Hélio Schwartsman
Hélio Schwartsman: A bússola moral de Bolsonaro
É preciso fazer exatamente o contrário do que o presidente sugere
O Brasil tem a incrível capacidade de, retrospectivamente, transformar presidentes incompetentes em estadistas. Quando eu comecei no jornalismo, sob a gestão de José Sarney, que assumira o posto com a inflação em 242% e o entregou com ela em 1.973%, parecia impossível imaginar uma liderança pior que a dele, mas aí veio Fernando Collor de Mello e tivemos de reconsiderar.Na comparação, o valentão alagoano nos fez sentir saudades do poeta maranhense. Jair Bolsonaro também consagra Dilma Rousseff, apesar de ela ter arruinado a economia e tolerado corrupção.
Bolsonaro, porém, tem uma peculiaridade que o distingue de outros maus presidentes. Ele se revela um desastre não só na condição de gestor mas também nos aspectos simbólicos do cargo.
Presidentes desempenham sempre dois papeis. Precisam ser capazes de montar uma equipe de governo que entregue resultados, mas também exercem influência pelos exemplos que dão e pela forma como se posicionam diante das grandes questões que se apresentam para o país --algo que antigamente chamávamos de bússola moral.
A pandemia dá especial relevo ao segundo papel. Enquanto líderes de outros países se desdobram para conseguir vacinas e fazem questão de ser os primeiros a receber a injeção diante das câmeras, Bolsonaro não cessa de dar declarações que diminuem a gravidade da epidemia, aparece quase sempre sem máscara e ainda sabota iniciativas de imunização planejadas por rivais.
Parte da população, em especial seus simpatizantes, imita suas atitudes. Um bom exercício acadêmico para os próximos anos será estimar qual o excesso de mortes que pode ser atribuído ao gestual do presidente.
Mas talvez eu exagere nas críticas a Bolsonaro. Ele, afinal, continua funcionando como uma bússola moral. Desde que se saiba que é uma com os polos invertidos, dá para orientar-se fazendo exatamente o contrário do que o presidente sugere.
Hélio Schwartsman: A guerra das vacinas
Para Bolsonaro, é melhor atrapalhar Doria do que imunizar a população do país
A "vacina inglesa do Bolsonaro" (Oxford/AstraZeneca) não é nenhuma maravilha. Registrou só 70% de eficácia na melhor interpretação dos dados do estudo de fase 3. Já os resultados da "vacina chinesa do Doria" (Coronavac) devem ser divulgados nos próximos dias.
Por não ter chutado um pênalti para fora, João Doria está na frente de Jair Bolsonaro na disputa, mas não há nenhuma certeza de que sua vacina será certeira. O padrão-ouro em imunização contra a Covid-19 é, por ora, o das vacinas da Pfizer e da Moderna, que conferiram em torno de 95% de proteção nos ensaios clínicos.
O governo federal, que apostara todas as fichas no imunizante da Oxford, não adquiriu nenhuma dose do produto da Moderna e tenta agora um acordo de última hora com a Pfizer, mas dificilmente conseguiremos um lote para logo. Outros países foram mais rápidos. O Canadá, por exemplo, fez tantos acordos que já computa dez doses de imunizantes para cada habitante.
O Brasil também deixou de fazer a lição de casa num item muito mais básico, que é a compra de seringas, agulhas etc., coisas que sabíamos serem necessárias qualquer que fosse o imunizante a utilizar, mas que o ministro da Saúde especializado em logística preferiu ignorar.
E esse é o ponto a que eu queria chegar. O Brasil, que até há pouco era um país conhecido pela excelência de seu programa de imunizações, corre o risco de ficar sem vacinas e sem insumos para aplicá-las.
Um dos principais motivos para a decadência é Jair Bolsonaro. Além da ignorância militante da qual parece orgulhar-se, o presidente trabalhou incansavelmente para minar a estrutura de órgãos como o Ministério da Saúde, que agora faz falta.
