Igor Gielow
Cúpula militar vê candidatura de Moro com simpatia e desconfiança
Aliança de ex-juiz com Santos Cruz tem pouco impacto entre os oficiais-generais da ativa
Igor Gielow / Folha de S. Paulo
Desde que Sergio Moro emergiu das sombras norte-americanas para chacoalhar o noticiário da sucessão presidencial, sinais públicos foram dados aos militares que embarcaram na aventura Jair Bolsonaro em 2018.
Em seu discurso de filiação ao Podemos, o ex-juiz símbolo da Operação Lava Jato tocou violino para o generalato ao dizer que defendia as Forças Armadas como instituição de Estado. Na plateia, estava Carlos Alberto dos Santos Cruz.
O general da reserva sempre foi uma noiva da vez nos meios da chamada terceira via, tendo boa interlocução de João Doria (PSDB) a Ciro Gomes (PDT). Militar com algo raro, experiência de combate real, ele foi um dos primeiros aliados de Bolsonaro a serem degolados pelo chefe, ainda em 2019.
Sua filiação ao mesmo partido de Moro, consumada nesta quinta (25), levanta imediatas especulações sobre uma continuidade em 2022 da importância dos militares, atores políticos que voltaram ao centro do palco no governo do antes desprezado capitão de Exército reformado.
Ocorre que, principalmente no influente Alto-Comando do Exército, Santos Cruz não é exatamente bem visto. Ele nunca chegou ao topo da hierarquia, indo à reserva no posto anterior a ela, como general de divisão. Como em todo clube em que os sócios escolhem os novos membros, foi uma decisão política.
Mas o general, em que pese sua sensatez nas falas públicas acerca dos danos que a proximidade entre militares e Bolsonaro causa às Forças Armadas e no debate sobre o papel dos fardados, não é um interlocutor com a cúpula do serviço ativo.
Se Moro quer lançar sinais a ela, e isso é algo que tem de ser feito de forma cautelosa, o caminho são os próceres fardados da reserva, generais de quatro estrelas do quilate de Fernando Azevedo (ex-ministro da Defesa de Bolsonaro) e Sérgio Etchegoyen (ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Michel Temer).
Simpatia à candidatura de Moro existe entre militares. Ele ainda encarna para muitos oficiais-generais aquilo que mais aproximou a classe de Bolsonaro, a rejeição ao PT e o discurso anticorrupção. Se o presidente ainda pode se mostrar como antípoda de Lula, seu casamento com o centrão matou qualquer ilusão em relação à moralidade pública.
Mas Moro também inspira alguma desconfiança acerca de suas potencialidades eleitorais. Há uma leitura segundo a qual ele não teria força, após tantas derrotas judiciais, para de fato ser competitivo contra o ex-presidente em 2022.
Por ora, Bolsonaro segue sendo o preferido no corpo militar em geral, como admitem alguns generais e almirantes ouvidos. Eis um paradoxo: o arrefecimento da crise institucional aguda, que quase levou a uma ruptura no hoje distante 7 de Setembro, só se deu por causa da aliança do presidente com aqueles que os militares chamam de "vagabundos" para baixo.
Mas o presidente é visto como mais capaz de derrotar Lula no ano que vem nas fileiras fardadas. Não se espera, contudo, nenhum tipo de ingerência ao estilo de 2018, quando o então comandante do Exército, Eduardo Villas-Bôas, pressionou o Supremo Tribunal Federal a não conceder um habeas corpus que livraria o petista da cadeia.
O serviço ativo hoje celebra ter saído dos holofotes a que se deixou arrastar, obra do apoio de nomes expressivos da reserva e mesmo em atividade a Bolsonaro. A formação do governo militarizado do capitão reformado também gerou benesses, como a reforma previdenciária e de carreira.
Apesar de haver uma óbvia cunha entre os militares de farda e os de terno no governo, a percepção política e popular é a de um único organismo, que ainda vive em simbiose com o bolsonarismo.
Concorre para isso o fato de que vários valores da seita presidencial são, de origem, militares: as queixas com o relativismo cultural, com a chamada ideologia de gênero, com o que veem como ameaças à Amazônia no ativismo ambiental.
Moro ainda não disse a que veio, mas o fato de ter sido ministro de Bolsonaro e de balbuciar ideias próximas dessa faixa de frequência ideológica em tese o colocaria como uma opção mais civilizada aos militares, na palavra de um oficial da Força Aérea.
Se isso irá ou não ocorrer, é algo a ver. Se Moro por acaso se viabilizar, a patente de Santos Cruz deixará de ser um problema para os mais estrelados —assim como a muito mais inferior ostentada por um soldado indisciplinado como Bolsonaro não foi lá atrás.
Por outro lado, depois do trauma que a associação com Bolsonaro provocou, muitos oficiais-generais defendem o máximo de distanciamento de candidatos, particularmente com a grande chance de Lula voltar ao poder.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/11/cupula-militar-ve-candidatura-de-moro-com-simpatia-e-desconfianca.shtml
Igor Gielow: Exército pune sargento por live com deputado bolsonarista
Militar reclamou de salário em conversa com deputado; oficiais temem efeitos do episódio
Igor Gielow /Folha de S. Paulo
O Exército Brasileiro decidiu punir o sargento que havia se queixado dos salários na Força em uma live promovida pelo ex-líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara, Major Vítor Hugo (PSL-GO).
É o primeiro episódio do gênero desde que o Exército não puniu o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde hoje acomodado num cargo no Palácio do Planalto, por ter participado de um ato político de apoio a Bolsonaro em 23 de maio.
A repercussão da medida, que o Exército apenas confirmou ter ocorrido sem especificar data ou natureza da punição, é vista por oficiais como um abacaxi a ser descascado.
A Força estava num impasse: se não punisse o sargento por ter transgredido o Regimento Disciplinar do Exército, abriria de vez o precedente inaugurado pela isenção de Pazuello.
Por outro lado, ao agir contra um militar de patente inferior, corria o risco de ver uma insatisfação ainda maior entre os praças da corporação, especialmente pela natureza da queixa do sargento.
Ao fim, valeu a tentativa de retomar o controle disciplinar após Bolsonaro ter obrigado o comandante Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que assumiu o cargo em abril, a perdoar Pazuello. Generais costumam dizer que a situação era inusual, já que o ex-ministro é da ativa e teria obedecido a uma convocação do presidente.
As imagens festivas dos dois num palanque no Rio, contudo, depõem contra essa visão edulcorada do ocorrido. Pazuello foi um soldado fiel do bolsonarismo na sua gestão, dificultando a aquisição de vacinas, sendo forçado a rejeitar a um certo ponto a Coronavac patrocinada pelo rival de Bolsonaro João Doria (PSDB-SP).
Sua gestão é avaliada de forma universal, ou quase dado que há bolsonaristas por aí, como desastrosa. Para piorar, suspeitas de corrupção envolvendo militares da pasta e de fora dela no seu tempo de ministro estão sob apuração da CPI da Covid.
No dia 15 de maio, Luan Ferreira de Freitas Rocha entrou na live do Instagram do deputado Vítor Hugo. Com fala pausada e ponderada, questionou o aumento do tempo de permanência de terceiros-sargentos como ele no cargo, previsto na reforma da previdência militar aprovada em 2019.
Pelo texto, ele teria de ficar mais cinco anos na posição. "Dez anos [na mesma função] é pesado", disse, no que Vítor Hugo concordou.
Sua sugestão seria a criação de mais uma patente intermediária, visando reduzir os tempos de serviço em cada nível hierárquico.
Rocha serve na 15ª Brigada de Infantaria Mecanizada, em Cascavel (PR). A Folha não o localizou para entender que punição ele levou, já que o Exército não a detalhou: de uma advertência verbal a 30 dias de cadeia, tudo seria aplicável a seu caso.
O caso elevou os temores, expressos por políticos e ex-ministros da Defesa, de contaminação da tropa com o bolsonarismo. O atual presidente chegou a capitão do Exército e foi punido, com cadeia, por reclamar de salários no fim dos anos 1980.
Considerado indisciplinado pelos mesmos generais que depois entraram em seu governo, ele também sofreu um processo por um suposto complô para chamar a atenção à sua causa com atentados a bomba —foi absolvido, mas saiu logo depois do Exército e iniciou sua carreira política.
Como vereador e, depois, deputado, buscou defender pautas salariais de PMs e de militares em geral, com um viés sindicalista que era reprovado nos comandos.
