IDH
Cristovam Buarque: IDH - A culpa é nossa
Ignorar a responsabilidade dos governos anteriores é uma forma de negacionismo
O atual Presidente da República é o menos dotado de inteligência, capacidade gerencial, empatia social, espírito de tolerância e gosto pelo diálogo entre todos os que foram eleitos ao longo dos 130 anos de República; isto não justifica jogar sobre ele a responsabilidade pela queda da classificação do Brasil na escala do IDH. Ignorar a responsabilidade dos governos anteriores é uma forma de negacionismo, mentira que impede conhecer a realidade e aprender com os erros.
O IDH de cada país foi definido por dados de 2019, mas resultantes de anos e até décadas de descasos anteriores. A culpa, portanto, é dos governos precedentes ao longo de toda a República, especialmente nos 33 anos da nova democracia, dos quais 26 por governos progressistas, 13 dos quais de esquerda. A piora na renda per capita entre o IDH anterior e o atual não ocorreu por causa de 2019, mas devido a recessão iniciada em 2014. Os efeitos do período Bolsonaro serão vistos no futuro, e tudo indica que teremos quedas ainda maiores. Mas esta queda foi culpa nossa, não dele. Até porque nosso IDH melhorou ligeiramente, outros cinco países melhoraram mais e nos superaram.
Nisto está nossa falta: melhoramos ficando para trás, sobretudo em educação. Depois de quase 50 anos de medidas paliativas, avançamos piorando ao ampliar três brechas: avançamos, mas os outros países avançaram mais; a educação dos pobres melhorou, mas a dos ricos mais; estudamos mais, entretanto, o que ensinamos aumentou menos do que o que o mundo moderno exige.
Tudo indica que os países vizinhos, inclusive mais pobres, erradicarão o analfabetismo de adultos antes do Brasil. Os que se preocupam com a educação investem em escolas privadas para resolver o problema de seus filhos, não do país. Não têm educação de qualidade como propósito nacional, apenas para seus filhos, ignoram a educação de todos que é utilizada para calcular o IDH. Não vemos a necessidade de executarmos uma estratégia nacional consistente a longo prazo, para termos educação de qualidade para todos, sem o que o IDH não sobe em relação aos outros países.
A resistência à essa estratégia decorre, em primeiro lugar, de que não e gostarmos de longo prazo, preferimos as ilusões dos pequenos passos – Fundef, Fundeb I e II, Piso Salarial do Professor, Merenda, Livro Didático, PNE-I e II, IDEB, ENEM. Tudo certo e tudo insuficiente. Em segundo lugar, porque educação com a máxima qualidade pelos padrões internacionais não é um sonho brasileiro, ainda menos a crença de que a escola deve ter a mesma qualidade independente da renda e do endereço da família. Preferimos nos comparar pelo padrão FIFA do que pelo padrão PISA ou IDH. Nestas condições, dificilmente vamos ter uma estratégia de longo prazo para o governo federal adotar a educação de base nas cidades pobres. o apego municipalista prefere sacrificar as crianças das cidades pobres a entregar as escolas municipais ao governo federal.
Por isto, daqui a dois anos teremos novas surpresas tristes com o PISA e com o IDH e jogaremos a culpa no governo do momento, esquecendo os erros de todos nós no passado e relegando a tragédia no futuro.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
Eliane Cantanhêde: Injustiça e desigualdade
IDH toca na maior ferida do Brasil: desigualdade social. País rico, cidadãos pobres
O Brasil ficou na 79.ª posição geral e na quarta da América do Sul no IDH, atrás de Chile, Argentina e Uruguai, mas a pior notícia não é essa, é o pódium da desigualdade. O índice brasileiro vai melhorando devagar, mas continua péssimo e sem reduzir o gap triste e vexaminoso entre os mais pobres e os mais ricos. Simplesmente 1/3 da renda vai todinha para apenas o 1% de mais ricos.