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
Hélio Schwartsman: Na reeleição no Congresso, venceu a Constituição
Intervenções na Constituição devem ser eventos raros
Era claro como o dia que o STF não deveria ter liberado a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, como pareceu que faria. O veto constitucional à recondução dos chefes do Poder Legislativo numa mesma legislatura é expresso (art. 57, § 4) e não vejo necessidade jurídica de relativizar a norma, que, de fato, não é nenhuma maravilha. Mas caberia aos próprios legisladores eliminá-la ou reformulá-la, através de uma emenda constitucional. Fora disso, entramos no terreno do casuísmo deslavado.
É preciso, porém, cuidado para não cair no extremo oposto ao do relativismo constitucional e advogar por uma versão tupiniquim do originalismo norte-americano, segundo o qual a Carta precisa ser sempre lida literalmente e de acordo com o significado que os termos tinham à época em que ela foi elaborada.
Penso que constituições só perduram no tempo porque são documentos vivos, cujo sentido é atualizado a cada nova geração de intérpretes. E isso, obviamente, exige que o texto tenha maleabilidade. O problema, portanto, não está em o STF ir contra o que está escrito na Carta ou introduzir-lhe ideias que não estão, mas a frequência com que o faz e os motivos que invoca.
Esse tipo de intervenção precisa ser raro. A autocontenção é a maior virtude das cortes constitucionais. Em minha modesta opinião, os ministros deveriam reservar seus superpoderes apenas para situações de ampliação de direitos individuais que o Legislativo não consegue promover.
Se juízes constitucionais se entregam a casuísmos, todas as suas decisões passam a ser percebidas como motivadas por interesses políticos ou pessoais, a credibilidade da corte se esvai e, com ela, um dos principais mecanismos que permitem manter viva a Constituição. Gostaria de acreditar que foi essa percepção que definiu o resultado da votação sobre a reeleição e não a pressão das redes sociais. Meu otimismo não chega a tanto.
Hélio Schwartsman: Casamento feliz
É boa a notícia de que técnicos da Anatel não restringiram participação da Huawei
Foi o casamento entre desenvolvimento tecnológico e economia de mercado que, a partir de fins do século 18, lançou o planeta numa era de prosperidade material sem precedentes.
Em tese, pode-se ter um sem o outro, mas é quando caminham juntos que os efeitos sinérgicos se materializam. Vale lembrar que a URSS detinha tecnologia de ponta em algumas áreas, mas, ainda assim, soçobrou por causa da economia.
À luz dessas considerações, nem haveria o que pestanejar em relação ao 5G. Se a tecnologia da chinesa Huawei é reconhecidamente melhor e mais barata do que a dos concorrentes e se um eventual veto à sua participação ainda exigiria refazer grande parte da infraestrutura de 3G e 4G, parece ilógico não incluir os chineses entre os fornecedores de equipamentos de 5G para o Brasil.
Não digo que outras questões, como a segurança nacional, não possam entrar na equação. Mas elas precisam ser reais e categóricas o bastante para justificar abrir mão do ganho econômico que teríamos com a participação da Huawei.
E não penso que sejam. O temor de espionagem é justificado, mas não apenas em relação aos chineses. O caso documentado mais recente de bisbilhotagem contra nossas autoridades leva a assinatura dos norte-americanos.
O remédio contra isso não é sonhar com uma rede telefônica inexpugnável, mas, pelo menos no caso do alto escalão, recorrer à criptografia avançada e a melhores rotinas de segurança. Quanto ao público geral, é possível e até provável que esteja mais interessado em preços baixos do que em proteção a dados pessoais, que, aliás, entrega com gosto e de graça às big techs.
Nesse cenário, é boa a notícia de que a área técnica da Anatel não restringiu a participação da Huawei. Se Bolsonaro quiser tirar os chineses da jogada, terá de escancarar que o faz por idiossincrasias suas. Decisões sem amparo técnico têm maior chance de ser revertidas a Justiça.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
Hélio Schwartsman: O encolhimento do PT
Partido precisa apresentar lideranças renovadas
O PT é um dos partidos que saem derrotados destas eleições. Pela primeira vez em 35 anos, não comandará nenhuma capital do país.
