história
RPD || Martin Cezar Feijó: Karl Marx, uma biografia para o século XXI
Em seu artigo, Martin Cezar Feijó faz uma análise contundente do novo livro de José Paulo Netto, fruto de uma vida inteira dedicada ao estudo da obra marxiana
Marx está morto. Sim. Desde 1883. Marx está vivo! O filósofo do materialismo histórico está mais vivo do que nunca. É o que demonstra um marxista “impenitente”: José Paulo Netto. E é de Marx que quero falar aqui, mais particularmente de uma biografia recém-lançada por ele escrita sobre um pensador combativo do século XIX e sua presença no quadro do século XXI: Karl Marx – uma biografia (Boitempo, 2020).
Primeiro, quero falar do autor, que conheço bem. E devo muito. Quando eu cursava minha graduação no departamento de História (FFLCH-USP) na década de 1970, reclamávamos muito que não tínhamos Marx em nossos currículos.
Puxa vida! A direita até hoje diz que a escola pública, principalmente a universidade pública, é um antro de comunistas, e nós não estudávamos o fundador do comunismo?!
Mas foi por isso que um grupo de estudantes, do qual fiz parte, resolveu criar uma célula voltada à pesquisa: Associação dos Universitários para a Pesquisa em História do Brasil (AUPHIB). E sabíamos que o estudo de Marx seria importante em nossa formação intelectual. Foi por isso que no inicio da década de 1980 soubemos da volta do exílio, com a anistia, de um estudioso em Marx, José Paulo Netto, com quem organizamos um curso de introdução à Marx. O curso era ministrado em uma sala alugada na Galeria Metrópole no centro de São Paulo. Por vários sábados na parte da manhã assistíamos aquelas aulas entusiasmadas de um pesquisador sobre o tema.
Desde então, sempre acompanhei a trajetória de “Zé Paulo” (daqui para frente, JPN) em seus estudos marxistas. Aliás, devo a ele uma das experiências profissionais mais decisivas em minha vida, a de ter sido convidado em 1985 para editar as páginas de cultura do semanário Voz da Unidade, onde fiquei até 1989.
Então, não surpreende a publicação de um livro que já nasceu também clássico, com suas 815 páginas densas da mais refinada erudição e profundidade, que resenha nenhuma dará conta. Principalmente de um resenhista que não esconde seu lado, nem sua admiração.
Em Karl Marx – Uma biografia, ficamos sabendo sobre o biografado; de sua origem, sua família, seus estudos, sua militância política, até sua vida privada. E, claro, seu amor por Jenny von Westphalen. Uma vida difícil, com momentos de total carestia, como o período em que viveram em Londres. Não fosse a ajuda do amigo Engels (de quem se fala muito no livro), a fome seria ainda pior para a família toda, em um momento em que suas pesquisas dariam origem ao Capital.
Mas os estímulos intelectuais de Marx foram os mais variados, principalmente, antes da economia política, seus interesses literários, principalmente por nomes como Homero, Shakespeare, Schiller e Goethe. Sem falar de sua atenção com o desenvolvimento da ciência, tendo lido e acompanhado as polêmicas envolvendo Darwin. O nome que marcou definitivamente sua formação foi o filósofo G.W.F. Hegel (1770-1831) e um contexto de dissolução da filosofia clássica alemã, que envolveu também Kant e Fichte.
Depois de uma experiência rica, mesmo que curta, na imprensa como jornalista da Gazeta Renana (1841-1843), Marx sentiu, com a descoberta da economia, uma “necessidade urgente de qualificar-se teoricamente e compreender a vida social” (p.65). Desse processo surgiram textos como Crítica da Filosofia do Direito em Hegel e Sobre a Questão Judaica, obras fundamentais e maduras para se entender a complexidade do pensamento de Marx.
Mas é em Paris, segundo JPN, o aprofundamento da crítica a Hegel, e a “descoberta do mundo”. Marx passa a se dedicar ao “mundo do trabalho”, mas também a uma militância política que o levou ao exílio belga, um “exílio tranquilo”, onde formula em 1845 as famosas Teses sobre Feuerbach: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras, o que importa é transformá-lo”.
A vida intelectual se somou a uma intensa militância ao lado de Engels, figura decisiva, aderindo a uma prática revolucionária na Liga dos Comunistas, sobre a qual escreve com o amigo um dos textos mais influentes da história: o Manifesto do Partido Comunista. Em Londres, apesar da penúria, até miséria, entre 1849 e 1867, Marx atinge seu pleno apogeu intelectual, a plenitude de uma obra, cuja compreensão exige muito esforço e dedicação, o que faz JPN neste estudo voltado para o século XXI.
Marx morreu no dia 14 de março de 1883, mas sua obra se tornou uma realidade no século XX, no plano teórico e na prática histórica, assim como um imenso desafio para o século XXI.
E, para terminar com um spoiler, usando um termo da moda, o epílogo vira prólogo, com citações de Carlos Drummond de Andrade – A rosa do povo, “Cidade prevista” - e John Lennon – “Imagine”, assumindo um toque de poesia e um conhecimento nascido do rigor da filosofia e da ciência. Marx ainda nos faz pensar. Não só pensar, mas agir, ou como John Lennon, sonhar: “Você pode dizer que sou um sonhador, mas não sou o único”, politizando uma aspiração individual.
*Martin Cezar Feijó é historiador e professor titular-doutor na Facom da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado).
- ** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
- *** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Hamilton Mourão: O que os brasileiros esperam de suas Forças Armadas
Que não se esqueçam de seus compromissos com a Pátria, que juraram defender
É bom que os brasileiros se preocupem com o que fazem, ou podem fazer, as suas Forças Armadas. Afinal, a sua segurança e, em última instância, a garantia da lei e da ordem dependem delas, para não falar no enfrentamento de situações de crise que ultrapassam a capacidade das agências governamentais e requerem o emprego da competência logística e organizacional das Forças singulares: Marinha do Brasil, Exército Brasileiro e Aeronáutica.
Hoje, no entanto, a sociedade brasileira espera algo mais de seus militares.
Desde antes da pandemia de covid-19, o Brasil vem enfrentando uma situação difícil causada pela postergação de reformas imprescindíveis – a tributária, a administrativa e a política – e pelo desvirtuamento da administração pública, atingida em cheio pela corrupção e pelo clientelismo político. Nas eleições de 2018 o País fez uma clara escolha pela condenação do maior caso de corrupção da História, pelas reformas que promovam a retomada do desenvolvimento e pelo combate à violência, compromissos deste governo com a sociedade brasileira.
Os militares que foram chamados a trabalhar no governo que se iniciou em janeiro de 2019 vieram tão somente participar – como cidadãos no pleno exercício de seus direitos e como profissionais de Estado capazes – do esforço de racionalização, efetividade e moralização da administração pública, em prol do soerguimento do País.
Para tarefa de tal monta pode parecer pouco o mero aporte de valores caros à profissão militar, como lealdade e probidade, e de competência técnica, requerida para qualquer função no serviço público. Mas é muito para um país que teve sua máquina administrativa aparelhada pela política partidária e, não raro, pela ideologia.
E é esse pouco, que é muito em termos de contribuição à administração pública, porventura tido por excessivo em termos numéricos, mas que, na verdade, é ínfimo se comparado às bateladas de cargos comissionados ou simplesmente inventados que incharam a máquina administrativa nos últimos governos, que vem prejudicando o entendimento do papel dos militares no Brasil, neste e em outros momentos.
Não é a presença de militares no governo que o define. Sempre houve e continuará a haver militares no governo. Estejam onde eles estiverem, na ativa ou na reserva, nos quartéis ou em repartições, os militares são cumpridores de suas obrigações e seus deveres. Se assim não fosse, o País viveria uma anarquia armada, incompatível com a democracia. E os militares simplesmente não seriam militares. A questão é outra.
As Forças Armadas são instituições de Estado, porque são regulares, permanentes, nacionais e se destinam à defesa da Pátria e à garantia dos Poderes constitucionais, estando sob a autoridade do presidente da República, que é responsável perante os demais Poderes e a Nação pelas ordens que transmite a elas.
No que diz respeito aos militares, em qualquer país do mundo o que distingue as democracias das ditaduras são as ordens que lhes são dadas e, o mais importante, como eles lhes obedecem. Nas democracias, as ordens são legais e emitidas por quem de direito, sendo integralmente cumpridas na forma da lei. Fora disso, transita-se perigosamente entre a desordem e o autoritarismo. Políticos e soldados profissionais das grandes democracias já sabem disso.
Recentemente o mundo assistiu, com alguma perplexidade, à Junta de Chefes de Estado-Maior dos Estados Unidos, os comandantes das Forças Armadas norte-americanas, virem a público garantir a transição presidencial na maior democracia do mundo, em meio a contestações do processo eleitoral e aos tumultos que atingiram a sede do Legislativo em Washington, DC. Nenhuma democracia está livre de crises e os seus militares fazem parte da sua superação.
O presente ordenamento constitucional do Brasil é fruto de uma longa evolução desde a Independência, cujo bicentenário comemoraremos no ano que vem. Deixamos para trás um regime que não mais atendia às aspirações da cidadania, uma República calcada na fraude eleitoral, um federalismo de oligarquias e seguidas revoltas, revoluções, autoritarismos e ditadura que envolveram os militares. Goste-se ou não, foi o regime instalado em 1964 que fortaleceu a representação política pela legislação eleitoral, que deu coerência à União e afastou os militares da política, legando ao atual regime, inaugurado em 1985 e escoimado de instrumentos de exceção, uma República federativa à altura do Brasil.
Uma compreensão mais equilibrada e menos passional do passado do País pode nos ajudar a entender o presente e os caminhos que se abrem à nossa frente. Por tudo o que aconteceu ao longo da História do Brasil, a sociedade brasileira sabe que as Forças Armadas continuarão a cumprir rigorosamente suas missões constitucionais. Mas neste momento de dificuldades por que passa o País ela espera mais. Ela conta que seus militares, da ativa e da reserva, não se esqueçam dos seus compromissos com a Pátria que juraram defender, servindo-lhe com ou sem uniforme, ciosos de sua cidadania, orgulhosos do que fizeram e confiantes no que podem fazer de bom para o bem do País.
É o que os brasileiros esperam de suas Forças Armadas.
VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA
‘Lutar pelo SUS é a tarefa imediata da esquerda democrática’, diz Luiz Sérgio Henriques
Ensaísta é um dos organizadores do lançamento da série de debates on-line sobre o centenário do PCB, a partir das 19h desta quinta-feira (25/3)
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
A esquerda democrática deve focar sua atuação em defesa do fortalecimento e aumento da eficiência do SUS (Sistema Único de Saúde) no momento em que o país ultrapassa a triste marca de 300 mil mortos por conta da Covid-19. De acordo com dados oficiais, é o próprio SUS que socorre a maioria absoluta de vítimas da doença no país. A avaliação é do tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques.
Levantamento do Conass (Conselho Nacional dos Secretários Estaduais da Saúde), com dados até 20 de janeiro, mostra que 13.045 leitos foram desabilitados pelo governo federal em plena pandemia. Mesmo com a alta disseminação do coronavírus, o Ministério da Saúde reduziu R$1,5 bilhão no repasse para financiamento de leitos para Covid em São Paulo, por exemplo.
Cidadania - 99 anos de lutas e conquistas
“Lutar pelo SUS é a tarefa imediata da esquerda democrática”, destaca Henriques, que é um dos organizadores da série de webinários mensais sobre os 100 anos de PCB (Partido Comunista Brasileiro). O lançamento dos eventos on-line será realizado a partir das 19h desta quinta-feira (25/3), a exatamente um ano da data de celebração do centenário. Confira mais detalhes ao final desta reportagem.
