história

Foto: Jacqueline Lisboa/WWF-Brasil

Revista online | O protagonismo indígena e o Ministério dos Povos Indígenas 

Marcos Terena*, escritor indígena, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro/2023)

O chamado protagonismo indígena não pode ser tratado como ação de um partido político, de um governo ou de uma organização indígena apenas.

Ao longo do tempo, a grande caminhada indígena para afirmar sua soberania e dignidade começou, talvez, naquele dia em que Caramuru, o português Borba Gato, chegou com um litro de aguardente e ameaçou queimar as águas dos rios, caso não lhe fosse mostrado onde encontrar as pedras preciosas.  

Não se deve desconsiderar as formas de vida, a inteligência, a economia sustentável e os mistérios espirituais indígenas e suas relações com a Mãe Terra em cada bioma.

Durante todo o processo colonizador, em que mais de mil povos ancestrais desapareceram, a aplicação da meia verdade tornou-se uma moeda corrente, inclusive para justificar a instituição do paternalismo, da dominação e da falsa ideia do enriquecimento fácil, como o arrendamento territorial. 

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No final dos anos 1970, os chefes indígenas de vários povos e regiões passaram a conhecer os caminhos do poder de Brasília e a observar como eram e ainda são invisíveis aos olhos do poder público, do Judiciário, do Legislativo e do próprio Executivo.

É preciso recordar que as questões indígenas eram tratadas como casos de segurança nacional e, recentemente, como casos de polícia. 

No entanto, o protagonismo indígena nunca parou de avançar. Aquele protagonismo tribal ou comunitário da dignidade, da inteligência e da coragem que mostra os chefes Mario Juruna e Celestino Xavante sempre renasce e está vivo na nova geração a partir do conceito “posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou!”.

São sementes históricas marcantes das quais não se deve esquecer, especialmente pelos jovens indígenas que acessaram a universidade por sistemas de cotas articuladas e negociadas pelo mesmo protagonismo indígena.

No ano de 1992, com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, os povos indígenas se uniram para mostrar que “caminhamos em direção ao futuro, nos rastros de nossos antepassados”. Dessa forma, o fogo sagrado do bem viver foi aceso para recordar o valor ancestral do vínculo com a Mãe Terra e os compromissos com todos.

O movimento indígena, nos últimos anos, vem criando as condições possíveis para construir uma política indigenista dentro do sistema governamental. Afinal, as regras de afirmação já estão postas na Constituição Federal ou no cenário internacional, como na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou na Declaração da ONU sobre os direitos indígenas. 

Depois, surgiram jovens indígenas que passaram a dominar a linguagem dos grandes debates internacionais após a RIO 92 e a COP 8, eventos realizados no Brasil sobre meio ambiente e diversidade biológica. Seguiram essas agendas os debates na COP 27, no Egito, e na COP 15, em Ottawa, agora sob a roupagem de mudanças climáticas e proteção à biodiversidade e conhecimentos indígenas.

A realidade brasileira indígena, devido a essa gama de articulações, de certa forma, encurralou o sistema governamental ao mostrar essas credenciais, como ocorreu no encontro com o presidente Lula e a primeira dama Janja, no Egito, apresentando a fatura por programas e compromissos factíveis com a realidade dos mais de 300 povos e 240 línguas, por exemplo. Além do Ministério dos Povos Indígenas, também houve proposta para criação de uma Universidade Intercultural e até de um centro de pesquisa e proteção à saúde indígena, com a novidade de ser coordenada pelo próprio protagonismo indígena.

O Ministério dos Povos Indígenas chegou, e Lula, em ação inédita, assinou o ato que o torna parte da história, ao nomear a primeira ministra indígena, a deputada Sonia Guajajara, eleita por São Paulo.

Veja, abaixo, galeria:

Reprodução: Revista Amais
A pintura Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral, em 1956, retrata a cerimônia batismal da criança que nasceu do fundo do mato virgem | Reprodução: Arte Brasileiros
Foto: Tacito.fotografia/Shutterstock
Reprodução: Elisclésio Makuxi/Agência Brasil
Foto: Joa Souza/Shutterstock
Reprodução: Atelier
Foto: Joa Souza/Shutterstock
Foto: Daiara Tukano/Instagram
Foto: Ricardo Stuckert/Instagram | Os índios atravessaram a ponte
Reprodução: Revista Amais
A pintura Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral, em 1956, retrata a cerimônia batismal da criança que nasceu do fundo do mato virgem | Reprodução: Arte Brasileiros
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Foto Daiara TukanoInstagram
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Reprodução: Revista Amais
A pintura Batizado de Macunaíma, de Tarsila do Amaral, em 1956, retrata a cerimônia batismal da criança que nasceu do fundo do mato virgem | Reprodução: Arte Brasileiros
Foto: Tacito.fotografia/Shutterstock
Reprodução: Elisclésio Makuxi/Agência Brasil
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Mesmo com a assinatura desse ato, não podemos pensar que isso signifique a solução de todos os problemas dos mais de 500 anos de invasão e as demandas da modernidade, mas, sim, a responsabilidade do presidente do Brasil no cenário nacional e internacional de contribuir com a pavimentação desse caminho que não é indígena. Isto porque os inimigos dos indígenas existem e se organizam sob o manto da democracia parlamentar. 

Mais uma vez, os povos indígenas, com direito a quase 15% do território nacional onde está a resposta para o bem viver mundial, contribuem novamente para o resgate da afirmação da identidade cultural brasileira e, em especial, da credibilidade internacional. O país é megadiverso.  

O protagonismo indígena independente do governo. Deve estar organizado para o bom combate, como a demarcação territorial e a gestão das terras indígenas, e ter como estímulo a mensagem do chefe Sepeti Arajú: “Esta terra tem dono!”

Sobre o autor

*Marcos Terena é escritor indígena, fundador do primeiro movimento indígena, da tradição Xumono e articulador dos direitos indígenas.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Workshop de escrita criativa da Biblioteca Salomão Malina | Arte: Washington Reis/FAP

Biblioteca Salomão Malina abre inscrições para o workshop escrita criativa

Estão abertas as inscrições para o workshop on-line de escrita criativa, que será realizado na terça feira (31/01), a partir das 19 horas. A oficina, de 25 vagas, terá como palestrante a escritora, poetisa e cronista Andressa Mikaelly dos Santos, com parceria da Biblioteca Salomão Malina, mantida pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ambas em Brasília. 

O evento será transmitido no perfil da biblioteca no Facebook, assim como no canal da entidade no YouTube e no site da fundação. Andressa Mikaelly diz que escrever criativamente vai além de elaborar um texto que as pessoas julguem interessante. 

“É sair do óbvio. É mostrar o que você tem de diferente, pois não tem a ver com algo técnico, mas sim com o que parte de dentro de você”, explica. No final do evento, os participantes receberão um certificado. Para mais informações, entre em contato com a biblioteca pelo WhatsApp (61) 98401-5561.

A escritora espera que, ao final, os alunos se sintam confiantes para expressar e mostrar ao mundo, de forma livre, seus escritos. “Escrever é transcender o limite do pensamento''. Ela conta que começou a escrever para se imaginar em lugares aos quais tinha vontade de ir.

O Brasil perdeu, nos últimos quatro anos, mais de 4,6 milhões de leitores, segundo dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, que é realizada pelo Instituto Pró-Livro (IPL). O objetivo do levantamento é promover pesquisas e ações de fomento à leitura. 

Para a cronista Andressa Mikaelly, as redes sociais contribuem para que as pessoas leiam menos. “Os reels, tik tok e outras redes nos dão a oportunidade de ver as coisas resumidas, o que tira a beleza de se buscar conhecer e aprofundar”, afirma.

Ela acrescenta que, normalmente, boa parte das pessoas querem tudo para ontem. Perderam, segundo Andressa Mikaelly, a beleza de se aprofundar na leitura. As ações de ler e escrever andam juntas, segundo ela. 

Sobre a palestrante

Andressa Mikaelly tem 31 anos e está finalizando sua licenciatura em Letras na Universidade Paulista (UNIP). Publicou, em janeiro de 2022, seu primeiro livro disponível na Amazon: Textos que eu escrevi sobre você.

O livro é um compilado de frases e poesias baseados na presença, mas, principalmente, na ausência, e no que se pode fazer com a dor que invade alguém depois de uma despedida.

Ela acredita que todo escritor é um bom observador. Em Brasília, cidade onde mora, a escritora gosta de ir aos cafés para sentar e ler um bom livro. “Adoro observar a vida fora da minha 'bolha', isso rende boas histórias”, diz.

Seus livros preferidos são A desumanização, de Valter Hugo Mãe; A hora da estrela, de Clarice Lispector; e Sorria, você está sendo iluminado, de Felipe Guga. 

Conheça mais sobre a escritora aqui: https://keepo.io/andressamikaelly/

Serviço

Workshop de escrita criativa

Link de inscrição: https://forms.gle/mJsnRUmPt9VAwEYGA

Dia: 31/01/2023

Horário da transmissão: 19h

Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade

Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP)

Texto editado pela coordenação de publicações da Fap.


Nas entrelinhas: Adeus reformas. Agenda possível é mais modesta

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*

O mais ambicioso programa de reformas de estrutura da história do Brasil foi o do presidente João Goulart (1961-1964), que havia assumido governo no lugar de Jânio Quadros, em meio a uma tentativa de golpe e graças a uma solução de compromisso: a adoção do parlamentarismo. Em razão das nossas desigualdades, no seu governo havia um cenário de radicalização político-ideológica e intensificação dos conflitos sociais.

Jango, como era chamado, sofria fortes pressões do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), principalmente de seu cunhado, Leonel Brizola, e de outras lideranças de esquerda, como o líder comunista Luís Carlos Prestes e Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, para realizar reformas estruturais na sociedade, entre as quais a agrária. Com a volta do presidencialismo, decidida por um plebiscito em 1963, Jango se sentiu fortalecido para levar adiante o projeto nacional-desenvolvimentista da esquerda brasileira.

As chamadas Reformas de Base abarcavam um conjunto amplo de problemas: a questão agrária, o sistema financeiro, a crise fiscal, a urbanização acelerada, o atraso burocrático e o acesso às universidades. O principal objetivo delas era combater a concentração de propriedade e de renda, além de ampliar a participação política da sociedade. Para isso, era preciso mudar a Constituição de 1946, o que exigia maioria ampla no Congresso. Pela legislação, o governo indenizaria os proprietários de terra, em caso de desapropriação, com dinheiro em espécie, mas Jango queria fazê-lo com títulos públicos e a longo prazo.

Jango também pretendia criar condições para os inquilinos comprar as residências que alugavam com títulos públicos. Também pretendia limitar a remessa de lucros ao exterior, estatizar alguns setores econômicos e expandir a Petrobras. Além disso, estava aceitando a pressão de militares de baixa patente para aumentar a sua representação política concorrendo a cargos eletivos, como os de vereadores e deputados.

Nada disso significava uma mudança de regime político, uma opção pelo socialismo. Mas assim passou a ser visto pela maioria da sociedade, após intensa campanha da oposição, liderada pelo governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda, o principal líder da UDN à época, que era candidato a presidente da República. No início de 1964, Jango perdeu o apoio do PSD (Partido Social Democrático), de Juscelino Kubitschek, que sonhava com a volta à Presidência nas eleições previstas para 1965. Brizola pretendia ser candidato, mesmo estando inelegível por ser cunhado do presidente da República, e Prestes articulava a reeleição de Jango nos bastidores.

O Congresso, de maioria conservadora, rejeitou as reformas de base. Jango resolveu mobilizar os trabalhadores urbanos e rurais para respaldar a adoção das reformas por decreto presidencial. No dia 13 de março de 1964, o chamado comício da Central do Brasil, reuniu cerca de 150 mil pessoas. Nele, Jango anunciou que decretaria as Reformas de Base, à revelia do Congresso.

Moral da história

A reação conservadora foi imediata: convocada por forças políticas e religiosas de direita, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, na cidade de São Paulo, em 19 de março de 1964, reuniu quase 500 mil pessoas. Outras manifestações se realizaram no interior paulista e em outros estados. Em 31 de março de 1964, um golpe militar foi deflagrado, depôs Jango e deu início a 20 anos de ditadura.

No dia 2 de abril, no Rio de Janeiro, realizou-se a Marcha da Vitória. Não foram apenas o ambiente de guerra fria e a quebra de hierarquia nas Forças Armadas que viabilizaram golpe. As marchas conservadoras demonstraram que o golpe também era vitorioso na sociedade.

Qual é a moral da história? Darcy Ribeiro dizia que foi melhor ser derrotado do lado certo, pois as reformas eram necessárias. E eram mesmo, tanto que a maioria foi feita pelos militares, durante a ditadura, como o Estatuto da Terra, a estatização de empresas de infraestrutura e expansão da Petrobras, a reforma bancária e fiscal, a expansão das universidades. Alguns chamam esse processo de modernização pelo alto de “revolução passiva”, outros de “autoritarismo funcional”. Os militares que apoiaram o governo Bolsonaro sonhavam — e ainda sonham — com a ressignificação do regime militar.

O governo Jango pôs o carro à frente dos bois, ao tentar fazer as reformas de base na marra, sem aprovação do Congresso. Além disso, a esquerda considerava um retrocesso a volta de JK ao poder, o favorito nas eleições marcadas para 1965. Para se manter no poder, defendia a candidatura de Brizola, inelegível por ser cunhado do presidente da República, ou até mesmo a reeleição de Jango.

1964 serve de exemplo para o governo Lula, que precisa adotar um programa democrático, porém, mais modesto do ponto de vista das reformas. É mais exequível focar o programa de governo na gestão ambiental e nos direitos básicos e universais da população (saúde, educação, trabalho, moradia, transporte e segurança pública). É o caminho para construir uma ampla maioria no Congresso e, ao mesmo tempo, corresponder à expectativa de seus eleitores, que hoje se resume a trabalho e renda, além do respeito aos direitos humanos e o combate ao racismo estrutural.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-adeus-reformas-agenda-possivel-e-mais-modesta/

Pelé faleceu em decorrência de falência múltipla dos órgãos | Foto: TV Foco

Revista online | Nunca houve ninguém como Pelé

Henrique Brandão, jornalista e escritor*, especial para a revista Política Democrática online (50ª edição: dezembro/2022)

O dia 29 de dezembro começou todo voltado para o anúncio dos novos ministros que vão compor o governo Lula. Aí chegou a notícia de que Pelé havia morrido. Mesmo sabendo-se há dias de seu estado de saúde precário, do câncer irreversível, da morte iminente, a comoção tomou conta do Brasil e se espalhou pelo mundo na velocidade instantânea das redes sociais.

Nada mais natural, dada a dimensão gigantesca da figura que foi Pelé. Para se ter uma ideia do tamanho do mito, 183 jornais mundo afora trouxeram Pelé na capa de suas edições do dia 30 de dezembro. 

O prestígio imensurável de sua persona foi construído em uma carreira futebolística que começa profissionalmente em 1956, no Santos, e termina em 1977, no Cosmos de Nova York. Foram 21 anos encantando o mundo com jogadas geniais e gols maravilhosos (1.282 no total), marcados de diversas maneiras: de falta, de cabeça, com a perna esquerda, com a direita, de bicicleta, de voleio – fora os dribles desconcertantes que aplicava nos adversários – às vezes mais de um – antes de mandar a bola para o barbante. 