No cômputo geral, viu o total de prefeituras conquistadas reduzir-se de 254 em 2016 para 183 agora, com o incômodo detalhe de que as eleições municipais anteriores já haviam sido catastróficas para a legenda, que despencara de seu recorde de 630 prefeituras em 2012.
E não é só. Em duas das capitais mais dinâmicas, São Paulo e Porto Alegre, nas quais o PT tinha quase que cadeira cativa no segundo turno, os candidatos de esquerda que chegaram à disputa final eram de outros partidos, PSOL e PCdoB.
Esses são fatos objetivos que só um Trump ou um Bolsonaro ousaria negar. Apesar disso, eles não pintam um quadro muito completo da realidade. Se escarafuncharmos bem os dados, encontraremos pelo menos uma boa notícia para a sigla.
Embora tenha vencido em apenas quatro, o PT chegou ao segundo turno em 15 cidades (o maior número de participações entre todas as legendas). Em 2016, haviam sido apenas sete, dos quais saiu derrotado de todos. Acho que dá para afirmar que o eleitor dos maiores centros urbanos recolocou o partido na condição de ator importante, ainda que não o tenha contemplado com tantas vitórias.
Não há nada de muito surpreendente aí. Tirando momentos de recessão democrática como o atual, o embate mais natural de uma democracia é entre forças de centro-esquerda e de centro-direita. O PT havia sido, nas últimas quatro décadas, a sigla que melhor representava a centro-esquerda.
Poderá continuar a exercer esse papel, desde que interprete corretamente os recados dos eleitores e responda a eles. O mais eloquente é que o PT precisa apresentar lideranças renovadas. Não dá para as três prioridades do partido continuarem sendo o salvamento da biografia de Lula, e a quarta, a defesa de regimes como o venezuelano e o cubano.
Hélio Schwartsman: Bolsonaro tenta infinitos modos de destruição
A entropia, definida como a medida de desorganização de um sistema, é uma força poderosa. No longo prazo (algo como 10100 anos), ela levará à morte térmica do Universo, mas produz, desde já, um argumento bacana contra a existência de Deus (cf. Bertrand Russell).
Em escalas de tempo mais compatíveis com as percepções humanas, a entropia não se mostra tão inexoravelmente fatal, mas ainda é capaz de gerar estragos consideráveis.
O governo do presidente Jair Bolsonaro está entre os mais entrópicos de todos os tempos no Brasil. Seu nível de desorganização é preocupante e já afeta outros sistemas, como a economia e a saúde.
A incapacidade do Ministério da Economia de até sinalizar convincentemente sobre seus próximos passos está agravando a precária situação fiscal do país. Vai ficando cada vez mais complicado rolar a dívida pública, o que pode afetar a relativa estabilidade da inflação e outros indicadores.
Na saúde o quadro é ainda mais desolador. A inépcia do governo para dar destinação a verbas já autorizadas e produtos já adquiridos compromete nossa capacidade de resposta à pandemia. Pior, embora a vacinação em massa já esteja no horizonte, o país ainda não tem plano para implementá-la.
É claro que um plano detalhado depende de uma definição, por ora inexistente, de quantas doses de quais tipos de imunizantes nós disporemos e do calendário de entrega. Mas o Ministério da Saúde, conduzido por um suposto especialista em logística, ainda não apresentou nem um esboço de plano nem se veem ações assertivas para a aquisição de insumos como seringas e agulhas.
Uma outra forma de descrever a tendência ao aumento da entropia é lembrar que ela triunfará porque existem muito mais maneiras de destruir as coisas do que de construí-las. Minha impressão é que o projeto de Bolsonaro é fazer com que experimentemos cada um desses quase infinitos modos de destruição.
Hélio Schwartsman: Um país racista ou desigual?