Com a proximidade do 7 de Setembro e as conclamações golpistas de Bolsonaro, que quer ver fora do cargo dois ministros do Supremo Tribunal Federal, a punição ao sargento vem como uma advertência acerca da disposição do Exército.
O comandante Paulo Sérgio é, entre os três que lideram as Forças, o mais distante do bolsonarismo. Com o poder de fogo, literal e virtual, do Exército, quaisquer ideias golpistas envolvendo fardados no Brasil precisam passar pela corporação.
Há duas semanas, o general já havia feito um discurso rechaçando ideias fora da Constituição, no Dia do Soldado. Isso não significa que não haja oficiais-generais bolsonaristas, ou ao menos alinhados ao presidente em suas críticas ao Judiciário.
Por outro lado, há o temor da infiltração bolsonarista nos estratos inferiores das polícias militares, diretamente envolvidas na segurança dos eventos da próxima terça.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/09/exercito-pune-sargento-que-protestou-em-live-de-deputado-bolsonarista.shtml
Igor Gielow: Bolsonaro finge moderação e insufla atos golpistas no 7 de Setembro
Com filhos expostos, presidente modula discurso e tenta evitar ação contra bolsonaristas
Igor Gielow / Folha de S. Paulo
Uma nova jabuticaba brotou no Planalto Central: o ato em favor da liberdade e da democracia que prega contra as instituições e sonha com um golpe de Estado.
O autor da proeza botânico-política é, claro, Jair Bolsonaro. Afundado em uma crise entrópica que colhe elementos dos piores momentos de governos anteriores, o presidente tenta passar uma mão de verniz democrático nos atos que convocou em seu favor no feriado do 7 de Setembro.
Os sinais de deterioração do governo federal estão evidentes. Há risco de descontrole econômico como na época da Dilma Rousseff (PT), de apagão energético como no ocaso de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), turbulência política encarnada numa CPI como no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Some-se a isso a contínua falta de coordenação no combate à pandemia e a crise institucional aguda, esta uma cortesia do próprio mandatário máximo, que já deixou claro o motivo da balbúrdia: não quer acabar preso e, se possível, ter condições competitivas na eleição de 2022.
Como se vê, entre o infortúnio e a incompetência dos pontos citados, há também cálculo intencional.
O presidente sabe que incorreu em vários atos que podem ser tipificados como crime de responsabilidade, e já até achou um modelo para se apoiar: o da ex-presidente boliviana Jeanine Añez.
Em mais de uma ocasião, Bolsonaro disse que o objetivo "deles", ou seja, dos seus adversários presumidos no Supremo Tribunal Federal, Congresso e sociedade, seria vê-lo na cadeia como a ex-colega, nas suas palavras presa "por atos antidemocráticos".
É uma senha para o acordo que gostaria de ver fechado, de anistia para si e para seus filhos políticos (4 de 5, até aqui). Como isso parece cada vez mais difícil, vide o cerco judicial à sua família e a crescente exposição do mais instável dos rebentos, o vereador Carlos, e do caçula Renan, só sobrou a Bolsonaro dobrar a aposta.
Com isso foi criado o sequestro do Dia da Independência pelo Bolsonarismo. Depois da bandeira brasileira e da camisa da seleção, o presidente orquestra a data como uma grande fanfarra golpista.
Só que isso se deu sob o olhar atento do Supremo. As prisões e ações cautelares envolvendo apoiadores do presidente o fizeram tentar corrigir o rumo, a partir da difusão de mensagens que sai da usina virtual da família.
Saíram os atos para pressionar, fechar ou demolir o Supremo e entraram convocações em nome da "liberdade", aspas compulsórias. Ninguém acreditou no mundo político, e com razão, ainda mais depois da batalha barulhenta pela derrotada aprovação do voto impresso, instrumento para contestação das eleições que está vendo cada vez mais difíceis em 2022.
O próprio Bolsonaro, incorrigível, não seguiu o plano. Usou um dia útil de trabalho que poderia ser dedicado a medidas contra a pandemia ou para amainar a crise energética à vista para ir fazer uma imagem a cavalo com a bandeira do Brasil em Uberlândia.
“A vida se faz de desafios. Sem desafios a vida não tem graça. As oportunidades aparecem. Nunca outra oportunidade para o povo brasileiro foi tão importante ou será importante quanto esse nosso próximo 7 de Setembro", disse.
Isso tudo em meio a frases quase diárias enaltecendo o caráter militarista de sua turma. Um dia emula um Hermann Göring tropical e diz que fuzis são mais úteis que feijões, noutro, encarna um Flávio Vegécio sem o latim ("Se vis pacem, para bellum”, Se queres a paz, prepara-te para a guerra).
Além disso, o presidente reagiu ao ensaio de manifesto em favor da democracia ameaçando tirar bancos oficiais da Febraban, e sacou um próprio papelucho da federação das indústrias de Minas para chamar de seu —no caso, cobrando do Supremo a tal liberdade.
A corte até aqui não se dobrou à pressão, agindo em quase uníssono como sempre faz quando é atacada, referendando até decisões que são vistas como arbitrárias em diversos setores.
O motivo único de Bolsonaro é manter a voltagem política alta, como no episódio do desfile vazio de tanques fumacentos em Brasília.
Se poucos no establishment acreditam que as Forças Armadas poderiam embarcar na canoa golpista de um presidente isolado e instável, muitos temem que confusões de rua envolvendo polícias estaduais possam tragar os fardados a algum tipo de impasse constitucional.
E há a percepção, talvez exagerada, talvez não, de que existe clima em algumas tropas para tanto. Se o preço da liberdade é a eterna vigilância, para ficar num clichê sempre lembrado em postagens bolsonaristas, o melhor que a classe política mais séria faz é ficar atenta.
O problema maior parece estar em Brasília, capital com uma das Polícias Militares mais explicitamente bolsonaristas do Brasil. Além de eventuais confrontos, a vulnerabilidade dos prédios na praça dos Três Poderes já gerou uma requisição de ação armada federal, em 2017, por parte da Câmara. Bolsonaro protegeria o Supremo a pedido de Luiz Fux?
Assim caminha para mais uma curva o trem fantasma da política brasileira. A avaliação nos governos paulista e do Distrito Federal é de que os atos do 7 de Setembro serão maiores do que as manifestações em favor de Bolsonaro mais recentes —o quanto, não se sabe.
Elas podem também fracassar, o que parece mais difícil, e aí Bolsonaro terá sentido o gostinho da fórmula Jânio Quadros de autogolpe, em uma escala obviamente reduzida.
A novidade da presença do próprio presidente nas duas capitais já garantirá um espetáculo de golpismo explícito, e é a prova mais cabal que qualquer moderação prometida inspira tanta confiança quanto aquela na palavra dos talibãs que tomaram Cabul e disseram que as mulheres nada tinham com que se preocupar.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/09/bolsonaro-finge-moderacao-e-insufla-atos-golpistas-no-7-de-setembro.shtml
Desfile vazio de Bolsonaro aumenta pressão sobre comandante do Exército
Sugerido pelo chefe da Marinha Brasileira, evento só cristaliza atoleiro em que militares se colocaram
Igor Gielow / Folha de S. Paulo
O desfile militar desenhado pelo governo federal para intimidar o Congresso Nacional no dia em que deverá ser derrubada a ideia de adoção de voto impresso aumentou a pressão por adesão política do Exército a Jair Bolsonaro.
Com o apoio mais explícito dado pelo comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, autor da ideia do desfile, e o já conhecido bolsonarismo do chefe da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Almeida Baptista Jr., a posição do general Paulo Sérgio Oliveira ficou mais delicada.
Diferentemente de seus pares, ele tem resistido até aqui a demonstrações públicas de identificação com Bolsonaro. Assim como seu antecessor, Edson Leal Pujol, é visto pelos subordinados como alguém refratário às intenções golpistas do chefe.
DESFILE MILITAR - OPERAÇÃO FORMOSA 2021
Cabe lembrar que a crise militar de abril, que levou à destituição do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, e dos três chefes de Força começou pela resistência de Pujol em aderir à visão de "meu Exército" de Bolsonaro na crítica às medidas de distanciamento social na pandemia adotadas por estados.
O desconforto vinha desde 2020, quando o então comandante adotou uma posição antagônica em relação a Bolsonaro. Quase foi substituído por Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), defendeu publicamente um cordão sanitário entre o serviço ativo e a política e acabou caindo no ano seguinte.