Os avanços foram mais acentuados de 1990 a 2013, até que a crise Dilma Rousseff, com todos os seus fatores, estancou esses avanços. Em 2018, a melhora foi de um milésimo no IDH. O que puxou o freio foi a educação. Alguma surpresa? E há uma grande previsão de melhora?
Ao lado disso, a confirmação agora, como ocorre ano após ano, de que as mulheres estudam mais, mas ganham menos que os homens. Muito menos, aliás, em torno de 41,5%. Novamente, há alguma surpresa? E há uma grande previsão de melhora?
O principal alerta sobre o significado de tudo isso está aqui perto, no Chile. Considerado um oásis, com bons indicadores econômicos, políticos e sociais, o país ficou novamente em primeiro lugar no IDH na região. Então, há alguma coisa fora de lugar. Se o país tem o melhor IDH e indicadores tão elogiados, por que pipocaram manifestações gigantescas contra tudo?
A resposta, não científica, mas compartilhada pelos meios acadêmicos e diplomáticos tanto do Chile quanto do Brasil, é essa: o país vai bem, mas as pessoas não tanto. A renda é alta, a divisão é precária. E, atenção, quanto mais a sociedade tem informação, serviços adequados e suas reivindicações atendidas, mais ela fica exigente.
Afinal, informação é poder. Se as pessoas têm mais acesso a escola, a saúde, a habitação e aos seus direitos, mais ela acha que pode conseguir. E está certa. Daí a pressão. E daí o temor no Brasil de que a onda de protestos no Chile venha cruzando fronteiras e desembarque por aqui. Esse temor é reforçado pelo ambiente geral na região. Também vivem graves conflitos de rua Colômbia, Bolívia e Equador, sem falar na Venezuela, um caso perdido. E há troca de governo na Argentina e Uruguai.
É instigante que os protestos não perdoem os regimes nem de direita (Colômbia) nem de esquerda (Bolívia). O “povo” não quer saber desse mimimi de direita e de esquerda. Quer direitos e serviços: educação, saúde, habitação, transporte, emprego, dinheiro no bolso – e inclusão social.
No Chile, todas as forças políticas, exceto o Partido Comunista, se reuniram para tentar entender o que está acontecendo e providenciar uma reação consistente à sociedade. O manifesto dessa nova “Concertación”, “pela democracia”, acena com uma resposta ao “clamor dos cidadãos”, um “acordo social” e uma “nova era”, avançando com a atualização da Constituição.
No Brasil, pego de surpresa, como todos os demais, por essas ondas de rebelião ao seu redor, a questão é tratada superficialmente, só pelo ângulo da repressão. Ou melhor, como caso de polícia, de tropas do Exército ou até mesmo de AI-5.
O correto, porém, é passar os olhos pelo manifesto chileno e focar num parágrafo sobre o “bom momento” para reformas sociais e econômicas que possam “outorgar justiça e maior igualdade de oportunidades, ajudando aqueles que necessitam da presença de um Estado solidário, de bem-estar e seguridade social”. Esse é o pulo do gato.
É arregaçar as mangas, lá, como cá, para que o Estado deixe de servir às castas estatais e privadas e passe a se voltar para o interesse da maioria, para aqueles que realmente precisam do Estado. Reformas já! Mas não só enxugando os privilégios de quem não precisa, mas garantindo direitos para quem precisa. O começo de tudo é a Educação.
O Estado de S. Paulo: Desigualdade faz País perder 23 posições no ranking do IDH
Universo dos 1% mais ricos representa 28,3% da renda, a segunda maior concentração do mundo nesta parcela populacional
Rafael Moraes Moura, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O Brasil é o país que mais perde posições no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) quando o valor é ajustado à desigualdade, ou seja, quando se leva em consideração as distorções em saúde, educação e renda. O IDH brasileiro cai de 0,761 para 0,574, uma perda de 24,57% no valor, o que faz o Brasil cair 23 posições quando comparado ao restante do mundo. Se a desigualdade de um País é grande, a perda no índice também é.