Oito personalidades, entre dirigentes e intelectuais, confirmaram presença no evento on-line, organizado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), para discutir “a lição de 1964” como caminho para defesa da democracia e combate aos riscos protagonizados pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O governo brasileiro tem sido criticado pela falta de ações articuladas para enfrentamento à pandemia.
“Melhorar serviços de saúde”
No Brasil, segundo o organizador, “o SUS é uma coisa extraordinária”. “Uma grande luta da esquerda democrática que defendo é melhorar, aprofundar, tornar mais eficiente, racionalizar o SUS, os serviços de saúde”, ressalta Henriques.
“Isso melhoraria a nossa sociedade e nos melhoraria como indivíduos, tornando-nos menos egoístas e mais fraternos”, acredita o ensaísta. Ele também é editor do site Gramsci e o Brasil e da página Esquerda Democrática no Facebook.
É consenso que a trajetória do PCB está relacionada ao comunismo histórico, fixado nos modelos da Revolução Russa (1917) ou, secundariamente, da Revolução Chinesa (1949), mas paulatinamente o partido evoluiu para a adesão ao reformismo democrático.
“Ligado, inicialmente, à chamada Terceira Internacional, o PCB iria enraizar-se no país, agitando e promovendo a chamada ‘questão nacional’ em chave anti-imperialista, mas a partir de meados dos anos 1950 iria redefinir o elemento nacional em função da ‘questão democrática’ e da necessidade de afirmar a democracia como via mestra da civilização brasileira”, diz.
Henriques ressalta que o partido, logo depois de 1964, assumiu protagonismo na luta pela redemocratização, o que, segundo ele, continua a ser uma das principais referências para superar a atual crise. “O grande legado do velho PCB para as forças progressistas no seu conjunto é a centralidade da questão democrática”, afirma.
“Crise aguda”
“Este é o momento de crise muito aguda da civilização brasileira. Nós temos a obrigação de refletir sobre o passado, sobre a nossa identidade como nação, e vermos as raízes da modernidade brasileira, tanto em sua grandeza como nas suas misérias”, assevera o ensaísta. “O Partido Comunista Brasileiro é uma dessas raízes”, acrescenta.
Henriques lembra que o PCB participou das mais importantes mobilizações populares para definição de diretrizes destinadas ao desenvolvimento do país, corporificadas no nacional-desenvolvimentismo dos governos de Getúlio Vargas (1930-1945) e Juscelino Kubitschek (1956-1961).
“A contribuição dos comunistas para a chamada questão nacional foi muito grande. E está aí até hoje, ainda que muitas vezes boa parte da esquerda atual se limite a repetir slogans e argumentos dos anos 50”, acentua o tradutor.
Segundo Henriques, o PCB teve “duas faces” desde o princípio: uma externa e outra interna. O partido, de acordo com o ensaísta, nasceu em função de um acontecimento externo, a Revolução Russa, que teve impacto global na esquerda.
No Brasil, por exemplo, o movimento anarquista, com implantação considerável em São Paulo, Rio e outros estados, se dividiu, e parte dos anarquistas filiou-se ao Partido Comunista, em razão do mito da revolução dos sovietes. “A presença de intelectuais, como Astrojildo Pereira, é outra marca da sua fundação. E até se pode dizer que é incalculável a presença do PCB e dos comunistas na cultura brasileira”, lembra.
Ditadura de Stalin
Ao longo dos anos, porém, o modelo externo entrou em decadência. “A Rússia era um país muito atrasado do ponto de vista industrial e, em geral, como sociedade. A industrialização foi muito custosa, em termos inclusive de vidas humanas. Um processo concentrado em pouquíssimos anos sob a ditadura de Stalin”, observa.
Em alguns momentos, a União Soviética voltaria a brilhar, por exemplo, na luta contra o nazismo, mas, em seguida, começou a se ofuscar de novo. “Houve tentativas de reforma e renovação, mas, ao fim, essas tentativas não se traduziram em reformas reais, num novo início. Este fracasso selou o fim do comunismo histórico”, explica o ensaísta.
Com a implosão da União Soviética, os partidos que tinham aquela dupla face também sofreram um esvaziamento em todo o mundo. “Quando falha a face externa, quando perde o poder de atração e desaparece, desaparece também certo tipo de ideal que orientava a história do PCB. Ele morreu, mas é importantíssimo dizer que não morreu a ideia de esquerda política”, analisa.
A seguir, confira a relação de participantes do webinário:
Roberto Freire: presidente nacional do Cidadania e advogado;
Dina Lida Kinoshita: professora aposentada do IF-USP (Instituto de Física da Universidade de São Paulo) e autora do livro “Mário Schenberg: o Cientista e o Político”;
Jarbas de Holanda: jornalista, analista político e vereador com mandato cassado pela ditadura militar
Luiz Carlos Azedo (mediador): jornalista, analista político e colunista do Correio Braziliense;
Luiz Werneck Vianna: cientista social e doutor em Sociologia pela USP (Universidade de São Paulo);
Marcelo Cerqueira: advogado e ex-deputado federal;
Moacir Longo: jornalista e vereador com mandato cassado pela ditadura militar;
Sergio Augusto de Moraes: engenheiro eletricista e militante do PCB.
SERVIÇO
Webinar 100 Anos de PCB: A lição de 1964
Dia: 25/3/2020
Horário: a partir das 19h
Transmissão:
Site da FAP: www.fundacaoastrojildo.com.br
Facebook: https://www.facebook.com/facefap
Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCg6pgx07PmKFCNLK5K1HubA
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Museu Nacional de Arte da Catalunha exibe as imagens do conflito feitas por Antoni Campañà, que as escondeu em uma caixa até que seu neto as descobriu em 2018
Um terceiro C se uniu, há apenas três anos, às grandes imagens feitas por Agustí Centelles e Robert Capa durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39): trata-se do catalão Antoni Campañà (Arbúcies, 1906 – Sant Cugat del Vallès, 1989), autor de milhares de fotos daquele conflito. Longe do caráter épico do trabalho de Centelles e Capa, as imagens de Campañà se centram no cotidiano da retaguarda e representam uma nova contribuição ao patrimônio fotográfico espanhol.
Três décadas depois da sua morte, um de seus netos encontrou duas caixas vermelhas na garagem da casa dele na cidade de Sant Cugat, vizinha a Barcelona, que estava prestes a ser vendida 2018. Dentro, junto com placas de vidro e outros negativos, havia 1.200 cópias, ampliadas no formato 13 x 18 centímetros. Estavam coladas a cartões com legendas que permitiam identificar mais de 5.000 negativos guardados em outra caixa, que Campañà tinha pedido a seus filhos que nunca tocassem.
O fotógrafo ―republicano, catalanista e católico (sempre levava no bolso uma imagem de Nossa Senhora do Carmo) – os tinha escondido por se sentir magoado com o uso propagandístico e repressor que as autoridades franquistas lhe tinham dado. Serviram como prova de crimes dos vencidos contra o novo regime. Novamente, como ocorreu com as malas de Centelles e Capa, uma caixa guardada zelosamente documentava parte de passado espanhol mais recente.
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Campañà tampouco era um desconhecido antes de 2018. Dele eram conhecidas 200 imagens publicadas em jornais e revistas. No ano da sua morte, a Fundação La Caixa lhe dedicou uma exposição na qual, entre 90 fotos selecionadas, só havia três sobre a Guerra Civil. As demais refletiam seu vasto trabalho em corridas de automóveis, jogos de futebol e dias de festa, seus temas preferidos. Agora, e até 18 de julho, a exposição La guerra infinita. Antoni Campañà. La tensión de la mirada. 1906-1989 reúne no Museu Nacional de Arte da Catalunha (MNAC) 367 fotografias inéditas, muitas das quais jamais haviam saído do negativo, e material documental que repassa a trajetória deste fotógrafo cabal, que registrou os dois lados do conflito, mas também soube se adaptar à normalidade trazida pelo fim da guerra.
Esta primeira retrospectiva, com curadoria de Arnau González i Vilalta, Plàcid García-Plainas e do neto que descobriu as imagens, Toni Monné, apresenta Campañà como um homem-banda da fotografia: artista, fotojornalista, especialista em revelação, gerente de várias lojas, agente da marca Leica, correspondente da edição espanhola da revista Galería e difusor da teoria fotográfica em artigos e livros. Apesar de seu extenso e elogiado trabalho, Campañà ficou de fora dos livros de história.
Com sua Leica, captou os milicianos que lutavam pela república, como a jovem e sorridente anarquista que, no meio das Ramblas de Barcelona, segura uma bandeira do sindicato CNT. É uma imagem célebre da guerra, porque o próprio sindicato a difundiu, mas até 2019 não havia sido atribuída a Campañà, porque ninguém o considerava um fotógrafo da Guerra Civil. Ele também registrou os refugiados que chegavam da Andaluzia a Barcelona em 1937, como uma mãe malaguenha retratada com seu filho, que recorda a mítica imagem de Dorothea Lange da crise de 1929, e que um jornal de Praga erroneamente situou no cenário da localidade basca de Guernica, bombardeada pela aviação nazifascista durante a guerra espanhola.
Também fez imagens dos devastadores efeitos dos bombardeios em Barcelona, as filas em busca de comida e os refeitórios sociais, o gigantesco enterro do líder anarquista Buenaventura Durruti, o macabro espetáculo das freiras mumificadas expostas na entrada das igrejas, como efeito do saque iconoclasta feito pelos anarquistas, e retratos de libertários tão chamativos que os próprios anarquistas fizeram cartões-postais com eles.
Campañà criou imagens em que não escondeu os vergonhosos protestos de mulheres por falta de alimentos diante de La Pedrera, célebre edifício do arquiteto Antoni Gaudí, onde então funcionava a sede da Secretaria de Abastecimento do Governo regional catalão; nem a enorme violência, refletida nos primeiros cadáveres ou inclusive nos cavalos sangrando em plena praça Catalunya, marco zero da cidade. “Em algumas se nota que Campañà se sente incômodo com o que retrata e, além de fotografar cadáveres, prefere mostrar a vida cotidiana, o sofrimento das pessoas e como elas se adaptam às circunstâncias”, diz seu neto, Toni Monné, para quem seu avô, “de aspecto risonho e dinâmico”, ficou “traumatizado para sempre” pela guerra, “o que o levou a esconder o material, que não falasse dele e não quisesse explorá-lo economicamente”.
Campañà fotografou os dois lados do conflito, sem estar comprometido com nenhum deles. Se em 1936 registrou os anarquistas rumando pela avenida Diagonal em direção à Frente de Aragão, em 1939 também imortalizou a retirada do exército republicano e os desfiles triunfais das tropas vencedoras franquistas pela mesma artéria urbana. Tudo com os contra-plongées (visão de baixo para cima) que tanto apreciava, como fez com sua famosa miliciana.
Ao final da guerra, Campañà trilhou o caminho do exílio, mas, ao passar pela cidade catalã de Vic decidiu voltar e se entregar em um quartel de Barcelona. Lá servia o engenheiro Ortiz Echagüe, grande fotógrafo pictorialista, com quem tinha colaborado no começo de carreira. Assim conseguiu evitar qualquer represália e continuar trabalhando, voltando aos mesmos cenários de antes da guerra.
