Haddad

Leandro Colon: Sabe-se quem foi Bolsonaro até hoje e sobram dúvidas sobre governo

Nada indica, por ora, uma reação de Fernando Haddad (PT) capaz de impedir a vitória de Jair Bolsonaro (PSL), hoje líder folgado nas pesquisas, no domingo (28).

Confirmada a previsão, Bolsonaro pode chegar ao Planalto em 1º de janeiro de 2019 apoiado por uma significativa maioria do eleitorado. Um respaldo que qualquer líder político gostaria de ter para assumir o poder.

Daqui a uns anos, provavelmente passado o calor de uma eleição peculiar e estranha, o fenômeno “bolsonarista” de 2018 será melhor depurado. Fato é que algumas razões que devem levar o capitão reformado à chefia da República já são nítidas.

O antipetismo (ou antilulismo) tem sido essencial para esse massacre anunciado nas urnas. Sob a batuta de Lula, o PT fortaleceu o ambiente de confronto político e de busca pelo descrédito da imprensa e do processo eleitoral (sob o lema “eleição sem Lula é fraude”). Atropelou possibilidades de movimentos que poderiam levar a esquerda, não necessariamente o PT, ao poder.

As descobertas da Lava Jato nos últimos quatro anos, mesmo com seus abusos investigativos e delações irresponsáveis (muitas delas infladas por nós, jornalistas), desnortearam a centro-direita. O recado mais visível desse efeito é a humilhação imposta a Geraldo Alckmin nas urnas.

Uma esquerda rachada e sem rumo e uma centro-direita desprezada pelo eleitorado contribuíram para que um deputado com carreira política pífia e irrelevante na Câmara surgisse como alternativa de poder.

O que Bolsonaro disse até aqui não o ameaçou nas pesquisas (ao que parece, só o ajudou). Defesa do método da tortura, elogios ao regime militar, compromisso frágil com a democracia, e declarações que simpatizam com homofobia, racismo e perseguição ao ativismo social. São certezas que não atrapalharam o candidato do PSL, o maior beneficiado pela nefasta onda de fake news.

Sabe-se quem foi Bolsonaro até hoje —um parlamentar limitado e inexpressivo. Sobram dúvidas sobre seu (cada vez mais provável) governo.

*Leandro Colon, Diretor da Sucursal de Brasília, foi correspondente em Londres. Vencedor de dois prêmios Esso


Celso Rocha de Barros: Bolsonaro representa facção das Forças Armadas que ganhou poder com a tortura

Jair Bolsonaro não representa o regime de 64. Representa sua dissidência extremista, que revoltou-se contra a abertura de Geisel. O ídolo de Bolsonaro não é o moderado Castelo Branco, que provavelmente gostaria mesmo de ter restaurado a democracia. Não é o Geisel, que matou gente, mas deu início à restauração. Não é nem, vejam só, o Médici.

O ídolo de Bolsonaro, o autor de seu livro de cabeceira (segundo ele mesmo disse no Roda Viva), a entidade a quem Bolsonaro consagrou o impeachment, é o torturador Brilhante Ustra. Com um santo protetor desses, não impressiona que Temer tenha dado o azar de receber o Joesley.

O culto a Ustra é lepra moral, mas não é só isso: é uma reivindicação de linhagem. Na convenção do PSL, Eduardo Bolsonaro comparou Ustra a Janaina Paschoal, possível candidata a vice na chapa de seu pai.

Janaina se disse chocada com a comparação, e ultra-bolsonaristas como Olavo de Carvalho pediram sua cabeça. O vice foi Mourão, que tem Ustra entre seus heróis. O discurso de Eduardo Bolsonaro foi um teste de lealdade.

Bolsonaro representa, enfim, a facção das Forças Armadas que ganhou poder quando a tortura se tornou parte importante do regime. Bolsonaro é o porão.

Leiam o Gaspari: os militares e policiais que controlavam do porão logo se tornaram bandidos comuns, que os generais temiam que instaurassem a baderna na hierarquia.
Aproveitaram-se do direito de atuar à margem da lei para ganhar dinheiro. Um célebre torturador se tornou um dos chefes do jogo do bicho no Rio de Janeiro. Outros se envolveram com esquadrões da morte, aquela turma que cobra dez para matar bandido e vinte para matar seu cunhado e mentir que ele era bandido.

Essa turma não queria voltar a ser guarda da esquina, não queria voltar a ser só capitão de Exército. Compraram briga contra a abertura de Geisel. Perderam.

Ainda houve, entretanto, tempo de Geisel reconhecer o velho inimigo de cara nova: em entrevista
ao CPDOC [Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da FGV], disse que Bolsonaro era um “mau militar”.

Bolsonaro não é o anti-Lula. Bolsonaro é o anti-Geisel.

Como combater o porão? Aprendendo com quem de fato já o venceu.

No segundo turno de 1989, Ulysses Guimarães deixou claro que apoiaria Lula se recebesse um telefonema dos petistas. O telefonema não veio. Lula até hoje se arrepende disso, e afirma que foi um dos maiores erros de sua vida. Foi mesmo. Só por essa, Lula já mereceu perder.

Lembrem-se: Ulysses era muito mais conservador do que a turma que hoje posa de “centro” no Brasil. Lula em 1989 era muito, mas muito mais radical do que Haddad jamais será. Collor era uma ameaça incomparavelmente menor do que Bolsonaro à democracia.

Mas Ulysses tinha os instintos morais certos, e sabia do que devia sentir ódio e nojo.

Ulysses não era um idealista ingênuo. Se Lula vencesse, Ulysses jogaria para moderá-lo, e jogaria pesado.

Era uma raposa como poucas, não um desses Cunhazinhos one-hit wonders que só fazem sucesso por um ano.

Jogaria contra o radicalismo petista com Congresso, mídia, Judiciário, o que mais estivesse à mão.

Mas na hora em que foi preciso, Ulysses apoiou Lula. Não fugia de guerra. Desse, o porão tinha medo.

Esse, sim, é mito.

Daqui a uma semana, só haverá duas opções: votar como Ulysses, ou votar contra Ulysses.

*Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Fernando Limongi: O príncipe e a fera tosca

A vitória dos conservadores, em boa medida, é por W.O

Os conservadores derrotarão os progressistas, pois somente um erro grosseiro tiraria a vitória de Bolsonaro. Esta é a forma como Luiz Philippe de Orleans e Bragança, em artigo publicado na Folha de São Paulo, caracteriza as eleições do próximo domingo. O deputado federal eleito pelo PSL se identifica como 'tetraneto de D. Pedro II, administrador, empresário e cientista político pela Universidade de Stanford (EUA), com pós-graduação pelo Insead (França)'. Como se sabe, o tetraneto foi cogitado para compor chapa com Bolsonaro, mas foi preterido para neutralizar possíveis tentativas de impeachment.

No passado, explica o tetraneto, os progressistas obtiveram sucessivas vitórias. "Desde 1995, com o governo FHC, que ideias progressistas vêm galgando espaço no poder público." O recuo dos conservadores teria se intensificado, mas não iniciado, durantes os governos Lula e Dilma. Ou seja, para o príncipe conservador, FHC, Lula e Dilma seriam farinhas do mesmo saco.

"Vivemos o esgotamento da hegemonia progressista", afirma o tetraneto. A ascensão de Bolsonaro à presidência será o fim de uma era, uma era marcada por uma "busca aflita pela justiça social". Mas se a busca pela justiça será abandonada, o que teremos no lugar? Qual o programa dos conservadores?

Do ponto de vista eleitoral, os progressistas foram postos para correr. Nos estados do sul, sudeste e centro-oeste não há progressista com chances de vitória. Não faltam aprendizes e oportunistas prontos a se colar a Bolsonaro para chegar ao poder. Associar-se aos progressistas, ao PT ou ao PSDB, é pedir para perder.

Mas é preciso ter clareza. Os progressistas estão sendo derrotados por um time desconjuntado, mal ajambrado, reunido às pressas, sem consistência, formado por herdeiros presuntivos, artistas pornôs, jornalistas com credenciais contestadas, juízes com histórias mal contadas etc. Para os mais velhos, a referência ao Exército Brancaleone é inevitável.

O fato é: não se perde para adversário tão improvisado e fraco sem cometer erros e mais erros. Witzels, Zemas e Dórias não teriam se destacado sem o acúmulo de erros das lideranças políticas. Para ser claro: o que estamos observando é antes a derrota dos progressistas do que a vitória dos conservadores. Em boa medida, é uma vitória por W.O.

Basta lembrar que, não mais do que dois anos atrás, Bolsonaro disputou a presidência da Câmara dos Deputados e recebeu exatos quatro votos. Nem seu filho se deu ao trabalho de comparecer para sufragá-lo. Até muito pouco atrás, o capitão era um figura politica tão folclórica quanto a do Cabo Benevenuto Daciolo. Sua ascensão meteórica se deve ao vazio criado pela luta aberta entre os progressistas, ao suicídio coletivo que se esmeraram para produzir. Não fosse assim e Bolsonaro não teria crescido justamente quando parou de fazer campanha.

A chance oferecida pelo segundo turno não foi aproveitada. A briga nas hostes progressistas não parou. Como crianças, cada lado pede que o outro reconheça sua culpa, que foi que ele que começou e que, sem as necessárias desculpas, não fará as pazes. A infantilidade reinante chega a ser patética. E a briga se estendeu para o interior de cada bloco, como atestam as acusações públicas de Alckmin a Dória e as de Cid Gomes ao PT.

Já faz um bom tempo que os progressistas não se veem como integrantes de um mesmo grupo, mas seus adversários sabem bem quem estão derrotando. Como afirmou o tetraneto, sairão de cenas os que acreditam que as "leis devem ser criadas para fazer justiça social e buscar atingir a igualdade sempre que possível em todos os aspectos da sociedade."

O príncipe está coberto de razão: foram estas as ideias mestras a ditar as políticas públicas e a ação do Estado desde a redemocratização. É contra este movimento, é contra esta direção dada às politicas que Bolsonaro se insurge.

O tetraneto, contudo, não foi capaz apresentar o programa positivo dos conservadores. O máximo que conseguiu foi afirmar sua crença na existência de uma ordem social natural: "O aprendizado para todos é que os avanços da sociedade se devem mais em função das ações da própria sociedade, e não dos mandos e desmandos da legislação."

Sabe-se lá o que o príncipe quis dizer com isto, mas sabe-se com certeza que a ordem social nada tem de natural, que conflitos sociais não se resolvem 'sem os mandos e desmandos da lei.'

O fato é que o discurso de Bolsonaro vai muito além deste conservadorismo edulcorado. O tetraneto lança mão de perguntas retóricas para enfrentar a questão: "Mas será que o medo dos progressistas é justificável? Veremos um retrocesso nas nossas relações sociais com os conservadores no poder?"

O príncipe acredita que os temores de retrocesso como a intolerância e o recurso à violência contra adversários seriam infundados: "O conservadorismo não é intolerante muito menos retrógrado; é simplesmente natural e evolui conforme as gerações de maneira livre."

De novo, difícil saber o que seja evoluir de maneira livre, mas sabe-se que um dos cotados a ocupar o Ministério da Educação acredita que a evolução natural das espécies deve ser banida das escolas. Poderia haver evidência mais clara de retrocesso? Não sei se Dom Pedro leu Darwin, mas sabe-se que era um entusiasta da ciência.

O fato é que quem forma juízos a partir das informações disponíveis tem razões de sobra para temer. O líder dos conservadores está longe de ser o moderado razoável que o tetraneto procura vender. Basta lembrar que, no Roda Viva, já em campanha, Bolsonaro fez questão de registar sua idolatria ao Coronel Brilhante Ustra. Precisa mais? Há algo mais bárbaro e repugnante que a tortura?

No mundo do faz de conta, beijos de princesas castas transformam sapos horrendos em príncipes garbosos. No mundo real, não há varinha de condão que transforme feras toscas em seres civilizados. O retrocesso será inevitável.

*Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.


El País: “Vamos varrer do mapa os bandidos vermelhos”, diz Bolsonaro a milhares em euforia

"Nós somos o Brasil de verdade", diz candidato de extrema direita a uma semana do segundo turno. Seus eleitores deram demonstração de força nas ruas em dezenas de cidades

Por Heloísa Medonça e Naiara Halarraga Gortázar, do El País

Vestidos de verde e amarelo, os apoiadores do candidato de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL) exibiram neste domingo na Avenida Paulista sua força e euforia a uma semana do segundo turno das eleições em que o candidato aparece com uma enorme vantagem sobre o seu concorrente, Fernando Haddad(PT), segundo as pesquisas eleitorais. O capitão retirado do Exército não compareceu à manifestação paulista que encheu vários quarteirões da avenida, mas discursou por meio de um telão. A um passo do Palácio do Planalto e contra alguns prognósticos de que a corrida do segundo modularia sua retórica, repetiu o discurso mais virulento contra os adversários do PT: "Vamos varrer do mapa os bandidos vermelhos do Brasil", disse. “Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia”, afirmou. Bolsonaro, que descreveu a si e aos seus seguidores como "o Brasil de verdade", agradeceu outras dezenas de manifestações pelo país.

Há entre seus apoiadores, no entanto, os que manifestam uma fé cega no líder do Partido Social Liberal. "Se Bolsonaro começar a falar em fechar o STF, eu vou confiar nele. Estou dando meu voto de confiança a ele. Se lá na frente o presidente nos decepcionar, voltaremos novamente aqui para a Paulista para protestar", explicava Hilston Oliveira, um artista plástico, que junto com a mulher e três filhos participava do ato a favor do capitão reformado. "Somos evangélicos e Bolsonaro defende exatamente os valores que acreditamos". Participante assídua das manifestação convocadas contra a corrupção, a advogada Ana Maria Straub diz apoiar Bolsonaro por ele ser uma pessoa íntegra "um patriota e sem os istas [racista, fascista, machista…] que é acusado". "Ele é um candidato que defende os valores da família e é contra o aborto", diz a advogada que garante que, em sua família, conhece apenas um primo que não irá votar no capitão reformado do Exército.

Outro grande protagonista ausente da mobilização foi o PT. A ameaça feita por Bolsonaro no telão retroalimentava o ódio visceral que seus votantes exibiam no chão. "Fora PT" e "Eu vim de graça", foram alguns dos gritos mais entoados por um mar de gente com camisetas de Bolsonaro.

O artista plástico Hilston Oliveira e sua família.
O artista plástico Hilston Oliveira e sua família.

Ex-eleitora fiel do PT, a aposentada Angélica, de 54 anos, abandonou o voto ao partido após os escândalos de corrupção envolvendo o PT. "É corrupção demais, me decepcionou. O que vemos hoje é um país cheio de bandidos e tráfico de drogas. Não é que eu apenas leio sobre esses problemas, eu os vejo nas ruas. Não podemos deixar que o país vire uma Venezuela", diz a aposentada que vestia uma camiseta escrita Bolsonaro Presidente com uma foto do candidato do PSL. "Claro que o Bolsonaro não é santo, mas todas as propostas deles são boas, temos chance de mudar o país", ressalta.

O goiano Leonardo Costa, de 26 anos, aproveitou uma viagem de negócios à capital paulista para participar pela primeira vez de uma manifestação. "Vim porque realmente essa vale a pena. Não podemos deixar que um partido corrupto como o PT continue no poder. A mudança é agora ou nunca", disse ao lado do amigo Guilherme que, vestido com a camisa do Brasil, também apoiava a candidatura de Bolsonaro. "Sabemos que ele não é o candidato ideal, é impossível concordar com todas as ideias defendidas por ele, mas é o único que pode vencer o PT".