Paulo Sérgio assumiu por critérios de antiguidade e tem tentado se manter mais distante do Planalto. Nesta manhã de terça (10), estava na rampa do palácio ao lado de Bolsonaro e do chefe direto, o ministro da Defesa que sucedeu a Azevedo, general Walter Braga Netto.
Segundo dois generais da cúpula militar, ele esteve a contragosto, mas sem opção de dizer não aos superiores. Seria uma situação análoga ao vexame que teve de engolir ao ter de perdoar o general Eduardo Pazuello por ter ido a um ato político de Bolsonaro.
A ser verdadeira essa leitura, sua cabeça está tão a prêmio quanto a de Pujol, que em março se recusara a posicionar blindados do Exército a pedido de Bolsonaro na praça dos Três Poderes, numa demonstração semelhante para pressionar o Supremo Tribunal Federal que tanto desagrada ao presidente.
Se não for fiel à realidade, ressalta um outro oficial, a situação é ainda mais complexa institucionalmente e demonstra que Braga Netto dobrou os comandantes a seu bolsonarismo, alvo de crescentes críticas entre oficiais.
Se Baptista Jr. já havia concedido uma polêmica entrevista apoiando a nota de Braga Netto ameaçando a CPI da Covid, Garnier foi o autor da sugestão de que os equipamentos da Operação Formosa fossem exibidos em Brasília.
A ideia foi comprada por Braga Netto e apresentada a Bolsonaro. Segundo relato de oficiais da Marinha, o "timing" da apresentação foi decidido pela dupla, o que naturalmente o ministro nega.
Seja como for, na hipótese remota de tudo ser uma "coincidência trágica", para usar as palavras do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), bastaria cancelar a fanfarra para encerrar a pantomima golpista. Bolsonaro não o fez, evidentemente.
É um padrão.
Neste ano, além de sonhar com tanques e blindados estacionados no coração do poder, também partiu do presidente a ideia de fazer um rasante "acidental", aspas obrigatórias, com o novo caça da Força Aérea, o sueco Saab Gripen.
O intuito era quebrar vidraças do Supremo, "acidentalmente". Noves fora o fato de que as janelas do próprio Planalto acabariam afetadas, a ideia foi arquivada por absurda. O relato, feito à Folha por um integrante do governo, também foi publicado pelos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.
BOLSONARO - OPERAÇÃO FORMOSA 2021
Ao tentar encerrar de vez a tensa clivagem entre a ala militar do governo, composta principalmente, mas não só, por oficiais-generais da reserva, do serviço ativo, Bolsonaro e Braga Netto procuram colocar de pé um espantalho de reação militar à crise do Planalto.
Assim como na condução do centrão para o centro da administração, contudo, a ideia de mostrar força acaba substituída automaticamente pela de exibir desespero ante uma situação de governabilidade agônica.
Do ponto de vista militar, há nuances neste baile promovido por Bolsonaro. Na semana passada, como a Folha revelou, o mesmo Baptista Jr. procurou o decano do Supremo, Gilmar Mendes, para negar qualquer intenção golpista por parte dos fardados.
Por outro lado, a pauta do voto impresso sempre teve apoio majoritário entre oficiais superiores e generais, o que facilitou a atração exercida por Bolsonaro. A ideia de intervir contra medidas de contenção do coronavírus, por exemplo, nunca pegou entre esses militares.
Ao longo das últimas semanas, a reportagem tem ouvido de diversos integrantes da cúpula das três Forças a mesma narrativa, acrescida de críticas ao presidente e ao ministro, feitas sempre sob reserva.
Lembrados de que em 1964 o empurrão final do golpe foi dado por um general de três, e não quatro estrelas, eles descartam o paralelo histórico: não há hoje o contexto da Guerra Fria ou o apoio de parte expressiva da sociedade civil a qualquer intuito autoritário.
Se isso é fato, a imagem vazia de blindados de uma Marinha a serviço do presidente brasileiro em pleno 2021, que ao fim só garantirão a derrota política de Bolsonaro na Câmara, apenas ajuda a consolidar a situação na qual os militares se colocaram ao apoiar um indisciplinado capitão reformado do Exército.
Com ou sem Bolsonaro no Planalto, e a dificuldade de comunicação com um eventual novo governo de Lula já insinua isso, o estrago institucional está feito.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/desfile-vazio-de-bolsonaro-aumenta-pressao-sobre-comandante-do-exercito.shtml
Comandante da Aeronáutica procura Gilmar e nega apoio a golpismo
É a primeira sinalização direta dos militares ao Supremo em meio à crise com Bolsonaro
Igor Gielow / Folha de S. Paulo
Na primeira sinalização direta da cúpula militar ao Supremo Tribunal Federal em meio à crise entre Jair Bolsonaro e o Judiciário, o comandante da Aeronáutica convidou o decano da corte para um almoço nesta terça-feira (3).
No cardápio servido no Comando da Aeronáutica, a negação de apoio a qualquer aventura golpista no país e a reafirmação de alguns pontos pelos quais os militares têm sido criticados.
Não foi uma conversa qualquer. O brigadeiro Carlos Almeida Baptista Jr. é visto como o mais bolsonarista dos três novos chefes militares que assumiram após a crise militar que derrubou todos os comandantes e o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, em abril.
E Gilmar personifica o tribunal mais criticado reservadamente pelos comandantes Brasil afora, que consideram a corte excessivamente poderosa e dada a tolher o trabalho do Executivo.
A conversa foi cordial, segundo conhecidos dos dois comensais. Procurado, Gilmar não quis falar sobre o encontro. A assessoria de Baptista Jr. ainda não respondeu a um pedido de comentário.
O encontro foi combinado por um amigo em comum dos dois do Clube da Aeronáutica, em Brasília, onde Gilmar costuma jogar tênis.
O tom cordato e os temas gerais do almoço traziam subjacentes a tensão aguda entre Judiciário e Executivo.
Bolsonaro está em guerra com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que reagiu abrindo uma investigação sobre suas acusações de que as urnas eletrônicas são objeto de fraude e ameaça de empastelar a eleição do ano que vem se o voto impresso não for aprovado.
O tribunal também enviou cópia da infame live promovida pelo presidente na quinta passada (29) para defender seus pontos sem prova para o Supremo, sugerindo a investigação de Bolsonaro no inquérito das fake news tocado pelo ministro Alexandre de Moraes.
Os militares estão no meio da confusão. O ministro Walter Braga Netto (Defesa), ao negar que tivesse feito em privado a mesma ameaça que Bolsonaro fizera publicamente contra as eleições, divulgou nota no dia 22 de julho chamando de legítimo o desejo pelo voto impresso.
Ele não está sozinho. A cúpula militar, no geral, concorda com isso. Mas vários de seus integrantes consideraram o teor da nota dispensável, ainda mais porque ele remetia a uma publicação anterior, tão ou mais explosiva.
Em 8 de julho, Braga Netto divulgou uma nota dura contra o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM).
O parlamentar havia citado, ao comentar o fato de que havia vários militares sendo investigados por suspeitas na gestão do Ministério da Saúde pela comissão, o "lado podre das Forças Armadas".
No dia seguinte, Baptista Jr. concedeu uma entrevista ao jornal O Globo reafirmando a nota, subscrita por ele e pelos dois outros chefes de Forças, e aumentando o tom de ameaça. "É um alerta. Exatamente o que está escrito na nota. Nós não enviaremos 50 notas para ele (Aziz). É apenas essa", disse.
O próprio Gilmar reagiu à ofensiva fardada. "Não é função das Forças Armadas fazer ameaças à CPI ou ao Parlamento. Pelo contrário, as Forças Armadas têm o poder e o dever de proteger as instituições", disse então à rádio CBN.
O teor da fala de um oficial da ativa alarmou o mundo político, identificando nela uma perigosa associação entre quem detém monopólio da força e as pregações golpistas quase diárias do presidente Bolsonaro.
Mesmo entre alguns chefes militares a entrevista foi considerada excessiva, mas não por seu teor, com o qual concordam. O uso do "lado podre" remete à "banda podre", termo aplicado às milícias integradas por policiais no Rio e em outros estados.1 6
Aquilo magoou as Forças, Baptista Jr. disse a Gilmar no encontro, segundo conhecidos de ambos. O fato de eventualmente haver fardados envolvidos em falcatruas não conspurcaria as Forças de forma orgânica, sustentou.