Em uma de suas imagens de fevereiro de 1939, dias depois da ocupação de Barcelona pelas tropas do general franquista Yagüe, é uma jovem falangista quem, novamente nas Ramblas, tenta colocar um broche em um jovem de terno, que o aceita com um sorriso. Campañà continuou atuando como fotojornalista, apesar de ter tido sua inscrição negada no Cadastro Oficial de Jornalistas. Em 1944, depois da publicação do livro El Alzamiento, la Revolución y el Terror en Barcelona, de F. Lacruz, com fotos dele, decidiu esconder todo o seu material, condenando-o ao esquecimento. “Campañà poderia ter sido Agustí Centelles antes de Agustí Centelles, mas não quis ser a referência gráfica da Guerra Civil”, diz Arnau González.
Apesar de tudo, continuou a retratar com sucesso a nova Espanha, mostrando por exemplo a industrialização do país representada pela inauguração da fábrica de automóveis Seat, por encomenda do seu diretor, novamente Ortiz Echagüe, que queria divulgar as instalações industriais e os carros lá produzidos. Conseguiu ser um grande fotógrafo esportivo. Entre 1954 e 1957, acompanhou a construção do Camp Nou e, ao lado de Joan Andreu Puig, fundou o selo CYP, o primeiro a produzir cartões-postais turísticos coloridos em escala industrial.
Coincidindo com a exposição, o MNAC recebeu em seu acervo, depois da doação da família, 62 bromóleos (um tipo de impressão a óleo) da sua etapa pictorialista – movimento fotográfico que busca aproximar as imagens da pintura. Trata-se de uma técnica que ele aperfeiçoou em 1933 durante um curso que fez na sua viagem de lua-de-mel à Baviera (Alemanha), quando se impregnou da nova visão de Rodchenko e da estética centro-europeia. São imagens, inquietantes e vaporosas, com as quais Campañà conseguiu se tornar um dos fotógrafos artísticos espanhóis mais difundidos e premiados internacionalmente, como duas de suas imagens mais conhecidos até agora: Tração de Sangue, adquirida pelo Governo catalão em 1994 e Espantalho, as duas de 1933, em que une sua paixão pela beleza de um mundo rural e agrário prestes a desaparecer a enquadramentos atrevidos e linhas de composição em vertiginosas diagonais, influenciadas pelas correntes estéticas da Nova Visão alemã e do construtivismo soviético. São os mesmos enquadramentos que manteve em suas fotos da guerra, nas quais sempre procurava um aspecto artístico. Porque, em Campañà, a estética prevaleceu sobre o relato narrativo explícito, mesmo em meio à crueldade da guerra.
Lição de 1964 marca luta do PCB por ampla frente democrática no país
Especialistas começam a discutir centenário do partido, celebrado em março de 2022, em série de webinars da Fundação Astrojildo Pereira que será lançada no próximo dia 25/3
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Perto de completar 100 anos, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) volta a ser reforçado por especialistas como referência na luta pela defesa e rearticulação de ampla frente democrática para conscientizar a população e vencer o autoritarismo no país.
Ao longo dos anos, a autocrítica fez o partido político avançar com sua identidade, passando a se chamar hoje Cidadania, e, sobretudo, fortalecer o combate a retrocessos pela via institucional.
O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, é um dos oito especialistas que confirmaram presença no lançamento da série de webinar mensal sobre os 100 anos de PCB, a partir das 19h da próxima quinta-feira (25/3), a exatamente um ano da data de celebração do centenário. Começa a contagem regressiva.
Em seu portal, canal no Youtube e em sua página no Facebook, a FAP (Fundação Astrojildo Pereira) vai transmitir todos os debates da série. O primeiro vai abordar “as lições de 1964” como caminho para defesa da democracia e combate aos riscos protagonizados pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
“Negação de governo”
Tomado pelo negacionismo da pandemia da Covid-19, que está perto de fazer 300 mil vítimas no Brasil, o presidente já é considerado por 56% dos brasileiros como incapaz de liderar o país, segundo a mais recente pesquisa Datafolha, divulgada na quarta-feira (17/3).
“Bolsonaro é a negação de um governo, até do ser humano. É um genocida”, critica Freire, em entrevista ao portal da FAP. De acordo com ele, é urgente a união de forças democráticas “daqueles que viveram a história recente do país e que ainda têm perspectivas do Brasil do século 21”.
“A história do PCB é de se pensar um Brasil mais justo, mais igualitário, e esse esforço continua. Evidentemente, o mundo é outro, e não podemos imaginar e repetir tudo que fizemos. É a história que nos ajuda a saber como continuar construindo o futuro”, diz o presidente nacional do Cidadania, que deu nova identidade política ao PPS (Partido Popular Socialista), originado do PCB (Partido Comunista Brasileiro), fundado em 1922.
“Intuito golpista”
Diretor-geral da FAP, Caetano Araújo, doutor em Sociologia e consultor legislativo do Senado, observa que, a partir do golpe militar de 1964, existem lições que precisam ser apreendidas e são válidas para compreender o contexto político brasileiro.
“É preciso enxergar a direção de uma conjuntura semelhante ao pré-golpe, quando setores importantes da política e da sociedade se articularam em claro intuito golpista”, alerta Araújo. Ele também é autor de livros como Política e Valores, publicado pela UnB (Universidade de Brasília).
Para o sociólogo, Bolsonaro é um grave risco à democracia. “Temos que procurar forças de resistência semelhantes as que foram empregadas no período pós 64, unindo todas as forças democráticas contra o golpe. No nosso caso, unir forças contra movimentos golpistas que emanam do presidente da República e de ciclos próximos a ele”, afirma.
Após o golpe militar, conforme destaca Araújo, o PCB firmou ainda mais sua atuação em defesa de anistia, eleições diretas e constituinte, as quais, segundo ele, “eram três palavras de ordem definidas em resoluções do 6º Congresso do PCB, realizado em 1967."
Registro histórico
Para ter o registro histórico das lutas do grupo político, o Órgão Central do Partido Comunista publicou o jornal mensal Voz Operária até 1979. O objetivo, conforme registrado em um de suas edições, era propor ação conjunta e fortalecimento das massas.
Hoje, segundo os especialistas, a publicação permite resgate político da luta pela redemocratização do Brasil na segunda metade dos anos 1970 e serve como documento de referência para consolidação da esquerda democrática.
Em continuidade ao projeto de publicação dos anos 1970, cessada com o retorno de anistiados ao Brasil, o partido publicou novo jornal, de 1980 a 1991. Ao longo desse período, o Voz da Unidade manteve acesos os valores democráticos e republicanos defendidos, na época, pelo então PCB, e deu mais combustível à luta pela legalização do partido.
Pilar essencial
Segundo os participantes do webinar sobre os 100 anos de PCB, os jornais serviram como pilar essencial para a construção da unidade das forças democráticas que derrotaram o regime militar.
Os dois jornais foram veículos de comunicação corajosos, comprometidos com as lutas sociais e a democratização do país. As edições digitalizadas deles estão disponíveis, para acesso gratuito, no portal da FAP.
A seguir, confira a relação de participantes do webinar:
Roberto Freire: presidente nacional do Cidadania e advogado;
Dina Lida Kinoshita: professora aposentada do IF-USP (Instituto de Física da Universidade de São Paulo) e autora do livro “Mário Schenberg: o Cientista e o Político”;
Jarbas de Holanda: jornalista, analista político e vereador com mandato cassado pela ditadura militar
Luiz Carlos Azedo (mediador): jornalista, analista político e colunista do Correio Braziliense;
Luiz Werneck Vianna: cientista social e doutor em Sociologia pela USP (Universidade de São Paulo);
Marcelo Cerqueira: advogado e ex-deputado federal;
Moacir Longo: jornalista e vereador com mandato cassado pela ditadura militar;
Sergio Augusto de Moraes: engenheiro eletricista e militante do PCB.
SERVIÇO
Webinar 100 Anos de PCB: A lição de 1964
Dia: 25/3/2020
Horário: a partir das 19h
Onde: https://www.facebook.com/facefap, site e no canal do Youtube da FAP
Gianluca Fiocco: Comunismo e democracia em Togliatti - 100 anos do PCI
STORIA POLITICA: O PSI inicialmente aderiu à Terceira Internacional. Quais foram as principais motivações? Quais ideias tinham o grupo de L’Ordine Nuovo e Togliatti nesta primeira fase?
GIANLUCA FIOCCO: O PSI não aderiu à União Sagrada de 1914, contrariamente a outros partidos socialistas, e com a guerra em andamento sustentou iniciativas para relançar um projeto internacionalista depois do colapso da Segunda Internacional [1]. As turbulências russas de 1917 foram saudadas pelos socialistas italianos como grande evento libertador, mesmo com diferenças entre o componente reformista e o maximalista. A clara predominância deste último no Congresso de Bolonha (outubro de 1919) coincide com a adesão à recém constituída Terceira Internacional. Mas o PSI do biênio vermelho, como se sabe, não escolhe coerentemente nem uma linha revolucionária nem uma linha reformadora. Fala-se muito de revolução, projetando uma onda subversora em toda a Europa, mas não há nenhuma atividade preparatória neste sentido.
Em Turim, ponta avançada da classe operária italiana, os jovens dirigentes de L’Ordine Nuovo dão vida à experiência original dos conselhos de fábrica, nestes percebendo o correspondente italiano dos sovietes. Os ordinovistas, entre cujos dirigentes fundadores está Togliatti, operam ativamente pela revolução, considerando que no país existem as condições para uma tomada do poder. Chega-se assim ao teste de força da ocupação das fábricas em setembro de 1920. Em Turim se nutre a esperança de poder dar um golpe decisivo na classe patronal, mas na realidade a contraofensiva de classe está às portas. Togliatti, enviado a Milão para estimular uma ampliação em sentido revolucionário da luta em curso, se choca com as ideias bem diferentes das direções do PSI e da CGIL. Com amargo sarcasmo, Togliatti recordaria nas notas biográficas recolhidas por Marcella e Maurizio Ferrara as objeções bizantinas que lhe foram dirigidas no Conselho Nacional socialista: “Quem autorizou a Seção Socialista de Turim, órgão político, a desencadear um movimento de natureza sindical? E quais eram as reivindicações? Elas foram apresentadas tempestivamente aos órgãos superiores de direção? E por que se deveria ampliar o movimento? Estes conselhos de fábrica, pelos quais se fazia a greve, eram algo ortodoxo, que havia nos estatutos, ou eram uma invenção de intelectuais?”. A Togliatti só restou voltar melancolicamente para Turim, onde participou das negociações com as autoridades para estabelecer formas e tempos da retomada do trabalho.
SP: De que modo o grupo de L’Ordine Nuovo e Togliatti contribuíram para a criação do PCd’I? Quais eram as diferenças em relação às ideias de Bordiga?
GF: No outono de 1920, tanto os ordinovistas quanto os bordiguianos já estavam determinados a romper com os reformistas, considerados traidores e inimigos dos reais interesses do proletariado. Mas também com os maximalistas a convivência se tornou dificílima, uma vez que não pretendiam se separar dos reformistas. Esta separação havia sido pedida por Lenin no II Congresso da Internacional (julho de 1920), mas o líder maximalista Giacinto Menotti Serrati não acolheu a solicitação, incluída nas chamadas “vinte e uma condições” ditadas para a filiação à Internacional. Entre elas, a mudança de denominação de partido socialista para partido comunista. Era precisamente do centro do nascente movimento comunista que vinha a ordem de assumir uma posição inequivocamente revolucionária. O nascimento do PCd’I ocorreu a partir da convergência do grupo de Bordiga e do turinense, com o primeiro em posição predominante, mesmo porque possuía maior ramificação nacional. Entre os dois grupos não faltavam diferenças até relevantes: os ordinovistas se caracterizavam por um costume de síntese político-cultural inteiramente peculiar; além disso, sua concepção da relação entre partido e classe operária era distante da de Bordiga. Mas nesta fase prevaleceu a ideia comum da necessidade de constituir um partido novo, que devia ser disciplinado e impermeável a qualquer influência do reformismo e do pacifismo burguês. Isto fez com que pusessem de lado todas as potenciais divergências, que ressurgiriam mais à frente.