O mundo, estarrecido, submeteu-se ao Rei. Foi uma conquista que se deu não na ponta das baionetas, mas no bico das chuteiras mágicas que calçaram os pés de um garoto nascido em Três Corações, no sul de Minas Gerais, em 1940, filho de dona Celeste e de João Ramos do Nascimento, o Dondinho, jogador de futebol que levava o filho Edson Arantes do Nascimento para acompanhar os treinos. O apelido Pelé veio dessa época, uma corruptela do nome do goleiro do time de seu pai, chamado Bilé, que o garoto Edson insistia em chamar de Pilé. A chacota com o guri acabou gerando o apelido que virou sinônimo de fina realeza.

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Mesmo altas autoridades políticas mundiais, ou personagens que fizeram parte da história nos séculos XX e XXI, se curvaram ao prestígio da majestade negra, nascida pobre, apenas cinco décadas depois do fim da escravidão, em um país marcado pelo racismo e pela extrema desigualdade social.  

 “Eu sou Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos. Mas você não precisa se apresentar, porque Pelé todo mundo sabe quem é", sentenciou Reagan (1911-2004), presidente dos EUA de 1981 a 1989. Andy Wharhol (1928-1987), quando encontrou Pelé em 1978, teve que rever sua profecia: "Você é a única celebridade que, em vez de durar 15 minutos, durará 15 séculos". Pier Paolo Pasolini (1922-1975), cineasta italiano, autor de O Evangelho Segundo São Mateus (1964), disse: "No momento em que a bola chega aos pés de Pelé, o futebol se transforma em poesia".

Seus colegas de profissão corroboraram o que os pobres mortais adoradores do velho esporte bretão já sabiam. Pelé paira, soberano, acima dos demais. O técnico argentino Cesar Luiz Menotti não deixa dúvidas sobre o seu lugar no panteão das glórias esportivas: "Maradona só seria um novo Pelé se ganhasse três Copas do Mundo e marcasse mais de mil gols". Da mesma forma, o craque da seleção húngara de 1954, Ferenk Puskas (1927-2006), decretou: "O maior jogador de futebol do mundo foi Di Stefano. Eu me recuso a classificar Pelé como jogador. Ele está acima de tudo". Johan Cruyff, jogador e técnico holandês, foi na mesma toada"Posso ser um novo Di Stéfano, mas não posso ser um novo Pelé. Ele é o único que ultrapassa os limites da lógica". Sigge Parling (1930-2016), zagueiro sueco que jogou a final da Copa de 58, quando Pelé despontou para o mundo fazendo dois gols na vitória da seleção brasileira por 5 a 2, reconheceu o talento do jovem adversário: "Após o quinto gol, eu queria era aplaudí-lo".

A crônica esportiva tupiniquim, acostumada a vê-lo em ação, sempre teceu loas ao Rei. Armando Nogueira (1927-2010), cronista de mão cheia, afirmou: "Pelé certamente teria nascido bola, se não tivesse nascido gente". Nelson Rodrigues (1912-1980), outro observador perspicaz do futebol e da alma humana, foi contundente sobre sua habilidade em livrar-se dos oponentes:  "Quando ele apanha a bola e dribla um adversário é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento". João Saldanha (1917-1990), com quem Pelé teve rusgas em 1969, quando Saldanha era o técnico da seleção brasileira que viria a ser campeã em 1970, concorda que, dentro das quatro linhas, não tinha outro igual a ele: "Dentro de campo, Pelé foi um gênio, o maior que conheci. Fora do campo, é um homem comum".

Essa diferença entre o “Rei dos Gramados” e o homem comum Edson Arantes do Nascimento foi alimentada pelo próprio Pelé, que se referia a si na terceira pessoa. Se os feitos em campo são magistrais, o “mortal” Edson teve altos e baixos na vida. Nos negócios, ganhou muito dinheiro, mas perdeu muito também, por escolhas erradas de investimentos e dos eventuais sócios. Na vida privada, teve três casamentos, sete filhos, sendo que dois deles de relacionamentos extraconjugais. A filha Sandra Regina somente foi reconhecida após exames de DNA e por determinação da Justiça. Com ela, Pelé – Edson, no caso – nunca teve uma relação boa. Sandra morreu de câncer, aos 42 anos, sem estabelecer qualquer relação de afeto com ele, que sequer foi ao enterro da filha.

Na política, que nunca foi o seu forte, Pelé sofreu críticas por ter se deixado usar pela ditadura militar, que explorou a conquista da Copa de 1970. Maradona, em 1997, não o perdoou por ter participado dos esquemas da FIFA: “Pelé é um escravo. Vendeu seu coração para a FIFA. Depois, quando a FIFA o chuta, ele quer amizade conosco, os jogadores”, afirmou. 

Veja, a seguir, galeria:

Foto: Agência Brasil
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Foto: Agência Brasil
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No entanto, teve o mérito de, quando ministro dos Esportes do governo FHC, ter abolido a lei do passe, antigo instrumento que dava aos clubes o direito sobre os jogadores, mesmo que o contrato entre as partes estivesse sido encerrado. A Lei Pelé, como ficou conhecida, é um marco na profissionalização do jogador de futebol.

É evidente que, na comparação entre o Edson de carne e osso e o ídolo Pelé, o Rei do Futebol se impõe, pela forte simbologia que representa sua trajetória: um jogador negro, de origem humilde, nascido em um país periférico, que, graças ao seu talento, consegue em poucos anos conquistar o mundo para se tornar a pessoa mais conhecida do planeta. 

As manifestações de carinho e as condolências que chegam de todas as partes não deixam dúvida: Pelé é insubstituível.

Sobre o autor

*Henrique Brandão é jornalista e escritor.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de dezembro/2022 (50ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Nas entrelinhas: Morte de Pelé ofusca o anúncio dos novos ministros

Luiz Caros Azedo | Correio Brasiliense

A Esplanada, com 37 novos ministros indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, representa uma coalizão de nove partidos no primeiro escalão. Há 11 ministros sem filiação ou vinculação partidária. Ontem, foram indicados os 16 que faltavam, entre os quais duas estrelas, Simone Tebet (MDB) no Planejamento e Marina Silva (Rede) no Meio Ambiente, ambas ex-candidatas a presidente da República. MDB, União Brasil e PSD levaram nove dos novos indicados, a maioria políticos sem projeção nacional. Agora, Lula administra o descontentamento do Solidariedade, PV e Cidadania, partidos que o apoiaram no segundo turno e ficaram fora do primeiro escalão. Lula pretende ampliar seu governo com indicações dessas legendas para cargos importantes no segundo escalão, mas isso ficará para depois da posse.

Entretanto, o anúncio dos novos ministros foi completamente ofuscado pela morte do Pelé, aos 82 anos, que estava internado em estado grave, no Hospital Alberto Einstein, em São Paulo. Ele era a personalidade brasileira mais admirada e reconhecida internacionalmente; sua morte está tendo enorme repercussão mundial. Foram proféticas as palavras do escritor e jornalista Nelson Rodrigues, ao ver Edson Arantes do Nascimento jogar pela primeira vez e se surpreender com a idade do craque: “É um menino, um garoto. Se quisesse entrar num filme da Brigitte Bardot, seria barrado”, escreveu na coluna intitulada “Meu personagem do ano”, de janeiro de 1958. Pelé tinha apenas 17 anos.