Na própria entrevista ao Globo, o brigadeiro havia repetido o que se ouve usualmente na cúpula fardada, que malfeitos são punidos e há severidade. Isso é por vezes contradito na atuação vista como corporativa da Justiça Militar, contudo, o que reflete uma tendência das Forças de resolver problemas intramuros, sem transparência.
O ministro do Supremo fez ponderações acerca da impropriedade do debate sobre o voto impresso como está sendo feito, implicando a urna eletrônica em fraudes inexistentes. Fez a defesa do sistema eleitoral brasileiro.
O almoço certamente não irá apaziguar de todo a relação entre militares e o Judiciário, que era mediada por Azevedo quando era ministro —ele havia servido como assessor da presidência do Supremo sob Dias Toffoli. Mas se insinua como um marco no ambiente cheio de crispação atual.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/comandante-da-aeronautica-procura-gilmar-e-nega-apoio-a-golpismo.shtml
Igor Gielow: Episódio Braga Netto é primeiro tiro do centrão para desalojar militares
Comandantes em geral defendem voto impresso, mas não endossam suposta ameaça às eleições
Na operação de ocupação do agônico governo Jair Bolsonaro pelas forças do centrão, os militares novamente pagaram o preço de ter apadrinhado o capitão reformado do Exército em 2018 e integrado sua administração de forma ostensiva.
O episódio no qual o ministro Walter Braga Netto (Defesa) foi apontado como mentor de uma ameaça de golpe contra as eleições de 2022 é apenas o primeiro salvo no conflito que se seguirá, com o centrão buscando desalojar os militares da miríade de cargos que amealharam no governo federal.
Foi um movimento ao mesmo tempo sofisticado, por envolver alguns fatos reais, e tosco, pelo explícito de seu objetivo.
Ninguém, seja dentro das Forças Armadas, no governo ou no Congresso, tem dúvida de que Braga Netto é hoje um dos mais bolsonaristas ministros de Bolsonaro.
Que ele defenda o tal voto auditável por impressão, não é novidade. Praticamente toda a cúpula militar brasileira o faz em conversas reservadas.
Fazer dessa defesa, inadequada porque afinal de contas ele é ministro que cuida de militares e não de área política, uma ameaça de suspensão do pleito do ano que vem é outra coisa. Mesmo que o relato apresentado pelo jornal O Estado de S. Paulo seja fidedigno, não haveria tropas disponíveis para tal intento.
Ao menos neste momento, já que no Brasil até o passado é incerto, na frase atribuída ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Só o fato de haver a discussão sobre o papel institucional das Forças já diz muito do estado em que o país está e obriga monitoramento atento.
O vazamento da versão traz elementos verdadeiros. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), esteve de fato com Bolsonaro e disse que não toparia aventuras antidemocráticas —esta Folha mesmo o reportou.
Mas o contexto era posterior à fala do presidente ameaçando as eleições, feita em público na semana retrasada. Disse Lira que iria até a uma derrota no ano que vem, mas só isso.
O mundo político caiu em cima de Bolsonaro, que aquiesceu por um momento, acelerando inclusive o processo de mudança no governo em nome de uma sobrevivência mínima visando a campanha de 2022.
Braga Netto não disfarçou seu intento na nota que publicou, onde novamente arrogou às Forças Armadas poderes constitucionais inexistentes, como a tutela sobre a "liberdade dos brasileiros". O ministro é incorrigível, como sua nota ameaçando a CPI da Covid já provara, reforçando a imagem de tigre de papel de seus comandados.
Alguns oficiais-generais ouvidos nesta quinta (22) voltaram a se queixar do ministro, naturalmente sob reserva. Consideram que o texto que editou para negar ter feito ameaças a Lira poderia dispensar a defesa da suposta vontade legítima dos brasileiros pelo voto impresso.
Leite derramado, o substrato da confusão é duplo. Bolsonaro ganhou vapor para sua decadente campanha pela mudança legal que não irá ocorrer, e que muitos temem ser a semente para uma reação anárquica caso seja derrotado nas urnas em 2022.
E o centrão, quem diria, ganha a pecha de defensor da democracia acossada ao mesmo tempo em que arrebenta as porteiras do governo que estaria ameaçando as instituições.
De quebra, o plano supõe que os militares sob fogo irão bater em retirada, deixando sob as ordens do derrotado general Luiz Eduardo Ramos as casamatas (e as mamatas, para ficar na terminologia presidencial) para os novos inquilinos.
Para um governo altamente militarizado, a impressão que fica é que, neste primeiro assalto, os fardados tomaram uma surra do antigo inimigo —que, diga-se de passagem, deixou tal condição desde pelo menos meados do ano passado, quando o namoro ora consumado começou.
Seja como for, foi uma primeira batalha. A guerra continua, com impactos institucionais ainda imprevisíveis, ainda mais com um comandante supremo notável em sua instabilidade.
Igor Gielow: Militares disseram não a Bolsonaro e sim à democracia, diz Jungmann
Ex-ministro descarta atos autoritários dos novos comandantes, vê baixa governabilidade e Congresso omisso sobre defesa
Os militares brasileiros disseram não a Jair Bolsonaro e sim à democracia durante a crise que se desenrolou nesta semana, a maior desde a demissão do ministro do Exército que queria impedir a abertura da ditadura, em 1977.
A avaliação é de Raul Jungmann, 68, que foi ministro da Defesa (2016-18) e da Segurança Pública (2018) do governo Michel Temer (MDB).
Político com grande trânsito entre os setores militares, Jungmann diz que Bolsonaro fracassou em sua tentativa de alinhar as Forças Armadas a seu projeto de poder. "Foi o dia do fico, no caso, ficar com a Constituição, com a democracia", afirmou.
Ele se refere à posição do general Fernando Azevedo, demitido do cargo de ministro da Defesa na segunda (29) por discordar da exigência de Bolsonaro de maior apoio político das Forças Armadas a seu governo e ao combate às medidas de restrição do contágio da Covid-19.
No dia seguinte, Edson Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antonio Carlos Bermudez (Aeronáutica) entregaram os comandos ao novo ministro, general Walter Braga Netto. O movimento irritou Bolsonaro, que mandou demiti-los.
Após um dia de tensão, acabaram escolhidos para as Forças nomes acertados com os Altos-Comandos. "As escolhas são a fotografia do fracasso de tentativa de politização. Os comandantes não se disporão a qualquer ideia autoritária", disse.
Em conversa por telefone, ele avalia que o presidente está perdendo a capacidade de governar, como a crise acerca do Orçamento inexequível em curso mostra.
Alerta para o risco de instabilidade social devido à gravidade da pandemia e teme pelo avanço armamentista no momento em que a bancada da bala foi instalada no Ministério da Justiça.
E diz que a união entre presidenciáveis, que lançaram um manifesto conjunto na quarta (31), é uma imposição ante a realidade de ter de escolher entre Bolsonaro e o PT em 2022.
Como o sr. avalia a crise militar desta semana? - Ela decorreu da situação do presidente. De um lado, ele vem enfrentando uma queda progressiva de popularidade. Do outro, ele tem uma relação conflituosa com o Judiciário.
A vitória política que ele teve na eleição das Mesas do Congresso é relativa. O Congresso, o centrão, tem um projeto autônomo que só às vezes coincide com o do Planalto. Isso ficou claro na fala do [presidente da Câmara] Arthur Lira sobre os “remédios fatais” contra o Executivo. O presidente dá sinais de perda de capacidade de exercer suas competências.
Nessa confusão do Orçamento, por exemplo? - Para mim, é o exemplo acabado. Sempre há negociações. O Orçamento enviado não é administrável. Isso aponta para a precariedade da articulação política, a pouca governabilidade. Por fim, tem a pandemia, fora de controle.
Pelo que foi informado, ele então resolve subir o sarrafo da lealdade e do endosso das Forças Armadas. Nesta hora, vem o não, e ele reage com uma intervenção.
Alguém pode me dizer um motivo pelo qual ministro e comandantes tenham sido afastados? Não estavam cumprindo a Constituição, seus afazeres? Único motivo é político.
Sempre que acuado, Bolsonaro busca associar-se aos militares, usou o “meu Exército” em fala. - Uso de pronome possessivo para falar das Forças Armadas é coisa de monarquia, onde o rei é Estado. Não é coisa de República, onde elas pertencem à nação.
Veja, o presidente se elegeu na onda da antipolítica e não fez o presidencialismo de coalizão. Como ele vai aprovar o programa dele? Ele apresenta duas forças: os militares e as massas. Mas falha redondamente.
Por isso ele apelou então ao centrão. - Isso é o reconhecimento de que a política não deu resultado. A posição dele é enfraquecida cada vez mais. Há o inquérito das fake news, chegando a atores do bolsonarismo, os processos sobre sua família, a pandemia.
Esse ano está perdido na economia. Ele busca se reforçar cedendo postos para o centrão. Mas é preciso lembrar que o centrão é pragmático e tem um projeto autônomo.
Como o sr. avalia a saída proposta para a crise, com Braga Netto na Defesa e os novos comandantes? Vê apaziguamento ou só enxugaram gelo? - Convivi bem com o Braga Netto. É um militar competente. Pelo lado do resultado, as escolhas que foram feitas de novos comandantes são a fotografia do fracasso de tentativa de politização. Eles estão em linha com os comandantes que saem. Não se disporão a qualquer ideia autoritária, e os Altos-Comandos também não.
Eles são a reafirmação do que eu sempre digo: os militares estão indisponíveis para qualquer ato antidemocrático.
Isso na cúpula. E a percepção de que a tropa se bolsonariza à medida em que descemos na hierarquia? - Não falo pelas Forças, mas tive convívio com elas e isso se perpetua. Acho que há um polo de apoio ao presidente na atual reserva, pessoas mais antigas, com mentalidade de Guerra Fria.
Parece haver algum apoio na suboficialidade, mas a possibilidade ruptura é inexistente. É evidente que há bolsonaristas nas Forças, como há em todo o Brasil. Isso não significa que elas vão romper princípios de respeito à democracia. O que elas ganhariam com isso? Nada.
Ao mesmo tempo, parece difícil essa dissociação no momento em que há milhares de militares no governo, vários ministros, plano de carreira garantindo reajuste, programas sem corte orçamentário, além do apoio de largada a Bolsonaro. - Começando pela presença dos militares no governo, é responsabilidade do Congresso Nacional de estabelecer essa participação.
Eu acho que militar da ativa, exceto em poucos cargos afins, só pode estar no governo em casos excepcionalíssimos. As Forças são instituições de Estado, representam toda a nação.
Políticos não são dados a assuntos militares, não? - É inexplicável, temos um poder político que se aliena. Se o poder civil não tem diálogo e projeto, não serão as Forças que irão mudar. Ouço queixas sobre os militares, mas não vejo disposição para liderança e projeto, e sim pouca responsabilidade.
Aí os militares então olham para política e não veem nada. Daí surge a ideia da tutela militar. Mas generais da reserva não falam pelas Forças, e os comandantes que ora saem permaneceram silentes.
A atual tutela militar não começou no governo Temer, que ficou muito fraco após o caso Joesley Batista em 2017? O general Sérgio Etchegoyen era poderoso no Planalto, o sr. foi substituído por um general na Defesa. - Na criação do ministério, em 1999, existia um projeto político. Entendia que deveríamos ter ministros da Defesa civis, mostrando o controle civil sobre militares. Eu revi essa posição. O controle tem de ser feito pelo Congresso.
Ser militar não é o problema. O secretário de Defesa Jim Mattis era fuzileiro, e ninguém duvida do poder político sobre as Forças Armadas dos EUA.
A questão é outra. Não há uma carreira de analista civil em defesa. Defesa é algo que precisa ser debatido pela sociedade.
Insisto acerca do governo Temer. Não houve espaço para esse crescimento político dos militares, como no caso do tuíte do comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, em 2018? - É um processo que começa na discussão do relatório da Comissão da Verdade, na gestão Dilma Rousseff (PT).
Foi feito um acordo que, pelo que relatam, não foi cumprido. Isso levou a uma reação dos militares, que buscavam ser mais respeitados.
Começa então haver uma presença maior do general Villas Bôas, que é meu amigo e um democrata. Naquele episódio do tuíte [em que pressionou o Supremo a não conceder habeas corpus para evitar a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018] ele buscou se antecipar, e foi uma forma inadequada de se expressar.
Mas eu acredito que, se o resultado fosse favorável ao habeas corpus de Lula, não haveria nenhuma quebra democrática. E também não creio que o Supremo tenha se dobrado a qualquer pressão.
Os militares aceitarão se Lula for candidato e ganhar? - Se qualquer um ganhar. Lula, Doria, Huck, Mandetta. Os militares deram uma demonstração definitiva nesta crise. Foi o dia do fico, no caso, ficar com a Constituição, com a democracia. Foi exemplar.
E não era inesperado. Na entrevista que eu e Etchegoyen fizemos com Pujol [em novembro], a resposta dele foi cristalina: não queremos fazer política, nem queremos política nos quartéis.
O sr. vê outros riscos para 2022? Em carta ao Supremo, o sr. dizia temer uma guerra civil devido à política armamentista de Bolsonaro. - Sim, é um problema. Quando o presidente transita o tema das armas da segurança pública para a política e a ideologia, dizendo que tem de armar a população, ele propõe a quebra do monopólio da violência do Estado.
Nenhum Estado democrático consolidado pode permitir isso, você fere o papel constitucional dos militares. E não nenhuma ameaça, interna ou externa. Aí sim me preocupa o risco de termos algo ainda pior do que a invasão do Capitólio nos EUA.
O grupo associado a essas políticas, a bancada da bala, acaba de assumir o Ministério da Justiça e da Segurança Pública com Anderson Torres. É preocupante? - Não é nada que diga respeito à pessoa do ministro, mas é preciso ver como o cenário vai se desenvolver. O ministério controla a Polícia Federal, mas eu também acredito que a PF não aceitará qualquer orientação política.
A indicação é privativa do presidente, claro, mas acredito que existam blindagens. O ministro conhece as leis, não acho que irá fazer qualquer obstrução de Justiça.
Voltando aos militares, Braga Netto celebrou o golpe de 1964 na sua primeira ordem do dia. Falta autocrítica às Forças sobre o tema? - Tivemos um processo de anistia que foi negociado. Houve a Lei de Anistia no Congresso e, depois, sua validação no Judiciário.
Sob o aspecto político, democrático, está resolvido. Mas claro que há demandas de lado a lado. Qualquer ação que queira celebrar [a ditadura] ou busque revisar o que foi estabelecido deve ser desestimulada. Isso, claro, não significa interditar o debate, estudos, a democracia é dissenso, não consenso.
Isso é fruto das condições da transição democrática aqui, que foi diferente da do Chile e da Argentina. Não queremos que esse passado volte.
Para os militares, haverá impacto de longo prazo desta crise e também do desgaste que foi a gestão do general Eduardo Pazuello na Saúde? - Acho que sim, a começar pelo ineditismo, não víamos algo assim desde 1977.
Chamo atenção para o fato de que nunca houve insubordinação dos envolvidos. Isso fica claro e é duradouro. Foi o dia do não e o dia do fico com a democracia. Muito simbólico que tenha ocorrido um dia antes do 31 de março. Mas isso cria também um trauma.
Mas os militares entraram nessa voluntariamente, não? - Acho que o apoio a Bolsonaro foi mais um exercício de cidadania, de gente que votou. O sentimento era da população do antipetismo, um subproduto do que foi feito nos governos do PT, e da Lava Jato, que ceifou lideranças e criou um vazio.
As Forças Armadas são parte do povo. Os motores de Bolsonaro foram o rechaço a uma política que se deixou corromper e a insegurança da população.
Continuamos da mesma forma, nas relações público-privadas e no sistema de segurança pública. É preciso rever o pacto constituinte, senão citaremos Carlos Drummond de Andrade: “Sempre no mesmo engano outro retrato”.
O vice Hamilton Mourão era visto como um seguro contra impeachment pelas suas frases golpistas, havia sido punido duas vezes, uma inclusive em sua gestão na Defesa. Hoje é visto com um anteparo democrático no Planalto. O que o sr. acha? - Minha opinião é de que a lealdade dele está sendo incompreendida e hoje, ele é um vice-presidente que tem compromissos democráticos, independentemente de suas opiniões. Tenho uma relação fraterna com ele.
Como vê essa aproximação dos presidenciáveis que lançaram um manifesto? - É uma imposição. Individualmente, nenhum deles tem força para romper a polarização restabelecida entre Bolsonaro e o PT.