Brasil é as duas coisas ao mesmo tempo
O Brasil é um país desigual ou é um país racista? Ele é as duas coisas ao mesmo tempo, e destrinchá-las não é trivial. São conhecidas as estatísticas do IBGE que informam que trabalhadores brancos ganham quase 70% mais do que negros. A dificuldade com esse dado, da forma que costuma ser apresentado, é que ele soma os efeitos da desigualdade social com os do racismo e põe tudo na conta do segundo.
Há motivos legítimos para explicar diferenças salariais, como história educacional, cargo exercido, tempo de casa etc. Quando comparamos grupos semelhantes, isto é, negros e brancos com o mesmo grau de instrução, ou que ocupem postos no mesmo nível hierárquico, as disparidades diminuem. O problema é que só diminuem, sem desaparecer, sinal de que a cor da pele também faz diferença.
Há interessantes trabalhos, como o de André Salata (PUC-RS), que tentam separar os efeitos diretos do racismo dos indiretos, mediados por pobreza, educação.
E o mercado de trabalho é só uma das esferas em que o racismo estrutural se manifesta. Estudos mostram que negros também sofrem discriminação no sistema de Justiça (é mais provável um jovem negro apanhado com maconha ser enquadrado como traficante do que um branco flagrado na mesma situação) e até em hospitais (o controle de dor é mais precário para pacientes negros).
É raro encontrarmos um racista empedernido, daqueles que vestem lençóis na cabeça, por trás desse tipo de discriminação, que se materializa por canais mais sutis, como vieses e estereotipias, que afetam o comportamento das pessoas sem que elas se deem conta.
Combater o que acontece abaixo do radar da consciência é difícil. O reconhecimento do problema é o primeiro passo. A sociedade brasileira já parece tê-lo dado. Quiçá isso um dia chegue às escolas militares que formaram Bolsonaro, Mourão e outros que ainda acham que não existe racismo no Brasil.
Hélio Schwartsman: O doce sonho do infectologista
Um infectologista otimista talvez sonhasse com uma vacina contra a Covid-19 com 95% de eficácia, mas acho que nem o mais panglossiano deles esperaria dois imunizantes que oferecessem tais níveis de proteção. Não obstante, foi exatamente o que vimos nos últimos dias, com dois laboratórios, Pfizer/ BioNTech e Moderna, anunciando resultados dessa magnitude em seus ensaios de fase 3. Bônus leibniziano extra: ambos os produtos parecem funcionar bem também para idosos, o que era uma preocupação.
Coincidentemente, os dois fármacos se valem de uma tecnologia genética nova na produção de vacinas, a de RNA mensageiro. Resta saber se ela é muito superior às outras ou se o Sars-CoV-2 é um vírus facilmente “vacinizável”. Vamos saber em breve, assim que forem divulgados os resultados dos testes de imunizantes que empregam outras técnicas.
Ainda falta conhecer detalhes importantes, mas, havendo vacinas com tais níveis de eficácia, dá para pensar em controlar a pandemia em escala global ao longo dos próximos dois anos. Tudo dependerá da logística de produção, distribuição e aplicação, que não é trivial. Estamos falando de bilhões de doses, bilhões de seringas (será que não é o caso de reavivar as velhas pistolas de vacinação?) e de enorme mobilização de pessoal.
As vacinas genéticas, diferentemente das que utilizam outras técnicas, precisam ser conservadas sob temperaturas muito baixas — 70°C negativos no caso da da Pfizer. Não chega a ser um impeditivo, já que é possível fazer o transporte final, de poucos dias, em gelo seco, mas é uma dificuldade, que exige ainda mais dos planejadores.
Há boas notícias até para o presidente Jair Bolsonaro, que age como um inimigo jurado das vacinas. Com 95% de eficácia, inclusive entre idosos, imunizar-se se torna mais uma questão de proteção individual do que um dever comunitário. Fica mais fraco o caso da obrigatoriedade da vacinação.
Hélio Schwartsman: O futuro da esquerda
Se quiser assegurar um lugar no futuro, PT precisará superar Lula
Como epidemias em países continentais, resultados eleitorais precisam ser analisados com cautela. São várias coisas diferentes acontecendo ao mesmo tempo, o que tende a produzir miragens.