“Mas, reparem: é um gênio indubitável! Pelé podia virar-se para Michelangelo, Homero ou Dante e cumprimentá-los com íntima efusão: ‘Como vai, colega?’.” Pelé foi coroado rei do futebol pelo cronista em março de 1958, quando Nelson Rodrigues escreveu na Manchete Esportiva: “Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável — a de se sentir rei, da cabeça aos pés”. Manteve a coroa de forma eterna. Para os especialistas, será muito difícil surgir um jogador tão completo quanto ele. Tive o privilégio de vê-lo jogar no Estádio Mario Filho, no Maracanã, contra o Flamengo e com a camisa rubro-negra, ao lado de Zico.

Ele foi personagem marcante do meu primeiro trabalho remunerado, ainda na adolescência. Minha missão era retransmitir os jogos da Copa da Inglaterra (1966) na loja de venda de anúncios classificados dos jornais O Dia e A Notícia na Baixada Fluminense, à na Rua Manoel Teles, em Duque de Caxias. A tarefa consistia basicamente em ligar e desligar o rádio e os alto-falantes, abrir e fechar a loja, que mais tarde viria a abrigar a sucursal dos dois diários de Chagas Freitas na Baixada Fluminense e nos quais comecei minha vida de repórter, em fevereiro de 1969. Ainda não havia transmissão direta por tevê.

A campanha da Seleção Brasileira de futebol foi a mais atabalhoada já feita, apesar de os jogadores chegarem com a aura de bicampeões do mundo. Na preparação, o técnico Vicente Feola convocou 47 jogadores, que se revezavam em quatro times. A equipe passou por Lambari, Caxambu, Teresópolis, Três Rios e Niterói antes de viajar a Londres. Paulo Amaral, o preparador físico, deu lugar ao professor de judô Rudolf Hermanny, cujos métodos eram inadequados para o futebol. Apesar de ganhar massa muscular, a
equipe não aguentava os 90 minutos de correria em campo.

Duas Copas

Além disso, a equipe titular somente foi escalada e passou a treinar às vésperas da Copa. Reuniu craques de 1958 e 1962, como Pelé, Garrincha, Gilmar e Bellini, e jogadores que ainda iriam se destacar com a camisa do Brasil na Copa do México de 1970, como Gérson, Jairzinho, Lima e Tostão. Na estreia, o Brasil ganhou da Bulgária por 2 x 0, gols de Garrincha e Pelé. A multidão, que acompanhava os jogos pelos alto-falantes, sorria, urrava e chorava de alegria. Quando o jogo acabou, fechei a loja, fiz um lanche no City Caxias, o bar da esquina, e fui para a rodoviária pegar o Meier-Caxias, de volta casa, no Engenho Novo, no Rio. A sensação era de sócio da vitória da Seleção e de dever cumprido. Pelé era o meu herói, o orgulho da nação.

No jogo seguinte, porém, veio a decepção. Antes de a partida começar, concentrada sob os pilotis do prédio onde ficava a loja, a multidão já estava apreensiva, porque Pelé não entrou em campo contra a seleção da Hungria. O rei havia sido perseguido implacavelmente pelos zagueiros da Bulgária; foi vitorioso, mas acabou contundido. Com ajuda dos camaradas búlgaros, eram dois países da chamada Cortina de Ferro, os húngaros venceram por 3 x 1 e acabaram com invencibilidade brasileira de 13 jogos em mundiais. A última derrota havia sido justamente para a Hungria, em 1954, na “Batalha de Berna”, como o jogo ficara conhecido, por causa da briga entre os atletas das duas equipes.

Pelé entrou em campo no jogo seguinte, e a esperança voltou aos torcedores, que uivavam quando o locutor narrava as jogadas do craque. A vaga para as quartas de final estava sendo disputada com a seleção de Portugal. Entretanto, Pelé jogou contundido, na base do sacrifício; de novo, foi duramente caçado pelos adversários, sem condições físicas de escapar das chuteiras dos marcadores. O Brasil foi derrotado por 3 x 1 e eliminado da disputa. Quando a partida terminou, meu trabalho acabou. Desliguei os alto-falantes, o rádio, fechei a loja e fui para casa chorando, como a maioria dos torcedores. É a mesma tristeza que senti ontem, só que agora é irreparável, ao contrário do que aconteceu em 1966. Na Copa do México, que assistimos ao vivo e em cores pela tevê, quatro anos depois, Pelé e seus companheiros conquistariam o tricampeonato mundial de futebol para o Brasil.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-morte-de-pele-ofusca-o-anuncio-dos-novos-ministros/

Livro

Revista online | Para uma crítica progressista do identitarismo

Ricardo José de Azevedo Marinho*, especial para a revista Política Democrática online (50ª edição: dezembro/2022) 

Risério, Antonio (org.). A crise da política identitária. Rio de Janeiro: Topbooks, 2022. 561 págs.

Antonio Risério é um intelectual rigoroso e reuniu um time plural e eclético no conjunto de ensaios intitulado A crise da política identitária. Ele e os demais buscaram origem, história, morfologia e linguagem usada pela política identitária, documentando-a com precisão e sem impressões superficiais e/ou intuições vagas. Desenvolveram uma argumentação baseada em análise precisa dos textos que embasam a política identitária. E parecem ter a capacidade de ler muito do que os identitários produzem, em toda a sua geografia política, mantendo a serenidade e agindo frente aos apaixonados pela vitimização com uma postura aberta ao diálogo real. 

Para tanto, Antonio Risério, Barbara Maidel, Bruna Frascolla, César Benjamin, Demétrio Magnoli, Gustavo Alonso, Pedro Franco, Ricardo Rangel, Raphael Tsavkko Garcia e Wilson Gomes, entre outros, agarram-se firmemente aos valores clássicos de esclarecimento, precisamente o que é negado e rejeitado quando se recorre a expurgos, julgamentos e condenações.

Nas 561 páginas, 20 ensaios inéditos, uma entrevista e alguns artigos, o livro mostra até que ponto as reivindicações identitárias, em todo o espectro político, são contraditórias e colocam essa política em crise: elas rejeitam uma postura planetária universal que articula as diferenças, mas que acabam por proclamar para si em outro lugar. Será preciso percorrer a história de toda essa literatura de vingança, de todos esses apelos aos assassinatos em nome da restauração da justiça, para perceber que não se trata de tornar o mundo um lugar melhor, mas apenas ocupar o lugar dos odiados dominantes? 

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Wilson Gomes insiste com razão que a nova língua dessas correntes, em sua diversidade, forma uma frente aparentemente unida apenas contra o homem-branco-patriarcal-ocidental, responsável por todos os infortúnios do mundo. Mas, assim que tais correntes são criticadas a partir de outras vertentes, elas se dispersam, e, se cada uma pode reconhecer a validade dos argumentos contra seu vizinho em luta, os mesmos argumentos certamente não são válidos para ela.

Há muitas causas diferentes a defender, injustiças a reconhecer e reparar, como mostram as estatísticas maniqueístas expostas por César Benjamin e Bruna Frascolla. A cada um seu território de ativismo e busca por reconhecimento, como mostra Barbara Maidel. Ricardo Rangel acompanha de perto as mutações das lutas feministas, de Beauvoir aos estudos de gênero, dos grupos LGBTQIA+ até Meghan Markle, das lutas anticoloniais às pós-colonialidades e culturas de cancelamento. Rangel sublinha de cada vez a proliferação de vocabulários opacos que permitem eliminar as contradições da realidade e construir um universo autolegitimado.

Pedro Franco ilustra a absorção da política identitária pelas corporações, indicando o paradoxo das consequências, inclusive em governança ambiental, social e corporativa (Environmental, Social and Governance - ESG). Raphael Garcia expõe como a teoria política da extrema-direita de Steve Bannon se apropria da crise da política identitária. Pois é preciso olhar com rigor a política identitária em toda a sua presença na geografia política e, ao mesmo tempo, perceber o perigo real daqueles que mobilizam os valores tradicionais retrógrados, como na dupla face de Janus. Esses adversários da direita extrema se baseiam na mesma lógica identitária, no ódio à alteridade e na definição fixa e imutável da identidade. Mais uma vez os extremos se unem.