SP: Que posições Togliatti expressou no Congresso de Livorno?
GF: Togliatti acompanhou desde Turim a evolução congressual e compartilhou plenamente a decisão de separar-se do PSI e fundar o novo partido comunista. Esteve certamente entre os que não cumpriram este passo com otimismo superficial. Nos seus escritos daqueles dias surge a consciência de que se iniciava um caminho necessário, mas também marcado por grandes problemas e incógnitas. A perspectiva revolucionária, que parecera ao jovem dirigente, concreta durante a ocupação das fábricas, agora parece algo a ser construído com um trabalho difícil e paciente. As derrotas ensinaram a todo o grupo turinense, que empreende uma reflexão sobre as diferenças entre as várias zonas do país, entre operários e camponeses, entre Norte e Sul. Iniciavam-se as expedições punitivas do esquadrismo fascista. Togliatti começará a dedicar grande atenção ao seu estudo, enquanto os bordiguianos negarão a especificidade do fascismo.
SP: De que modo o exílio na União Soviética influenciou Togliatti no segundo pós-guerra?
GF: Togliatti viveu toda a dureza e todos os dramas da “guerra civil europeia”. Depois da sua volta à Itália, é provavelmente o dirigente do comunismo ocidental que mais se esforça e aposta na possibilidade de deixar para trás esta fase terrível e iniciar um novo caminho na construção do socialismo. Um caminho que não passe por novas catástrofes bélicas. Certamente a sua é uma geração comunista que com a URSS estabelece uma “ligação de ferro” – a definição, como se sabe, pertence ao próprio Togliatti –, consolidada pelas perseguições, pelo esforço de modernização empreendido pelo colosso soviético, pela difusão dos fascismos na Europa até a agressão nazista de 1941. Togliatti adere aos traços fundamentais do stalinismo: a URSS é o baluarte do socialismo e sua defesa é a tarefa primeira de todo comunista. Ao mesmo tempo, nos anos do exílio Togliatti várias vezes se propõe o problema da nacionalização dos partidos comunistas, da importância do seu enraizamento e do estudo de programas e formas de luta calibrados segundo os contextos específicos em que os comunistas veem agindo. Trata-se de uma experiência que determina em Togliatti uma atenção sistemática ao nexo nacional-internacional: os partidos comunistas devem agir sempre como parte de um movimento global, mas nenhuma estratégia global pode ser imposta a cada partido, sem levar em conta as tradições locais e o contexto em que operam.
SP: Quais ideias de Togliatti do primeiro pós-guerra sobre a ideia de partido encontramos no segundo pós-guerra com o “partido novo”?
GF: A página do segundo pós-guerra é uma página nova. O PCd’I nasceu e se desenvolveu como pequena formação de militantes temperados e disciplinados, em luta contra violências e perseguições. A refundação na metade dos anos vinte, com Gramsci secretário, mudou programas, métodos e perspectivas, mas o partido continuava a ser de “revolucionários profissionais”, entre o exílio e a conspiração interna. Costumes e mecanismos severíssimos de adesão ao partido são abalados por Togliatti quando chega a Nápoles em 1944. Vários testemunhos da época nos referem o desconcerto dos dirigentes com o modelo do partido de massas que é adotado. Togliatti refletiu sobre as características inovadoras introduzidas pelo partido fascista, sobre as características de massa que a política deverá necessariamente manter e reforçar, agora num contexto pluralista. Inicia-se um desafio com os católicos para conquistar adesões na sociedade. Uma seção do PCI para cada campanário: esta é a meta indicada por Togliatti. Certamente, dentro do partido de massas se conserva e atua um núcleo “leninista” selecionado pelo exílio e pela Resistência. A este núcleo mais duro cabe a tarefa de cerrar as fileiras do partido durante o inverno da guerra fria.
O partido novo, pois, como descontinuidade fundamental possibilitada pela História e pelas suas reviravoltas. Podemos, no entanto, observar que há uma lição do primeiro pós-guerra que permanece em Togliatti: o fato de que os movimentos, por mais avançados que sejam (pensemos nos conselhos de fábrica), necessitam de um partido que organize a luta política e cultural, servindo de articulação com a sociedade. Esta visão se reforça ainda mais a partir de 1944, quando os comunistas aceitam o horizonte da democracia. “Os partidos – observa Togliatti na Constituinte de julho de 1946 – são a democracia que se organiza. Os grandes partidos de massa são a democracia que se afirma, que conquista posições decisivas, as quais nunca mais serão perdidas”.
SP:Que papel teve Togliatti na fase constituinte e como mudou depois de 1947?
GF: Ao lado da edificação do partido novo, os esforços principais de Togliatti foram destinados à conquista da República e à sua caracterização no sentido mais progressista possível. Entre os principais líderes políticos, foi o que mais participou dos trabalhos da Constituinte, na qual operou ativamente na Comissão dos 75 e, em seguida, no Comitê dos 18, encarregado de costurar num texto único os artigos formulados pelas diversas subcomissões. Na primeira reunião dos deputados comunistas disse que toda concepção agitatória e retórica do parlamentarismo devia ser abandonada: aquela era a Assembleia conquistada pelo povo, que devia traçar o caminho para uma inserção cada vez mais plena das massas populares na vida do país e nos seus centros de direção.
Togliatti considerou o terreno da Constituinte como um encontro de culturas diversas, chamadas a buscar elementos originais de convergência, sem erigir muros ou cair em disputas ideológicas. Só através de um esforço rigoroso se chegaria a uma Constituição duradoura, capaz de acompanhar o povo italiano num caminho de paz e progresso. A Constituição não devia se limitar a registrar as condições do tempo presente: representava também um programa para o futuro. Esta posição togliattiana foi bem percebida na época por Piero Calamandrei.
Podemos dizer que em Togliatti, como em tantos outros pais da República, esteve presente naquele período um espírito risorgimentale. Ao Estado unitário surgido em 1861 se devia conferir nova linfa, reorganizando-o e abrindo-o definitivamente em sentido democrático. Este era o papel histórico que recaía em primeiro lugar sobre os partidos de massa. Togliatti atribuiu particular importância ao diálogo com a DC, por ele considerada como o eixo do sistema político. Com os “professorzinhos” democrata-cristãos da primeira subcomissão houve uma negociação muito intensa, de modo que as esperanças comuns permitiam declinar positivamente as diferenças.
O gelo da guerra fria que recrudesceu no correr de 1947 não fez com que Togliatti recuasse dos seus propósitos. O espírito constituinte foi preservado – mesmo depois da exclusão dos comunistas do governo – na Constituição apôs sua assinatura Umberto Terracini, presidente comunista da Assembleia por cuja nomeação Togliatti se batera depois da demissão de Saragat. Foi um desfecho destinado a se revelar importante para a manutenção do sistema republicano, bem diferente do que aconteceu na França, onde o PCF decidiu não aprovar a Carta constitucional, mesmo tendo contribuído fortemente para sua redação.
O ano de 1948 foi ainda mais duro – com o “choque de civilizações” de 18 de abril e os dias dramáticos do atentado de Pallante [2] –, mas o limiar que podia conduzir a um banho de sangue não foi ultrapassado. Para este resultado contribuíram a moderação e o realismo de Togliatti, mas também sua fidelidade à aposta democrática que fora feita. Por certo, à expectativa de democracia progressiva sucedeu o cenário de uma guerra de posição de duração provavelmente longa e com mil incertezas, em que se fazia sentir o perigo de uma ilegalização do PCI.
SP: Quais foram as críticas de Togliatti ao centrismo e à centro-esquerda? Que críticas dirigiu ao PSI durante a centro-esquerda?
GF: Para Togliatti, o centrismo tinha uma dupla e gravíssima culpa: em política externa ligava a Itália intimamente ao bloco ocidental e à batalha contra o comunismo; em política interna negava as dimensões progressistas de 1944-1947 e permitia, ao contrário, a “restauração capitalista”, no sentido da reproposição do modelo de baixos salários e baixo consumo que sempre marginalizara as massas. Togliatti amadurece um fortíssimo ressentimento em relação a De Gasperi, sente-se traído pelas suas escolhas. Ao mesmo tempo, tenta sempre aproveitar a oportunidade de sair da trincheira da guerra fria, de demonstrar que os comunistas podem oferecer uma contribuição à evolução democrática do país. Mesmo julgando limitadas e insuficientes as reformas do centrismo, reivindica o papel do PCI ao favorecer sua adoção. Em outras palavras, para ele o centrismo freou e desvirtuou o caminho prefigurado na Constituinte, mas não fechou todas as portas. Na DC permanecem forças progressistas e sensíveis às instâncias populares, que se deve aproveitar. Também daqui nasce o conhecido apelo de 1954 “por um acordo entre comunistas e católicos para salvar a civilização humana”.
Em relação à centro-esquerda, distinguimos em Togliatti diversas fases, ligadas à evolução do quadro político. Depois da derrota da “lei trapaça” [3], bate-se para que se concretize a “abertura à esquerda”, que permita superar as barreiras do centrismo. Para o PCI existe o perigo de que esta abertura redunde em afrouxamento dos laços com o PSI, mas num certo ponto Togliatti aceita que os socialistas adquiram maior liberdade de movimento (depois dos abalos de 1956 a coisa se torna inevitável). O que para Togliatti não é aceitável é que um acordo de governo entre DC e PSI se torne uma operação transformista que perpetue o sistema de poder democrata-cristão. Sobre isso se inflama periodicamente o choque com Nenni.
Para Togliatti, o PCI deve aproveitar toda brecha para levar adiante, em sentido progressista, a dialética da luta política. Em 1962 anuncia uma oposição construtiva à centro-esquerda “programática” e apoia suas reformas, ainda que observando nelas uma série de limites. Togliatti reconhece as transformações sociais e econômicas em curso – são os anos do “milagre” – e se abre para a possibilidade de se criar na Itália as condições para uma política reformadora em linha com a dos países europeus mais avançados: diante desta possibilidade o PCI deverá fazer sua parte no debate das ideias, no Parlamento, no corpo da sociedade. Mas a seguir, depois das eleições de 1963, quando a centro-esquerda recua e as resistências tradicionais à mudança surgem fortíssimas, Togliatti se torna bastante mais pessimista. Aos seus olhos, a burguesia italiana volta a mostrar a face reacionária e a DC continua a ser sua fiadora. No seu último editorial em Rinascita antes da morte, se perguntará angustiado: “Em que medida os grupos dirigentes da grande burguesia italiana, industrial e agrária, estão dispostos a aceitar nem que seja só um conjunto de modestas propostas de reformismo burguês? Isto é, em que medida é possível, na Itália, um reformismo burguês?”. Por trás destas interrogações se repropõe a tarefa histórica do proletariado italiano de compensar os limites da burguesia nacional. Estas interrogações também nos fazem compreender a máxima togliattiana segundo a qual na Itália, para fazer as reformas, é preciso ser revolucionário.
SP: Que aspectos, segundo o senhor, deveriam ser aprofundados por ocasião deste centenário do PCI?