A advogada Ana Maria Straub (D) e duas amigas em ato na Paulista.
A advogada Ana Maria Straub (D) e duas amigas em ato na Paulista.

A exibição de força chega dias depois da Folha de S. Paulo publicar que um grupo de empresários pagava ilegalmente envios de mensagens por WhatsApp contra o PT. Desde então, os controladores da aplicação suspenderam as contas das empresas mencionadas. O caso está sendo investigado pelas autoridades eleitorais e é improvável que tenha alguma conclusão antes do segundo turno, no próximo domingo 28.

Em São Paulo, tudo nos cenários, nas cores e nos personagens remetiam à campanha de rua pelo impeachment de Dilma Rousseff: bonecos infláveis do ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva, condenado e preso pela Operação Lava Jato, conviviam com cinco carros de som - dos movimentos de direita Avança Brasil, Vem pra Rua, MBL e Nas Ruas - também estavam estacionados em diferentes pontos da avenida. João Doria, candidato tucano ao governo de São Paulo que luta por se colar a Bolsonaro, também apareceu. As deputadas do PSL Janaína Paschoal e Joice Hasselmann foram ovacionadas.

No sábado, a Av. Paulista acolheu outra marcha, muito menos multitudinária, a favor de Haddad. Boa parte dos simpatizantes de Bolsonaro coincidem que a prioridade agora é que o PT não regresse ao poder. Pouco importava aos presentes que o homem com mais probabilidades de ser o próximo presidente do Brasil não estivesse presente. Pelo Twitter, o candidato havia lamentado mais cedo não poder participar das manifestações, e lembrou do atentado a faca que sofreu no início de setembro. O candidato praticamente não pisou na rua desde o episódio em Minas Gerais. Prefere permanecer em seu controlado ambiente das redes sociais a participar dos debates de televisão.


Bruno Boghossian: Voto concentrado no Nordeste será desafio para o PT

Dos 31 milhões de votos obtidos por Fernando Haddad no primeiro turno, quase metade saiu das urnas do Nordeste. A popularidade do PT na região não é nenhuma novidade, mas o partido nunca dependeu tanto de seus principais redutos quanto agora.

Seja qual for o resultado da corrida presidencial, a composição do eleitorado petista passa por uma mudança este ano. O desgaste profundo da imagem da sigla e o avanço de Jair Bolsonaro (PSL) na classe média impulsionam esse rearranjo.

O eleitorado nordestino foi responsável por 46% dos votos dados a Haddad no dia 7. O peso da região é o mais alto do ciclo iniciado com a primeira eleição de Lula, há 16 anos. Ao longo desse período, o partido acumulou força e transformou esses estados em suas fortalezas.

No primeiro turno de 2002, os votos do Nordeste representaram apenas 24% do desempenho de Lula. O mapa eleitoral era relativamente equilibrado. O petista ficou na frente em 23 estados e no Distrito Federal.

Perdeu para Ciro Gomes no Ceará, para Anthony Garotinho no Rio e para José Serra em Alagoas.

As políticas sociais voltadas para a população de baixa renda mudaram o quadro eleitoral nos anos seguintes. Desde a eleição presidencial de 2006, o PT obtinha sempre um terço de seus votos no Nordeste.

É cedo para dizer se o crescimento dessa proporção em 2018 é pontual ou duradouro. Não há indícios suficientes de que o PT se tornará apenas um partido regional, mas a sigla sairá da eleição com um desafio.

Caso a vitória de Bolsonaro se confirme, os petistas terão uma bancada razoável no Congresso para fazer oposição nacional ao presidente. Por outro lado, sua máquina administrativa estará concentrada no Nordeste, nas mãos dos três ou quatro governadores eleitos pelo partido.

Com Lula fora de cena, o PT pode se ver obrigado a recuar para reforçar suas trincheiras. O futuro do partido dependerá do desempenho do próximo governo e, principalmente, da economia.


Maurício Huertas: Democracia e Sustentabilidade por um Brasil melhor

Que a derrota de um "centro democrático" fragilizado e fragmentado traga algum ensinamento neste difícil 2018. Ver PPS, PV e Rede Sustentabilidade, além de outras lideranças deste campo da boa política, dialogando para formar um bloco de oposição responsável ou até mesmo a formatação de um novo partido-movimento é um misto de alívio e esperança nesses dias de ressaca eleitoral. Que avancem, pelo bem do Brasil que saiu das urnas nesse 7 de outubro e vai se configurar ainda mais polarizado, revanchista e radicalizado no desfecho deste 2º turno no próximo domingo, 28.

Dos dois lados, tanto na candidatura de Jair Bolsonaro quanto de Fernando Haddad, temos o desapreço pela democracia, pela ética, pelo bom senso, pela agenda sustentável e até mesmo pelo repeito às leis e à verdade dos fatos. Não é à toa que as chamadas "fake news" dominam essa campanha, com milícias virtuais à direita e à esquerda treinadas e remuneradas para destruir sem piedade o inimigo político. Mas, infelizmente, dias piores virão. Nas redes e nas ruas.

Como antídoto ao retrocesso que se anuncia e à idiotização do eleitor é que fazemos esse apelo à defesa intransigente dos princípios republicanos. Sem dúvida, a aproximação entre lideranças, partidos e movimentos deste campo democrático e sustentável aponta para um caminho racional e necessário para enfrentarmos os próximos quatro anos de riscos e ameaças às nossas instituições.

O Brasil de 2019 dará um salto no escuro. Ninguém sabe o que vai acontecer, mas é evidente que o futuro governo, com uma base congressual fisiológica e reacionária, pode trazer consequências catastróficas para a cidadania, o meio ambiente, a qualidade de vida, os direitos humanos e a economia do país. Daí a oportunidade para um passo adiante, esse encontro histórico entre democratas e sustentabilistas, união que a cartilha da velha política talvez ainda definisse como "esquerda democrática".

Democracia e Sustentabilidade não podem ser apenas rótulos subjetivos teorizados e debatidos em rodas de intelectuais, mas premissas básicas e essenciais para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, igualitária, fraterna, conectada e radicalmente democrática. Que, na prática, possamos ajudar a descontaminar o brasileiro desse radicalismo intransigente e intolerante de petistas e anti-petistas, bolsonaristas e anti-bolsonaristas. Precisamos urgentemente atualizar o sistema. O primeiro passo está dado, com a aproximação entre Rede, PPS, PV e os movimentos pela renovação da política. Que venha uma longa, firme e saudável caminhada.

 


Luiz Carlos Azedo: Como melar uma eleição

“O PT subiu o tom dos ataques a Bolsonaro, que enfrenta o pedido de cassação de sua candidatura feito pela campanha de Haddad, por suposto abuso de poder econômico nas redes sociais”

O pedido de impugnação da candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) por abuso de poder econômico e uso de caixa dois no primeiro turno, tendo por base o seu suposto envolvimento com empresas privadas que financiaram o impulsionamento de fake news contra o candidato do PT, Fernando Haddad, tem o objetivo de melar a eleição. Bolsonaro tem 18 pontos de vantagem em relação ao petista e somente um fato novo, como o que está sendo criado pelo PT, poderia produzir condições para reversão dessa dianteira.

O PT fez uma jogada muito comum no movimento sindical, onde as eleições costumam ser “judicializadas” quando uma chapa se vê em grande desvantagem às vésperas do pleito. Aproveitou-se de uma denúncia do jornal Folha de S. Paulo para deslegitimar os 49,2 milhões de votos obtidos por Bolsonaro no primeiro turno, com argumento de que houve fraude na utilização do WhatsApp como ferramenta de campanha. Com isso, submeteu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a uma tremenda saia justa, pois cabia à Justiça fiscalizar o pleito e detectar as supostas irregularidades, o que não aconteceu.

O ministro Jorge Mussi, corregedor do TSE, não teve outra alternativa a não ser dar prosseguimento à ação apresentada pela campanha do petista, mas rejeitou todos os pedidos de investigação e quebra de sigilo feitos pelo PT. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que também é a procuradora eleitoral, foi igualmente instada a tomar providências, no caso, solicitou uma investigação da Polícia Federal.

O pleito principal do PT é a cassação dos direitos políticos de Bolsonaro por oito anos e a anulação dos seus votos, o que traria para a disputa de segundo turno o terceiro colocado, Ciro Gomes (PDT), que obteve 13,3 milhões de votos. O pedetista entraria na disputa uma semana antes da votação, prazo exíguo para tirar a diferença 18 milhões de votos que o separa de Haddad, que foi votado por 31,3 milhões de pessoas. Esses números são relevantes porque revelam as intenções dos respectivos eleitores, que não podem ser desconsideradas pela Justiça Eleitoral.

Se a denúncia tivesse sido feita antes do primeiro turno, quando os fatos supostamente ocorreram, seria mais factível a impugnação da candidatura ou a anulação do pleito. Depois da contagem dos votos, é muito difícil reverter uma situação como a descrita na denúncia. Nenhum eleitor admitirá que votou manipulado num pleito em que ninguém sofreu coerção nas seções eleitorais e o voto foi secreto.

O melhor exemplo é o julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, acusada de abuso de poder por Aécio Neves (PSDB), o tucano derrotado pela ex-presidente nas eleições de 2014. Mesmo com “abundância de provas”, segundo o relator, a maioria do TSE, então presidido pelo ministro Gilmar Mendes, rejeitou o relatório que pedia a cassação da chapa. Como Dilma já havia sido afastada do poder pelo impeachment; nesse caso, quem poderia ser cassado era o presidente Michel Temer.

Liminares
Não foi à toa, portanto, que o ministro Jorge Mussi rejeitou o pedido de liminares antes de se ouvir a outra parte, anunciando que agirá com cautela para não influenciar os rumos da eleição. Baseado em reportagens jornalísticas, segundo o ministro, os fatos apontados não permitem neste momento demonstrar a veracidade das suspeitas. Em tese, os impulsionamentos pagos por empresas podem ser considerados doações ilegais. Mussi pretende examinar a questão em “momento próprio” e deu um prazo de cinco dias para que Bolsonaro preste esclarecimentos.

Com a denúncia, o PT ganhou novo ânimo e subiu ainda mais o tom dos ataques a Bolsonaro, elevando a temperatura. A rigor, a denúncia passou a ser um novo divisor de águas da campanha, que possibilita a “vitimização” de Haddad e a retomada da narrativa de que o país está em risco de assistir à derrocada da democracia e a ascensão, pelo voto, do fascismo. Nas redes sociais, essa ofensiva é fundamental para neutralizar Bolsonaro: primeiro, porque inibe sua campanha nas redes; segundo, por dar mais moral à militância petista.

O problema dessa estratégia é que ela exacerba os setores mais radicalizados da campanha de Bolsonaro, que revidam os ataques do PT com igual ou maior truculência. Esse clima de radicalização não é nada bom para a democracia, porque abre espaço para a contestação futura da legitimidade do presidente que vier a ser eleito. É obvio que essa avaliação parte do pressuposto de que a denúncia morrerá na praia; se isso não ocorrer, e Bolsonaro for cassado, o que é muito improvável, o país corre risco de convulsão, porque os eleitores de Bolsonaro não são fake e se indignarão.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-como-melar-uma-eleicao/


O Estado de S. Paulo: TSE abre ação sobre compra de mensagens anti-PT no WhatsApp

Ministro Jorge Mussi pede que sejam investigadas as acusações de empresas que usaram aplicativo contra o PT; Jair Bolsonaro (PSL) e agências têm cinco dias para se manifestarem

Por Amanda Pupo e Breno Pires, O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O corregedor-nacional da Justiça Eleitoral, ministro Jorge Mussi, decidiu nesta sexta-feira, 19, abrir ação de investigação judicial pedida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) para que sejam investigadas as acusações de que empresas compraram pacotes de disparos em larga escala de mensagens no WhatsApp contra a legenda e a campanha de Fernando Haddad (PT) à Presidência da República. Também nesta sexta, a PGR pede inquérito sobre fake news relacionadas aos dois presidenciáveis.

Mussi concedeu prazo de cinco dias para que o candidato à Presidência Jair Bolsonaro(PSL), seu vice, Hamilton Mourão, o empresário Luciano Hang, da Havan, e mais 10 sócios das empresas apontadas na ação do PT apresentem defesa no processo, se desejarem.

O ministro rejeitou o pedido do PT de realização de busca e apreensão de documentos na sede da empresa Havan - que teria comprado o serviço de disparo em massa de mensagens contra o PT, segundo a Folha de S. Paulo - e na residência de seu dono, Hang. Mussi também negou determinar que o WhatsApp aja para suspender o "disparo em massa de mensagens ofensivas ao candidato Fernando Haddad e aos partidos da coligação".

"Relativamente aos pedidos constantes do item 42.2 da inicial e da respectiva emenda (de busca e apreensão em empresas), observo que toda a argumentação desenvolvida pela autora está lastreada em matérias jornalísticas, cujos elementos não ostentam aptidão para, em princípio, nesta fase processual de cognição sumária, demonstrar a plausibilidade da tese em que se fundam os pedidos e o perigo de se dar o eventual provimento em momento próprio”, disse.

O ministro deixou para analisar futuramente outra parte do pedido do PT, de quebra dos sigilos bancário, telefônico e telemático dos citados e de tomada de depoimento deles.

O PT pediu nesta quinta-feira, 18, ao TSE que apure suposto abuso de poder econômico para favorecer a campanha de Bolsonaro e o declare inelegível. A sigla alega que a campanha do oponente se aproveita da disseminação de notícias falsas e que “não é crível atribuir apenas à militância orgânica” dos adversários a capacidade de difundir fake news nas redes sociais. Bolsonaro nega as acusações.

Defesas. Em nota, a advogada da campanha de Bolsonaro, Karina Kufa, afirmou que o candidato irá provar que não houve caixa 2 na campanha, nem utilização de serviços de WhatsApp para a divulgação de fake news.

"A decisão do Ministro Jorge Mussi que decidiu pelo indeferimento liminar dos pedidos formulados por Fernando Haddad e apenas abriu para a apresentação de defesa é o que se esperava. Agora o candidato terá condições de apresentar as suas razões e provar que não houve caixa 2 na campanha, nem utilização de serviços de whatsapp para a divulgação de fake news. A apuração célere é o caminho adequado para não criar qualquer instabilidade ao pleito com a propositura de ações temerárias", disse em nota.

Em manifestação enviada previamente ao TSE, sobre os pedidos cautelares que haviam sido feitos, Hang negou a acusação, a qual chamou de "falsa".


Ricardo Noblat: PT vira-casaca

Salve a delação premiada

O que dizia o PT quando um dos seus membros ou parceiros era preso por suspeita de corrupção e poderia delatar?

Que a prisão fora feita justamente para isso – para que delatasse, comprometendo o partido. E que por isso era absurda.

Quando a delação se consumava, o PT dizia que era mentirosa, que fora negociada em troca de menos tempo na cadeia.

A considerar-se que Fernando Haddad, pelo menos até o domingo dia 28, fala pelo partido, o PT mudou de ideia.

Sobre a suspeita de que empresários financiaram campanha via WhatsApp para favorecer Jair Bolsonaro, ensinou Haddad

– Se você prender um empresário desses, ele vai fazer delação premiada. Basta prender um que vai ter delação premiada e vão entregar a quadrilha toda.

Alô! Alô! Mudou Haddad ou mudou o PT? Mudaram os dois? E não explicarão por que mudaram? Ainda dá tempo.

Prisão só é admissível depois que se investiga, recolhem-se provas mínimas e se monta uma base que a justifique.

E não se faz isso às pressas. Há ritos a serem respeitados. Prazos que não se pode atropelar. Todo cuidado é pouco.

De todo modo, é bom saber que o PT avançou e já não desqualifica mais as prisões que possam resultar na confissão de crimes.


Demétrio Magnoli: É fácil propor espelhismo entre Bolsonaro e Haddad, mas seria à base de sofismas

Um leitor solicita que eu produza a "carta que Bolsonaro não escreverá", como complemento da "carta que Haddad não escreverá" (Folha, 13/10). Fazê-lo, porém, seria sugerir uma simetria que não existe.

Há simetria se uma figura no plano pode ser dividida em partes de tal modo que elas coincidam exatamente, quando sobrepostas. A simetria perfeita é uma construção matemática. Na biologia, na arquitetura e na arte registram-se simetrias quase perfeitas. Em política, existem simetrias estruturais, mas não simetrias formais.

Exemplo clássico: os totalitarismos nazista e stalinista, tal como descritos por Hanna Arendt. Mesmo se seus regimes exibiram formas muito distintas, Hitler e Stalin seriam capazes de reconhecer, um no outro, as suas próprias imagens. Isso não acontece com os dois candidatos presidenciais restantes.

Nas simetrias axiais, o eixo de simetria separa a figura em metades espelhadas. É fácil propor espelhismos políticos entre Bolsonaro e Haddad. O empreendimento, contudo, sustenta-se à base de sofismas.

A linguagem da violência é um traço comum ao PT e a Bolsonaro. Mas eles procedem de modo assimétrico. Os alvos do PT que insulta ("fascista”, “racista") ou tenta excluir alguém do debate público ("inimigo do povo") são adversários políticos definidos. Já os alvos de Bolsonaro são, além de adversários singulares, grupos sociais inteiros: mulheres, gays, quilombolas. (Nota: o descarrego de Marilena Chaui, "eu odeio a classe média", não é regra, mas exceção).

A violência, ela mesma, também aproxima os antagonistas. Mas não há simetria. O PT habituou-se a praticar violência simbólica, via militantes que irrompem aos berros em debates políticos e eventos acadêmicos ou se organizam em “atos de repúdio” contra figuras públicas. Já os “camisas amarelas” bolsonaristas inauguram, antes ainda do desfecho eleitoral, a prática da violência física contra pessoas comuns que expressam opiniões divergentes. (Nota: o atentado sofrido por Bolsonaro partiu de um indivíduo desequilibrado, não de uma turba militante).

Tanto o PT como Bolsonaro devem ser reprovados no teste do repúdio a regimes ditatoriais. O PT brada contra ditaduras “de direita”, mas acalenta as “de esquerda”; Bolsonaro faz o contrário.

Também aí, inexiste simetria. O apoio do PT às ditaduras cubana e venezuelana exprime-se genericamente. A nostalgia de Bolsonaro pela ditadura militar brasileira inclui o elogio da tortura e a celebração de torturadores. O silêncio de Haddad diante da morte de Fernando Albán, um opositor sob custódia da polícia política de Maduro, num caso similar ao de Vladimir Herzog, não equivale às homenagens de Bolsonaro ao coronel Brilhante Ustra. As duas posturas são repulsivas, mas assimétricas.

A prova decisiva de que a simetria é falsa encontra-se na história. O PT é fruto da transição da ditadura para a democracia. O partido, principal máquina eleitoral e parlamentar do Brasil, só pode existir no ambiente de liberdades oferecido pelo regime democrático.

Nos seus longos anos poder, apesar de uma certa retórica voltada para dentro, o lulismo respeitou a regra do jogo —inclusive quando seus dirigentes foram condenados e encarcerados. Já Bolsonaro é fruto de uma crise da democracia: o movimento pela “intervenção militar” que acompanhou, como sombra agourenta, o processo do impeachment. A seleção de seu vice e de um círculo de conselheiros militares arromba a porta que separava a política dos quartéis.

Mesmo nas circunstâncias atuais, Haddad não assinará uma crítica dos erros de política econômica, dos crimes de corrupção e das taras ideológicas do PT pois é prisioneiro do lulismo. Se corresse riscos eleitorais, Bolsonaro assinaria um termo falso de imorredouro amor pela democracia pois não está preso a nenhuma estrutura política estável.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Bernardo Mello Franco: Cid Gomes chutou o pau do circo petista

O irmão de Ciro detonou o PT no momento em que Haddad lutava para manter o ânimo. O discurso virou arma para a campanha de Bolsonaro

Quem tem os irmãos Gomes como aliados não precisa de adversários. Na semana passada, Ciro esnobou um convite para coordenar o comitê petista no segundo turno. Declarou “apoio crítico”, fez as malas e se mandou para a Europa. Na segunda-feira, Cid subiu num palanque da campanha de Fernando Haddad. Esculhambou a plateia, atacou o PT e afirmou que o partido vai “perder feio”.

Cid disse verdades que os petistas teimam em não admitir. A sigla deveria ter humildade, pedir desculpas e reconhecer que fez “muita besteira”. A cobrança está correta, o problema foi o resto. Ao proclamar que Haddad será derrotado, o senador eleito deu um presente inesperado a Jair Bolsonaro. Ontem à noite, o capitão exibiu o discurso em seu programa eleitoral na TV.

O irmão de Ciro chutou o pau do circo no momento em que os petistas lutavam para manter o ânimo. A campanha já estava abatida com a desvantagem nas pesquisas. Agora terá que explicar por que nem os aliados acreditam mais numa virada.