Confira, a seguir, galeria:

Foto: Reprodução/Amazon
Antonio Risério durante mesa da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2015 | Foto: Zanone Fraissat/Folhapress
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Antonio Risério durante mesa da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2015 | Foto: Zanone Fraissat/Folhapress
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Antonio Risério durante mesa da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2015 | Foto: Zanone Fraissat/Folhapress
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Antonio Risério durante mesa da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2015 | Foto: Zanone Fraissat/Folhapress
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Antonio Risério durante mesa da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2015 | Foto: Zanone Fraissat/Folhapress
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Antonio Risério durante mesa da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2015 | Foto: Zanone Fraissat/Folhapress
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Na história intelectual dessa política se vê que todas essas demandas se baseiam na “desconstrução” de Derrida, na luta contra os dominadores de Foucault e na denúncia da reprodução das elites de Bourdieu. E não nos parece ilegítimo chamar atenção para o fato de que esses mestres intelectuais aceitaram sua mobilização dessa forma, sem dizer nada sobre os entendimentos errôneos e o mau uso de suas obras. Às vezes, o silêncio fala mais alto que as palavras.

O volume oferece muito mais. Além de brilhantes análises conceituais, seu grande mérito é possibilitar uma leitura que estimula o necessário debate intelectual nessa hora de um governo de frente democrática que se avizinha.

Sobre o autor

*Ricardo José de Azevedo Marinho é presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de dezembro/2022 (50ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Manifestantes protestam durante funeral de três iranianos mortos baleados durante manifestação | Foto: Alireza Mohammadi/ AFP

Mais de 300 já morreram em protestos no Irã, diz agência da ONU

g1*

Mais de 300 pessoas já morreram durante os protestos que tomaram conta do Irã e que pedem o fim do regime islâmico nos dois últimos meses, segundo levantamento da agência das Organizações das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos apresentado nesta terça-feira (22).

O país vive a maior onda de protestos de sua história, que eclodiram em reação ao caso da jovem curda Mahsa Amini, de 22 anos, que apareceu morta após ser presa no fim de setembro pela chamada polícia dos bons costumes do país por "uso inadequado" do véu islâmico, obrigatório no Irã.

As reivindicações, contra a repressão às mulheres, rapidamente se tornaram o maior movimento contra a República Islâmica desde a sua proclamação, em 1979.

O governo tem respondido com repressão às manifestações, e há diversos relatos apontam que tiros vindos de policiais durante os atos são os responsáveis pela maior parte da morte.

A agência da ONU não sustenta diretamente essa informação, mas descreve um "endurecimento da resposta das autoridades aos protestos que resultaram em mais de 300 mortes nos últimos dois meses".

"Instamos suas autoridades a atender às demandas das pessoas por igualdade, dignidade e direitos, em vez de usar força desnecessária ou desproporcional para reprimir os protestos", disse o porta-voz do chefe de direitos humanos da ONU, Volker Turk.

Os números apresentados pela ONU são similares aos da Organização Não Governamental (ONU) Iranian Human Rights Watch, , a principal organização de monitoramento das manifestações. A ONG fala em 380 mortes desde o início dos protestos. Ainda segundo esse balanço, 45 eram crianças.

Texto publicado originalmente no portal g1.


Bardo é um filme nostálgico, melancólico, além de ser uma bela reflexão sobre imigração | Foto: Divulgação/Netflix

Revista online | Bardo: A viagem de Iñárritu

Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022) 

Um filme que tem como subtítulo “falsa crônica de algumas verdades” já nos deixa intrigados e de sobreaviso para o que vamos ver desfilar na tela. Realidade? Ficção? Surrealismo? Realismo mágico? Bardo tem um pouco de cada, já que o mexicano Alejandro González Iñárritu misturou tudo e nos presenteou com essa maravilha de filme.

Uma história nada convencional, que nos leva diretamente ao âmago do diretor, ao esconderijo de seus traumas e de suas angústias, representado aqui pelo personagem Silverio Gacho (Daniel Giménez Cacho), um documentarista mexicano que volta à sua terra natal depois de quase 20 anos morando nos Estados Unidos. Um cidadão ilustre de seu país, mesmo que tenha decidido abandoná-lo. Ou, quem sabe, justamente por isso…

A história se passa em um limbo que permite a Silverio ver de longe sua própria vida, fazendo um mea culpa e, ao mesmo tempo, tentando identificar acertos. Um estado mental que faz refletir sobre decisões tomadas, lutos vividos, cicatrizes deixadas e feridas não curadas dessa caminhada sem guia que é a vida. Aliás, esse limbo explica o título do filme, já que “bardo”, no budismo, significa um estado intermediário entre a morte e o renascimento.

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Bardo é um filme nostálgico, melancólico, além de ser uma bela reflexão sobre imigração, deslocamento, pertencimento, sobre sentir-se deslocado, às vezes, tresloucado, fora de lugar. Sobre estar nesse não-lugar de ser estrangeiro, de ser muito mexicano para ser americano e muito americano para ser mexicano.  

Para colocar tudo isso na tela, Iñarritú recorre ao onírico, aos símbolos, às metáforas, percorrendo elementos de sua própria filmografia, o que, para olhos atentos, não será difícil de identificar. Há pistas bem claras, como os planos aéreos do deserto que separa México dos EUA e que é palco para uma das cenas mais fortes de Babel (2006). Ou os estupendos planos gerais rodados em 65mm como os vistos em O Regresso (2015). Ou, ainda, os fantásticos planos-sequências que perseguem o protagonista em um caminho quase labiríntico, claustrofóbico, assim como acontece em Birdman (2014).

No entanto, apesar da maestria com que conduz essa obra grandiosa (e cara) que é Bardo, o diretor mexicano tem sido alvo de muitas críticas por parte de especialistas, que o acusam de arrogante, narcisista e de haver realizado ali uma pseudo autocrítica. Isso porque o que está em questão em seu longa é uma imigração privilegiada, que não teve que atravessar nenhum deserto, nem quaisquer águas bravias. Ou seja, uma expatriação voluntária que lhe permitiu ver o país de cima, da classe executiva, e que o fez aterrissar em solo seguro, protegido por um visto migratório, com a sempre liberdade de poder voltar.

Certamente, sua mudança para a terra de Tio Sam não tem nada a ver com a de seus tantos compatriotas que arriscam o que têm e que não têm para realizar o american dream. Nem por isso os questionamentos de Bardo são menos valiosos. O que Iñarritu coloca sobre a mesa em sua autoficção, como ele mesmo descreve o filme, é algo interessante de ser pensado e discutido. Uma história fantástica, que se distancia dos classicismos cinematográficos e que se dispõe a mostrar as contradições e idiossincrasias da elite mexicana – também chamada de Whitexicans –, da qual ele faz parte. Classe que sofre uma crise existencial constante por estar tão perto dos EUA, mas, ao mesmo tempo, tão distante de seus costumes e mentalidade. Crise também por se saberem roubados pelos gringos no passado, mas cientes de que, hoje, muito de sua economia funciona com base nos investimentos (ou exploração) das tantas indústrias americanas ali instaladas. Ou, ainda, nas tantas remessas de dinheiro feitas por aqueles que conseguiram atravessar a fronteira e “vencer na vida”.

Confira, a seguir, galeria:

Foto: Divulgação/Netflix
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Bardo, com seu humor ácido e sua direção de arte excepcional, é finalmente uma grande crítica à alta sociedade mexicana, conseguindo, ao mesmo tempo, atingir em cheio imigrantes ou expatriados de outras nacionalidades, que terminam por identificar-se com aquelas angústias e sentimentos de não-pertencimento, de traição à pátria, de abandono e, ainda, de uma colonização não cicatrizada.

Apesar de suas quase 3 horas de duração, Bardo flui bem, conduzindo o espectador de maneira quase hipnótica pelos labirintos da cabeça (e do país) desse grande diretor que já nos presenteou com obras extraordinárias como Amores Brutos (2000) e 21 Gramas (2003) e que agora nos mostra que a memória não é feita apenas de verdades.

Sobre a autora

*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne (UNIL)Suíca.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de novembro/2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Foto: Reprodução/Cinepop

Revista online | Não! Não Olhe! Sim! Enxergue!

Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online (47ª edição: setembro/2022)

Em um primeiro momento, o título pode confundir… Não, não se trata de outra resenha sobre o afiado Não Olhe Pra Cima (2021), de Adam McKay, lançado no ano passado. Desta feita, o assunto é o terceiro longa do diretor afro-americano Jordan Peele, autor dos também excelentes Corra (2017), Ópera Prima que lhe rendeu o Oscar de melhor roteiro original, e Nós (2019), filme assustador que se vale da mítica do doppelgänger para revelar o lado mais sombrio de cada um de nós. O que os três têm em comum é o mergulho em um gênero esnobado pela crítica, o terror, que no seu caso, vem sempre acompanhado de uma forte crítica social, centrada, principalmente, na questão da discriminação racial.  

Em Não! Não Olhe!, essa questão continua presente, claro, mas ela se dilui em tantas outras camadas de simbolismos e significados que a trama apresenta. Em uma primeira leitura, estamos diante de um “neowestern de ficção científica trabalhado no suspense”.

A história se passa em um rancho perdido na aridez da Califórnia, onde a família Haywood cria cavalos e faz o adestramento dos animais para que eles possam “atuar” em produções hollywoodianas. Uma tradição familiar que descende do jóquei que aparece nas primeiras imagens em movimento da história do cinema: as dos cavalos de Muybridge. Acontece que os livros só se atêm ao movimento do animal, sem dar nenhum crédito a quem teria sido aquele jóquei negro da foto. Segundo Peele, um legítimo Haywood.

A trama poderia girar simplesmente em torno dessa omissão histórica e já seria por si só bem interessante. No entanto, essa é apenas uma das possibilidades de leitura que o filme nos proporciona. Há muitas mais.

Partindo de um prólogo incompreensível e aparentemente desconectado do resto da história, em que um chimpanzé ensanguentado aparece no meio de um set de filmagem, passamos, por meio de um corte seco, diretamente ao rancho Haywood. Ali, a morte repentina e inusitada do patriarca da família dá início à trama do filme.

Leia artigo: 1789 e 1822: duas datas emblemáticas

A partir daí, O.J. (Daniel Kaluuya), primogênito do velho Haywood, toma a frente dos negócios e, por pura falta de habilidade, sobretudo social, fracassa em seguir os passos do pai. Nem com a ajuda da irmã Emerald (uma carismática Keke Palmer) os negócios conseguem ir adiante. O jeito então é vender alguns cavalos a fim de não perder o rancho. Seu maior comprador é o vizinho Jupe (Steven Yeun), um coreano, ex-ator-mirim, que agora ganha a vida com um parque de diversões temático, meio fajuto, instalado naquele meio do nada californiano. Jupe usa os cavalos para criar espetáculos não muito claros no começo da história. O que se sabe apenas é que a cada apresentação o empresário volta para comprar mais um animal.

Aos poucos, coisas estranhas começam a acontecer no rancho Haywood. Uma nuvem se fixa no céu, objetos caem sabe lá Deus de onde, a energia vai embora sem explicação, pessoas começam a desaparecer… Tudo muito surreal! A primeira suspeita é a de que esses fenômenos sejam obra de seres extraterrestres que estariam vigiando a Terra, talvez com o intuito de invadi-la. Até aí, nada de muito original. Acontece que Peele vai subverter essa lógica, e de observados, os terráqueos passarão a ser os observadores. De caçados a caçadores.

Isso porque os irmãos Haywood decidem instalar câmeras em todo o perímetro de sua propriedade, com o intuito de registrar qualquer objeto ou movimento suspeito no céu. Os olhos mecânicos voltados para o alto, vão devolver o olhar alienígena, que observa enquanto é observado.

O olhar é, portanto, central nessa história tão bem inserida em nossa sociedade do espetáculo, em que não basta ver, mas é preciso, sobretudo, ser visto. Não basta ter conhecimento da existência de algo, é preciso filmá-lo e/ou fotografá-lo a fim de midiatizá-lo, viralizá-lo, transformando-o em capital e fama. Vide aqui a insistência de Emerald para mandar o material filmado à apresentadora Oprah. Esse mesmo olhar, que é forma de controle para uns e de submissão para outros, é também fundamental para que Peele desenvolva a sua questão-destaque, que sempre é a das injustiças sociais enfrentadas até hoje pela população negra.  

Confira, abaixo, galeria de imagens:

Foto: Reprodução/G1
Foto: Reprodução/Correio Braziliense
Foto: Reprodução/Chippu
Foto: Reprodução/UOL
Foto: Reprodução/Omelete
Foto: Reprodução/Observatório do Cinema
Foto: Reprodução/Legião dos Heróis
Foto: Reprodução/Plano Crítico
Foto: Reprodução/Omelete
Foto: Reprodução/G1
Foto: Reprodução/Correio Braziliense
Foto: Reprodução/Chippu
Foto: Reprodução/UOL
Foto: Reprodução/Omelete
Foto: Reprodução/Observatório do Cinema
Foto: Reprodução/Legião dos Heróis
Foto: Reprodução/Plano Crítico
Foto: Reprodução/Omelete
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Foto: Reprodução/G1
Foto: Reprodução/Correio Braziliense
Foto: Reprodução/Chippu
Foto: Reprodução/UOL
Foto: Reprodução/Omelete
Foto: Reprodução/Observatório do Cinema
Foto: Reprodução/Legião dos Heróis
Foto: Reprodução/Plano Crítico
Foto: Reprodução/Omelete
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Menos assustador do que Corra, mas ainda mais complexo do que Nós, Não! Não Olhe! está mais para suspense do que para terror. Mas bem distante do tradicional, claro! Estamos aqui diante de um suspense com jeitão de western e de ficção científica, tudo junto e misturado, em que Jordan Peele parece ter ido beber da fonte de Hitchcock, Spielberg, Shyamalan e Sergio Leone, com direito a uma eclética trilha sonora, assinada por Michael Abels, espécie de homenagem às obras desses diretores.

Um filme que, em uma primeira leitura, pode parecer puro entretenimento, mas que a cada releitura, mostra que chegou para chacoalhar nossos neurônios. Para enxergar, é preciso, porém, abrir bem os olhos e a mente.

*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíça.

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (47ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Revista online | 1789 e 1822: duas datas emblemáticas

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Em discurso na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro tentou puxar coro de 'imbrochável' para si mesmo

'Machopopulismo' de Bolsonaro é parte de tradição que remonta ao fascismo, diz historiador

Thais Carrança*, BBC News Brasil

A análise é do historiador argentino Federico Finchelstein, professor da New School for Social Research (EUA) e autor do livro Do Fascismo ao Populismo na História (Edições 70, 2020), e foi feita pouco depois de o presidente Jair Bolsonaro (PL) puxar um coro de "imbrochável" para si mesmo, em discurso na Esplanada dos Ministérios no 7 de Setembro, em Brasília.