GF: Creio que a tarefa principal para a investigação histórica é, hoje, aprofundar o modo pelo qual terminou o PCI, até porque seria uma contribuição fundamental para reconstruir o fim da primeira fase da República. Trata-se de um episódio em que os fatores internacionais são fundamentais. Com a grande transformação dos anos setenta, produz-se a crise fatal dos sistemas comunistas, e o PCI, que apostava na possibilidade de reformar estes sistemas, sofre um golpe terrível. Inicia para Botteghe Oscure [4] uma navegação solitária: não mais inserido no movimento comunista como antes, o PCI permanece, ao mesmo tempo, fora do mundo da socialdemocracia. Com o final da guerra fria e o advento da globalização, ambas as famílias históricas do movimento operário europeu restam sob os escombros do muro de Berlim. Deste ponto de vista, podemos inserir o fim do PCI no ocaso geral da esquerda do século XX. Mas também existem especificidades italianas sobre as quais se deverá continuar a indagar e a refletir. É uma reflexão necessária: passaram-se trinta anos, mas o sistema político italiano não conseguiu se dotar de instrumentos sequer comparáveis ao papel de cimento que desempenhavam os tão vituperados partidos da “primeira República”. Voltar à razão por que, num certo momento, não foram mais capazes de desempenhá-lo pode ser útil em relação aos desafios do tempo presente.
Gostaria de encerrar com duas observações. A primeira (negativa) é que a inevitável transformação do PCI poderia e deveria ter sido gerida de modo mais razoável, realista e respeitoso da sua tradição política e cultural. Por que isso não ocorreu? Eis a pergunta crucial e reveladora de problemas mais gerais da história do nosso país. A segunda (positiva) é que a batalha do PCI para transformar os súditos em cidadãos, emancipar as massas e inseri-las na vida pública, foi um componente fundamental do esforço, coroado de sucesso, realizado pelo povo italiano para deixar para trás as ruínas da ditadura e da guerra, e empreender um novo caminho de progresso. Enquanto o PCI cumpriu estas tarefas, necessárias para o desenvolvimento da Nação, foi um partido vital, que extraía linfa dos próprios efeitos da sua ação. Em certo ponto, porém, quando se tratou de repensar este papel à luz das transformações da Itália e do mundo, não conseguiu fazê-lo adequadamente. Refletir sobre o declínio e o fim do PCI representa, pois, uma chave importante para raciocinar sobre tais transformações que produziram o mundo em que vivemos hoje.
Notas
[1] A Union Sacré, na França, garantiu o apoio de boa parte dos socialistas franceses ao esforço de guerra do seu governo contra a Alemanha, na Primeira Guerra Mundial. Implicava naturalmente o abandono da sua tradição pacifista e internacionalista dos socialistas.
[2] Em 18 de abril de 1948, realizaram-se as eleições parlamentares que garantiriam à Democracia Cristã, apoiada pelo Ocidente, seu prolongado domínio na vida do país, quebrando a unidade antifascista que havia caracterizado o imediato pós-guerra. Antonio Pallante foi o autor, em 14 de julho de 1948, de grave atentado contra a vida de Palmiro Togliatti, abrindo no país até mesmo a possibilidade de guerra civil.
[3] Na história política italiana, a “lei-trapaça”, de 1953, pretendia dar um forte prêmio de maioria às forças que conseguissem a metade dos votos válidos. Desenhada em função dos interesses democrata-cristãos, a lei não entrou em vigor: nas eleições políticas do mesmo ano, as forças que a promoviam ficaram a poucos milhares de votos do limiar proposto.
[4] Botteghe Oscure, a sede histórica do PCI na rua de mesmo nome, no centro de Roma.
(Entrevista originalmente publicada no blog Storia e politica – www.storiapolitica.altervista.org , em 28 de fevereiro de 2021. Tradução de Luiz Sérgio Henriques).
Demétrio Magnoli: Eu acuso!
Primeiro dever do historiador é fugir da armadilha do anacronismo
Na Califórnia, o Conselho de Educação de São Francisco mudou os nomes de 44 escolas, varrendo figuras racistas do passado e, de passagem, também Abraham Lincoln. Na Folha (19/1), Marcelo Coelho reativou a campanha pelo cancelamento de Monteiro Lobato, rotulando-o como um “racista delirante”. Ezra Klein tem razão ao concluir que, por essas vias, transforma-se a política mais em estética que em programa (Folha, 12/2).
Cada geração tende a reinventar a história à sua imagem, atribuindo aos personagens do passado as virtudes ou pecados que tocam nas sensibilidades do presente. O Lincoln oficial é Grande Emancipador; o dos dirigentes escolares de São Francisco é o político que se opunha tenazmente ao exercício do sufrágio pelos negros. Depois de cancelar os líderes da Confederação, a esquerda identitária americana precisa seguir adiante, condenando ao opróbrio todos os que não abraçam seus valores. O primeiro dever do historiador é fugir da armadilha do anacronismo, inscrevendo os personagens que estuda na moldura de sua própria época. Mas o anacronismo constitui a ferramenta imprescindível dos emissários da atual política simbólica.
Lincoln simplesmente compartilhava as ideias predominantes no seu tempo. Lobato debatia-se com as encruzilhadas reais ou imaginárias da metade inicial do século 20. O método de pinçar frases racistas em suas obras ou cartas pessoais serve, exclusivamente, para obter aplausos da plateia cúmplice que milita no identitarismo acadêmico.
Que tal democratizar o anacronismo? Eu acuso W.E.B. Du Bois, “pai fundador” do movimento negro americano, de nutrir certas simpatias pelo nazismo. Acuso Abdias do Nascimento, prócer do moderno movimento negro brasileiro, de propagar as ideias fascistas da Ação Integralista Brasileira. E acuso milhares de negros do Brasil do século 19 de terem sido proprietários de escravos. Minhas cápsulas de verdades fora de contexto, artimanhas no palco do ilusionismo, esclarecem tanto quanto a sentença inquisitorial lançada contra Lobato.
As musas da Sorbonne costumavam soprar nos ouvidos dos intelectuais brasileiros. Não mais. Hoje, os cavaleiros andantes da política identitária seguem gurus americanos –e querem que o Brasil seja os EUA. O problema é que, quando se trata de nação e raças, a América Latina tomou rumo diferente.
Enquanto os EUA praticavam a segregação racial oficial, o mexicano José Vasconcelos (1882-1959) e o brasileiro Gilberto Freyre (1900-1987) enalteciam a miscigenação. Lobato não adotou nenhum dos dois polos, ensaiando um raciocínio inclinado à conciliação de raças. Os três, porém, pisavam um chão ladrilhado por conceitos raciais que só seriam superados na metade final do século 20. A acusação a Lobato nada diz sobre o escritor, mas pinta um retrato preciso de seus acusadores.
A crítica literária Ana Lúcia Brandão recolocou o debate sobre Lobato no seu devido lugar (Folha, 15/2), descortinando amplos horizontes para divergências civilizadas. Vã esperança: Coelho retrucou comparando-a aos terraplanistas. Se não rezam pela cartilha de Bolsonaro, são comunistas; se contestam o manual de cancelamento da política identitária, serão terraplanistas. Vamos mal.
A política estetizada ignora os dilemas que interessam às pessoas comuns. As escolas de São Francisco permanecem fechadas –mas seus nomes foram devidamente sanitizados. O Pisa revela que o ensino público brasileiro continua a sonegar o direito à educação aos filhos de famílias de baixa renda de todas as cores –mas temos cotas raciais nas universidades e cercaremos com bandeiras de alerta as frases suspeitas de Lobato. São Paulo empurra seus pobres a periferias cada vez mais distantes –mas logo removerá a Estátua do Empurra da entrada do Ibirapuera.
A estética nos consome: lancetamos símbolos. Sorte da direita populista.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Arquivo S: Há 130 anos, primeira Constituinte da República teve queixas da Igreja e ausência do povo
Depois da Proclamação da República, o Brasil só voltaria à plena legalidade em 24 de fevereiro de 1891, quando os senadores e deputados reunidos longe da cidade entregaram ao país a sua Carta republicana
Ricardo Westin, Agência Senado
Em 18 de novembro de 1889, três dias após a derrubada de D. Pedro II pelos militares, o jornalista republicano Aristides Lobo escreveu, num célebre artigo publicado no jornal Diário Popular, que não houve povo nesse episódio histórico: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada [militar]”.
O Brasil passou a ser conduzido pelo governo provisório do marechal Deodoro da Fonseca e só voltaria à plena legalidade em 24 de fevereiro de 1891, um ano e três meses depois da Proclamação da República, quando os senadores e deputados reunidos no Congresso Constituinte entregaram ao país a sua primeira Carta republicana. A promulgação da Constituição de 1891 completa 130 anos neste mês.
Documentos da virada de 1890 para 1891 guardados hoje nos Arquivos do Senado e da Câmara dos Deputados mostram que tampouco houve povo nesse segundo momento decisivo da história nacional, no qual o Congresso Constituinte desenhou os novos contornos institucionais do Brasil.
— Sinto a minha alma partida quando olho para estas galerias e não vejo o elemento que nos deveria cercar, o elemento popular — queixou-se, num discurso, o deputado Aristides Zama (BA).
A feitura da Carta de 1891 foi bem diferente da construção da Carta de 1988, vigente hoje e marcada pela intensa contribuição popular.
No fim do século 19, os constituintes se reuniram no Paço de São Cristóvão, praticamente na zona rural do Rio de Janeiro. Para percorrer os 6 quilômetros entre o Centro e São Cristóvão, as carruagens levavam duas horas e meia.
— O governo não deveria ter cogitado em pôr o Congresso no deserto, impedindo o povo de ver como os seus representante tratam de seus altos interesses — criticou Zama. — Nós devíamos estar trabalhando lá no coração da cidade, de modo que o homem do povo que tivesse uma hora vaga pudesse entrar no Congresso Constituinte Nacional. O povo está daqui afastado. Afastaram-no a distância, a dificuldade, o elevado preço do transporte. Quereis fazer a República e afastais o povo dos lugares em que pode e deve aprender o que é uma democracia?
Para o deputado e pintor Pedro Américo (PE), outro crítico da localização remota do Paço do São Cristóvão, houve segundas intenções nessa escolha:
— Há quem diga que o Congresso reúne-se longe da cidade para evitar as assuadas [vaias] populares.
Reforçava essa hipótese o fato de o Paço de São Cristóvão não dispor da estrutura adequada para abrigar ao mesmo tempo os 205 deputados e os 63 senadores do Congresso Constituinte. O local fora construído como residência. Até D. Pedro II ser expulso do país, em 1889, São Cristóvão havia sido a morada da dinastia de Bragança. Os constituintes reclamavam que o ambiente era um “forno” e que a acústica era péssima, o que lhes exigia “pulmões de ferro” na hora de discursar.
— Se nos mandassem para a Índia [discutir a Constituição], também iríamos muito caladinhos? — continuou Pedro Américo, indignado. — Seja a antiga Câmara [dos Deputados] ou qualquer outro edifício, o que é necessário é nos mudarmos para lugar menos impróprio do que este palácio, o qual seria muito mais apropriado para servir de museu histórico nacional ou simplesmente para as reuniões festivas e solenes do Congresso.
O natural, de fato, era que os constituintes se reunissem na Câmara da época imperial ou então no Senado, ambos desativados e localizados no Centro, mas tal possibilidade já estava descartada. O marechal Deodoro sabia que parte considerável dos habitantes do Rio — incluindo os antigos escravos beneficiados pela Lei Áurea — era partidária da Monarquia e, como tal, poderia atrapalhar os planos do governo republicano caso decidisse comparecer em massa e fazer algum tipo de pressão sobre o Congresso Constituinte.
O movimento republicano sempre foi minúsculo e jamais conseguiu angariar a mesma adesão popular que o movimento abolicionista. O próprio Deodoro era monarquista convicto e só se juntara na última hora aos conspiradores de 1889. A popularidade de D. Pedro II era tamanha que o embarque da família imperial no navio que a levou para o exílio ocorreu de madrugada, enquanto o Rio dormia. Assim, o Governo republicano evitou conflitos e manifestações a favor do imperador.