Ou bem se cria uma candidatura forte e única, ou bem seremos obrigados a ver a atualização da polarização que grande parte dos brasileiros não quer.
Vivemos uma crise política, sanitária e econômica, centenas de milhares pagaram com a vida. Isso é inédito. Se a política não resolver equacionar a crise, ela vai acabar engolida. Em outros impasses, os impeachments de Collor e Dilma, o mensalão, achamos saídas.
Como assim engolida? - Quando a necessidade vence o medo. Há risco de instabilidade social.
RAIO-X
Raul Jungmann, 68, é pernambucano de Recife. Foi secretário estadual de Planejamento (1990-91). No governo FHC, foi presidente do Ibama (1995-96), ministro de Política Fundiária/Desenvolvimento Agrário (1996-2002). Foi deputado federal de 2003 a 2010, vereador em Recife (2012-14), deputado federal licencigado de 2015 a 2018. No governo Temer, foi ministro da Defesa (2016-18) e da Segurança Pública (2018). Foi do MDB (1974-1979), PCB (1979-1992), PPS (1992-2018). Hoje é consultor.
Igor Gielow: Decisão do STF encerra ciclo da Lava Jato e valida discurso de Lula
Se ainda alimentava alguma pretensão política, Sergio Moro terá de refazer suas contas
Igor Gielow, Folha de S. Paulo
A mudança de opinião da ministra Cármen Lúcia, virando o placar em favor de declarar Sergio Moro parcial na condução de processo sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sela o destino da Operação Lava Jato e valida o discurso do petista para 2022.
Apesar de morta e enterrada sob os auspícios do governo Jair Bolsonaro, o julgamento desta terça (23) na Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) é prova da qualidade espectral da maior ação anticorrupção já realizada no país.
A Lava Jato segue pairando sobre o cenário político brasileiro, afinal. Ao colocar flores no seu túmulo, mesmo que a contragosto dado que se filia mais ao lava-jatismo do que ao garantismo, Cármen talvez tenha encerrado um ciclo.
Ela mesma ressaltou em seu voto o óbvio, que a decisão não implica a anulação quaisquer outros processos da operação. Vá dizer isso às defesas dos políticos e empresários pegos nas revelações do petrolão.
A celebração é de Lula, que já havia recuperado seus direitos políticos numa decisão surpreendente do ministro Edson Fachin, que após alguns anos mudou de opinião acerca de uma questão técnica de competência jurisdicional dos processos envolvendo o ex-presidente.
Se tentou salvar o que restou da Lava Jato, como foi ventilado, não foi bem sucedido. A carga comandada por Gilmar Mendes, violentamente expressa na sua reprimenda ao voto do colega Kassio Nunes Marques nesta terça, tem sido avassaladora contra a operação.
Mas o que estava em pauta nem era tanto a imagem de Moro, já bastante desgastada, embora o exorcismo do lava-jatismo seja um "Leitmotiv" para o germanófilo Gilmar há um bom tempo. Era, na prática, Lula.
Declarado parcial, Moro verá todos os processos relativos ao ex-presidente que passaram por sua mão evaporarem, tendo de recomeçar do zero na Justiça Federal em Brasília.
A dúvida acerca da possibilidade de o petista disputar a eleição presidencial em 2022 não cessa, dado que a decisão de Fachin ainda será analisada pelo plenário do Supremo e pode ser derrubada —mantendo o ex-presidente inelegível devido à condenação no caso do sítio de Atibaia.
Politicamente, contudo, o discurso do petista está validado: ele sempre disse que foi vítima de uma perseguição por parte de Moro.
Seja ele candidato ou não em 2022, e haverá um tsunami dentro de seu encolhido partido para isso, é quase irrelevante. Qualquer porta-estandarte poderá contar a mesma história, se for essa a decisão de Lula.
O próprio ex-ministro já havia dado argumentos aos críticos ao assumir o Ministério da Justiça de Jair Bolsonaro, que venceu uma eleição da qual Lula foi excluído devido à condenação dada por Moro.
Se o petista iria ganhar, como seus aliados dizem como se fosse uma verdade, é bastante discutível dado o grau de insatisfação popular com o PT na esteira do impeachment de Dilma Rousseff em 2016.
Já Moro sai carbonizado do processo, apesar de 45% dos brasileiros ainda aprovarem seu trabalho na Lava Jato, conforme o Datafolha aferiu. Se alimentava alguma pretensão política para 2022, o que poucos na centro-direita acreditavam a esta altura, deverá refazer bastante os cálculos.
Mesmo seu valor de face como apoiador perdeu bastante peso nesta terça. Político algum vai querer se ver associado a um juiz apontado como parcial.
A sessão desta terça também será apensada ao anedotário da discussão eterna entre legalistas e aderentes de um direito, por assim dizer, mais flexível às realidades.
Afinal de contas, durante anos os primeiros defenderam a anulação da Operação Castelo de Areia, antecessora espiritual da Lava Jato, por basear-se em uma delação anônima, o que seria ilegal, além de criticar aspectos abusivos da investigação.
Nesta terça, Gilmar se contrapôs a Kassio ao dizer que é irrelevante o fato de que os grampos que mostraram as conversas de Moro com outros membros da Lava Jato terem sido obtidos ilegalmente. O que importa é a resultante divulgada.
Ironia também não falta na apreciação política do voto de Kassio, primeiro indicado por Jair Bolsonaro.
Um observador descuidado diria que ele poupou um adversário do presidente, Moro. Mas o ex-juiz, diferentemente de Lula, não é visto como ameaça eleitoral no Planalto.
Tivesse prevalecido o voto de Kassio, o petista veria mantida suspensa sobre suas pretensões a espada de Dâmocles do que pode ocorrer no plenário do Supremo.
Ao fim, o fastio progressivo com a enxurrada de denúncias e decisões envolvendo a Lava Jato parece ter chegado ao paroxismo. Só não é possível decretar a morte da indignação com a corrupção: 67% dos brasileiros, segundo o Datafolha, creem que ela vai aumentar daqui para a frente.
Igor Gielow: Novas falas de Bolsonaro sobre Forças Armadas incomodam militares
Sob pressão, presidente reprisa tática de 2020 e faz insinuações de uso de força
A nova tentativa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de envolver as Forças Armadas na defesa de suas bandeiras está incomodando os altos escalões militares.
Oficiais-generais influentes da ativa e da reserva passaram o domingo (21) e a segunda (22) conversando entre si após Bolsonaro ter sugerido o uso do Exército contra governadores de estado que aplicam medidas para reduzir a circulação de pessoas para tentar coibir a transmissão do novo coronavírus.
“Alguns tiranetes ou tiranos tolhem a liberdade de muitos de vocês. Pode ter certeza, o nosso Exército é o verde oliva e é vocês também. Contem com as Forças Armadas pela democracia e pela liberdade”, disse o presidente a uma multidão aglomerada na frente do Palácio da Alvorada no domingo.
“Estão esticando a corda, faço qualquer coisa pelo meu povo. Esse qualquer coisa é o que está na nossa Constituição, nossa democracia e nosso direito de ir e vir”, afirmou Bolsonaro, que celebrava seus 66 anos.
É um filme conhecido. Sempre que Bolsonaro se vê pressionado politicamente, ele "grita lobo", nas palavras de um oficial da Marinha. No caso, o "lobo" da fábula é algum tipo de intervenção militar.
No ensaio de crise constitucional do primeiro semestre do ano passado, quando o presidente estimulou atos golpistas que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro arrastou consigo a cúpula militar.
O presidente levou o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, para sobrevoar de helicóptero um desses atos. Ao mesmo tempo, as cúpulas das Forças tiveram de emitir duas notas para negar que houvesse tentações golpistas e reafirmando o compromisso com a Constituição.
Por outro lado, o mesmo Azevedo apoiou seu colega Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), que "gritou lobo" ao divulgar nota na qual alertava para "consequências imprevisíveis" devido à tramitação de um pedido para apreensão do celular de Bolsonaro, na apuração sobre interferência do presidente na Polícia Federal.
Essa posição ambígua acabou contribuindo para a desconfiança em diversos meios políticos. Com o desanuviamento da crise, a partir da melhora da popularidade de Bolsonaro durante os meses em que concedeu auxílio emergencial na pandemia e a associação com o centrão, os militares saíram do holofote.
A criticada gestão do general Eduardo Pazuello como ministro da Saúde os trouxe negativamente para a ribalta de novo, e agora Bolsonaro volta a insinuar que os militares estariam prontos para agir.
O presidente trocou sua ofensiva para barrar vacinas, em especial a Coronavac promovida pelo rival João Doria (PSDB-SP), por críticas ao isolamento social.
Com o colapso nacional do sistema de saúde neste momento agudo da pandemia, governadores estão endurecendo cada vez mais medidas. Pequenas manifestações contra os chefes estaduais e pedindo "intervenção militar com Bolsonaro no poder" reapareceram em diversos pontos do país.
Não por acaso, o presidente está em momento de grande fragilidade. Está em processo de troca de Pazuello pelo médico Marcelo Queiroga, uma transição atabalhoada que só lhe rendeu críticas.
Sua rejeição voltou ao pior patamar desde que assumiu, conforme mostrou pesquisa do Datafolha na semana passada, com especial repúdio à sua condução da crise sanitária. Mas ele mantém uma aprovação alta, de 30%.
Como a Folha ouviu de um dirigente do centrão nesta segunda, ninguém acredita que a inciativa de Bolsonaro de criar um comitê para lidar com a pandemia, passado um ano do seu início, irá dar algum resultado concreto.
Ele vê os esperneios do presidente junto à sua base mais radicalizada como um caminho natural, e brinca que se houvesse "dez pessoas na rua contra o Bolsonaro", o clima para um processo de impeachment no Congresso estaria dado, tal o azedume entre as forças que apoiam o governo e seu hospedeiro.
Nesse ambiente, os militares surgem como referência, e não exatamente positiva. Dois ministros do Supremo conversaram com um importante general da reserva sobre as inclinações das Forças e ouviram que não haveria risco de apoio a qualquer iniciativa autoritária ou inconstitucional.
Segundo ele, o nó para os militares se chama hierarquia, que impossibilita críticas públicas ao governo, não menos pela simbiose que há entre Forças Armadas e a gestão Bolsonaro, por mais que a cúpula da ativa tente evitar.
O maior temor entre esses oficiais céticos em relação ao governo tomou forma na sexta-feira (19), quando Bolsonaro afirmou que poderia tomar "medidas duras" na pandemia, uma semana depois de insistir que tinha apoio do "meu Exército", Força da qual é capitão reformado.
No mundo político, correu a versão segundo a qual Planalto estudava adotar estado de sítio, situação na qual as Forças Armadas têm papel central e na qual alguns direitos constitucionais são suspensos. O rumor foi tão forte que o presidente do Supremo, Luiz Fux, ligou para Bolsonaro para ouvi-lo negar a hipótese.
O mal-estar perpassou o fim de semana, com políticos consultando militares sobre o burburinho. A fala presidencial no domingo só acirrou mais os ânimos, e aos poucos a sensação de sobressalto que marcou 2020 vai ganhando corpo entre esses atores.
Folha de S. Paulo: Caça Gripen começa fase de testes supersônicos no Brasil
Nova aeronave de combate da Força Aérea supera barreira do som sobre o interior de SP
Igor Gielow, Folha de S. Paulo
O novo caça brasileiro, o Saab Gripen E, iniciou sua fase de testes em velocidade supersônica sobre os céus do interior paulista.
Os voos começaram no dia 26 de fevereiro em Gavião Peixoto, interior de São Paulo.
É lá que fica a fábrica da Embraer e o centro de desenvolvimento do Gripen brasileiro, em parceria com a fabricante do avião, a sueca Saab.
Dos 36 modelos comprados por 39,3 bilhões de coroas suecas (R$ 25,8 bilhões se fossem pagas hoje) em 2014 pelo Brasil, 15 serão produzidos naquela unidade.
Os testes supersônicos são vitais para aferir os limites dos sistemas da aeronave. A Saab não revela qual velocidade máxima atingida até aqui —o avião vai até duas vezes a velocidade do som, cerca de 2.400 km/h.
Quando a barreira é quebrada, pouco depois dos 1.200 km/h, um grande estrondo é ouvido. Para evitar incomodar moradores, os testes estão sendo feito em uma região mais desabitada, a noroeste de Gavião Peixoto, a uma altitude de 5.000 metros.
A velocidade máxima visa levar a aeronave rapidamente a seu ponto de emprego, mas o combate ocorre de forma mais lenta.
Por ora, os testes são conduzidos por um piloto sueco. Uma turma de pilotos da Embraer já voltou ao Brasil, tendo feito o primeiro voo solo com o Gripen em novembro, e desde janeiro militares da FAB estão em treinamento operacional na Suécia.
Segundo a FAB, três aviadores da Força e dois da Embraer já foram treinados nos bipostos Gripen D, a geração anterior do caça.
O avião, matrícula FAB4100, chegou ao Brasil em setembro do ano passado.
Ele ficará em teste durante toda a campanha de desenvolvimento do Gripen E, monoposto, e F, de dois lugares.
Será a última aeronave a ser entregue para a FAB. Outras quatro deverão ser apresentadas à Aeronáutica até o fim deste ano, segundo o cronograma da Saab.
O modelo F está sendo desenvolvido em parceria com a Embraer, que irá produzir os 8 aviões do tipo da encomenda inicial de 36 –além de 7 para um piloto.
O desenho da parte frontal do F, com dois lugares, está sendo feito no Brasil. O primeiro voo deverá ocorrer em 2023.
Em Gavião Peixoto, são testados parâmetros de voo, exposição ao clima tropical e a integração de armas e sistema de comunicação criptografada.
Além disso, são avaliados todos os sistemas do Gripen num simulador em solo chamado S-Rig, instalado em 2019.
“Com esta plataforma, novos hardwares e softwares podem ser testados em um ambiente simulado e controlado, para investigar erros, replicar eventos de falha e treinar as tripulações”, diz a Saab.
Ao todo, desde sua chegada ao Brasil, o 4100 fez cerca de 30 voos de teste.
Do ponto de vista militar, a certificação da aeronave para uso no Brasil é feita pelo Instituto de Fomento de Coordenação Industrial, em São José dos Campos.
O órgão também avalia o cumprimento da transferência tecnológica para a FAB, Embraer e demais empresas brasileiras no programa.
Até o ano que vem, os equipamentos de apoio à operação do Gripen serão instalados na Ala 2, em Anápolis (GO), a base do avião no Brasil.
O Brasil gasta cerca de R$ 1 bilhão por ano para manter a produção do avião, valor que é creditado como adiantamento ao financiamento de 25 anos feito pelo governo sueco.
O desenvolvimento do avião sofreu atrasos entre 2015 e 2016 devido à recessão, e a entrega do último Gripen passou de 2024 para 2026, segundo a estimativa atual.
Os Gripen substituirão progressivamente os F-5 e AMX em serviço no país. A FAB sonha com uma frota expandida a 120 aviões, o que esbarra em dificuldades orçamentárias, enquanto Saab e Embraer vislumbram usar a base brasileira para fabricar caças para o mercado externo.
Igow Gielow: Pazuello resume o dano que aderir a Bolsonaro causou aos militares
Gestão desastrosa de general é símbolo da adesão das Forças ao governo Bolsonaro
A desastrosa gestão de Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde, ora encerrada, concentra todas as contradições da relação das Forças Armadas com o governo do capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro.
General de intendência com três estrelas no ombro, topo de sua carreira, Pazuello gozava de ótima reputação entre seus pares.
Sua fama de coordenador logístico foi criada durante o exercício multinacional Amazonlog-17, em 2017, no qual foi simulado o atendimento humanitário a refugiados nas fronteiras amazônicas do Brasil com a Colômbia e com o Peru.
Ela acabou consolidada na prática, com a Operação Acolhida de refugiados da ditadura venezuelana em 2018, gerenciada por Pazuello.
Foi elogiado efusivamente pelo ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, no seu polêmico livro-depoimento. Para ele, “sem falsa modéstia, [Pazuello] fez com que nos tornássemos referência mundial”.
Na Saúde após a não-passagem de Nelson Teich na esteira da implosão política de Luiz Henrique Mandetta, Pazuello comprovaria o adágio segundo o qual os militares “cumprem missão e resolvem problemas”.
A questão é que o problema estava acima das capacidades do general e a missão, explicitada quando ele baixou a cabeça a Bolsonaro e freou a compra de vacinas no ano passado, estava corrompida.