Mas o que é esse "machopopulismo", que na visão de um dos principais estudiosos do radicalismo e do populismo da atualidade une líderes como Donald Trump (EUA), Silvio Berlusconi (Itália), Abdalá Bucaram (Equador), Carlos Menem (Argentina), Rodrigo Duterte (Filipinas) e Jair Bolsonaro?

"É uma característica notável de todos esses populistas e, antes deles, dos movimentos fascistas. Um entendimento da sociedade baseado na supremacia masculina, num senso particularmente reacionário de virilidade e na distinção entre gêneros", disse Finchelstein, em entrevista à BBC News Brasil nesta quarta-feira (7/9).

"Por mais chocante que soe o presidente do Brasil celebrar dessa forma sua própria virilidade, isso não é algo novo ou original. É parte de uma tendência reacionária e da história do fascismo e do populismo", completa o pesquisador.

Finchelstein lembra episódios diversos de bravata viril e grosseria machista por líderes contemporâneos considerados populistas.

Durante debate no processo de eleições primárias do Partido Republicano, Trump se gabou do tamanho de seu órgão genital. E num vídeo de 2005, recuperado durante a campanha eleitoral de 2016, usou termos chulos ao falar sobre beijar, acariciar e tentar fazer sexo com mulheres ("Pegue-as pela vagina. Você pode fazer qualquer coisa", dizia Trump no vídeo).

O ex-primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, fez referências grosseiras ao físico da ex-chanceler alemã Angela Merkel e constantemente se gabava de sua performance sexual, além de ter dito certa vez que sua paixão pelas mulheres era "melhor do que ser gay", lembrou Finchelstein.

"Se eu posso amar 100 milhões [de Filipinos], eu posso amar quatro mulheres ao mesmo tempo", disse certa vez o ex-presidente filipino Rodrigo Duterte, que também fez piada sobre querer estuprar uma missionária australiana, morta após ser torturada e sofrer estupro coletivo.

Segundo o professor da New School for Social Research, todos esses episódios revelam líderes cujo entendimento da política e da sociedade é extremamente discriminatório com relação às mulheres.

"Eles consideram que as mulheres têm um papel secundário e que os homens, por suas alegadas proezas sexuais, devem ser os líderes das nações", diz Finchelstein. "Isso não faz o menor sentido de um ponto de vista racional e democrático, mas é parte da lógica irracional dessas tradições reacionárias."

'Dois lados da mesma moeda'

Para o especialista, a exaltação à própria sexualidade, combinada a um conservadorismo repressor da sexualidade da população, são dois lados de uma mesma moeda.

"Essa ideia bastante violenta de dominação masculina já implica em si na repressão de outros. No passado, líderes fascistas e populistas eram um pouco mais discretos com relação a essa dimensão. No caso de Trump, Berlusconi e Duterte, a coisa se torna cada vez mais explícita. Mas, embora a vulgaridade seja algo mais recente, a ideologia é bastante antiga, com origem em [Adolf] Hitler e [Benito] Mussolini. Essa ideia de um líder macho que, devido a essa masculinidade exacerbada, deve ser aceito como o líder da nação", diz Finchelstein.

Para o pesquisador, essa perspectiva machista e chauvinista apela a uma parcela da população que se vê refletida nessas declarações repressoras e discriminatórias, se identificando com essas mensagens.

"Esse líderes têm apelo não para a maioria da sociedade, mas para aqueles que estão insatisfeitos com a democracia e com a diversidade", afirma.

Ele cita a comparação feita por Bolsonaro entre sua esposa Michelle Bolsonaro e as esposas de outros candidatos.

"É ultrajante, porque trata-se de uma clara objetificação das mulheres. Mas não é uma surpresa quando falamos desses 'machopopulistas' e seu senso de masculinidade discriminatória."

Finchelstein lembra que Trump fez o mesmo durante as primárias americanas, ao comparar sua esposa, Melania Trump, com a esposa do também republicano Ted Cruz.

"Isso é parte do manual trumpista, há poucas coisas originais a respeito de Bolsonaro", afirma.

Os quatro elementos do fascismo

Para o pesquisador, apesar de sua falta de originalidade, Bolsonaro se destaca entre os líderes autoritários contemporâneos por estar, assim como Trump, mais próximo do fascismo do que os demais populistas.

Finchelstein enumera os quatro elementos-chave do fascismo:

  • Mentiras e propaganda autoritária;
  • Militarização da política e glorificação da violência e de armas;
  • Política do ódio e total demonização do outro;
  • Ditadura.

"Mesmo em seu discurso de Dia da Independência, e isso não é irrelevante, Bolsonaro classificou o outro lado como 'o mal'", observa Finchelstein — as palavras do presidente foram as seguintes: "O mal que perdurou por 14 anos no nosso país, que quase quebrou nossa pátria e que deseja voltar à cena do crime. Não voltarão, o povo está do lado do bem."

Para o pesquisador, "se você tem esses quatro elementos, você está numa situação fascista".

*Texto publicado originalmente na BBC News Brasil.


Foto: Leo Correa/El País

Revista online | A tópica anticomunista na linguagem fascista

Delmo Arguelhes*, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)

O início do Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, publicado originariamente em 1848, é bem conhecido pelo público, assim também como o final. “Um fantasma circula pela Europa – o fantasma do comunismo.” (Marx; Engels, 2012: 43). A partir desse mote, os dois pensadores desenvolvem a argumentação sobre o que seria o comunismo, já que os detratores não sabiam com exatidão do que estavam falando, quando citavam o ‘perigo do comunismo’. 

Após a Revolução Russa, em 1917, e a tomada do poder pelos bolcheviques, em outubro do mesmo ano (no calendário juliano), o fantasma amplificou sua intensidade. Os fascismos – movimentos de extrema direita, de fundo populista – não surgiram como uma reação automática contra o comunismo. A concepção do fascismo como excesso obsceno do capitalismo funciona mais como slogan do que como categoria rigorosa. 

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Os donos do capital não se transformam em fascistas, como num passe de mágica. As elites econômicas, a princípio, não gostam dos fascistas, porém, gostam menos ainda – ou realmente odeiam – de revoluções populares, movimentos reivindicatórios, ou qualquer obstáculo aos privilégios de classe que ostentam. Mas esse não é o único ponto de interesse das elites no movimento fascista. Este, necessariamente, sempre toma medidas a favor do grande capital, e contrárias às necessidades e anseios populares.

O fascismo apresenta como objetivo primordial um retorno aos dias passados de glória, já que a modernidade implicou na degeneração do corpo da pátria, tanto com base imperialista (no caso italiano) ou racial (no caso alemão). A solução para reconduzir o país ao lugar devido, para Mussolini seria restaurar a eficiência militar dos romanos antigos, partindo para a conquista de territórios e colônias; para Hitler, seria fundar uma raça de sobre humanos, a partir do povo alemão. 

Confira, abaixo, galeria de imagens:

O Brasil não será a nova Cuba | Imagem: reprodução/CEDEMUnesp
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O Brasil não será a nova Cuba
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O Brasil não será a nova Cuba
Foto_ Leo Correa_El País
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Mesmo com a queda desses dois regimes mais notórios, houve sobrevivência de muitos elementos fascistas pós 1945, desde os aspectos práticos mais brutais, como também na agenda socioeconômica, não menos violenta. Parte considerável do discurso fascista elegia a luta contra o comunismo como prioritária. Tal luta tornou-se o leitmotiv da política externa estadunidense, entre 1947 e 1991. Tal fato corrobora a assertiva sobre as atitudes fascistas que conseguiram sobreviver à queda dos regimes. 