Se olharmos para o número absoluto de prefeituras, o bloco dos partidos considerados de esquerda, PT, PDT, PSB, PCdoB, Rede e PSOL, perdeu posições em relação ao ciclo anterior. Em 2016 eles haviam conquistado 1.088 paços municipais. Neste ano, foram, até aqui, 795.
O problema de olhar apenas para os números absolutos é que homegeneizamos coisas muito diferentes. Nessa métrica, Serra da Saudade, com 781 habitantes, vale tanto quanto São Paulo, com mais de 12 milhões. Grotões tendem a responder com muita lentidão às mudanças políticas. Se quisermos ter uma ideia mais precisa de para onde os ventos sopram, devemos dirigir o olhar para os maiores centros urbanos. E neles a esquerda parece retomar protagonismo.
Das 95 cidades com mais de 200 mil eleitores, em que o segundo turno é possível, 57 voltarão às urnas. A esquerda está em 28 dessas corridas. No ciclo anterior, foram 26, mas o PT, que chegara a apenas sete segundos escrutínios (e perdeu todos), agora participa de 15 —é a legenda que disputa mais returnos.
É impossível, porém, deixar de observar que o PT perdeu espaço para siglas de esquerda menores em duas das cidades mais importantes do país. Em São Paulo e Porto Alegre, Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela d'Ávila (PCdoB), empurrados principalmente pelo voto de jovens, roubaram um espaço em que o PT tinha cadeira quase que cativa.
E isso nos leva para o dilema de Lula. O ex-presidente ainda tem popularidade demais para deixar de ser o centro de gravidade da legenda, mas tem má fama o bastante para alienar do partido segmentos relevantes do eleitorado. Os casos de São Paulo e Porto Alegre mostram que, se o PT quiser assegurar um lugar no futuro, precisará superar Lula.
Hélio Schwartsman: O que as urnas disseram
O mais eloquente é que Jair Bolsonaro se deu mal
O que as urnas disseram no domingo? Várias coisas. A mais eloquente delas é que Jair Bolsonaro se deu mal.
Dos 13 candidatos a prefeito que o presidente decidiu apoiar, nove fracassaram já no primeiro turno, dois se elegeram —os de Ipatinga (MG) e Parnaíba (PI), que não chegam a ser megalópoles— e dois passaram para o segundo escrutínio —Rio de Janeiro e Fortaleza—, com chance maior de perder do que de ganhar.
Dos três membros da família estendida que concorreram a cargos de vereador ostentando o sobrenome Bolsonaro, só um, Carlos, o zero-dois, conseguiu uma vaga, ainda assim com 35 mil votos a menos do que obtivera em 2016.
Também parece lícito concluir que a onda niilista que tomou de assalto o eleitor em 2018 passou. Prevaleceram nomes e partidos tradicionais. Aparecem nas listas de legendas vitoriosas DEM (depois de quase ter sido extinto nos anos Lula-Dilma), MDB, PSD, PP, PSDB (se triunfar em São Paulo). O PSL, que, na esteira da eleição de Bolsonaro em 2018, se tornara o segundo maior partido (em cadeiras na Câmara), teve até aqui desempenho pior do que pífio.
A esquerda parece estar se recuperando do desastre que foram as municipais de 2016, mas sem a hegemonia do PT. O partido que brilha nestas eleições é o PSOL.
O que tudo isso diz sobre 2022? Um pouco, mas não muito. A aparente mudança de humor do eleitorado é relevante, mas seria um erro tomar os resultados de agora como uma prévia de 22. É que, em eleições locais, o eleitor tende a privilegiar questões locais. O fato de ele ter escolhido agora lideranças mais moderadas não significa necessariamente que repetirá isso no próximo pleito.
Alguns países renovam parte do Legislativo no meio do mandato do presidente. É uma opção interessante para uma eventual reforma política. Dá ao eleitor uma chance de se manifestar sobre a administração, e ao líder, uma oportunidade para corrigir rumos.
Hélio Schwartsman: A festa da democracia
Hoje, todos os brasileiros com mais de 18 anos e menos de 70, que sejam alfabetizados e que não estejam cumprindo pena com sentença transitada em julgado estão obrigados a ir às urnas. Acho meio autoritário. Não é meu modelo favorito de direito de voto, mas é um sinal inequívoco de que a democracia está em vigor, apesar de o país ter colocado no poder um indivíduo que não tem o menor apreço por ela.
As instituições estão ou não funcionando? É um caso clássico de copo meio cheio e meio vazio. Para os mais exigentes, que esperam do sistema que ele corte pela raiz quaisquer extremismos e faça com que todos se comportem como lordes ingleses, então as instituições fracassaram. Nossos mecanismos antirradicalismo, notadamente o segundo turno, não impediram a eleição de Jair Bolsonaro, que pode ser acusado de muitas coisas, mas não de cavalheiro.
Para os mais pragmáticos, contudo, que se satisfazem com um sistema que seja capaz de prevenir a ruptura da ordem legal e a violência física entre facções, até que nossas instituições não estão se saindo tão mal.
Bolsonaro e seu clube de generais de pijama não foram capazes de dar o tão temido golpe —e não porque não tenham desejado. Continuamos votando normalmente e seguimos com um Congresso e um Judiciário relativamente independentes, porque o desenho institucional prevê uma divisão dos Poderes que não é tão fácil de atropelar.
Na verdade, o sistema é que conseguiu em alguma medida domar Bolsonaro. Com o duplo temor do impeachment e da cadeia para os filhos, Bolsonaro alterou seu comportamento. Não se tornou obviamente um moderado, mas moderou o discurso golpista, parando de atacar semanalmente o Parlamento e o STF.
Não devemos, porém, nos iludir. As instituições resistiram até aqui, mas sofreram desgastes —e não há garantias de que resistirão para sempre. É preferível ser obrigado a votar a não poder fazê-lo.
Hélio Schwartsman: Sem Trump, o normal volta?
Assim como Trump sucedeu Obama, nada impede que Biden seja sucedido por um neo-Trump
Derrotado Donald Trump, a política nos Estados Unidos volta ao normal? É difícil fazer previsões, mas acho que há duas afirmações que podemos fazer desde já.
A primeira é que, embora a iminente demissão de Trump nos poupe das cenas mais constrangedoras do populismo, as condições socioeconômicas que favoreceram a eleição do magnata laranja em 2016 estão longe de superadas. Assim como Trump sucedeu Obama, nada impede que Biden seja sucedido por um neo-Trump.
A segunda é que está nas mãos dos republicanos definir qual será o jogo daqui para a frente. Não gosto de pintar a história em termos de heróis e vilões, mas é forçoso reconhecer que os republicanos levaram bem mais longe do que os democratas a ideia de que vencer é mais importante do que manter o "fair play" democrático. O Partido Republicano (GOP) precisa decidir se seguirá nessa rota ou tentará algo diferente.
A demografia conspira contra o GOP. As populações que mais crescem nos EUA (hispânicos e negros) costumam votar em democratas. A crescente urbanização reforça a tendência. Ao apostar na tática de guerrilha, os republicanos ampliam seu poder por um tempo, mas não evitam a asfixia demográfica.
Faria mais sentido, creio, modificar o ideário do partido para torná-lo mais convidativo para as minorias que vão ganhando espaço. Os recentes avanços da legenda com latinos da Flórida mostram que isso é factível.
No mais, o posicionamento ideológico de partidos não é algo inscrito em pedra. Inicialmente, o GOP é que era a legenda progressista, defendendo a abolição e reformas econômicas. A troca de posições só ocorreu a partir do início do século 20 e foi lenta. Até os anos 60, os democratas é que representavam o conservadorismo racista no sul do país.
A dificuldade para mudar é que alguém precisaria pensar na sobrevivência do partido além dos dois ou quatro anos que são o horizonte de operação dos políticos.