— Queria que a República não tivesse medo do povo, que não fizesse como certos domadores de feras, que só acariciam as jubas do leão quando ele está açaimado [amordaçado]. Somos muito engraçados: lisonjeamos o povo de longe, mas, quando temos de encontrar com ele, fugimos — discursou o deputado Francisco Badaró (MG). — Se o povo brasileiro estivesse nesta Casa palpitante como está no interior do país, a obra sairia diferente.
O medo do povo também pode ser depreendido de um dos primeiros artigos da Constituição de 1891, o que determinou a transferência da capital para o centro do país. Foi a primeira vez que a nova capital apareceu numa lei. Segundo historiadores, isso se explica principalmente pela preocupação que o primeiro Governo republicano tinha em relação à possibilidade de se formar no Rio algum movimento pela restauração monárquica.
No entanto, a consolidação da República ao longo dos anos seguintes faria o preceito constitucional da mudança da capital ser esquecido, para só sair do papel em 1960, com a inauguração da Brasília.
A Constituição de 1891, promulgada pelos senadores e deputados constituintes 15 meses após a derrubada de D. Pedro II, estabeleceu as bases políticas sobre as quais o país se ergue até os dias de hoje: a República, o presidencialismo, os três poderes e o federalismo.
Até 1889, as bases eram bem diferentes. Como Monarquia parlamentarista, o Brasil tinha imperador e primeiro-ministro. Havia o poder oderador, que era exercido pelo monarca e prevalecia sobre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Diferentemente dos atuais estados, as antigas províncias eram meros braços do governo central e quase não tinham autonomia política e financeira. Nem sequer escolhiam seus próprios presidentes (como se chamavam os governadores).
Entre as raras vozes da sociedade que conseguiram se manifestar na Constituinte de 1890-1891, estiveram o Apostado Positivista e a Igreja Católica, ambos por meio de carta. Os seguidores do positivismo (filosofia na época em voga que pregava que só a ciência garantiria o progresso da humanidade) recomendaram aos parlamentares que ficassem atentos para não cair em “utopias comunistas”. Os religiosos, por sua vez, não gostaram de ver o catolicismo perdendo o status de religião oficial do Brasil e os subsídios dos cofres públicos.
“A separação violenta, absoluta e radical não só entre a Igreja e o Estado, mas entre o Estado e toda religião, perturba gravemente a consciência da nação e produzirá os mais funestos efeitos, mesmo na ordem das coisas civis e políticas. Uma nação separada oficialmente de Deus torna-se ingovernável e rolará por um fatal declive de decadência até o abismo, em que a devorarão os abutres da anarquia e do despotismo”, escreveu o arcebispo primaz do Brasil, D. Antônio de Macedo Costa.
Os católicos não foram ouvidos. Além da separação entre Igreja e Estado, a Constituição de 1891 determinou que o casamento religioso não teria mais validade pública, apenas o casamento civil.
O Senado também passou por mudanças. Os senadores deixaram de ser vitalícios e passaram a ter mandato limitado. O Supremo Tribunal, que no Império era quase decorativo, ganhou poderes e pôde julgar processos políticos.
De acordo com o cientista político Christian Lynch, da Fundação Casa de Rui Barbosa e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o Governo republicano recorreu a vários artifícios para ter controle sobre o conteúdo da Constituição que seria aprovada:
— Primeiro, a eleição para o Congresso Constituinte foi regida por uma legislação fraudulenta, que impediu a entrada de todos que fossem adversários do novo regime, como os monarquistas, os parlamentaristas e os unitaristas [opositores do federalismo]. Depois, o Governo enviou um projeto de Constituição pronto e deu aos constituintes parcos três meses para aprová-lo, o que restringiu as discussões e dificultou as modificações. Por fim, os constituintes automaticamente se tornariam senadores e deputados ordinários, sem nova eleição, após a dissolução do Congresso Constituinte. Isso foi ruim porque eles perderam a liberdade de decidir. Estando com o mandato garantido pelos próximos anos, não faria sentido que mudassem as regras do jogo político em seu prejuízo. Jamais, por exemplo, aprovariam uma Constituição prevendo o Poder Legislativo unicameral. No fim das contas, o Congresso Constituinte fez pouco mais que carimbar o projeto do Governo provisório.
Apesar de a escravidão ter sido abolida apenas três anos antes, o Congresso Constituinte não tocou na complicada situação dos antigos escravizados, que foram libertados sem ganhar nenhum tipo de compensação ou apoio do poder público. A escravidão foi citada, por exemplo, quando um constituinte parabenizou o Governo por incinerar todos os registros públicos relativos à posse de escravizados e também quando um político de Campos (RJ) afirmou que a Lei Áurea havia levado sua cidade à ruína econômica.
Alguns parlamentares chegaram a questionar se o povo teria condições intelectuais para, pelo voto direto, escolher os presidentes da República.
— O voto direto traz o país constantemente sobressaltado por ocasião das eleições, às quais concorre grande massa de povo ignorante, e não raro são os distúrbios e desordens que provoca, o que se economiza perfeitamente com o voto indireto, dando-se a faculdade eletiva a um eleitorado escolhido — argumentou o deputado Almeida Nogueira (SP).
— No Brasil, como em toda parte, qualquer que seja o sistema preferido, quem governa não é a maioria da nação. É a classe superior da sociedade, uma porção mais adiantada e, conseguintemente, mais forte da comunhão nacional — acrescentou o deputado Justiniano de Serpa (CE).
Apesar desse tipo de raciocínio, a Constituição de 1891 entrou em vigor prevendo a eleição direta para presidente. Grande parte dos ex-escravizados, contudo, foi alijada desse direito, já que a Carta republicana negou o voto aos analfabetos, como já faziam as leis do Império desde 1881. O deputado Lauro Sodré (PA) tentou, sem sucesso, permitir que os iletrados votassem:
— Estamos em uma fase social que se acentua pela elevação do proletariado. Se lançarmos os olhos para os povos civilizados, havemos de ver que em todos eles se vai levantando a grande massa. Chamem-na socialismo, niilismo ou fenianismo, um só é o fenômeno social: o advento do Quarto Estado. Não posso dar o meu voto a este verdadeiro esbulho com que se tenta ferir todos os que não sabem ler nem escrever, ainda que trabalhem tanto na obra do progresso da nação quanto aqueles que tiveram a fortuna de aprender a assinar o seu nome.
As oligarquias estaduais aproveitaram o Congresso Constituinte para, na adoção do federalismo (transformação das províncias em estados), tentar obter o máximo possível de liberdades, prerrogativas e benesses. Sugeriu-se que o Governo federal assumisse as dívidas de todos os Estados, que os Governos locais tivessem o poder para abrir bancos emissores de papel-moeda e que cada governador indicasse um ministro para o Supremo Tribunal Federal. Outra ideia debatida foi a liberdade para que os estados criassem suas próprias leis civis, processuais, comerciais, eleitorais e até penais.
— Os crimes de homicídio, de roubo e de furto hão de ser crimes de homicídio, de roubo e de furto no Rio Grande do Sul, no Pará, em Minas, no Amazonas e em toda parte, mas a penalidade pode diversificar. No Rio Grande do Sul, onde o povo é dado à indústria pastoril, infelizmente há em abundância o furto de gado e lá nós precisamos punir mais gravemente esse delito do que puniriam os pernambucanos, os mineiros e os alagoanos, para evitar sua reprodução — argumentou o deputado Cassiano do Nascimento (RS).
À exceção dos códigos processuais estaduais, nenhuma dessas ideias vingou. Em compensação, as oligarquias conseguiram incluir na Constituição a criação dos Judiciários estaduais (antes só havia o Judiciário nacional) e a concessão das terras devolutas aos Estados (antes pertenciam à União).
— As antigas províncias, feudos da Monarquia, aqueles territórios estéreis onde dominavam o imperialismo e o niilismo, aquelas províncias verdadeiramente esfarrapadas e nuas, como se fossem mendigas, aí surgem, como que mudando de sexo, transformadas em estados — festejou o senador Américo Lobo (MG).
A partilha do dinheiro público também mobilizou as oligarquias estaduais. Dos poucos embates ocorridos nos três meses do Congresso Constituinte, esse foi o mais renhido. No Império, a autonomia financeira das províncias era quase nula. Elas não tinham poder sobre o dinheiro arrecadado em seus territórios pelo Governo central, que fazia a seu critério a distribuição dos recursos. No Congresso Constituinte, os Estados mais ricos buscaram acabar com essa dependência. São Paulo, por exemplo, que não gostava de ver as volumosas somas geradas pela exportação do seu café sendo aplicadas em outros cantos do Império, agiu para ter o controle de todo o dinheiro.
— Diante da decadência que se abateu sobre o Nordeste na década de 1870, em razão da crise do açúcar, a Monarquia passou a redistribuir para as províncias nordestinas o dinheiro dos tributos arrecadados em São Paulo. Por esse motivo, a Monarquia era popular no Nordeste e impopular em São Paulo. Os paulistas, que se viam como a locomotiva que puxava os 20 vagões das demais províncias vazios, abraçaram a ideia do federalismo republicano porque não queriam mais perder dinheiro — explica o cientista político Christian Lynch.
A bancada do Rio Grande do Sul apresentou uma proposta radical de federalismo: a arrecadação tributária passaria para as mãos dos Governos locais, e a União se tornaria dependente de uma mesada paga pelos Estados.
— Se dermos aos Estados toda a autonomia, mas não lhes dermos renda, isso equivalerá à liberdade da miséria — argumentou o deputado Júlio de Castilhos (RS). — A federação, para ter realização efetiva, completa, satisfatória, depende da devolução aos Estados não somente dos serviços que lhes competem, mas também da devolução das rendas que no regime decaído [Monarquia], o qual tanto combatemos, eram absorvidas quase que totalmente pelo governo central.
— Neste momento em que se tratamos de organizar os estados, se me afigura como que uma cena de família em que os filhos da casa, chegados à maioridade, deixam o teto paterno para constituírem em separado suas famílias. Os Estados, antigas províncias, vão neste momento, depois de sua independência, adotar um novo regime que deve produzir sua grandeza e felicidade — comparou o senador Ramiro Barcellos (RS).
Para os adversários da ideia, esse federalismo extremado fortaleceria tanto certos Estados que poderia levá-los a desejar o separatismo, comprometendo a União.
— O que se está propondo é uma confederação de republiquetas — criticou o senador José Hygino (PE).
— Os estados brasileiros têm tido nesta Casa tantos defensores quantos são os seus representantes. A União, porém, a pátria comum, parece que não tem advogado — lamentou o senador Ubaldino do Amaral (PR), acrescentando que, caso os estados em algum momento se recusassem a transferir os impostos, o governo federal não teria como custear o Exército, a Marinha, as embaixadas no exterior, o serviço de correios e a segurança interna.
Para o senador Ruy Barbosa (BA), a União estaria fadada à morte se passasse a depender das “migalhas” dos estados:
— Os estados são órgãos; a União é o agregado orgânico. Os órgãos não podem viver fora do organismo assim como o organismo não existe sem os órgãos. Separá-los é matá-los. Não vejamos na União uma potência isolada no centro, mas a resultante das forças associadas disseminando-se equilibradamente até as extremidades. Fora da União, não há conservação para os estados.
Por uma margem apertada, 123 votos contrários e 103 favoráveis, a proposta da bancada gaúcha foi derrotada. O federalismo previsto na Constituição de 1891 garantiu recursos equilibrados para a União e o conjunto do estados. A estes últimos coube, entre outros, o imposto de exportação — justamente o principal pleito de São Paulo.