De acordo com o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (PNUD), a fatia dos 10% mais ricos do Brasil concentra 41,9% da renda nacional. O universo dos 1% mais ricos representa 28,3% da renda, a segunda maior concentração do mundo nesta parcela populacional – atrás apenas do Qatar (29%).
“A desigualdade é um problema conhecido da sociedade brasileira e dos políticos. Certamente uma das mensagens do nosso relatório é de que as desigualdades são importantes para as populações porque elas não têm a ver com um ou dois governos, mas com questões históricas”, disse ao Estado o diretor do relatório de desenvolvimento humano da ONU, Pedro Conceição.
Gênero
O relatório também analisa as desigualdades entre homens e mulheres no Brasil. Se o IDH do universo masculino é de 0,761, o das mulheres é de 0,757 – quatro milésimos a menos. Por aqui, 61% das mulheres adultas chegam ao menos ao ensino médio, em comparação com 57,7% dos homens. Mesmo apresentando melhor desempenho nos quesitos educação e longevidade, as mulheres ficam atrás dos homens no que diz respeito à renda (41,5% menor que a dos homens). No mercado de trabalho, a participação feminina é de 54%, ante 74,4% dos homens.
Último colocado no ranking mundial do IDH, o Nìger possui mais mulheres no Parlamento do que o Brasil – a representação feminina é de 17% no país africano, ante 15% aqui. Na vizinha Argentina, a porcentagem é mais do que o dobro – 39,5%.
No Índice de Desigualdade de Gênero (IDG), que faz parte do relatório, o Brasil ocupa a 89.ª posição entre 162 países que tiveram esse dado analisado. Foram consideradas as desigualdades em saúde reprodutiva (mortalidade materna e taxas de natalidade na adolescência); empoderamento (participação no Parlamento e escolaridade); e participação no mercado de trabalho.
Para a economista Betina Ferraz Barbosa, chefe da unidade de desenvolvimento humano do Pnud, o relatório aponta para uma situação de “emergência global”. “Se a gente se debruçar sobre esse relatório, é muito preocupante os achados em nível global. Não é a percepção se o IDH subiu ou desceu, e sim uma análise sobre toda a transformação que a sociedade passa globalmente, com mudanças de paradigmas que vão enfraquecer a força de trabalho. É uma questão de agir agora.”
Desigualdade social faz Brasil perder um quarto do IDH em novo índice do Pnud
O Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) divulgado nesta segunda-feira (14) mostra o Brasil na 75º colocação no ranking do IDH, entre 188 países, com índice de 0,755, acima da média da América Latina (0,748) e considerado alto. É o 13º melhor índice entre os latino-americanos.
Mas, se a desigualdade social for levada em conta, o país perde cerca de um quarto do seu IDH e acaba tendo desempenho pior que seus vizinhos na América Latina.
Isso porque, segundo o Pnud, o IDH é apenas uma média e não ilustra claramente a desigualdade na distribuição do desenvolvimento humano. O fato motivou a elaboração de outro índice, o IDH-D (IDH Ajustado à Desigualdade). Ele leva em conta a desigualdade humana em três dimensões (renda, educação e expectativa de vida).
No IDH-D, o Brasil fica com 0,557, perdendo 26,3% de seu IDH, com um coeficiente de desigualdade humana de 25,6%. O país se posiciona abaixo da média da América Latina nestes quesitos -- a região tem média de 0,570 no IDH-D, coeficiente de desigualdade de 23,2% e 23,7% de perda total do IDH.
Peru (84º no ranking mundial do IDH), Equador (88º) e Jamaica (99º), por exemplo, aparecem abaixo do Brasil na lista base, mas sofrem perdas menores e superariam o país no IDH-D com índices de 0,563%, 0,570% e 0,593%, respectivamente. Não existe um ranking mundial levando em conta o IDH-D porque, de acordo com o Pnud, parte dos países não têm dados suficientes para elaborar esse índice.
Entre os países considerados com alto nível de IDH (grupo no qual está o Brasil), a média do IDH-D fica em 0,600, relativamente acima do índice brasileiro, com perda média de 19,4%.
A Noruega, líder do ranking do IDH com índice de 0,944, também possui o melhor IDH-D do mundo (0,893), perdendo apenas 5,4% de seu índice original.
Renda desigual derruba IDH-D do Brasil
Nos três quesitos levados em conta no IDH-D, a renda desigual entre a população, com 38% de perda, é o item que mais derruba o índice brasileiro - a desigualdade na educação e expectativa de vida têm perdas de 23,2% e 14,5%, respectivamente.
Os 10 melhores IDHs do mundo
1. Noruega (0,944)
2. Austrália (0,935)
3. Suíça (0,930)
4. Dinamarca (0,923)
5. Holanda (0,922)
6. Alemanha (0,916)
7. Irlanda (0,916)
8. EUA (0,915)
9. Canadá (0,913)
10. Nova Zelândia (0,913)
Os 15 melhores IDHs da América Latina
1. Argentina (40º no ranking mundial, 0,836)
2. Chile (42º, 0,832)
3. Uruguai (52º, 0,793)
4. Bahamas (55º, 0,790)
5. Barbados (57º, 0,785)
6. Antígua e Barbuda (58º, 783)
7. Panamá (60º, 0,780)
8. Trinidad e Tobago (64º, 0,772)
9. Cuba (67º, 0,769)
10. Costa Rica (69º, 0,766)
11. Venezuela (71º, 0,762)
12. México (74º, 0,756)
13. Brasil (75º, 0,755)
14. Peru (84º, 0,734)
15. Equador (88º, 0,732)
Ranking superior em relação ao ano passado não significa melhora
No relatório divulgado em 2014, o Brasil apareceu em 79º no ranking do IDH. As quatro posições a mais em 2015, no entanto, não significam que o país ultrapassou países na lista de um ano para outro. A mudança ocorreu porque o Pnud realizou revisões de dados e metodologia.
No ranking "corrigido" do ano passado, o Brasil fica em 74º, com IDH de 0,752. Em relação ao último relatório, o país caiu uma posição porque perdeu o empate técnico com Sri Lanka, que chegou ao 73º lugar e deixou para trás também o México. Tendo como base os dados revisados, o Brasil evoluiu de 0,752 para 0,755 em um ano, uma oscilação considerada insignificante pelo Pnud.
Desigualdade de gênero no Brasil
Outro índice elaborado pelo Pnud que deixa o Brasil em desvantagem na comparação com outros países da América Latina é o de desigualdade de gênero - o brasileiro é 0,457, contra 0,415 das nações da região e 0,310 entre os países de IDH alto. O melhor índice é o da Eslovênia, com 0,016.
Esse índice, ao contrário do IDH-D, possui um ranking próprio, onde o Brasil fica apenas na 97ª posição entre os 155 listados. Peru (índice de 0,406), Equador (0,407), Belize (0,426), El Salvador (0,427), Colômbia (0,429), Jamaica (0,430), Bolívia (0,444) e Nicarágua (0,449) são países que aparecem atrás do Brasil no ranking mundial do IDH e possuem menor desigualdade de gênero, por exemplo.
O principal problema do Brasil nesse quesito é o baixo número de assentos ocupados por mulheres no Congresso Nacional - 9,6%, levando em conta os dados de 2014, sendo que a América Latina possui, em média, 27,0%.
Nos outros itens avaliados (índice de mortalidade materna, taxa de fecundidade entre as adolescentes, população com ao menos um ano de ensino secundário e taxa de participação da força de trabalho), o país tem desempenho equivalente ou até melhor em relação aos outros países da América Latina.
Fonte: UOL