O chefe da oligarquia de Sobral terminou o primeiro turno com 13 milhões de votos. Poderia seguir o exemplo de Leonel Brizola e liderar uma transferência maciça para Haddad. Preferiu imitar Marina Silva e sair de férias até a próxima eleição.

Ciro passou meses chamando o candidato do PSL de “fascista”. Chegou a declarar que uma vitória de Bolsonaro representaria a “destruição da nação brasileira”. Se ele acredita nas próprias palavras, não poderia lavar as mãos e correr para o aeroporto.

A fuga dos Gomes implodiu o projeto de uma “frente democrática” a favor de Haddad. O PT pensou que conseguiria repetir a eleição da França em 2002, quando o ultranacionalista Jean-Marie Le Pen surpreendeu ao chegar ao segundo turno. Lá, os socialistas deixaram a rivalidade de lado e apoiaram o conservador Jacques Chirac para evitar uma vitória da extrema direita.

Por aqui, tucanos e pedetistas estão optando pelo muro. A omissão pode custar caro no futuro.


Luiz Carlos Bresser-Pereira: A democracia ainda tem uma chance

Mal maior pode ser evitado com Fernando Haddad

Há anos venho lutando por uma política de centro-esquerda, que rejeite o liberalismo econômico com competência e tire o Brasil da armadilha dos juros altos e do câmbio apreciado que vem desindustrializando o país e reduzindo sua taxa de crescimento para um quarto do que era antes de 1980.

Venho explicando esse baixo crescimento pelo domínio de uma coalizão política de centro-direita, financeiro-rentista --que, ao insistir em querer crescer com poupança externa, pratica o populismo cambial--, e por um populismo fiscal de centro-esquerda que, a partir de 2012, levou o país à crise fiscal. E venho defendendo a rejeição dos dois populismos como condição do desenvolvimento brasileiro.

Na minha análise sociopolítica dos embates que definem hoje o capitalismo brasileiro, eu via um "povão" atraído pelo populismo e pela liderança carismática de Lula, os empresários industriais e os intelectuais apostando em um desenvolvimento social de centro-esquerda, e a classe média tradicional, os rentistas e financistas, comprometidos com o liberalismo econômico e a armadilha dos juros altos.

Meu voto em Ciro Gomes nas eleições presidenciais foi a maneira que encontrei de dar expressão a essas ideias, as quais partiam do pressuposto de que a democracia estava consolidada no Brasil. Estas eleições, porém, indicam que eu talvez estivesse enganado em relação a esse último ponto: a democracia saiu gravemente ameaçada.

No dia 7, a democracia, a centro-direita representada pelo PSDB e a centro-esquerda, pelo PT, perderam; venceram o voto contra e o populismo de extrema direita. A centro-direita e o liberalismo foram derrotados, mas seus seguidores podem dizer que, "em compensação, Bolsonaro está mais perto do nós". Estarão cometendo grande equívoco. A centro-esquerda foi igualmente derrotada, mas poderá ainda evitar o mal maior se os brasileiros elegerem Fernando Haddad no segundo turno.

Quem ganhou foi a extrema direita. Ela se beneficiou da corrupção denunciada pela Operação Lava Jato, que atingiu todos os partidos, mas principalmente o PT, e da desmoralização dos políticos em geral.

Venceu o primeiro turno porque aproveitou-se do clima apaixonado de ódio que tomou conta da política brasileira a partir de 2013, quando ficou claro que o governo Dilma fracassara. Venceu não porque tivesse propostas, a não ser a bala, mas porque apelou ao voto contra.

O problema, agora, é saber se esse quadro extremamente preocupante pode ser revertido com a vitória de Fernando Haddad. Ele tem todas as condições pessoais para isto. Durante a campanha, enquanto Bolsonaro só fazia críticas, ele fez propostas claras e bem fundamentadas. Porque sabe que o voto racional é o voto a favor de um programa viável; é a escolha de um candidato que o eleitor prevê será capaz de bem governar.

Mas terá condições políticas? Em relação aos eleitores que entendem que "nada é pior do que votar no PT", não há nada a fazer (não estão sendo racionais); mas em relação à grande maioria dos eleitores, inclusive as classes médias tradicionais, há certamente um caminho.

Celso Rocha de Barros escreveu sobre esse tema um artigo notável nesta Folha (8/10). Para ele, "é hora de esquecer o programa do primeiro turno e abraçar o programa da frente democrática que deve se formar no segundo". "Esse programa deve reconhecer a necessidade de ajuste fiscal, corrigindo os defeitos do ajuste de Temer, e deixar de lado toda palhaçadinha de nova Constituição, controle da mídia, e demais babaquices que intelectual petista burro enfiou no programa de governo porque estava com raiva do impeachment."

O compromisso com a responsabilidade fiscal já está no programa de Haddad, mas vale a pena torná-lo mais claro. Quanto às "babaquices", Celso tem razão, como também a tem quando afirma: "Agora é a hora de o partido voltar a ser a alternativa da esquerda democrática como foi nos anos Lula."

A democracia ainda tem chance. Haddad não precisará rejeitar seu programa desenvolvimentista e social, que é o programa de uma vida, mas precisa deixar claro para todos os verdadeiros democratas, inclusive os liberais de centro-direita, que ele governará o Brasil muito melhor do que seu adversário.

*Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)