Na luta contra o comunismo, os Estados Unidos patrocinaram dezenas de golpes de estado por todo mundo, apoiando ditaduras que diziam “combater o comunismo”, como se fosse uma senha para se garantir ampla autonomia. Numa cena do filme Todos os homens do presidente (1976), dirigido por Alan Pakula, um dos homens presos – que mais tarde será identificado como agente da CIA – se apresenta na audiência de custódia como ‘anticomunista’, provocando estranheza ao magistrado, pelo fato de não existir profissão como essa. Anticomunismo, nesse caso, era nada mais, nada menos do que um tópico do discurso.

A teoria dos topoi (τὀποι), a tópica, possuía na Antiguidade Clássica uma função importante na arte da retórica. Com a decadência da retórica clássica, o tópos (singular de topoi) ganhou uma nova função: ser um lugar comum, um cliché de emprego universal (Curtius, 1996: 109). Os topoi ‘comunismo’ e ‘anticomunismo’, na linguagem da extrema direita, possuem conteúdos plásticos, prontos para serem aplicados em qualquer caso e contra qualquer um. 

No aspecto político mais imediato, ‘comunista’ é equivalente à categoria infame ‘judeu errante’, do século XIX. O judeu errante, figura que não existe fora do mundo das ideias, é também um cliché. Ele se recusava a se integrar à vida nacional, e estaria sempre a conspirar para tomar o poder. Era um ‘inimigo objetivo’ (Arendt, 1989: 474ss). Enquanto um criminoso comum precisa fazer algo que uma lei anterior determine ser crime, o inimigo objetivo seria perseguido pelo que ele poderia fazer, como portador de tendências perigosas. O caráter plástico da categoria ‘judeu errante’ a torna possível de ser atribuída a todos e a qualquer um.

O comunismo no discurso da direita brasileira, portanto, funciona como um albergue espanhol; o hóspede só encontra lá o que ele mesmo levou. Assim, qualquer ato que desagrade as elites econômicas é classificado como comunismo, da mesma forma que os divergentes são chamados de comunistas. 

Se tudo que diverge do mundo ideal de um fascista (ou de um defensor da moral familiar, por exemplo) é comunismo, então, o comunismo, para ele, não é nada. Parodiando Hannah Arendt, as atitudes e discursos fascistas sempre estão à disposição, a qualquer tempo, quando as elites econômicas se sentirem ameaçadas ou desprestigiadas. Já as massas, que não são donas do capital, podem aderir ao sedutor discurso fascista por meio da ideologia.

Sobre o autor

*Delmo Arguelhes é doutor em história das ideias (UnB, 2008), com estágio pós doutoral em estudos estratégicos (UFF, 2020. Coordenador do Grupo Geopolítica e Governança Oceânica do CEDEPEM (UFF/UFPel). Autor do livro Sob o céu das Valquírias: as concepções de honra e heroísmo dos pilotos de caça na Grande Guerra (1914-18).

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (46ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Cem anos de modernismo na música brasileira | Arte: FAP

“Quando ouvi pela primeira vez o violão clássico, me apaixonei”, afirma Álvaro Henrique

Luciara Ferreira*, com edição do coordenador de Audiovisual da FAP, João Rodrigues

O violão é o mais nacional dos instrumentos. Como um violonista, a música para Álvaro Henrique é acima de tudo a linguagem das emoções. “Tocar um instrumento, qualquer um, é poder falar este idioma”, conta para acrescentar que quando ouviu pela primeira vez se apaixonou pelo instrumento.

Na intenção de diminuir a timidez, Henrique, que está produzindo um novo trabalho musical nos Estados Unidos, tem o incentivo do pai para estudar o instrumento de seis cordas. No início, ele tinha resistência ao violão popular. “O violão é o mais nacional dos instrumentos, mas em 1922 não foi valorizado”, afirma.  

O músico está confirmado para participar do segundo concerto da série de eventos Em torno de 22: Cem anos de modernismo na música brasileira. O evento será neste sábado (9/7), a partir das 16 horas, na Biblioteca Salomão Malina, vinculada à Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. A entrada é gratuita.

Conheça a Biblioteca Salomão Malina

Apesar de não valorizado nacionalmente em 1922, o músico vê a correção em 2022. “É importante não apenas para a cultura brasileira em geral, mas também um retrato do avanço que violonistas de todo o Brasil tiveram nos últimos 100 anos”, ressalta.

O solista teve como influência os guitarristas Kazuhito Yamashita, Pavel Steidl e Franz Halasz para desenvolver sua musicalidade. “Saímos de um instrumento de vadios para ser um exemplo de excelência mundial”, assevera.

Organizado em cinco programas, a origem do modernismo do Brasil foi tratada no primeiro concerto com algumas das obras apresentadas pelo pianista Guiomar Novaes na Semana de 22. O evento, realizado 25 de junho, contou com um recital de piano solo.

https://www.youtube.com/watch?v=dOhC4wn8Zw0

“Recordar 1922 é sempre de suma importância. Esse ano marcou um momento de virada na História da Arte Brasileira, principalmente no que incutiu de ideias com respeito à formação de uma arte com ‘cara’ brasileira. Então, faz-se necessário rememorar o seu legado”, acrescenta o curador do evento Em torno de 22, Augusto Guerra.

Afinal, a Semana de Arte Moderna de 1922 foi tão importante assim?

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O violoncelista explica que a música sempre esteve presente, pois vem de uma família de músicos.” Com 15 anos, passei a ser bolsista da Orquestra Jovem de Brasília e aos 19 me tornei profissional, de modo que posso dizer que tudo que aconteceu até hoje em minha vida girou em torno dessa arte”, concretiza.

Como inspiração para sua desenvoltura na música, Guerra considera como ídolo o compositor e violoncelista Heitor Villa-Lobos, pela forma de como inseriu a música brasileira no cenário mundial e teve o estímulo de seu pai instrumentista, Antônio Guerra Vicente. Ele que foi o fundador do curso de violoncelo da Universidade de Brasília (UnB).

Em palavras de incentivo para aqueles que têm vontade de aprender a tocar um instrumento novo como o violão, Augusto destaca que é necessário ter muito estudo, muita disciplina e perseverança. Além disso, é necessária a orientação de um professor ou especialista com boas referências.

Programação

Veja, abaixo, detalhes da série de concertos Em torno de 22: Cem Anos de Modernismo na Música Brasileira, com a curadoria de Augusto Guerra Vicente, no Espaço Arildo Dória, dentro da Biblioteca Salomão Malina, no Conic, região central de Brasília (DF).

09/07, 16h

Concerto 2: O violão como instrumento nacional 

Violão Solo: Álvaro Henrique – Obras de Villa-Lobos, Guerra-Peixe, Dilermando Reis e Baden-Powell 

30/07,16h
Concerto 3:  Desdobramentos do modernismo: o nacionalismo brasileiro

Quarteto Capital – Obras de Villa-Lobos, Osvaldo Lacerda, Glauco Velásquez, Ernst Mahle, Aurélio Melo e Vicente da Fonseca

Violino I: Daniel Cunha

Violino II: Igor Macarini

Viola: Daniel Marques

Violoncelo: Augusto Guerra Vicente

13/08, 16h

Concerto 4:  Obras de música de Câmara de Villa-Lobos para violoncelo

Obras de Heitor Villa-Lobos com:

Violoncelo: Norma Parrot

Violino: Daniel Cunha

Flauta: Thales Silva

Piano: Larissa Paggioli

27/08, 16h Em torno de 22: Cem Anos de Modernismo na Música Brasileira

Concerto 5:  Desdobramentos do modernismo: Cláudio Santoro em Brasília

Obras de Cláudio Santoro com:

Viola: Mariana Costa Gomes

*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, coordenador de Audiovisual da FAP, João Rodrigues