A adesão tardia à vacinação e ao distanciamento social e o entusiasmo pela coloroquina, por motivação política contra a Coronavac de João Doria ou simples cegueira epidemiológica, ajudaram o país a se tornar um celeiro de variantes mais mortíferas do Sars-CoV-2.
São ao menos dez processos sobre o manejo da pandemia, com a crise de Manaus como seu maior símbolo, que podem colocar Pazuello, e por extensão simbólica os militares, no banco dos réus.
Houve crises secundárias, como a maquiagem de números da Covid-19, a bizarra militarização de postos na Saúde e até a escolha de uma amiga para um cargo comissionado do ministério por Pazuello. Isso tudo temperado pelo tom autoritário em qualquer entrevista coletiva.
Generais da ativa, em campanha para tentar dissociar sua imagem daquela dos fardados no governo, perceberam que o fato de Pazuello não ter ido à reserva cobraria um preço ainda maior da corporação.
Houve todo tipo de pressão para que isso acontecesse, mas o fato é que o militar não só ficou na ativa, mas ainda operou uma tentativa de saída honrosa articulando uma inexistente promoção para a quarta estrela.
Ao fim, com 2.000 cadáveres sendo empilhados diariamente devido à pandemia no Brasil, Pazuello cedeu, assim como Bolsonaro —no caso, à pressão de seus novos amigos do centrão e à entrada avassaladora de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no jogo de 2022.
Para as Forças Armadas, Exército à frente, sobrou o ônus de imagem.
A ideia acalentada pelos militares que viram em Bolsonaro o caminho para a idealização de seu antipetismo e para a redenção final de imagem pela ditadura era a de que forneceriam quadros qualificados para um novo tipo de governo.
Enquanto suas capacidades estavam circunscritas à falta de articulação política ou às ideações paranoides da área de inteligência, o público não tinha muito o que dizer.
Quando a incapacidade ou, na visão de pessoas que o admiram, o respeito à hierarquia de Pazuello se impuseram e legaram o pior da crise ao país, a história é outra.
Pois a adesão a Bolsonaro, descrita de forma didática no livro de Villas Bôas, traz intrínseca uma armadilha: militares são seres que respeitam hierarquias.
Assim, declarações golpistas do hoje vice-presidente Hamilton Mourão foram punidas tanto no governo Dilma Rousseff (PT) quanto no de Michel Temer (MDB).
Quando vários oficiais-generais, da ativa e da reserva, migraram para o governo Bolsonaro, a identificação ficou patente.
A ameaça de crise institucional de 2020, quando Bolsonaro namorou hordas golpistas na rua, engolfou a cúpula militar, Ministério da Defesa incluso.
Como reação àquele momento crítico, houve um afastamento crescente da ativa, culminando numa fala do sucessor de Villas Bôas, Edson Leal Pujol, que parecia ter riscado uma linha divisória no chão.
Pazuello na Saúde apagou tal fronteira. Sua saída deverá facilitar o restabelecimento dela, mas o dano à imagem dos fardados vai demorar muito mais tempo para ser consertado.
Isso se deve às opções feitas sob a supervisão de Villas Bôas, outro ícone militar brasileiro. Essa autocrítica, feita apenas à boca miúda por alguns setores, ainda está para ser feita.
Igor Gielow: Fachin recoloca espantalho de Lula no campo, e Bolsonaro agradece
Acossado, presidente contava com a previsível volta do petista ao páreo; até Moro sai ganhando
O espantalho predileto do eleitorado conservador do Brasil, ao menos aquele que levou Jair Bolsonaro à Presidência em 2018, está de volta ao campo da política: Luiz Inácio Lula da Silva.
A decisão que devolveu ao líder petista seus direitos políticos, salvo alguma decisão adversa, era esperada por aliados de Bolsonaro desde que o desmonte da Operação Lava Jato foi consumado ao longo de seus dois anos de mandato.
A desmoralização da operação, primeiro a partir de revelações constrangedoras de conversas entre seus integrantes e segundo, pela ação institucional da ala garantista do Supremo Tribunal Federal em conjunto com a Procuradoria-Geral da República e o Palácio do Planalto, fez tornar a volta de Lula ao páreo óbvia.
Não se trata de análise de mérito jurídico, e sim de lógica política. O petista na urna eletrônica do ano que vem é o sonho de consumo de um Bolsonaro que acumula más notícias devido a seu manejo da pandemia da Covid-19.
Acossado sob acusações que chegam a de promover um genocídio, enfrentando um levante de governadores com apoio ainda ensaiado no Congresso, o presidente irá se fiar no velho e bom antipetismo que o ajudou ao chegar ao Planalto.
Há uma lenda política segundo a qual Lula seria imbatível em 2018, e que a Lava Jato trabalhou para retirá-lo da eleição. Se a segunda parte pode ser verdade, a primeira é absolutamente discutível.
Toda a análise de intenção de voto estratificada daquele ano mostra que o apoio a Bolsonaro estava bastante espraiado, e se misturava em parte com o espírito antipolítico ensejado pelos anos de revelações de corrupção por parte da Lava Jato.
E não parece ser o caso de esquecer que a política a ser rejeitada naquele momento tinha identificação imediata com quem ocupara o poder federal por longos 13 anos, até o impeachment de 2016.
Mesmo o governo Temer, à exceção do expurgo de petistas, contava com a mesma base de apoio de Lula e Dilma Rousseff.
O pleito municipal de 2020, ainda que não seja um farol objetivo para 2022, sinalizou um movimento importante: o refluxo da antipolítica, mas não do antipetismo. Os resultados pífios do partido de Lula e de outras siglas de esquerda falam por si.
Isso não tira, claro, o potencial de Lula, o mais popular presidente da história recente do Brasil e ator inescapável de qualquer avaliação séria sobre a realidade política. Mas seu peso, especialmente após deixar a condição de mártir do Lula Livre na cadeia, decaiu bastante em termos relativos.
Não se viu dele nenhum movimento efetivo que não fosse o de guardar a cadeira de candidato da esquerda em 2022, contando, para ficar na máxima de Romero Jucá, "com o Supremo, com tudo". Inclusive Bolsonaro.
Se o cálculo do presidente está certo, é algo que pouco mais de um ano e meio até a eleição vai dizer. Mas ele faz todo sentido: Lula coloca Bolsonaro numa posição confortável de polo oposto. O mercado, que andou aborrecido com as cores verdadeiras mostradas pelo presidente após apoiá-lo, já tremeu de novo.
Choro e ranger de dentes sobram para a centro-direita, que busca ser chamada de centro enquanto não encontra um candidato natural para 2022. Ele seria o governador paulista, João Doria (PSDB), que tem o trunfo da Coronavac e do combate à pandemia para apresentar.
Mas nem o tucanato, nem seus aliados, têm mostrado disposição de entregar o bastão ao paulista neste momento. Alimentam-se assim nomes alternativos sem densidade, como Eduardo Leite (PSDB-RS) e o sempre presidenciável apresentador Luciano Huck (sem partido).
Ciro Gomes (PDT) continua em sua marcha de terceira via que nunca passa do terceiro lugar, e Marina Silva (Rede) evaporou, como costuma ocorrer entre os pleitos presidenciais desde 2010.
Todo esse pelotão terá um trabalho hercúleo para se posicionar caso Lula de fato esteja na disputa com Bolsonaro. O benefício da dúvida é para um nome que vinha sendo considerado fora do jogo, o do ex-ministro Sergio Moro.
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Símbolo da Lava Jato, o ex-juiz foi poupado de um vexame previsível, o de ver ser considerado suspeito em suas condenações de Lula. A decisão de Fachin, lava-jatista na origem, acabou com o objeto do julgamento para o qual Gilmar Mendes preparava um auto-de-fé de Moro.
Assim, talvez com algum tempo, possa lustrar sua imagem. Se for candidato, roubaria votos de Bolsonaro, gerando a curiosa situação na qual poderia ajudar Lula na eleição.
Contra todas essas especulações, o óbvio: no Brasil, realidades políticas mudam tanto quanto jurisprudências.
Será interessante ver a reação da cúpula militar, escaldada pelo detalhamento do episódio em que o então comandante do Exércio Eduardo Villas Bôas pressionou o Supremo a não conceder habeas corpus para evitar a prisão de Lula, em 2018.
Se há dois anos Bolsonaro estaria a esbravejar contra Fachin, hoje terá algo a celebrar com a vitória de seu opositor preferido.