Haddad
Luiz Carlos Azedo: Quando as coisas dão errado
“Haddad está em busca de nomes para compor seu governo, mas não vem obtendo muito sucesso nos convites devido à baixa expectativa de poder que desfruta no momento”
As declarações do ex-governador Cid Gomes (PDT), senador eleito pelo Ceará, no ato de apoio a Fernando Haddad (PT), nas quais criticou duramente o PT e exigiu uma autocrítica da legenda pelos erros cometidos nos governos Lula e Dilma, não foi uma ruptura entre seu irmão, Ciro Gomes (PDT), terceiro colocado no primeiro turno, e o candidato petista, mas expressou com muita fidelidade as razões do apoio crítico anunciado pelo PDT: os dois irmãos são potes cheios de mágoas. As manobras de bastidor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para deslocar o apoio do PSB a Ciro e enfraquecer sua candidatura, com objetivo de levar Haddad ao segundo turno, deixaram sequelas graves.
Políticos profissionais são mestres em engolir sapos. Caso Haddad estivesse liderando a disputa presidencial, pode ser que os irmãos Gomes fizessem isso, mas não é o que acontece. Ciro venceu as eleições no Ceará e teve uma boa votação no Nordeste. Por essa razão, Bolsonaro não ganhou a eleição no primeiro turno. Era para Ciro ter sido tratado a pão de ló por Haddad, mas não foi o que aconteceu. Prevaleceu a lógica da campanha petista no primeiro turno: contra Bolsonaro, Ciro teria que apoiar o candidato do PT por gravidade. Deu errado.
Agora, a conta ficou mais alta: Cid Gomes tem pretensões à Mesa do Senado. A reaproximação entre os Gomes e Haddad no segundo turno faz parte desse jogo. Ontem, Cid mandou recado pelas redes sociais de que não está rompido com o candidato do PT: “Comparei os dois nomes que estão no 2º turno. O Haddad é infinitamente melhor que o Bolsonaro. Eu não quero me vingar de ninguém. Para o Brasil o menos ruim é o Haddad. Por isso penso que seria melhor que ele ganhasse”, escreveu.
O barraco que armou na segunda-feira à noite em Fortaleza virou “meme” contra os petistas nas redes sociais, mas Cid havia dito que apoiaria o petista apesar das críticas ao PT: “Eu conheço o Haddad, é uma boa pessoa, tenho zero problemas de votar no Haddad, é uma boa pessoa, mas fica algum companheiro do PT que me suceda aqui na fala, se quiser dar um exemplo para o país, tem que fazer um mea-culpa, tem que pedir desculpas, tem que ter humildade de reconhecer que fizeram muita besteira”.
Entretanto, o estrago já está feito. Uma campanha de segundo turno é ganha no dia a dia. Sem que Haddad nada fizesse de errado, na segunda-feira, jogando parado, Bolsonaro ganhou uma batalha sem o menor esforço. Haddad tenta minimizar o prejuízo porque não pode romper com os Gomes. “Essa coisa é meio acalorada, mas eu não vou ficar comentando isso até porque eu tenho uma amizade pessoal com o Cid, ele fez elogios à minha pessoa, prefiro sempre olhar pelo lado positivo”, explicou.
O episódio também serviu para embaçar as tentativas de ampliar as alianças ao centro. Haddad contabiliza o apoio de apenas cinco partidos. À reunião que fez na sede do PSB, em Brasília, compareceram apenas os partidos de esquerda: PSOL, PCdoB, PROS, PCB e PCO. Para quem pretende articular uma frente democrática, é um atestado de impotência. Apesar das sondagens, o novo coordenador político da campanha de Haddad, o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, negou que tivesse agendado uma reunião com ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para articular uma “frente democrática” com o PSDB e outros partidos que apoiaram o tucano Geraldo Alckmin no primeiro turno: “Nós já mandamos o recado para todo mundo. Fica na consciência de cada partido, de cada pessoa”, disse.
Fora Temer
Aparentemente, Haddad já se conformou com a deriva dos partidos de centro para Bolsonaro. Também sinalizou que não vai flexibilizar o discurso econômico para atrair setores liberais. Depois de anunciar que pretende manter a proposta de taxação das grandes fortunas, disse que não manterá nenhum integrante da equipe econômica do presidente Michel Temer se for eleito. “Ao contrário do Bolsonaro, nós decidimos não manter ninguém da equipe econômica do Temer no nosso governo. Então, a partir de 1º de janeiro, a equipe do Temer sai e entra uma nova equipe.”
Haddad está em busca de nomes para compor seu governo, mas não vem obtendo muito sucesso nos convites devido à baixa expectativa de poder que desfruta no momento. Por essa razão, também minimiza esse problema: “Estou fazendo sondagens. Estou conversando com pessoas de alta respeitabilidade, quero fazer um governo mais amplo possível, o Brasil precisa disso, mas eu não fiz nenhum convite. Mas, sondagens, sigo fazendo”, disse.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-quando-as-coisas-dao-errado/
El País: “Quando você só acredita no que quer, não há como ter democracia”, diz Aviv Ovadya
O pesquisador Aviv Ovadya explica quais serão as consequências do uso de tecnologias avançadas para a produção de mentiras espalhadas pelas redes sociais
Na tentativa de frear mais uma enxurrada de fake news – boatos fabricados para levar alguém a uma conclusão falsa sobre a realidade ou sobre um candidato – no segundo turno das eleições presidenciais, o TSE convidou representantes das campanhas de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) para uma reunião sobre o tema.
Aviv, que é bolsista do Tow Center para Jornalismo Digital da renomada Universidade Columbia, se dedica a estudar processos de falseamento da realidade que podem levar as sociedades contemporâneas a um verdadeiro “Infocalipse”, termo cunhado por ele. São vídeos que manipulam a voz real de um político dizendo algo que ele jamais pronunciou; robôs que enviam milhares de emails para um político a fim de pressionar pela aprovação de uma lei, dando a impressão de que há apoio popular; algoritmos de aprendizado de inteligência artificial para criar vídeos em que a cabeça de qualquer pessoa é interposta sobre um corpo – pode ser a de um político inserida num filme pornô ou em uma manifestação de black blocs. Tudo isso com uma aparência realista que pode ser tomada como realidade por qualquer pessoa.
O resultado, diz Ovadya, é que não só a democracia está em jogo; a capacidade das pessoas de reagir a tantas mentiras bem-feitas também pode chegar a quase zero. Seria o efeito da “apatia” – os cidadãos deixariam apenas de tentar entender o que é real e o que é inventado.
Pergunta. Você acha que há diferença na percepção e no impacto das deep fakes em sociedades mais e menos digitalizadas?
Resposta. Sociedades menos alfabetizadas [digitalmente] e aquelas com culturas com instituições midiáticas mais fracas provavelmente sofrerão mais impacto, já que vídeo e áudio manipulados não poderão ser neutralizados por outras formas de mídia.
P. Qual é o tamanho real da ameaça das fake news?
R. Eu acho que, quando estamos falamos de fake news, precisamos distinguir entre várias coisas diferentes. Uma delas é a habilidade de acusar de fake newsqualquer um que diga algo de que você não gosta. Esse é um problema. Há, também, o problema de pessoas dizendo coisas falsas com a finalidade de impulsionar uma agenda específica ou de simplesmente ganhar muito dinheiro.
P. Você acha que elas foram decisivas nas eleições [de 2016] dos Estados Unidos?
R. É muito, muito difícil mensurar essas coisas. Você definitivamente pode dizer que houve uma redução na confiança em veículos de notícia que estavam verdadeiramente fazendo a cobertura [das eleições] como resultado de acusações de não estarem de fato cobrindo [os fatos]. Pesquisas mostraram que houve uma redução na confiança durante e especialmente após as eleições.
Se você estiver falando muito precisamente sobre fake news, como matérias explicitamente falsas, inteiramente falsas, que estejam circulando, isso é comparativamente menor. Mas, se você estiver falando da extensão de conteúdos extremamente enganosos, hiperpartidários, tanto da esquerda quanto da direita… Isso separou as pessoas mais ainda e polarizou todo o campo de uma maneira que desestabilizou todo o campo? Essas são as coisas das quais você pode falar. Havia histórias que talvez fossem baseadas em algumas coisas falsas, algumas coisas verdadeiras, ou algumas coisas fora de contexto, mas não houve nenhum estudo de grande escala sobre isso.
É a criação de realidades alternativas que são meio possíveis, mas não verdadeiramente reais, criando aquela impressão de realidade. Há provavelmente mais prevalência disso.
P. Há muitos pedidos para que se investiguem sites produtores de fake news, e muitos legisladores apresentaram projetos de lei que criam o crime para a produção de fake news. Qual sua opinião sobre isso?
R. Seria muito difícil criar até mesmo o aparato legal que faria isso sem encontrar alguns problemas. Provavelmente causaria mais dano do que bem. Acho que você pode, em vez disso, legislar sobre outras coisas. Por exemplo, se alguém estiver criando várias e várias contas falsas, talvez haja um jeito de dizer que isso é como criar identidades falsas.
P. Queria que você, por favor, explicasse qual seu conceito de Infocalipse.
R. A ideia geral é que você não consegue manter um governo funcional, uma sociedade ou uma civilização funcionais, se você não tiver informação boa o suficiente. Você pode pensar na ideia como se, à medida que a qualidade das informações num geral diminui, a inteligência de todos os membros da sociedade e de todas as diferentes organizações que a tornam funcional, no geral, diminui, e, se você vai muito fundo nisso, sua sociedade basicamente desmorona. Esse é o conceito geral, e a ideia é evitar isso.
P. Você acha que isso vai ser mais ameaçador quando houver tecnologias que possam, por exemplo, fazer um vídeo de pessoas, como presidentes, dizendo coisas que na realidade elas nunca disseram?
R. Acho que o ponto é realmente ficar de olho na fronteira, ou no ponto-limite, e há inúmeros modos por meio dos quais chegaríamos nele. Um deles é essa nova tecnologia de falsificação de áudio e de vídeo, que felizmente não é prevalente agora, mas é muito importante que estejamos preparados para ela.
P. Você acha que será prevalente?
R. Acho que a exata linha do tempo não é clara, mas, você sabe, para os próximos anos parece bem provável que vire um grande problema.
P. Você fala também sobre polity simulation (ou simulação de política). Pode explicar o que é isso?
R. Num nível mais alto, é criar a impressão de que muita gente se importa com algo com a finalidade de impulsionar uma agenda. A versão simplificada disso é a manipulação do que é tendência no Twitter e no Facebook. Você pode mudar as tendências criando vários bots ou simplesmente colocando várias pessoas para, de uma vez só, fazer uma coisa, e aí faz parecer que se trata de um tema muito importante, muito embora ninguém saiba ou se importe com aquilo. Se você tem vídeo ou áudio, você pode ter todas essas ligações falsas para políticos: “Ah, você precisa fazer essas mudanças nessa coisa para tal político”. Então há níveis diferentes de como você pode em termos de ser capaz de mudar o que as pessoas acreditam que todos se importam, formando meio que uma população.
P. Qual é a sua percepção da atual e da futura influência da polity simulation? Para você, isso tem o potencial de subverter a democracia em outro nível – não durante as eleições, mas no cotidiano, pressionando políticos durante seus mandatos ou forjando afrontas públicas sobre certas questões?
R. Exatamente. A simulação de política ou os “atores sintéticos” podem impactar continuamente a democracia – ambos pela influência nas prioridades e atenções políticas e pelo impacto no “tribunal da opinião pública”. Aconteceram significativas tentativas, tanto de atores domésticos quanto internacionais, de impactar os EUA através de contas não autenticadas, e a automatização delas é cada vez mais provável no decorrer do tempo.
P. Também há algumas pesquisas sobre tecnologias em desenvolvimento agora que, no futuro, poderão reproduzir a voz de um familiar para que possam ser usadas para aplicar golpes.
R. Até onde eu sei, isso ainda não foi criado, mas está bem próximo de ser. E é perigoso, é algo muito difícil de lidar agora.
P. Então, duas coisas: a primeira é, se isso virar uma tendência majoritária, você mencionou que pode haver algo chamado “apatia à realidade”. Você pode explicar melhor o que é isso?
Até certo ponto, nós já temos isso. Temos algo como essa apatia à realidade em ambientes em que há muito pouca confiança, e [em que], se você falar com alguém, eles ficam como que dizendo “eu nem sei o que é real, eu desisto, isso é muito complicado, vou assistir a algum programa na TV”. Acho que já vimos muito disso. E se você não pode acreditar no que você vê com seus olhos nem no que você lê, isso faz com que sua habilidade ou sua vontade de se importar simplesmente vá abaixo.
A minha aposta é que um dos problemas da confiança pública é que você já tem várias pessoas simplesmente desistindo. Eu vejo duas opções quando você vai muito longe: se você tem essa apatia à realidade, e há gráficos de realidade em que todo mundo está em seu próprio mundinho, meio que em uma bolha de filtragem, você vê qualquer coisa de outras “galeras” e as acha horríveis e não confia em nada que elas digam. É quase como se houvesse uma parede entre você e outros bullies, e acho que você acaba com um ou outro, porque é muito trabalhoso classificar todas as mentiras para encontrar alguma verdade.
P. Acho que, se você olhar para a história da humanidade, isso na verdade aconteceu em vários momentos, certo? Houve as guerras mundiais…
R. Exatamente, mas em zonas de conflito, especialmente em ambientes fracos e extremamente autoritários, isso não é um fenômeno novo. Mas é um fenômeno novo em uma democracia saudável. Então, ou você só acredita no que quer, ou você nem quer tentar descobrir em que acreditar, aí você não tem como ter democracia, porque você não pode votar, você não pode tomar uma decisão como governo.
P. Se de fato houver o que você chama de Infocalipse, em vez de uma completa apatia, não seria mais provável que as pessoas simplesmente desconfiassem de qualquer coisa proveniente das mídias sociais e se voltassem para outros meios de notícia, como TV ou rádio?
R. Primeiramente, me deixe esclarecer: a ideia do Infocalipse é de uma fronteira. A civilização e a democracia dependem de pessoas tomando decisões “boas o suficiente” – desde em quem votar e como se manter saudável até quando deve haver a necessidade de uma guerra. Essas decisões dependem do nosso conhecimento do mundo e da nossa habilidade de distinguir fato de ficção. À medida que nosso ecossistema de informação se deteriora, essas decisões também se deterioram, como se todo mundo estivesse embriagado. Dá para pensar no Infocalipse como estar tão bêbado que nem a democracia nem a civilização conseguem funcionar.
Em teoria, isso pode significar um retorno da população à TV e ao rádio tradicionais, mas na verdade esses meios estão competindo com as mídias sociais. Se o conteúdo das plataformas online for mais envolvente, mais surpreendente e mais emocional, as pessoas se voltarão para elas. Isso significa que as mídias tradicionais precisarão competir e, com isso, poderão piorar muito também. Além disso, muitas dessas fontes online falarão para você não confiar nos meios tradicionais, caso sejam de oposição. Por fim, nada disso ajuda se sua TV ou seu rádio também estejam sob controle dos atores da desinformação, como tem se tornado cada vez mais frequente em alguns países.
P. O que você acha que pode ser feito para prevenir esse mundo catastrófico em que as pessoas não acreditam que haja uma verdade e só acreditam no que seu próprio grupo diz?
R. Então, o mais importante é realmente encontrar formas de recompensar aqueles que o ajudam a decifrar o verdadeiro do falso, de recompensar basicamente – e aqui é onde acho que concordamos que as plataformas devem ajudar.
Elas não criaram, mas amplificaram esse mundo em que é mais provável que você receba atenção se o que você está dizendo é mais extremo, e nós precisamos nos direcionar a um mundo em que seja mais provável ser escutado se o que você está dizendo é bem pensado e coerente, e isso é algo muito difícil de fazer. Há inúmeros modos de impulsionar as coisas que recompensam em termos de interações nas plataformas, ou o que faz com que algumas coisas apareçam mais no feed em comparação a outras, mas também há coisas que podemos fazer fora delas, até mesmo para prevenir [que] a próxima onda de desinformação, essa de vídeo e áudio, fique muito ruim muito rápido.
P. Como o quê?
R. Algo válido é poder verificar se uma imagem realmente veio de um lugar em específico, se um vídeo realmente veio de tempo e lugar específicos. Há tecnologia que podemos usar para isso, mas se requer potencialmente criar muitas novas infraestruturas e basicamente modificar a maneira como telefones funcionam, adicionando potencialmente chips a telefones se você realmente quiser provar que [aquilo] é real. Há meios através dos quais podemos mudar o jeito ou melhorar a reflexão sobre a pesquisa em si, que é criando essa tecnologia para retardar os impactos negativos.
P. Você não acredita em regulação das empresas de tecnologia e redes sociais como Google, Facebook e Twitter? Se você olha para as outras indústrias, por exemplo, a automobilística, ela também está em todos os lugares do mundo e se tem regulações específicas em cada país, e há países em que carros podem poluir mais e outros em que podem poluir menos.
R. Acho que o desafio aqui é diferente. O desafio aqui é, se você faz muito, a democracia morre, e, se você faz pouco, a democracia morre. Se você quer regulamentar carros, a democracia continua bem. Com isso dito, acho que ainda precisamos de regulamentação. Eu só acho que é muito complicado acertar, e não houve propostas muito atraentes sobre desinformação e sua regulamentação que se equilibrem bem. Há coisas específicas que são muito válidas sobre transparência, é preciso haver regulamentação, mas elas não abordam diretamente a desinformação.
P. Você quer dizer transparência sobre algoritmos, número de usuários etc.?
R. Sim, ou até mesmo ter uma auditoria de terceiros ou algum mecanismo de auditoria, quando você tem uma organização de certo tamanho, para se certificar de que estão seguindo certas práticas.
P. Quais são as novas tecnologias de deep fake que poderão ser utilizadas nas eleições deste ano no Estados Unidos?
R. Essas tecnologias transpassam fronteiras e ainda não são fáceis de utilizar ou de serem transformadas em armas, por isso esperamos que não sejam implementadas a tempo para as eleições.
Bernardo Mello Franco: Rejeição a Haddad sobe e vira novo obstáculo para o PT
Os petistas associam a maré contra Haddad ao bombardeio nas redes. O petista tem sido alvo de uma onda de fake news. Já foi acusado até de defender o incesto
O favoritismo de Jair Bolsonaro não é mais o único problema do PT. A pesquisa divulgada ontem pelo Ibope mostra que Fernando Haddad passou a enfrentar um novo obstáculo. Pela primeira vez na campanha, seu índice de rejeição ultrapassou o do adversário.
De acordo com o levantamento, 47% dos eleitores descartam votar no petista. Isso significa que a rejeição a Haddad disparou nos últimos dias. Na véspera do primeiro turno, o índice era de 36%.
No caso de Bolsonaro, deu-se o inverso. Pelos números do Ibope, 35% dos eleitores não admitem votar nele “de jeito nenhum”. Na pesquisa anterior, o capitão era rejeitado por 43%.
Os petistas associam a maré contra Haddad ao bombardeio de fake news nas redes. O petista tem sido alvo de uma onda de ataques abaixo da cintura. Já foi acusado até de defender o incesto, em postagem do bolsonarista Olavo de Carvalho.
A artilharia produziu efeito, e o petista teve que ir para a defensiva. Ontem ele levou a mulher e os filhos para a TV, num esforço para rebater a ideia de que seria um inimigo da família tradicional.
Com o TSE de braços cruzados, Bolsonaro colhe os frutos da ofensiva virtual. Segundo o Ibope, ele abriu uma vantagem de 42 pontos entre os evangélicos. No contingente, sua vitória sobre Haddad seria um massacre: 66% a 24%.
A esta altura, reconquistar estes eleitores parece uma missão quase impossível para o petista. Ainda mais com as máquinas das maiores igrejas neopentecostais, como a Universal de Edir Macedo, atuando abertamente para o capitão.
O candidato do PSC ao governo do Rio, Wilson Witzel, abriu seu programa eleitoral de ontem com um depoimento do vereador Otoni de Paula.
É o mesmo personagem que rebolou e fez um gesto obsceno na Câmara Municipal para festejar a rejeição do pedido de impeachment contra o prefeito Marcelo Crivella. Saltou do colo do bispo para o do ex-juiz.
Marco Aurélio Nogueira: A frente em favor de Haddad
Manifestos de apoio e declarações de artistas são insuficientes para fazer a pedra se mover em outra direção. Cabe ao PT dar o primeiro passo, o mais decisivo
Muitas vezes se tem a impressão de que o PT não está de fato empenhado em ganhar as eleições presidenciais de 2018.
Se estivesse, estaria buscando dar materialidade à “frente democrática e progressista” que intelectuais, ativistas democráticos e o próprio Haddad dizem querer constituir, mas que, até agora, não saiu do papel.
O PT nunca soube lidar bem com a ideia de “frente democrática”. É um dos problemas do partido, uma das nódoas mais fortes de sua trajetória. Sempre se indispôs contra todas as tentativas de unir os democratas e de trabalhar em conjunto com eles. Sempre desejou ser farinha de outro saco, diferente, a única capacitada para olhar pelos pobres e oprimidos.
Se, agora, mostra-se disposto a mudar de posição, deve ser saudado e aplaudido.
O desafio é imenso e só será vencido se houver concessões, serenidade e sinalizações claras.
Não é produtivo proclamar a intenção e pouco fazer para convertê-la em fato. Conversas com personalidades, suavização da linguagem da campanha e movimentos de repaginação simbólica, como a troca do vermelho pelo verde-e-amarelo, são úteis mas ajudam pouco, ou quase nada. Não chegam ao fundamental.
Se a ideia de união dos democratas contra Bolsonaro for para valer, Haddad tem de ir mais longe. Precisa abandonar a narrativa adotada até agora pelo PT, a do golpe, da perseguição ao Lula, do nós contra eles, da culpa dos outros, da manipulação da mídia, da completa inocência do partido. Precisa propor e organizar uma mesa de entendimentos com os setores democráticos de centro, de centro-esquerda e de centro-direita, dos social-democratas aos liberais, na qual, de modo aberto e transparente, seja acordado um programa comum para o próximo ciclo governamental.
Tal programa comum não poderá se concentrar somente na resistência ao autoritarismo encarnado na campanha de Bolsonaro. Pode partir dele e enfatizá-lo, mas precisa estabelecer com clareza mínima um plano de recuperação econômica, de reforma do Estado, de contenção dos gastos públicos. Precisa jogar fora ideias apressadas e pouco democráticas acumuladas pela cultura petista ao longo do tempo, como a do controle social da mídia e a da postergação da reforma da Previdência.
Terá de mostrar generosidade sincera, não instrumental, com os aliados que deseja incorporar à batalha contra Bolsonaro.
Não se trata de “fazer autocrítica” ou de bater no peito para pedir desculpas pelos erros cometidos, coisa que não acontecerá. Mas de mostrar humildade e intenção sincera de contribuir para que os democratas se aproximem entre si. De interagir com os adversários e com os que pensam de forma diferente não como inimigos a serem combatidos, mas como parceiros que merecem tratamento de respeito, sem qualquer rasgo de superioridade moral, sem vetos ideológicos ou programáticos, sem arrogância.
Se os democratas aceitarão o desafio é uma questão em aberto, que só poderá ter resolução cabal depois que Haddad e o PT derem o primeiro passo, o mais decisivo.
Não adianta falar que todos os democratas estão “obrigados” a atuar contra o autoritarismo sem fazer gestos claros em favor dessa ideia, sem cortar a própria carne. Gestos que precisam começar pelo abandono de pretensões hegemônicas e pela incorporação de uma disposição clara de compartilhar passos e propostas com os eventuais aliados.
Manifestos de apoio e declarações de artistas não farão a pedra se mover em outra direção. Cabe ao PT e a seu candidato mostrarem que estão à altura da hora presente.
Faltam 15 dias. É um tempo escasso, que precisa ser aproveitado com coragem e grandeza de espírito.
Se a operação for rapidamente posta em prática, com sabedoria política e energia cívica, pode ser que se consiga reverter um quadro que parece a essa altura tragicamente consolidado.
Folha de S. Paulo: Haddad precisa representar mais que o seu partido, diz Marcos Nobre
Patrícia Campos Mello e Marco Rodrigo Almeida, da Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Há apenas um caminho para Fernando Haddad (PT) conseguir o feito improvável de derrotar Jair Bolsonaro (PSL) na eleição: mostrar que ele, Haddad, não é o candidato do PT, mas sim o de uma frente democrática.
Palavras, porém, não bastarão para convencer o eleitor e possíveis aliados de que o governo dele seria radicalmente diferente de qualquer governo anterior do PT: o partido terá de ceder poder e fazer gestos concretos, adverte o professor de filosofia da Unicamp Marcos Nobre.
Na avaliação de Nobre, o primeiro passo de Haddad deveria ser abrir mão de se candidatar à reeleição, caso eleito, e afirmar que Ciro Gomes(PDT) será o candidato dessa frente democrática em 2022.
O segundo passo seria incorporar pontos do programa de outros candidatos, de forma unilateral, sem exigir apoio em troca. Isso valeria para qualquer legenda que não tenha anunciado apoio a Bolsonaro, como a Rede de Marina Silva e o PSDB.
O PT também deveria renunciar a uma candidatura à presidência da Câmara, embora tenha a maior bancada, e integrar a sua campanha nomes como Nelson Jobim, para a pasta da Segurança, Joaquim Barbosa, sinalizando um compromisso com o combate à corrupção, e Marina no Meio Ambiente.
“Se quiser ser o candidato do PT, Haddad vai perder, e o peso de uma possível regressão autoritária ficará sobre as costas do PT; o partido tem uma tarefa histórica e, se jogar fora essa chance, as pessoas vão perguntar: por que então não deixaram o Ciro? ”
O senhor falou em artigo recente que, mais uma vez, o PT tem uma chance de renascimento. Qual seria o caminho para o candidato Haddad vencer as eleições, com essa vantagem tão grande para Bolsonaro?
Se quiser ganhar, Haddad tem que ser o candidato de uma frente de defesa das instituições democráticas. Se quiser ser o candidato do PT, vai perder. E o peso de uma possível regressão autoritária vai cair sobre as costas do PT.
E como construir essa frente?
Haddad deveria sinalizar claramente para o eleitorado que o governo dele será radicalmente diferente de qualquer governo anterior do PT.
A primeira coisa é chamar Ciro Gomes e dizer: “Eu abro mão de me candidatar à reeleição se for eleito e acho que nessa frente que montamos Ciro deveria ser nosso candidato em 2022”. Com isso, afasta-se o medo que as pessoas têm de que o PT vai se perpetuar no poder.
A segunda coisa é tomar pontos programáticos não só dos partidos que apoiarão Haddad, como PSOL, PDT e PSB, mas também tomar de outras candidaturas, de maneira unilateral, sem ter o apoio deles. De todas as forças políticas que disseram que não votam no Bolsonaro, ele tomaria unilateralmente os pontos do programa , sem negociar, sinalizando: “eu quero você dentro do meu governo”.
Poderia adotar, por exemplo, a agenda ambiental de Marina Silva, a proposta de Alckmin de criação de uma força de segurança nacional. Precisa abrir espaço para que Marina e Ciro participem. Deveria chamar uma figura como Joaquim Barbosa para representar, dentro do governo, o combate à corrupção. Chamar Nelson Jobim para ser responsável pela segurança pública.
Haddad precisa fazer movimentos nesse sentido. Se não fizer, não estará querendo de fato ampliar a sua base, não mostrará empenho em fazer um governo diferente.
É um desafio histórico, uma oportunidade de refundação. Para sair das cordas, o PT precisa de ajuda. E o PT pedindo ajuda, precisa também distribuir poder, de verdade.
Mas lideranças como Ciro, Marina e Fernando Henrique Cardoso têm se mostrado resistentes a um apoio aberto a Haddad...
O que acabei de dizer significa fazer gestos concretos na direção dessas pessoas. Não é apenas, “eu quero conversar com você”. Palavras não bastam.
São gestos concretos para se formar uma frente. Uma frente não se forma apenas porque do outro lado há um risco à democracia. “És responsável pelo segundo turno que conquistas” —o “Pequeno Príncipe” aplicado à política.
Não pode simplesmente dizer, “perdemos”. Pode perder, evidentemente, mas tem que de fato tentar.
Pelo que conhecemos do DNA do PT, vê alguma chance de isso realmente acontecer?
Quando se tem uma tarefa histórica na sua frente, as pessoas e as instituições mudam. A situação é completamente diferente da de qualquer outra eleição. Se Haddad jogar essa chance fora, carregará esse peso. Vão perguntar: “por que, então, não deixou o Ciro ir?”.
Então Haddad deveria dizer ao eleitor: “Eu proponho essa frente e quero te convencer de que esse governo será muito diferente de todos os outros, que o PT não terá o protagonismo que teve nos governos anteriores. Então quero que seu voto, que hoje é de Bolsonaro, venha para mim. Mas se isso for impossível para você, se sua ojeriza ao PT é superior a qualquer outro sentimento, então, por favor, não vote em Bolsonaro”. Isso ele poderia dizer ao eleitor do PSDB.
Se FHC se mantiver neutro, isso mancha a biografia dele?
Se queremos formar uma frente que tenha por princípio aceitar toda e qualquer pessoa que defenda as instituições democráticas, não pode ter pedágio. O primeiro pedágio é começar a acusar as pessoas. A formação dessa frente é uma dança, e cabe a Haddad dar o primeiro passo. São vários passos simultâneos.
Por enquanto, parece que a abordagem do PT tem um pedágio, usa a mensagem de “ou você nos apoia, ou apoia o fascismo”...
Também não digo que essa seja a abordagem do PT. Não quero botar pedágio nem de um lado, nem do outro. Cabe a Haddad, não ao PT, dar o primeiro passo.
Isso são sinais para o eleitorado, as pessoas têm que perceber isso. Haddad tem que dizer: “Há duas possibilidades. Eu proponho que esse sistema funcione de maneira diferente. Meu adversário quer que esse sistema seja destruído. Isso é que está em jogo”.
O senhor sente um movimento de setores da sociedade e da imprensa para normalizar Bolsonaro, ou existe de fato um exagero nessa ideia de que ele fará um governo autoritário?
A normalização está sendo feita há muito pela mídia tradicional e pelo mercado. No momento em que ficou claro que as forças anti-PT e antissistema confluíram para a candidatura dele, passaram a tentar civilizar Bolsonaro.
Mas Bolsonaro já deixou absolutamente claro que é incivilizável. Há uma ilusão da elite pensante de que é um candidato controlável. Pergunto: se o New York Times fosse um jornal brasileiro, o que teria feito com Bolsonaro?
Bom, mas existe a discussão sobre o posicionamento do NYT em relação a Trump, que seria panfletário e enviesado, em comparação, por exemplo, com o Washington Post, que adotaria postura crítica, mas com maior distanciamento...
O NYT tomou uma decisão: Trump não é um candidato normal, as instituições estão em risco, e nesse momento as regras mudam. O WP resolveu tratar Trump como um candidato normal. A imprensa brasileira foi WP, não o NYT. Acho a posição do WP equivocada.
E não estou aqui comparando Trump a Bolsonaro. São incomparáveis. Um dos movimentos mais fortes de normalização de Bolsonaro é compará-lo a Trump.
Nunca houve uma ditadura militar nos EUA. Nunca o cara que ganhou uma eleição nos EUA apoiou uma ditadura militar. As instituições americanas têm uma solidez que aguenta o Trump. Imagine um presidente autoritário no Brasil, com instituições em colapso, como são as nossas? Não há instituição democrática que aguente Jair Bolsonaro.
O fato de o PSL, o partido de Bolsonaro, ter feito a segunda maior bancada da Câmara, e que provavelmente será engordada com deputados de partidos nanicos que devem migrar para ele, isso não significa que haverá governabilidade?
O partido com a maior bancada, o PT, tem apenas 11% da Câmara. A fragmentação é gigantesca. Você precisa ter uma capacidade de articulação, de reorganização do sistema, que o Bolsonaro não tem. A única resposta que poderá dar é truculência. Ele não tem equipe, nenhum requisito para reorganizar o sistema. Reorganizar o sistema não tem nada a ver com ter maioria parlamentar.
O risco de que o sistema político não consiga se reorganizar é muito alto. E, se não se reorganizar, a hipótese de um golpe volta à mesa.
Quando o senhor menciona a possibilidade de golpe, estamos falando de um golpe clássico ou algo mais insidioso, os golpes graduais, em sistemas com eleições, que vêm ocorrendo em países como Turquia e Venezuela?
Seria uma mistura de Filipinas com Turquia. Nas Filipinas, virou uma coisa do tipo: você tem algum problema para resolver com seu vizinho, com lideranças indígenas, pode resolver que o Estado não vai mais arbitrar. O Estado deixa de arbitrar conflitos violentos na sociedade.
O senhor vê isso como uma possibilidade no Brasil?
Isso já está acontecendo e vai piorar. Se Bolsonaro tivesse alguma responsabilidade, iria para a TV e diria para essas pessoas: parem. Só que ele tem um problema. Se disser para essas pessoas pararem, está aceitando que é responsável por essa violência. Então temos um impasse. Esse é o lado Filipinas. O outro lado é o de estrangular as liberdades, como é no caso da Turquia.
Como sabemos, a mídia tradicional está em crise profunda. Caso ele ganhe, teremos um presidente com tendências claramente autoritárias num momento em que a imprensa está com dificuldades enormes. Então é a receita para ter restrição, para o governo ir para cima da imprensa.
Você elege seus próprios canais oficiais, segue com campanha em redes sociais, em que não há nenhum controle, e diz : “não acredite em nada que a mídia tradicional diga”.
*Marcos Nobre, 53, é professor de filosofia da Unicamp e pesquisador do Cebrap. É mestre e doutor em filosofia pela USP. Escreveu os livros “Imobilismo em Movimento” (Companhia das Letras, 2013) e “Como Nasce o Novo” (Todavia, 2018)
Celso Rocha de Barros: Haddad encontrou sua voz, mas Bolsonaro esconde a sua
O candidato do PSL, se eleito, desmoralizaria a direita por uma geração inteira
Fernando Haddad (PT) encontrou sua voz, e, se você leu minha coluna da semana passada, deve imaginar que ela me soou bem. Jair Bolsonaro (PSL), por sua vez, não tem mais o atestado médico para esconder a sua.
Em sua entrevista ao Jornal Nacional na segunda-feira passada (8), Haddad deu os sinais certos. Anunciou que o PT deixou de lado a proposta de nova Constituinte, adotou um discurso moderado, deixou claro que Dirceu não participará de seu governo (o que era óbvio) e, o que passou despercebido, descreveu a proposta do PT como “social-democrata”.
Esse ponto é muito importante: o PT sempre foi reconhecido por todos os grandes partidos social-democratas do mundo como um igual, mas nunca admitiu esse parentesco muito claramente.
O PT pertence à mesma família dos movimentos de esquerda moderados do Chile, do Uruguai e da Costa Rica. É importante sinalizar isso.
Mas a sinalização mais clara de que o PT está falando sério no segundo turno foi o encontro de Haddad com Joaquim Barbosa, que, admito, nem eu esperava que acontecesse.
Pensem bem no peso disso: Barbosa foi indicado por Lula para o STF (Supremo Tribunal Federal), mas mandou para a cadeia grande parte da direção do PT. O PT passou anos gritando que o julgamento foi uma farsa, e que todos os condenados eram inocentes.
O gesto de Haddad foi importante. É difícil imaginar outro petista fazendo a mesma coisa nos últimos anos.
E pensem também no tamanho da aversão que Bolsonaro inspira em Joaquim Barbosa para que o ex-ministro tenha aceitado discutir com o PT.
Ao mesmo tempo em que faz os gestos necessários ao centro, Haddad bate em Bolsonaro em defesa dos pobres. Afinal, o programa de Paulo Guedes parece algo que João Santana inventaria para atribuir falsamente a um adversário de Dilma em 2014.
Vale lembrar, o PT não bateu em Bolsonaro no primeiro turno. Essa briga pelos pobres começa agora.
Por sua vez, Bolsonaro não tem mais a desculpa do atentado para se esconder do eleitorado. E isso é muito ruim para ele.
Graças à facada de 6 de setembro, Bolsonaro passou o primeiro turno escondido, apresentado como o antipetista genérico. Cada eleitor que não gosta do PT projetou nele suas próprias aspirações.
Agora vai ficar cada vez mais claro que Bolsonaro não é o antipetista genérico, é a caricatura que os petistas fazem do antipetismo.
Não, o DEM não é fascista. Bolsonaro é —pesquise o entusiasmo que os grupos de extrema direita têm por sua candidatura. O PSDB não quer que os pobres se explodam. Bolsonaro quer, como mostrei na última coluna do primeiro turno. Os evangélicos não são homofóbicos e preconceituosos. Bolsonaro é —há um vídeo dele dizendo que se orgulha de ser homofóbico. Ser de direita não faz de você um defensor da ditadura —mas Bolsonaro não defende só os governos da ditadura, defende os torturadores da ditadura individualmente. Seu livro de cabeceira são as memórias de Brilhante Ustra.
E esse é o ponto que a direita civilizada e os antipetistas de bom senso (que devem ser a maioria dos antipetistas) precisam levar em conta: Bolsonaro, se eleito, desmoralizaria a direita por uma geração inteira.
O petismo de Haddad não é exatamente aquele a que você se opõe. E o antipetismo de Bolsonaro, definitivamente, não é o seu.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
Bernardo Mello Franco: Em discursos, Bolsonaro já exaltou milícias e grupos de extermínio
Em discursos na Câmara, Bolsonaro defendeu a atuação de esquadrões da morte. Ele também elogiou as milícias, que dominam favelas e cobram taxas ilegais
Como seria apolítica de segurança de um governo Bolsonaro? O deputado já deixou pistas em seus discursos na Câmara. Em agosto de 2003, ele usou a tribuna para elogiar um grupo de extermínio que aterrorizava a Bahia. Acrescentou que o esquadrão da morte teria seu apoio se resolvesse migrar para o Rio. “Enquanto o Estado não tiver coragem de adota rape nade morte, o cri mede extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio”, afirmou.
O capitão pregou a adoção de uma “rígida política de controle da natalidade”. Sem isso, seria “baboseira” investir em escolas e hospitais públicos. “Chega de vaselina, de baboseira, de falarem educação, em saúde, porque essa não é a nossa realidade primeira”, disse. Dois meses depois do discurso, o mecânico Gérson Jesus Bispo foi assassinado por denunciar a atuação do esquadrão da morte a uma missão da ONU. Ele acusava policiais militares de torturar e matar seu irmão. Em dezembro de 2008, Bolsonaro elogiou a atuação das milícias no Rio.
Ele criticou o relatório da CP Ida Assembleia Legislativa que apurou a atuação dos grupos paramilitares. A comissão pediu o indiciamento de policiais, bombeiros e políticos que dominavam favelas. A investigação mostrou que eles lucravam coma cobrança de taxas, a oferta de serviços clandestinos e a venda de apoio político. “Querem atacar o miliciano, que passou as ero símbolo da maldade e pior do que os traficantes. Existe miliciano que não tem nada a ver com gatonet, com venda de gás.
Como ele ganha R$ 850 por mês, que é quanto ganha um soldado da PM ou do bombeiro, e tema sua própria arma, ele organiza a segurança na sua comunidade. Nada a ver com milícia ou exploração de gato net, venda de gás ou transporte alternativo ”, disse o deputado.
A defesa das milícias não ficou no passado de Bolsonaro. Em fevereiro deste ano, já como candidato ao Planalto, ele elogiou os grupos paramilitares em entrevista à rádio Jovem Pan. “Tem gente que é favorável à milícia, que é a maneira que eles têm de se ver livres da violência. Naquela região onde a milícia é paga, não tem violência”, afirmou.
O discurso do candidato é desmentido pelos fatos. Investigações da Polícia Civil e do Ministério Público mostram que os grupos paramilitares adotaram práticas do tráfico de drogas. Quem tenta resistir à extorsão é vítima de ameaças, torturas e execuções. Cerca de dois milhões de moradores da Região Metropolitana do Rio já vivem sob o domínio das milícias.
Quando Mussolini chegou ao poder, os trens italianos passaram a sair no horário. Em Portugal, o poeta Fernando Pessoa comentou a novidade: “A obra principal do fascismo é o aperfeiçoamento e organização do sistema ferroviário. Os comboios agora andam bem e chegam sempre à tabela. Por exemplo, você vive em Milão; seu pai vive em Roma. Os fascistas matam seu pai, mas você tem a certeza que, metendo-se no comboio, chega a tempo para o enterro”.
Bolívar Lamounier: Um roteiro para a concórdia
O nome do jogo agora é restaurar a confiança dos mercados no País e em suas instituições
Não me arrisco a fazer um prognóstico para o segundo turno, mas o resultado do primeiro, as linhas gerais da discussão pública e alguns elementos factuais me levam a crer que Bolsonaro só perderá para Haddad se uma chuva de meteoros extinguir metade de seus eleitores. Essa, no entanto, é a questão apenas numérica, não a questão política que temos pela frente, cuja feição será a mesma se der Haddad.
A questão política tem que ver com o grau de discórdia a que chegamos. A indagação relevante é como chegamos a ela e como vamos sair dela. É se vamos continuar alimentando esse maniqueísmo infantil ou se vamos voltar a ser o que somos, um país dotado de instituições razoáveis e possuidor de uma forte identidade nacional.
A indagação inicial, repetindo, é como chegamos a esta insanidade. Derrotado no primeiro turno, o PT e seus adeptos nos meios cultos da sociedade retomaram (sans le savoir...) a velha mutreta ideológica do stalinismo: quem não é comunista é fascista. Como se não existissem liberais e como se a maioria de qualquer sociedade se orientasse por conceitos ideológicos notoriamente limitados a estratos minoritários de nível intelectual elevado.
No Brasil essas lorotas não se formaram ontem, elas vêm de longe, remontam pelo menos aos anos 50 do século 20. No primeiro turno eleitoral elas se configuraram em torno de dois eixos facilmente perceptíveis: o antipetismo e a antipolítica. Ou, se preferirem, um duplo rechaço, ao PT e ao que se tem chamado de política tradicional, expressão que designa principalmente o Parlamento e os partidos. Esse duplo rechaço se formou e ganhou seu tom desvairadamente raivoso em função de fatores subjacentes bem reais: a recessão econômica promovida pelo governo Dilma, que duplicou o número de desempregados, e a corrupção desvelada pela Lava Jato, cujo epicentro foi a trama instalada na Petrobrás pelos dois governos petistas, Lula e Dilma.
A essa combustão vinda de baixo é preciso acrescentar dois outros elementos: a insegurança generalizada, dramatizada pela intervenção militar no Rio de Janeiro, e alguns fatos na área dos valores e costumes, que normalmente não teriam tanta importância, mas que ganharam corpo e se somaram ao "pacote" conservador em razão da arrogância de certos grupos de alto status típicos dos principais grandes centros urbanos, que tendem a ver como irrelevante e até como ilegítimo o sistema de crenças das camadas menos instruídas e dos habitantes das cidades menores do interior do País. A família e a religião, por exemplo, significam uma coisa para a classe alta de São Paulo ou do Rio de Janeiro e outra para os estratos médios e baixos do interior. Autoritarismo, conservadorismo, pulso, firmeza, coragem – cada um escolha o termo que for do seu agrado. Alguém acaso acredita que nova-iorquinos e texanos apoiem o aborto no mesmo grau?
A combinação dos elementos acima referidos levou, como hoje está claro, uma parcela da sociedade a pender para um candidato pouco conhecido, mas que pareceu oferecer-lhe o "autoritarismo" que ela estava procurando.
Um roteiro para a concórdia tem como primeiro componente, isso é óbvio, a Constituição. O Brasil não é uma republiqueta desordeira, é um Estado democrático dotado de uma ordem normativa elaborada e aprovada de maneira legítima. Os candidatos podem escorregar no vernáculo ou blefar o quanto queiram, mas não podem desconhecer que a obediência à Constituição é a condição sine qua non de sua investidura.
O segundo ponto a frisar é que o Brasil tem à frente uma agenda econômica de extrema relevância, que terá de ser enfrentada com urgência e realismo. À primeira vista, ambos os candidatos parecem despreparados para essa missão, mas isso é matéria vencida. Aquele que o destino conduzir ao Planalto não poderá hesitar nem 15 minutos, porque, agora, o nome do jogo é restaurar a confiança dos mercados no País e em suas instituições. Não terá tempo para confidenciar suas dúvidas hamletianas à caveira de sua preferência. Até porque, no famigerado "presidencialismo de coalizão" que nos rege, ou ele transmite rapidamente ao Congresso a força institucional que terá colhido nas urnas ou logo verá uma fenda abrir-se sob seus pés.
O terceiro ponto é desfazer o maniqueísmo e restaurar aquele mínimo de serenidade sem o qual o convívio civilizado é impossível. O aprendizado político dos candidatos e de seus correligionários de partido é importante, mas aqui a responsabilidade dos eleitores é também muito grande. A parte de Bolsonaro afigura-se mais simples que a do PT. Dele o que se exige é, por um lado, moderação verbal e, de outro, uma consciência mais exata das prioridades do País. Por mais importante que seja, a existência de desacordos no plano dos valores e do comportamento social não tem no presente momento, nem remotamente, a urgência das prioridades referentes à reorganização da economia. Além do que o Executivo meter-se em questões moralmente carregadas é o caminho mais curto para desnortear ainda mais o País e exacerbar conflitos.
De sua parte, os petistas precisam deixar para o lixo da História sua velha imagem do partido que teria "fundado" a democracia brasileira, ou que a tenha praticado segundo os melhores padrões. Isso é uma mentira sem tamanho. Desde seus primórdios, o PT nunca adotou plenamente a democracia representativa como um valor inegociável. Sempre manteve um pezinho dentro e outro fora da ordem democrática, valendo-se daquele que taticamente lhe pareceu conveniente em cada momento. Quem melhor o disse, e isso foi poucos dias atrás, foi José Dirceu, reeditando seu velho mote do projeto petista de poder. "Nosso objetivo", declarou, "não é apenas ganhar a eleição, mas tomar o poder, coisa muito diferente."
*Bolivar Lamounier é cientista político, é sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
Ascânio Seleme: O PT segue sendo o PT
Há tempo, sim, para Fernando Haddad virar o jogo a seu favor. Não é tarefa fácil, muito pelo contrário, é dificílima, mas é possível
Há tempo, sim, para Fernando Haddad virar o jogo a seu favor. Não é tarefa fácil, muito pelo contrário, é dificílima, mas é possível. Vejam o que mostrava a pesquisa Datafolha do dia 28 de setembro. Jair Bolsonaro tinha 28% das intenções de voto contra 22% de Haddad. Claro que era outro turno, outro cenário, mas a distância entre os dois somava seis pontos. Em duas semanas, Bolsonaro aumentou esta diferença para 16 pontos. Da mesma forma, Haddad havia crescido seis pontos entre as pesquisas dos dias 19 e 28 de setembro, enquanto Bolsonaro permanecia parado. Movimentos maciços de votos parecem ser uma característica brasileira.
Na eleição de 2014 também foi assim. No Datafolha de 19 de setembro daquele ano, Marina tinha 30% contra 17% de Aécio. Da urna, 16 dias depois, saíram Aécio com 33% e Marina com 21%. Em pouco mais de duas semanas, Aécio pulou de uma desvantagem de 13 para uma vantagem de 12 pontos e foi para o segundo turno. Os números provam que dá para Haddad virar o jogo. Mas, o problema é que seu ritmo é muito lento e aparentemente ele não tem força dentro do PT para fazer as mudanças que poderiam levar à vitória.
Do outro lado, Bolsonaro joga com desenvoltura para vencer. Entendeu muito bem como funciona a onda anti-PT e a explora com competência. Ataca o sectarismo dos adversários e prega um Estado que não se intrometa tanto na vida dos cidadãos. Hesitante no começo, conseguiu ser mais incisivo contra a violência que tomou conta da campanha e resultou em inúmeros ataques de seguidores seus contra militantes do PT, com uma morte. Embora tenha afirmado que o assassino do capoeirista da Bahia não é eleitor seu, o capitão disse que dispensa o voto de quem pratica violência eleitoral.
Enquanto Bolsonaro reitera o discurso que o trouxe até aqui, Haddad tenta mudar o seu, mas não parece entusiasmar. Está certo que admitir categoricamente que abandonou a proposta da Constituinte e desautorizar publicamente a ideia de José Dirceu de tomar o poder foi um passo importante. Mas é preciso ir mais longe, sobretudo na questão econômica. Já era hora de Haddad ter anunciado seu ministro da Fazenda. O que ele anunciou foi o desejo de aumentar o imposto dos “super-ricos”, que pelos cálculos dos economistas do PT são aqueles que ganham mais de R$ 38 mil por mês.
Bolsonaro já está indicando nomes que vão compor seu ministério. São o economista Paulo Guedes, o deputado Onyx Lorenzoni, um astronauta e alguns generais. São os de sempre, mas pertencem ao time que está ganhando. Haddad também se cerca dos mesmos de sempre, mas seu grupo está levando goleada. Todo mundo sabe que time que está perdendo tem que ser mexido. Se o time vai muito mal e as regras permitem, a mudança tem que ser profunda. Na campanha de Haddad isso não ocorreu. As sondagens ao ex-ministro Joaquim Barbosa e ao filho do ex-vice José Alencar ainda não prosperaram.
O time de Haddad está escalado com Gleisi, Gabrielli, Okamoto, Genoino, Mercadante, Falcão, Dulci, Guimarães, Carvalho, Berzoini e Franklin. Nem mesmo o ex-governador da Bahia e senador eleito Jaques Wagner é novo. Por mais respeitáveis que sejam (alguns respondem a processos, mas nenhum está condenado), não dá para imaginar uma campanha vitoriosa com os que melhor e mais enraizadamente representam os rejeitados PT e Lula.
E, mais grave, para atrair novos aliados o que faz o PT? Oferece cargos. Não há forma mais antiga de buscar apoio do que esta. O PT ofereceu um “ministério importante” até mesmo a Ciro Gomes. E depois, quando Ciro retribuiu com um apoio crítico e embarcou de férias para Paris, foi atacado por viajar “nesta hora grave da vida nacional”. A Ciro deveriam ter sido oferecidas a coordenação da campanha e a abertura do programa de governo para rediscussão. Mas, até aqui, o PT segue sendo o PT, egocêntrico e arrogante. Só mudar a cor da camisa não basta.
VIOLÊNCIA NA CAMPANHA
Os eleitores de Jair Bolsonaro não conseguem enxergar a violência que alguns dos seus empregam para atacar, desmerecer, humilhar e intimidar adversários. Chegaram a dizer que o assassinato do capoeirista do Badauê da Bahia não teve motivação política. Essa cegueira de certa forma deliberada preocupa tanto quanto os próprios atos de selvageria que estamos assistindo. É da ausência de crítica que se alimenta a impunidade.
O OUTRO LADO
O PT não é santo. Lula já ameaçou chamar o “Exército de Stédile” diversas vezes para mostrar quem manda no pedaço. Antes mesmo de a campanha começar, em frente ao Instituto Lula petistas intolerantes agrediram um adversário que acabou no hospital com a cabeça rachada. Também não é de hoje que o partido, estimulado pelo seu maior líder, adota o grito de guerra do “nós contra eles”. Mas nunca, é importante dizer, nunca petistas ameaçaram publicamente esfolar, torturar, estuprar e matar adversários.
SEM RESERVA
O restaurante Maní, um dos 100 melhores do mundo, que caiu em desgraça entre os eleitores de Bolsonaro porque a chef Helena Rizzo postou foto dela com seu pessoal de cozinha aderindo ao #EleNão, está lutando para recuperar clientes. Na foto, a turma toda estava com o dedo do meio levantado. Depois, com a onda de agravos que recebeu pelo apoio e pelo gesto ofensivo, o restaurante disse que a posição da chef não representava a casa. Ocorre que Rizzo é dona do Maní.
UM DIA DEPOIS DO OUTRO
Quem diria que petistas seriam vistos fazendo louvações ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. FH virou ícone do PT desde que disse que poderia dar apoio a Fernando Haddad para evitar a eleição de Jair Bolsonaro. Aliás, velhos inimigos são agora prestigiados. O esforço de Haddad para trazer Joaquim Barbosa para a campanha é emocionante.
MAIS RECESSÃO
Com previsões pouco otimistas do FMI para as economias avançadas, os mercados emergentes deverão ter problemas adicionais no ano que vem. Além dos impactos que terá de absorver em razão da diminuição do crescimento dos EUA, seu principal parceiro econômico, o Brasil vai precisar resolver alguns graves problemas internos, como o da Previdência e o da bagunça tributária. O novo presidente terá de tomar todas as medidas corretas e ser um superanimador da economia para que o país possa apenas andar de lado.
NÃO VIU TUDO
E você achando que Romário seria um grande perigo para o Rio.
PSDB não tem a linha do Bolsonaro e fará oposição a ele ou ao PT, diz Tasso
Tucano diz que 'ventania no Congresso derrubou bons e ruins' e articula 'grupo do bom senso'
Thais Bilenky, da Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Senador com mais quatro anos de mandato e ex-presidente nacional do PSDB, o cearense Tasso Jereissati afirmou que Jair Bolsonaro (PSL) "não tem a linha" de seu partido, que será oposição no próximo governo, seja o militar o presidente, seja Fernando Haddad (PT).
Para Tasso, "o grupo de Bolsonaro é muito perigoso", e senadores já se articulam em um "grupo do bom senso" para resistir a empreitadas polarizantes. A "ventania no Congresso derrubou bons e ruins", lamentou.
O candidato tucano a governador de São Paulo João Doria "não representa a cara" do PSDB, afirmou Tasso.
Como está o clima no Senado?
Está pesado. Com a quantidade de gente que não se elegeu, está todo mundo para baixo, deprimido. Acho que nunca vi isso. A renovação, nas outras eleições, não era tão grande, e tem gente muito boa [que não se reelegeu]. Cristovam [Buarque (PPS-DF)], Armando Monteiro [(PTB-PE), que tentou o governo de Pernambuco], Ricardo Ferraço (PSDB-ES). É uma pena.
Os eleitos não têm o mesmo preparo?
A minha primeira impressão é que caiu [a qualidade] pelos que saíram. Não estou vendo gente com esse nível, não. Vai ter muita gente nova, pode ter surpresas, mas a primeira impressão é caiu. A ventania derrubou tudo, bons e ruins. Mas foram os bons, que eram poucos.
Essa onda conservadora reconfigurou o Congresso.
Não foi só conservadora, não, porque os líderes conservadores também foram [embora]. Armando, que era candidato ao governo, Ferraço... Quer um senador que tenha tido desempenho melhor que o Ferraço nesses anos na linha de economia liberal? Eu vejo alguns de extrema direita, que não são liberais na economia, são estatizantes até.
Têm às vezes viés autoritário. O sr. se preocupa?
Existe a preocupação aqui de fazer um bloquinho, bloquinho, não, um grupo do bom senso, seja de esquerda ou de direita, que vá se aglutinando para evitar essa polarização, e que o bom senso prevaleça.
Mas vai ser uma minoria, não?
Não sei, não sei quem vem.
Se Bolsonaro ganha, o sr. tem preocupação com a democracia?
O grupo dele é muito perigoso nesse sentido, mas acho que as instituições, pelo quadro que estou vendo aqui no Senado, serão uma coisa bem resistente, um ponto de equilíbrio bem forte. A confirmar, em função dos que estão chegando aí.
No segundo turno, o PSDB deveria tomar que postura?
Isso que foi decidido, nem um nem outro. [Nos estados], cada um nas suas eleições que tome a versão que quiser. Mas o PSDB não vai apoiar nem um nem outro, e a expectativa é que qualquer um que ganhe nós sejamos oposição. É a minha visão.
Como viu a postura do Doria na campanha?
Ele andou anunciando a posição bolsonariana antecipadamente. Não se empenhou [na campanha do Alckmin] e aparentemente participou de grupos com outra linha para a Presidência, mas eu não estava perto. A sensação que nós temos é que isso aconteceu e com intuito claro de se eleger, porque a corrente bolsonariana em São Paulo ficou muito forte, uma onda muito grande. No intuito de não perder voto e ganhar voto, ele foi para essa linha e abandonou o Geraldo.
Isso, politicamente, tem que efeito?
É ruim, claro. Tem consequências.
É uma traição?
Claro, principalmente em São Paulo, em se tratando do Geraldo. Afinal de contas, Geraldo foi quem fez ele de cabo a rabo. E é ali do lado, não é uma coisa de um sujeito lá no Piauí que não conhece o Geraldo e votou no Bolsonaro. É dentro da casa dele mesmo.
Doria tenta ter controle sobre o partido. Como vê esse movimento?
Ele pode ser uma saída para o PSDB neste momento de dificuldades? Não acho que ele seja a saída, não. Claro, se ele se eleger governador de São Paulo, terá peso muito grande. Mas não sei se ele representa a cara do PSDB nacional nem a cara do PSDB paulista.
Qual é a diferença dele para o PSDB? O que não se enquadra no perfil?
Pode ser até que o antipetismo seja mais forte do que tudo isso, mas a linha do Jair Bolsonaro não é a nossa linha.
O PSDB sofreu a pior derrota na eleição presidencial, encolheu a bancada.
É um momento bem difícil.
Ruy Fabiano: Os números elegem Bolsonaro
Bastam-lhe os votos dados a João Amoedo, Cabo Daciolo e Henrique Meirelles, que guardam perfil claramente antipetista.
O espírito plebiscitário manifestou-se já no primeiro turno, visível na escassez de votos a candidatos outrora competitivos, de grandes partidos, como PSDB, PMDB e PDT.
O eleitor percebeu, desde o início, que havia – e há – apenas dois lados em disputa, projetos antagônicos. E antecipou sua escolha.
A diferença expressiva de votos pró-Bolsonaro não se reverterá. É impensável que alguém que abraçou o seu ideário venha a fazer opção oposta, já que o voto, de ambos os lados, teve o sentido de legítima defesa. Foi – e é – uma eleição binária.
Resta saber de onde os dois finalistas poderão buscar votos suplementares. E aí a vantagem também é de Bolsonaro.
O fiasco dos partidos de esquerda, aqueles cujos votos podem reverter em massa para Haddad – Psol, Rede e PDT –, indica que essa transferência já ocorreu no primeiro turno.
A votação somada desses partidos não muda o destino eleitoral de Haddad, que precisa crescer mais de 20 pontos percentuais para que sua votação em primeiro turno atinja a maioria absoluta. Já Bolsonaro, considerando-se os números do primeiro turno, está a 4,5 pontos percentuais da vitória.
Bastam-lhe os votos dados a João Amoedo, Cabo Daciolo e Henrique Meirelles, que guardam perfil claramente antipetista.
Há ainda os votos do PSDB, que devem se dividir, dado o perfil centrista do partido. FHC quer apoio ao PT; Dória, que disputará em segundo turno o governo de São Paulo, e Anastasia, que disputará o de Minas, já declararam apoio a Bolsonaro.
Idem a candidata a vice de Alckmin, senadora Ana Amélia. O Centrão, que se aliou aos tucanos, já avisou que não apoiará o PT (seu companheiro de viagem ao longo dos governos Lula e Dilma).
O PDT, de Ciro Gomes, embora aparentado ideologicamente ao PT, fez exigências tais a Haddad que sugerem que não quer se comprometer. Pediu apenas, para começar, a Casa Civil, o Ministério do Planejamento e o Banco do Nordeste.
São cofres que o PT seguramente não dispensará. Ciro, magoado com Lula, por não tê-lo escolhido, optou por sair de cena.
A tentativa desesperada do PT de obter votos fora de sua seara, buscando atrair os eleitores que se abstiveram – e que somam 29 milhões -, fez com que, no espaço de três dias após o primeiro turno, adotasse uma estratégia patética, que beira o ridículo e rompe com todo o seu passado: “renunciou” a seus símbolos e programa.
Mudou as cores do partido, trocando o vermelho pelo verde-amarelo, tirou Lula da campanha e dos panfletos e adotou parte do discurso de Bolsonaro, passando a defender o porte de armas, o cristianismo e a família tradicional.
Nesse ritmo, acaba por perder seus próprios eleitores.
O que essas eleições estão mostrando é que os meios tradicionais de persuasão, via marqueteiros e grande mídia, perderam a relevância do passado. O candidato favorito não tinha sequer comitê de campanha; não tinha um CEP. Valeu-se das redes sociais, que o blindaram da hostilidade dos veículos tradicionais e das fake news e deram-lhe o protagonismo de que desfruta.
A brusca mudança de personalidade do PT esbarra na memória da internet. Lá estão, ainda frescas, declarações de Haddad em sentido diametralmente oposto ao que diz agora.
Entre outras, a de que subiria a rampa com “o presidente Lula” e que promoveria o desencarceramento em massa.
Em relação a Bolsonaro, não há novidade: “fascista, homofóbico, racista, misógino etc.”. Ele continua onde sempre esteve e, a menos que uma situação inteiramente nova se apresente, e que o mostre diferente do que é (algo já tentado sem êxito), está eleito.
Uma questão meramente matemática.
*Ruy Fabiano é jornalista
Demétrio Magnoli: A carta que Haddad não escreverá
O que o candidato do PT à Presidência deveria dizer na atual campanha eleitoral
O Datafolha mostrou que a democracia é um valor fundamental para 69% dos brasileiros. Dirijo-me a essa ampla maioria para pedir um voto contra o autoritarismo. O Brasil experimentou uma ditadura militar de 21 anos. Eleger meu adversário seria colocar no governo um grupo de saudosistas da ditadura que testarão a resistência de nossa democracia. Minha candidatura tornou-se a única alternativa a isso. O segundo turno não pode ser um plebiscito sobre Lula ou o PT, mas um plebiscito sobre as liberdades públicas e individuais.
Verde-amarelo no lugar do vermelho? O marketing não substitui a política. Hora de assumir erros históricos, falar a verdade. O PT dividiu o país em “nós” e “eles”. Isso acaba aqui. Não qualificarei como “golpistas” os que defenderam o impeachment, a quem também peço o voto. Nunca mais usaremos o rótulo “fascistas” para marcar os que divergem de nós. Não mais usaremos o rótulo “racistas” para marcar os que discordam de políticas de cotas raciais. Adotaremos, perante a sociedade, o “protocolo ético” que meu adversário rejeitou. A pluralidade de opiniões é a substância da democracia. De agora em diante, nós a respeitaremos.
Democracia exige coerência. Lula respeitou a regra do jogo democrático ao não buscar um terceiro mandato sucessivo. Mas, reiteradamente, o PT ofereceu apoio ao regime ditatorial em Cuba, à ditadura instalada por Maduro na Venezuela, à escalada repressiva de Ortega na Nicarágua. Jamais concordei com isso, que acaba agora. Não cultivaremos ditadores de estimação. O Brasil defende a democracia aqui e lá fora. Na China e na Arábia Saudita, na Rússia e na Turquia, em Cuba e na Venezuela.
Nas democracias, uma fronteira separa as esferas da política e da Justiça. Todos, inclusive eu, têm o direito de concordar ou não com decisões judiciais —mas os partidos e, sobretudo, o governo, não têm o direito de misturar as duas esferas. Lula está recorrendo aos tribunais superiores contra sua condenação. Meu governo não se envolverá nesse assunto e não o politizará. Sem independência do Judiciário, não existe democracia.
A imprensa livre é um pilar imprescindível da democracia. Trump, lá, e meu adversário, aqui, clamam contra o jornalismo profissional, enquanto seus seguidores difundem falsificações por meio de empresas oligopolistas da internet. Mas é preciso olhar nossa imagem no espelho. Durante anos, o PT pregou o “controle social da mídia”, como se a crítica, justa ou injusta, precisasse ser restringida. Chega dessa ladainha rancorosa. Difamação, injúria, calúnia são assunto para os tribunais. Fora disso, o “controle da mídia” deve ser exercido exclusivamente pelos leitores, espectadores e ouvintes, ao selecionarem os veículos de sua preferência.
Todos têm direito à ampla defesa. A caça às bruxas sempre foi ferramenta de tiranos ou pretendentes a tiranos. Mas não existe uma “corrupção do bem”. A “nossa” corrupção é intolerável, tanto quanto a dos outros. Os governos do PT têm pesada parcela de responsabilidade política pelos escândalos do mensalão e do petrolão. No meu governo, protegeremos os recursos públicos da sanha de corruptos de qualquer partido, inclusive do meu.
A economia não é um fim em si mesma: serve para as pessoas escaparem ao círculo da pobreza, viverem melhor, realizarem seus sonhos. Mas isso só ocorrerá de forma sustentada se recuperarmos o equilíbrio das contas públicas. A depressão dos últimos anos foi semeada pela irresponsabilidade fiscal do governo Dilma. Aprendemos a dura lição. Não repetiremos o erro desastroso, fonte última da crise que redundou no impeachment.
A disputa não é entre dois extremistas simétricos. Hoje, só há um extremista: meu adversário, que usa a democracia como plataforma para iniciar uma aventura autoritária. Derrotá-lo não é escolher o PT, mas escolher a democracia.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.