, se manifestam, são convencidas, convencem, mudam de ideia. Hoje os partidos que se opõem à atual administração estão enfraquecidos em grande parte por seus próprios equívocos políticos. Mas isso não significa que o governo não enfrentará, na sociedade, vozes discordantes às decisões que tomar em qualquer área, principalmente nos temas mais sensíveis.

Os militares que comandaram o Exército brasileiro na Amazônia, e que hoje estão no governo, são pessoas inteligentes, preparadas e conhecem o terreno de andar nele. Quem não demonstra entendimento mínimo é o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A acusação que fez a Chico Mendes desqualifica o próprio ministro e não o líder seringueiro. Salles fez no Roda Viva acusação sem prova, e sem fonte, contra quem não pode se defender. Disse que “as pessoas do agro da região disseram”. E o que disseram? “Que Chico Mendes usava os seringueiros para se beneficiar e fazia manipulação de opinião.” Sem fontes, sem fatos, a aleivosia do ministro do Meio Ambiente revela muito sobre o próprio ministro e o seu caráter.

Há adversários a enfrentar na Amazônia, os militares brasileiros os conhecem porque sempre estiveram presentes na região. Não é o Vaticano. Não é Chico Mendes.