Aristides Lobo, o jornalista que descreveu o povo assistindo “bestializado” ao golpe de Estado de 1889, elegeu-se deputado pelo Distrito Federal (na época o Rio de Janeiro) e participou da elaboração da Constituição de 1891. O artigo ficou tão famoso já na época que, no Congresso Constituinte, ele ouviu colegas avaliando que o adjetivo “bestializado” era exagerado e jurando que o povo havia, sim, ajudado a derrubar a Monarquia. Lobo discordou:
— O acontecimento deu-se no meio de uma população surpresa pela oscilação revolucionária. Esse é o aspecto natural da questão.
Na tribuna do Paço de São Cristóvão, o deputado Serzedello Correia (PA) fez uma avaliação semelhante à de Aristides Lobo:
— A República devia vir como veio: calma, silenciosa, de modo que as tropas percorreram as ruas em triunfo e as crianças continuavam a brincar no colo de suas mães.
Terminado o Congresso Constituinte, os parlamentares deixaram o improviso do Paço de São Cristóvão e se mudaram para o Centro do Rio de Janeiro. Os senadores passaram a trabalhar no mesmo prédio do Senado imperial e os deputados, no mesmo prédio da Câmara imperial. São Cristóvão se transformou no Museu Nacional — o mesmo que seria devastado em 2018 por um incêndio.
A reportagem, publicada originalmente aqui, faz parte da seção Arquivo S, resultado de uma parceria entre o Jornal do Senado, a Agência Senado e o Arquivo do Senado brasileiro. Reportagem e edição: Ricardo Westin | Pesquisa histórica: Arquivo do Senado | Edição de fotografia: Pillar Pedreira | Edição de multimídia: Bernardo Ururahy
Ivan Alves Filho: Um provérbio siberiano
O livro foi feito para guardar a palavra, nascida da oralidade. Esta a sua razão de ser, a sua força. E o homem é, de certa forma, aquilo que diz. Daí o livro ter atravessado os séculos, do papiro à era digital.
Minha experiência com os livros, seja como leitor, seja como autor, marcou – e marca – a minha vida, e isso desde os tempos de guri. Meu filho chama-se Pedro devido ao livro As aventuras de Pedrinho, de Monteiro Lobato. Se um dia eu desejasse morar dentro de um livro, esta seria minha primeira opção.
Li muito e continuo a ler muito. E consegui publicar alguns livros, também. E aprendi demais com cada um deles. Não foram poucas as alegrias e os encontros que eles me proporcionaram.
Eu me recordo que, quando lancei Memorial dos Palmares, em 1988, um geógrafo brasileiro que se encontrava em Angola mandou-me um recado dizendo que os soldados do MPLA que combatiam os fascistas financiados pela África do Sul, em tempos de apartheid, liam o meu livro nos cursos de formação política do Exército saído das lutas de libertação nacional na pátria de Agostinho Neto. Seus ancestrais haviam lutado contra a escravidão no Brasil e isto servia de exemplo de luta para eles. Nem é preciso dizer o quanto aquilo me comoveu.
Poucos anos depois, a Unesco me convocava, na figura de seu secretário-executivo, o diplomata senegalês Doudou Diènne, para integrar o projeto A Rota do Escravo. Segundo o próprio Doudou me revelaria, Memorial dos Palmares fora fundamental para essa decisão da Unesco. Preparei então um projeto sobre o impacto do tráfico negreiro na marcha da História moderna.
Eu me lembro ainda que, por volta de 2010, Francisco Inácio de Almeida e eu dávamos uma palestra de formação política em Manaus e um companheiro se aproximou de mim para dizer que havia remado mais de duas horas pelos igarapés amazônicos para se encontrar conosco. Ele tomara conhecimento de um livro meu sobre o saudoso Giocondo Dias e queria me conhecer. Haja coração.
Os exemplos se multiplicam. Mas, há pouquíssimo tempo, eu vivi um novo e decisivo momento: ao ofertar outro livro meu, A saída pela Democracia, a uma jovem estudante em Tiradentes, cidade-símbolo da nossa Independência, vi que ela não pôde se conter e começou a chorar. Ela nunca tinha ganhado um livro autografado antes. Isso se deu durante a FLITI, I Feira Literária de Tiradentes, à qual compareci para apresentar a referida obra, editada pela Aquarius. Há poucas semanas, a Fundação Astrojildo Pereira e a Aquarius decidiram fazer uma coedição da obra, para minha alegria.
Um velho provérbio siberiano dizia que "a palavra pode matar um homem".
De emoção, certamente.
*Historiador, autor de mais de uma dezena de obras, dos quais o último é A saída pela Democracia
Ivan Alves Filho: Relembrando os 130 anos de Astrojildo Pereira
O que mais impressiona na trajetória de Astrojildo Pereira, a meu juízo, é a união que ele soube cimentar entre o homem de pensamento e o homem de ação. Uma combinação rara. Talvez por isso, o escritor e homem público Afonso Arinos de Mello Franco tenha se referido a ele como “a maior aventura intelectual” do Brasil, em seu tempo.
Vamos tentar entender melhor o motivo disso. Nascido em 1890, em Rio dos Índios, localidade de Rio Bonito, na velha província fluminense, Astrojildo vivenciou, em 1908, um episódio que o marcaria para o resto da vida. Foi assim. Ao ler nos jornais que o romancista Machado de Assis agonizava, ele pegou, imediatamente, uma barca em Niterói, atravessou a Baía de Guanabara e desceu na Praça Quinze, no centro do Rio de Janeiro. Lá chegando, se enfiou em um bonde e foi bater com os costados, no Cosme Velho, aprazível bairro onde vivia o autor de Memórias póstumas de Brás Cubas.
Profundo admirador da obra machadiana, o rapaz, de apenas 17 anos, queria se despedir do velho mestre. Expôs sua intenção às pessoas que se encontravam na casa e foi autorizado a entrar, no quarto do escritor. Ajoelhou-se, beijou-lhe então as mãos e logo depois se retirou. Na belíssima crônica “A última visita”, Euclides da Cunha, que presenciara a cena, escreveu: “Naquele momento, o seu coração bateu sozinho pela alma de uma nacionalidade. Naquele meio segundo em que ele estreitou o peito moribundo de Machado de Assis, aquele menino foi o maior homem de sua terra”.
Dois anos após esse acontecimento, civilista convicto e já começando a se impregnar de ideias anarquistas, Astrojildo Pereira desembarcou no cais da Praça Mauá, no Rio, e foi conhecer algumas das principais capitais europeias. Perambulou seis meses pelo Velho Continente e retornou ao Brasil. No ano de 1911, ele já colaborava com o órgão anarquista Guerra Social, trabalhava como gráfico e linotipista e militava no movimento anarquista. Em 1913, integrou, com um grupo de aguerridos companheiros, a primeira central operária brasileira, a COB, da qual se tornaria o secretário geral. Em 1917 e 1918, liderou uma série de greves operárias que abalaram o Rio de Janeiro. Foi preso e barbaramente espancado pela Polícia, no final de 1917, e novamente preso, no ano seguinte. Não esmoreceu. Em 1922, sob inspiração direta da revolução bolchevique na Rússia, fez a opção definitiva pelo marxismo e ajudou a formar o Partido Comunista no Brasil. Em 1924, viajou para Moscou, já investido na condição de secretário geral do PCB. Nesse mesmo ano, assistiu, na Praça Vermelha, aos funerais de Vladimir I. Lênin – o arquiteto da revolução bolchevique e também do Estado soviético. Ainda em Moscou, por essa época, dividiu alojamento com um líder comunista que seria considerado um dos grandes estadistas do século XX: Ho Chi Minh.
De volta ao Brasil, viveu como um revolucionário profissional. Com efeito, ele não parava. Dedicou-se a organizar o PCB clandestino e se internou, em seguida, na Bolívia, em 1927. Sua missão? Contactar Luiz Carlos Prestes, o chefe da Coluna Invicta, em nome do Partido. Entregou a Prestes uma mala com livros marxistas e tentou convencê-lo da necessidade de revolucionar as estruturas da sociedade – e não apenas derrubar este ou aquele governo. Conseguiu atrair Prestes para as fileiras do PCB.
Uma vez acertado o ingresso do Partido na Internacional Comunista, Astrojildo Pereira passou a compor sua Comissão Executiva, a instância máxima da organização, em 1929, quando parte novamente para a capital soviética. Com menos de 40 anos de idade, ele já se apresentava como uma das grandes lideranças da revolução mundial.
Mas não tardaria muito e ele passou a ter sérias divergências políticas com o Partido no Brasil. Assim, foi afastado da organização, em 1932, sob a acusação de tentar barrar a linha dita de “proletarização” de sua política e de simpatizar, ainda, com as ideias de Nikolai Bukharin, opositor de Josef Stalin na direção do Partido Comunista da União Soviética.
Reintegrado ao PCB, no bojo da redemocratização do país, em 1945, Astrojildo colaborou, nesse meio tempo, com o jornal carioca Diário de Notícias e escreveu ensaios primorosos sobre Machado de Assis. Sua reputação como crítico se consolidou. Tampouco abandonou a reflexão política, debruçando-se sobre a análise do fascismo e sua influência no Brasil. Mais: foi o primeiro a apontar para a grandeza épica dos Quilombos dos Palmares, chamando Zumbi de “o nosso Spartacus negro”. Começou a publicar, então, seus vários livros de ensaios. E ainda se dedicou, de corpo e alma, à organização do I Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em 1945. O Congresso lançaria, praticamente, a pá de cal sobre o Estado Novo de Vargas. Dele participaram Jorge Amado, Caio Prado Júnior, Graciliano Ramos, Aníbal Machado e outros nomes de primeiríssima linha da literatura, da historiografia e da ensaística brasileira.
Durante o Estado Novo, Astrojildo Pereira sobreviveu vendendo frutas em um depósito em Niterói, o que motivou Manoel Bandeira a escrever um poema sobre ele:
Bananeiras – Astrojildo esbofa-se
Plantai-a às centenas, às mil
Musa paradisíaca
Que dá dinheiro neste Brasil.
E de 1945 até o dia do Golpe de 1964, realizou pesquisas sobre a obra de Machado de Assis e a trajetória do PCB. Ao lado de sua companheira Inez, estas são as grandes paixões de sua vida, desde a juventude. Daí ter escrito, certa vez, que seu ideal de vida abarcava “um doce amor de mulher em meio a uma bravia luta política”. Seja como for, Astrojildo editou, nessas duas décadas, publicações da importância de Literatura e Estudos Sociais. Trabalhou na célebre Editorial Vitória, do PCB, e passou a ditar, na prática, a política cultural do Partido. Intelectual refinado, ele contribuiu para revelar alguns valores que brilhariam na cultura e na política, como Armênio Guedes e Leandro Konder. Por essa época, já estava publicando Machado de Assis, novelista do Segundo reinado (1942), Interpretações (1944) e Machado de Assis (1949). Formação do PCB sairia em 1962.
Astrojildo conviveu com figuras altamente representativas da cultura brasileira, como Oscar Niemeyer, Di Cavalcanti, Monteiro Lobato, Alberto Passos Guimarães e Nelson Werneck Sodré – pelo lado comunista – e Otto Maria Carpeaux e Hélio Silva, intelectuais católicos. Hélio Silva, inclusive, era um querido companheiro desde os tempos do anarquismo. Mais de uma vez, eu o ouvi – fascinado – discorrendo sobre isso, em meados da década de 80, quando tive oportunidade de trabalhar com ele, no Rio de Janeiro. O saudoso historiador narrava as andanças que Astrojildo e ele promoviam pelas ruas do Rio de Janeiro, o que não excluía uma certa boemia.
A explicação para esse trânsito junto a personalidades dos mais diferentes horizontes políticos e filosóficos reside no fato de que Astrojildo Pereira defendia seus pontos de vista sem qualquer traço de sectarismo. É bem verdade que, nos momentos mais duros dos embates ideológicos travados pelo PCB, o velho revolucionário se alinhou, daqui e dali, com posições que, a rigor, contrariavam sua própria visão de mundo. É que, por formação, jamais iria contra uma diretriz do Partido. Mesmo assim, era, basicamente, um homem avançado em relação à sua época. Escrevendo de Moscou, em 1925, por exemplo, reconheceu que “a Democracia, ainda que burguesa, é vista como um bem pelas massas”.
Era, de fato, um homem raro, desses que aparecem a cada meio século. Sua primeira prisão política, que eu saiba, se deu em 1917; a última, em 1964. Em 1965, devido aos rigores da prisão, onde sofreu um infarto e teve tuberculose nos dois pulmões, morreu Astrojildo Pereira.
Foi perseguido durante a vida inteira, mas nunca perseguiu ninguém. Lutou todos os combates possíveis pela liberdade. Afonso Arinos tinha razão: Astrojildo Pereira levou uma existência que honra a inteligência brasileira. Sua vida é um desafio permanente lançado à imaginação dos melhores romancistas.
Eu o conheci em nossa casa, no Rio de Janeiro, quando estava fazendo 13 anos. Foi logo após sua saída da prisão. Meu pai tinha por ele um grande respeito. Guardo até hoje, na memória, sua semelhança física com meu avô paterno. Em ambos, eu percebia a mesma candura nos gestos, a mesma doçura no olhar, a mesma calma ao lidar com as pessoas. Como Astrojildo, vovô era um admirador do camarada Prestes, o Cavaleiro da Esperança. Como ele, vovô nascera na velha província. Ao conhecer Astrojildo Pereira, foi como se eu passasse a ter mais um avô só para mim.
A bem da verdade histórica, é preciso dizer que o ex-governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda, apesar de ser um dos principais protagonistas do movimento político-militar de 1964, intercedeu junto às autoridades militares para que ele fosse solto. Meu pai nunca me disse, mas, pela ligação pessoal dele com Carlos Lacerda – trabalharam juntos, inclusive, em jornais – eu fiquei com a impressão de que ele pediu ao então governador da Guanabara para que interviesse para soltar Astrojildo. Aliás, em depoimento que me concedeu para o filme que fiz sobre o velho fundador do PCB, “A casa de Astrojildo”, Norma Dias, sua sobrinha, garantiu que o próprio tio lhe confidenciou, na prisão, que só não foi assassinado por interferência de Lacerda. A história bateu.
Pouco depois, soube de sua morte. Seu enterro foi uma corajosa manifestação pública de repúdio à ditadura militar então instalada no Brasil. Inez Dias, desafiando os esbirros do regime, gritou, à beira do seu túmulo: Viva Astrojildo Pereira! Da mesma forma que Gregório Bezerra, Astrojildo era de ferro e flor. Naturalmente, fiquei abalado com tudo o que estava acontecendo. No país do final da minha infância, prendiam e maltratavam homens com mais de 70 anos de idade. Seu pecado? Ter permanecido fiel às suas ideias de juventude. Era mesmo assustador.
O velho Astrojildo Pereira foi o primeiro herói da minha vida.
*Ivan Alves Filho, historiador, autor de mais de uma dezena de excepcionais livros, dos quais o último é “A saída pela democracia (2020)”
FAP publica arquivo de edições digitalizadas do jornal Voz Operária
FAP publica arquivo de edições digitalizadas do jornal Voz Operária
Jornal foi produzido pelo Órgão Central do Partido Comunista, de 1975 a 1979
Cleomar Almeida, da equipe da FAP
Bafejada pela ascensão da frente antiditatorial, pela convergência dos imensos interesses que se chocam com os diversos aspectos da política do fascismo, toda a oposição, e no seio dela o PCB [Partido Comunista Brasileiro], participa das eleições com um programa que tem como fulcro a conquista de um regime de amplas liberdades para o povo. Um programa que se irá detalhando, tanto no nível nacional como regional, na medida em que as massas se incorporem à frente antiditatorial e apresentem, por sua iniciativa e criatividade, soluções concretas para as grandes e pequenas questões que hoje atormentam sua existência. Não soluções quaisquer, e sim aquelas que atendam a seus interesses vitais.
A resistência antifascista do povo brasileiro tem sido longa e difícil. O regime ainda tem reservas, consegue contra atacar e criar obstáculos à ascensão do movimento de massas, que adquiriu novo ímpeto a partir das eleições de 1974. Desde então, a tática de participar nas eleições, sempre defendida pelos comunistas, adquiriu legitimidade irrefutável. Porque elas possibilitam canalizar e polarizar o descontentamento das grandes massas.
O trecho acima é do editorial da edição 128 da Voz Operária, jornal que era produzido pelo Órgão Central do Partido Comunista e do qual levava o mesmo nome, publicada em novembro de 1976. Um ano antes, em edição especial italiana, passou a ser editado na Europa por líderes que se tornaram perseguidos políticos e distribuído, clandestinamente, no Brasil, tomado pela ditadura militar. A veiculação mensal de cada edição, cada uma com oito páginas, seguiu até 1979, quando foi publicada a Lei da Anistia, que garantiu o retorno de exilados ao país.
Clique aqui e acesse o arquivo digitalizado do jornal Voz Operária!
Todas as edições do jornal nesse período foram digitalizadas e disponibilizadas ao público no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. A entidade é vinculada ao Cidadania, que deu nova identidade política ao PPS (Partido Popular Socialista), originado do extinto PCB (Partido Comunista Brasileiro), fundado em 1922. A Voz Operária, que propunha diálogo, ação conjunta e fortalecimento das massas, permite hoje um resgate político da luta pela redemocratização do Brasil na segunda metade dos anos 1970 e serve como documento de referência para consolidação da esquerda democrática, segundo especialistas.
“Nessa linha de resgatar a luta pela redemocratização, pode-se ver na publicação um esforço para preservar uma cultura política, a democracia progressiva, um padrão de reformismo não liberal, a busca de diálogo ampliado e a articulação dos democratas. Essa cultura, que é do PCB, foi e continua sendo decisiva”, analisa o cientista político Marco Aurélio Nogueira, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e conselheiro da FAP.
No Brasil, em março de 1975, foi publicada a última edição da Voz Operária impressa, cuja manchete era “Viver e lutar”. O responsável por essa edição, jornalista Orlando Bonfim Júnior, foi sequestrado e assassinado pela ditadura militar, quando tentava reorganizar a circulação do jornal, assim como o então secretário da Juventude Comunista, José Montenegro Lima, que colaborava com essa tarefa.
A Voz Operária passou a ser impressa no exterior após a ditadura militar desmantelar quatro gráficas clandestinas no Brasil, a última delas em dezembro de 1974, em Jacarepaguá (RJ). Na ocasião, foi preso o ex-deputado Marco Antônio Tavares Coelho, que era membro da executiva nacional, acusado de tentar reorganizar o partido.
Na Europa, a redação da Voz Operária era formada pelo editor Milton Temer, que trabalhava em conjunto com Mauro Malin, Aloysio Nunes, Leandro Konder, Carlos Nelson Coutinho, Ivan Ribeiro e Antonio Carlos Peixoto, sob a direção de Armênio Guedes. Os cinco últimos morreram. “Eu era o editor, diagramador, levava o jornal para ser impresso em Roma, pelo Partido Comunista Italiano, porque era editado em Paris”, conta Temer, que é jornalista, ex-constituinte estadual pelo PT do Rio de Janeiro, ex-deputado federal por dois mandatos e oficial de Marinha cassado em 1964.
“Levava as impressões de Roma para Paris e a distribuição era feita de maneira que não fosse localizado o bairro em que estava o escritório. Saía em todos os subúrbios, colocando uma parte em cada um deles, para que não se localizasse o centro gerador do jornal”, lembra Temer, que estava na Federação Mundial da Juventude, em Budapeste (Hungria), quando o partido o mandou a Paris, a fim de começar a implantar no exterior a edição do Voz Operária, a mando de Luiz Carlos Prestes. “Aprendi na marra a diagramar, além de pautar e formar uma redação mínima”, conta.
A clandestinidade ocorreu por causa da intensa perseguição da ditadura militar contra militantes e lideranças do PCB. Os colaboradores assinavam com pseudônimos. Autor do livro “Armênio Guedes: um comunista singular”, que dedica um capítulo para o Voz Operária, o jornalista e historiador Mauro Malin destaca a relevância do jornal e lembra que a publicação convergia diferentes opiniões e propostas. Segundo ele, depois de 1964, o PCB não tinha a opção de lutar por sua legalização.
“Todos os partidos foram extintos em 1965 pelo AI-2 e o regime só permitiu a existência de um partido de apoio, a Arena, e um de oposição, o MDB. E o PCB, desde que se manifestou oficialmente pela primeira vez depois do golpe, apontou o caminho do trabalho legal, de massas”, explica o jornalista. “As únicas coisas clandestinas eram a estrutura partidária, com a respectiva arrecadação de finanças, e o órgão central, a Voz Operária, que, desbaratado na passagem de 1974 para 1975, passou a ser feito no exterior, para onde se haviam deslocado vários integrantes do comitê central”, ressalta.
Em 1976, Malin saiu do Brasil para não ser preso. Foi para os Estados Unidos, onde ficou alguns meses. Depois, seguiu até Paris, passando antes pela Cidade do México e Roma. “A Voz Operária veiculou sempre uma política mais acertada para enfrentar a ditadura. A proposta política sempre foi fazer trabalho de massa, constituição de entidades e organizações. Um debate de feição mais teórica do mundo da economia e política”, ressalta o historiador.
Ao longo de suas edições, a Voz Operária destacava frases de ordem política, como “o povo exige democracia, paz e liberdade”, “liberdade para os presos políticos”, “fim à censura, à tortura e ao terror fascista”, “legalidade para todos os partidos políticos” e “o voto é uma arma do povo”. Via, também, nas eleições municipais, forte caminho na luta contra a ditadura militar. “Eleições municipais: um não ao regime”, destacou em uma edição. O jornal também garantia espaço a reivindicações da pauta econômica, enfatizando mensagens como “o petróleo tem que ser nosso”, “abaixo o arrôcho (sic) salarial” e “abaixo o custo de vida”.
O cientista político Marco Aurélio Nogueira considera que a publicação dos arquivos digitalizados da Voz Operária também faz o resgate da memória do PCB, que foi o primeiro partido de massas organizado no Brasil e, segundo ele, teve grande importância. “Com altos e baixos, para o bem e o mal, porque o PCB, ao longo de sua história, carregou os ‘demônios’ do comunismo histórico, particularmente do stalinismo. Sempre houve um esforço grande dentro do partido para salvá-lo desses ‘demônios’ do comunismo histórico”, diz.
Além de ser instrumento de reflexão sobre a política nacional e a correlação de forças, a Voz Operária ajuda hoje a olhar o Brasil considerando o processo histórico, político e social, segundo o conselheiro da FAP. De acordo com ele, a lição é de que “não há nenhum mal que dure para sempre e que não possa ser superado, como ocorreu com a ditadura militar”.
“Pensar na Voz Operária é fazer um esforço para entender que as esquerdas existem como força viva e têm contribuído, ao longo do tempo, para a luta democrática, de diferentes maneiras”, ressalta o professor da Unesp. “Assim como, nos anos 1970, foi importante se afirmar que a articulação dos democratas era a base para enfrentar vitoriosamente a ditadura, hoje essa questão se impõe com a mesma ênfase”, afirma.