Hubert Alquéres

Obstinação de Bolsonaro põe em risco limite entre público e privado, dizem analistas à Política Democrática

Em artigo publicado na décima edição da revista, Hubert Alquéres e Tibério Canuto criticam equívocos do presidente

Uma linha divisória entre o público e o privado vem sendo borrada pela obstinação do presidente Jair Bolsonaro de subordinar tudo e a todos à sua agenda ideológica e aos interesses de seu núcleo familiar. É o que dizem Hubert Alquéres e Tibério Canuto, em artigo publicado na décima edição da revista Política online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania.

» Acesse aqui a décima edição da revista Política Democrática online

De acordo com eles, a política externa apequena o país, submetendo-o a vexame com a intenção do presi-dente de fazer seu filho Eduardo embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Além disso, conforme acrescentam, a situação cria confronto com a Argentina ao se imiscuir em assuntos internos de um parceiro estratégico.

Afirmam, ainda, que esse cenário provoca um risco para o acordo entre o Mercosul e a União Europeia. “O pragmatismo responsável, os princípios da não ingerência e de respeito à autodeterminação possível – pilares de uma política externa construída desde os tempos do barão de Rio Branco – cedem lugar a um americanismo servil, ditado pelo fundamentalismo ideológico”, analisam.

Mesmo ganhos como a Reforma da Previdência, a Lei da Liberdade Econômica e as privatizações, ativos que poderiam gerar um quadro mais confortável, não servem de atrativos para os investimentos, em função da instabilidade gerada pela figura ciclotímica do presidente. “É na economia que reside o grande perigo. O cenário internacional é de uma recessão que se avizinha”, afirmam os autores.

Leia mais:

» Política Democrática mostra casos de violência que se perpetua dentro de casa

» País precisa crescer de forma sustentável, diz José Roberto Mendonça de Barros

» Destruição da Amazônia é destaque da nova edição de Política Democrática online


Hubert Alquéres: A Blitzkrieg dos ideológicos

Bolsonarismo
Os tanques da ala ideológica do governo Bolsonaro avançam em todas as áreas a uma velocidade que faria inveja às divisões panzer do general Heinz Guderian. O movimento de pinça é comandado diretamente pelo presidente ou por seus filhos interpostos. Essa ofensiva adquiriu ares de grande operação, nos últimos dias, tendo como objetivo tático o cerco e aniquilamento do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, Ministro da Secretaria de Governo, e como objetivo estratégico assegurar o caráter permanente da “revolução conservadora”, como defende o guru Olavo de Carvalho.

Vamos aos fatos.

Na Educação, o novo ministro Abraham Weintraub confirma que entrou no teatro de operações para retirar do papel a agenda ideológica, coisa que Ricardo Vélez foi incapaz de fazer. Weintraub ameaça cortar verbas de “universidade que promover balbúrdia”. Por balbúrdia entenda-se “manifestações políticas e festas inadequadas”. No primeiro momento três universidades federais (UNB, UFF e UFBA) sofreram contingenciamento de 30% em suas verbas, sem que o ministro tenha especificado o motivo. Poucas horas após a decisão, expandiu a medida para todas as universidades federais, ainda sem motivo concreto.

O filtro ideológico pôs na alça de mira os cursos de filosofia e sociologia, que receberão menos verbas. Ele nos faz lembrar de desatinos cometidos na História como os que levaram a se queimar -em praça pública- livros de filosofia, história, sociologia, literatura.

No meio ambiente, o presidente em vez de mediar conflitos entre o pessoal do agronegócio e o da sustentabilidade, tomou um lado. Mandou fazer uma limpa no Ibama e no Instituto Chico Mendes, elegendo os agentes de fiscalização como inimigos da pátria. Em uma feira do agronegócio anunciou que encaminhará um Projeto de Lei que dará direito de atirar a quem tiver sua terra invadida. É uma clara violação da Constituição, pois o excludente de ilicitude se aplica em defesa da vida. Jamais em defesa da propriedade.

O presidente vai além de respaldar seus radicais. Ele mesmo toma iniciativas na linha de aprofundar a “revolução conservadora”, como aconteceu ao censurar o conteúdo mercadológico de uma peça publicitária do Banco do Brasil, pautada na diversidade.

Quando não é ele, são seus filhos. A bola da vez é o general Santos Cruz, que enfrenta uma guerra promovida por Carlos Bolsonaro. Até os peixes do Lago Paranoá sabem que Carlos diz nas redes sociais aquilo que o pai não pode dizer publicamente. O general Santos Cruz é um moderado. Por isso mesmo tem sido um obstáculo para que a ala talibã do bolsonarismo tenha em mãos a estratégica Secretaria de Comunicação.

A blitzkrieg do conservadorismo se explica pela mudança de atitude de Jair Bolsonaro, na arbitragem do conflito entre os pragmáticos e ideológicos. Em um primeiro momento, ele ouvia muito a voz moderada dos militares do seu governo, como aconteceu em relação à Venezuela e à transferência da embaixada para Jerusalém.

Nos últimos tempos o presidente deixou de ser um mediador do conflito das duas alas de seu governo para tomar partido em favor dos ideológicos. Até porque ele é um deles. E pode estar fazendo uma leitura torta de sua eleição, acreditando que ela se deu em decorrência da agenda ultra-direitista.

Priorizar essa agenda é um equívoco que pode lhe custar caro. A boa estratégia militar recomenda não se abrir várias frentes. Em vez de concentrar forças para ganhar a batalha da Previdência, o presidente desguarnece seus flancos ao dispersar suas forças e gastar energia em uma pauta identitária que não é a do país.

Ademais, como a história já demonstrou, toda blitzkrieg tem sempre a sua Stalingrado.

*Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo