Haddad

José Augusto Guilhon Albuquerque: O povo é o eterno culpado

O eleitor não determina o resultado da eleição, só reage a um cenário que lhe é imposto

O previsível resultado do segundo turno da eleição presidencial de 2018 tem sido atribuído, no Brasil e no exterior, a um crescimento avassalador do conservadorismo do eleitor brasileiro. Esse diagnóstico implica acusar o povo brasileiro de ser incapaz de votar racionalmente, e só se explica como efeito do que chamarei de vitimologia eleitoral.

Criada para traçar um perfil das vítimas como instrumento para explicar a motivação de um crime e o comportamento de criminosos, a técnica da vitimologia tem sido empregada na análise do comportamento político, quando se trata de explicar um resultado eleitoral inesperado: prendam-se os suspeitos de sempre.

Ora, não é razoável acusar o eleitorado pelo resultado das eleições, porque o voto não é uma escolha de livre-arbítrio do eleitor, mas, sim, uma opção limitada por uma agenda que lhe é imposta pelo sistema eleitoral, pelo sistema partidário que dele decorre e pelas cúpulas partidárias, pressionadas mais pelos interesses da classe dirigente do que pelo clamor popular. A liberdade política do cidadão brasileiro pode ser considerada uma liberdade condicionada.

O voto popular limita-se a responder a uma agenda compulsória, construída de cima para baixo, não é uma livre escolha. A pesquisa sobre comportamento eleitoral tem foco na descrição estatística, ou na interpretação “qualitativa” de variáveis presentes nas respostas dos eleitores, mas nada ensina sobre o processo político que criou o leque de escolhas que lhe são impostas. É como um experimento em que se consideram as respostas, ignorando inteiramente os estímulos que lhes deram origem.

Parte-se sempre do perfil do eleitor, pressupondo que o povo é o único fator que determina o resultado das urnas. O processo eleitoral envolve, porém, uma interação complexa entre dimensões mais ou menos independentes entre si. Entre outras, elas incluem variáveis relativas à história política, à percepção desse contexto político pelos atores envolvidos e atitudes, expectativas e reações que daí resultam, diante das candidaturas em jogo.

Minha hipótese é que o comportamento dos eleitores é determinado pela maneira como o povo percebe a evolução do processo político, isto é, para onde caminham as ameaças ao bem-estar e à liberdade do povo, em face da ganância e da paixão de poder dos Grandes (tal como as define Maquiavel). O eleitor comum escolhe entre quais candidatos, partidos, novas políticas adotadas ou revogadas são percebidos como ameaça ao bem-estar e à liberdade do cidadão – isto é, mantêm e ampliam os privilégios e a corrupção dos poderosos – e quais, ao contrário, são percebidos como barreiras contra a opressão e a exploração do cidadão comum pela classe dirigente. No presente caso, desde as revelação dos escândalos do mensalão a classe política como um todo tem encarnado, na percepção popular, toda a malignidade dessa ameaça à vida, à honra e aos parcos bens que garantem a sobrevivência da imensa maioria.

Essa percepção não é cristalina. É mediada pelos partidos e movimentos de opinião, e raramente se expressa numa imagem única – como, por exemplo, a percepção da inflação, do desemprego, do empobrecimento, da corrupção da máquina pública, da insegurança, da degradação moral. Essas “preferências” populares são tudo menos nítidas e unívocas. São, ao contrário, difusas e equívocas.

Com isso, as análises do processo eleitoral não captam o caráter único do caso presente. Não lhes vem à mente que há cinco longos e sofridos anos o povo brasileiro tem manifestado, reiteradamente, sua indignação quanto à maneira como tem sido governado.

Diante do desprezo cego, surdo e mudo dos governantes, e do silêncio envergonhado das candidaturas, continuam prometendo creches, hospitais, metrôs, que todos sabem que não serão construídos, se o forem, não vão funcionar, se funcionarem, não vão atender decentemente ao povo. Uma garantia de mudança da política e dos políticos, desde que minimamente crível, seria o único caminho para disputar a maioria do eleitorado indignado com tudo e com todos.

Defender a continuidade, embora com mais eficiência, experiência, ou vinho novo em velhas barricas foi, contudo, o caminho do suicídio dos partidos tradicionais. Nesse caminho, o PT foi mais longe, porque encarnou, como os demais, a continuidade da velha política, mas defendeu também o retrocesso, ressuscitando o velho programa radical, de 30 anos atrás, com que Lula perdeu três eleições seguidas. Seu fraco desempenho no primeiro turno não foi pior porque se beneficiou da polarização contra Bolsonaro.

Como o PT, Bolsonaro também se beneficiou da polarização e, como os políticos tradicionais, tampouco deu qualquer resposta concreta, mas foi o único a vociferar contra tudo e contra todos. Com isso, sua falta de rumo e de propostas permitiu que encarnasse a mudança a todo custo. Tornou-se um candidato-ônibus: oferece lugar para todos e vai em todas as direções. Sua candidatura pode, assim, acolher uma multidão de eleitores motivados por ameaças diversas, ignoradas ou desprezadas pelas lideranças tradicionais. Note-se, entre as ameaças percebidas por eleitores de Bolsonaro, o temor do patrulhamento que acompanhou políticas discriminatórias adotadas por governos petistas. Assim, parcela não desprezível de seus eleitores não se identifica necessariamente com ideologias extremas nem com a retórica de ódio dominante em sua campanha.

Em suma, o resultado da eleição não é determinado pelo eleitor, que apenas reage a um cenário que lhe é imposto. Tampouco o voto em um ou outro candidato cancela a indignação generalizada contra a política e os políticos e, portanto, não oferece um cheque em branco. O presidente a ser empossado no dia 1.° de janeiro não gozará uma lua de mel, mas um sursis, com curtíssimo prazo para cumprir, de mãos atadas, uma agenda tão extensa e multifacetada como suas promessas.

*José Augusto Guilhon Albuquerque é professor titular de ciência política e relações internacionais da USP


Política Democrática: Com polarização partidária, voto torna-se muito volátil, diz Denicoli

Artigos destacam os desafios impostos pela velocidade do mundo digital  nestas eleições, o papel do cinema na construção da democracia e o novo livro de Yuval Noah Harari,  “21 lições sobre o século 21”, além dos trabalhos do cartunista JCaesar

Por Cleomar Almeida

Interpretar os reflexos das redes sociais no dia a dia e, especialmente, nas eleições é o grande desafio imposto pela velocidade do mundo digital sobre processo eleitoral e a intensa troca de informações entre as pessoas que estão conectadas. A avaliação é do pós-doutor em Comunicação Sérgio Denicoli, no artigo “A verdade do oráculo digital”, publicado na edição de lançamento da revista Política Democrática online.

Em sua análise, Sérgio Denicoli reforça que o período eleitoral está profundamente marcado por polarização entre esquerda e direita e, nesse contexto, de acordo com ele, “o voto torna-se muito volátil”. “E a mudança da opção do eleitor, dentro do mesmo espectro ideológico, ocorre na mesma velocidade da transmissão de dados nos ambientes online”, escreve ele.

Ainda segundo o analista, não pode ser encarada como “exata” a verdade do eleitor. No entanto, conforme ele ressalta, “deve ser vista a partir de tendências”. “É na ciência de dados que se consegue perceber que a onda informativa se está levantando, na direção de quem ela está indo e com que velocidade”, acrescenta na publicação, produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).

Além das análises de Sérgio Denicoli e outros analistas políticos, a revista também se preocupa em colaborar com produções do meio cultural. Nesse sentido, o internauta pode conferir os trabalhos do cartunista JCaesar, que servem de ironia ao contexto da eleição presidencial de 2018.

Mais adiante na revista, no artigo “Um olhar crítico sobre a democracia”, o cineasta e escritor João Batista de Andrade discorre sobre o documentário “Construindo Pontes”, dirigido por Heloisa Passos, e que mostra os conflitos entre um pai, conservador e comprometido com os governos da ditadura militar, e a filha, de esquerda.

“O cinema tem quase sempre um olhar crítico sobre a sociedade, mesmo que as críticas se abrandem, às vezes de forma quase total, pela busca de ganhar o público ou exigências da Indústria Cinematográfica”, pondera João Batista, no artigo.

Na revista, o internauta também pode conferir a resenha da doutora em Mídias Digitais pela USP Dora Kaufman sobre “21 lições sobre o século 21”, o terceiro livro de Yuval Noah Harari. Ela destaca que o autor “enumera, descreve e tece comentários sobre alguns dos principais temas da atualidade”.

Leia mais:
A íntegra do artigo “A verdade do oráculo digital”
Quadrinhos do cartunista JCaesar
Análise “Um olhar crítico sobre a democracia”
Resenha do livro “21 lições sobre o século 21”


Marco Aurélio Nogueira: Os próximos dias do resto da nossa vida

O Brasil não terá como ser governado sem uma pacificação geral dos espíritos

Seja qual for o resultado das urnas de amanhã, uma constatação está dada: protagonizamos a mais tensa e desqualificada disputa presidencial da História nacional. Poderemos gastar um bom tempo de pesquisa para interpretar o uso que se fez das redes e das fake news, os erros e acertos das campanhas, mas nada será mais desafiador do que compreender o terremoto que abalou as estruturas políticas da sociedade e alterou de forma substantiva a cabeça dos brasileiros.

Como foi possível que, na segunda década do século 21, a disputa presidencial transcorresse como se o País ainda estivesse no século 20? Suas elites políticas e intelectuais ignoraram os sinais de que algo estava a fermentar nos subterrâneos da vida social. Nada se discutiu de substantivo, nenhum mapa cognitivo saiu dos debates, nenhuma luz iluminou o eleitorado, que chegou às urnas enfeitiçado por pregações mágicas e regressistas, alheias ao razoável, mudas diante dos desafios que se abrem para o futuro.

O resultado foi a ampliação dramática das divisões políticas e do desentendimento social.

Tornamos inviável o centro político, a inteligência e a moderação, em benefício da estridência reacionária, da agitação irresponsável, do apelo a um passado mitificado. O oportunismo, a demagogia e a prevalência de interesses mesquinhos tomaram o palco de assalto, marginalizando as demais candidaturas. Sobraram os antípodas, que se escolheram reciprocamente, impelidos por uma ordem social despedaçada e sequiosa de “segurança”, um o espelho invertido do outro.

Nenhuma vitória terá força suficiente para desprezar esse quadro social. O vencedor e sua oposição terão de negociar, dialogar, contemporizar. Um pacto terá de ser costurado.

Se Haddad vencer, será uma vitória da resiliência democrática e do poder das redes. Na semana derradeira, as mensagens pró-Haddad e uma militância determinada deram-lhe o gás que faltava. Não será uma vitória do PT. O partido, porém, cuidou de armar uma nova narrativa para si: sai o Lula perseguido pelo golpe, entra o “fascismo fraudulento” de Bolsonaro, impulsionado pelo pânico que impregnou a alma de muita gente.

Se o vitorioso for Bolsonaro, pode-se esperar qualquer coisa, um enigma. A nova narrativa petista encontrará ressonância numa sociedade machucada por tantas divisões políticas e partidárias. Será como acender um fósforo diante de um baú de dinamite. O governo Bolsonaro não terá sossego. Mas a esquerda que a ele se opuser desse modo também não conseguirá reorganizar-se para cumprir uma função democrática e reformadora. Permanecerá amarrada numa cultura negativa, de “resistência”, vocacionada para dividir e diferenciar mais do que agregar e unificar.

Não dá para cravar que o eventual governo Bolsonaro levará o Brasil para uma ditadura fascista. Os componentes fascistoides exibidos durante a campanha terão de passar pela prova dos fatos. Uma escolha terá de ser feita: ou jogar o País num regime de força e na histeria social desagregadora, ou buscar a reconciliação. Neste segundo caso, Bolsonaro terá de arquivar a retórica belicista e reacionária. Sem isso seu governo submergirá. Precisará dissolver sua própria folha de serviços hostil aos direitos e às liberdades civis. Terá de ser o estadista que não apareceu durante a campanha.

Uma Presidência mais democrática, como a que promete Haddad, deixará o País parecido com o que se conhece, mas não necessariamente trabalhará para qualificar a democracia. Primeiro, porque trará consigo outro “mito” igualmente nefasto – o do Lula perseguido e santificado –, que fará a balança pender mais para o Estado do que para a sociedade. Depois, porque o PT poderá voltar ao poder com sangue nos olhos e desejo de vingança, o que ensejará uma reação social ruim para a governança democrática. Também aqui o presidente terá de ser muito mais do que um homem de partido.

O Brasil do próximo ciclo não terá como ser governado sem uma pacificação geral dos espíritos, para a qual o papel do presidente será estratégico.

O novo chefe do Executivo começará a trabalhar com uma democracia de má qualidade, que funciona e tem suas instituições, mas produz poucos resultados naquilo que deveria ser seu alvo principal: educar a cidadania e satisfazer sua expectativa de que as escolhas governamentais sejam justas e eficazes.

O País está despedaçado, os nichos políticos estão “empoderados” de modo insano, cegos para o outro, sem disposição para o diálogo, as divisões ameaçam se prolongar no tempo. Nada disso ajuda a preservar e fortalecer a democracia. Os problemas econômicos, infraestruturais, educacionais, relacionados à saúde e à proteção social são desafiadores. A próxima legislatura parlamentar é uma incógnita: os partidos estão enfraquecidos e a composição do Congresso Nacional combina a manutenção de algumas famílias tradicionais com uma chusma de novas figuras de quem não se conhecem o perfil e a densidade democrática.

O País continuará surpreendendo, com sua força, sua população, suas conquistas. Foi assim durante todo o século 20. De algum modo, ainda que por vias tortas, haverá política. E nela os democratas haverão de depositar suas fichas. A “pequena política” – concentrada no jogo miúdo do poder, na destruição dos adversários, na chantagem – terá de se encontrar com a “grande política”, voltada para a recomposição da comunidade política.

O futuro será comprometido se perdermos essa perspectiva e continuarmos a alimentar as divisões perfunctórias, a competição pelas migalhas do poder, a lógica partidária que mal consegue permanecer de pé, a retórica de “guerra”.

O importante é que nossa emoção sobreviva, amanhã há de ser outro dia, dizem os poetas. Somente a perspectiva da política democrática resolverá o problema de saber quem somos, por que estamos juntos e o que queremos alcançar.


Bruno Boghossian: Eleitores de centro e 'não petistas' escolhem lado na reta final

Haddad tira pontos de Bolsonaro em segmentos tradicionalmente avessos ao PT

O movimento de ponteiros na reta final do segundo turno indica um ajuste sutil na posição do eleitorado de centro. Os números do Datafolha mostram que Fernando Haddad ganhou terreno em redutos típicos do PT, mas também tirou pontos de Jair Bolsonaro (PSL) entre os eleitores mais ricos e escolarizados.

Essa troca de votos, registrada pela nova pesquisa, pode ser um sinal de decisão nos grupos que ainda não haviam se comprometido com nenhum dos dois candidatos.

Embora Bolsonaro mantenha a liderança no segmento com curso superior completo, sua vantagem sobre Haddad caiu sete pontos. O candidato do PSL também domina com folga todas as faixas de renda acima de dois salários mínimos, mas perdeu espaço no topo da pirâmide.

A vantagem de Bolsonaro ainda é significativa e ele continua sendo o favorito para vencer a eleição. Só a próxima pesquisa, no sábado (27), pode apontar se a variação se transformará numa curva ou numa reta que levará o candidato ao Planalto.

O fato de Haddad ter conseguido crescer em fatias tradicionalmente avessas ao PT (nas quais sua rejeição ainda é alta) sugere que a aversão ao candidato do PSL empurra alguns “não petistas” para o outro lado. A taxa de eleitores que dizem não votar em Bolsonaro subiu em quase todos os segmentos.

Além disso, Haddad capturou na última semana mais uma fatia de eleitores que votaram em Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno. Na pesquisa anterior, 46% dos eleitores do pedetista diziam que votariam “com certeza” no candidato do PT. Agora, essa proporção é de 55%.

Bolsonaro manteve força em segmentos que provavelmente enxergam nele a única alternativa da disputa —em especial os evangélicos. Neste grupo, o deputado do PSL oscilou para baixo, mas manteve vantagem sobre o petista (59% a 26%).

À medida que o relógio corre, eleitores que não queriam nem um nem outro começam a balançar. O quadro só deve mudar se todos caírem para o mesmo lado.


Merval Pereira: Emoções inesperadas

Petista cresceu 8 pontos na faixa acima de dez salários mínimos, o que pode ter sido influenciado pela retórica de Bolsonaro

A redução da diferença entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad na reta final da campanha adiciona mais emoção a um resultado que parecia já estar dado. O PT tem a fama de mobilizar seus militantes no que chamavam de “onda vermelha”, mas não se sabe exatamente se essa capacidade continua ativa.

Jair Bolsonaro, que continua liderando a pesquisa Datafolha em todas as regiões do país, menos no Nordeste, onde Fernando Haddad vence por 56% a 30%, tem também uma capacidade de convocação de seus adeptos que já se mostrou eficiente nas manifestações organizadas pelos novos meios de comunicação, e não se sabe se essa força se mostrará na ida às urnas, e no proselitismo de última hora para impedir que a “boca do jacaré” se feche em favor do petista.

Os pesquisadores usam essa gíria para indicar que a diferença entre dois candidatos está diminuindo. Há uma tendência histórica de que a boca do jacaré não se feche totalmente nas disputas presidenciais, mas, como essa eleição é atípica e muito polarizada, nada é impossível.

A diferença, que era de 18 pontos, caiu para 12, mas, na prática, ela era de 9 pontos percentuais e caiu para 6, pois cada ponto que um candidato ganha, o outro perde em disputas polarizadas. Isso ainda significa cerca de cinco milhões de votos por dia para serem revertidos.

Da última pesquisa Datafolha para esta, a queda de Bolsonaro, que já havia sido detectada pelo Ibope, foi fora da margem de erro, e o pior para Bolsonaro é que o petista também cresceu fora da margem de erro, conseguindo reduzir a diferença. Haddad ganhou sete pontos na Região Norte e quatro na Sul, suas maiores subidas. No Sudeste, o presidenciável do PSL mantém vantagem considerável (53% a 31%); no Sul e no Centro-Oeste, Bolsonaro tem quase 60% dos votos totais.

Não se sabe se essa mudança de humor do eleitorado é uma tendência ou se pode ser uma questão circunstancial devido às últimas acusações contra Bolsonaro, e também aos próprios erros do candidato e seu entorno. Os últimos dias foram bastante conturbados, e a pesquisa pode ter apanhado as consequências de fake news que não se confirmaram contra Bolsonaro, como a acusação a seu vice, general Mourão, de que teria sido um torturador.

O petista cresceu oito pontos entre os que ganham acima de dez salários mínimos, o que pode ter sido influenciado pela retórica agressiva de Bolsonaro, que radicalizou nos últimos dias. Mas, nesse segmento, continua perdendo para Bolsonaro, que tem mais de 61%. Haddad continua vencendo entre os mais pobres (até dois salários mínimos), por 47% a 37%.

No eleitorado masculino, Bolsonaro bate Haddad por 20 pontos: 55% a 35%. Entre as mulheres, há empate técnico: 42% a 41%. Da mesma maneira que a pesquisa do Ibope, que mostrou um crescimento da rejeição de Bolsonaro e uma redução na do petista, também o DataFolha mostra a rejeição de Haddad caindo dentro da margem de erro, enquanto a de Bolsonaro subiu três pontos.

A redução de seis pontos aconteceu porque Bolsonaro perdeu três pontos percentuais, enquanto Haddad subiu três pontos. Como o número de indecisos permaneceu estável, há indicações de que o petista roubou votos de Bolsonaro, condição necessária para que vire o jogo nos últimos dois dias de campanha, que se encerrou ontem no rádio e na televisão.

A disputa agora será nas ruas até o próximo domingo, e tudo indica que a violência das posições do líder das pesquisas afetou sua preferência entre os jovens, por exemplo, em que liderava e agora já está empatado com Haddad. Tudo leva a crer que teremos emoções não previstas nos últimos dias de campanha. Como escrevi aqui, a pesquisa do Ibope do início da semana era um sinal de alerta para a campanha de Bolsonaro, embora a mudança tivesse sido dentro da margem de erro.


Eliane Cantanhêde: Não vai ser de goleada

Bolsonaro perde e Haddad ganha milhões de votos, mas sem tempo para virada

O PT espanca Fernando Henrique Cardoso há quase 20 anos, fez uma campanha canalha contra Marina Silva em 2014 e atacou a candidatura Ciro Gomes em todos os flancos em 2018, mas os petistas estão indignados, ou irados, porque FH, Marina e Ciro têm enorme dificuldade em apoiar Fernando Haddad antes do domingo. Engraçado, não é?

Aliás, se fosse o PSDB, a Rede ou o PDT contra Jair Bolsonaro, o PT iria manifestar apoio a eles? Ou faria como sempre, em cima do muro, vendo o circo (e o País) pegar fogo para depois lucrar ao apagar o incêndio?

Bolsonaro é franco favorito para a Presidência, mas a diferença entre ele e Haddad vem caindo e isso mexe com os nervos das duas campanhas. Bolsonaro ameniza o tom e acena com um governo de coalizão. O PT aumenta a pressão e o constrangimento para que outras forças políticas se manifestem pró-Haddad, contra o “autoritarismo”.

Ciro teve 12% dos votos, mas o tucano Alckmin nem chegou a 5% e Marina despencou do segundo lugar até um raso 1%. FH nem voto tem. Mas, para o PT, um sinal deles a favor de Haddad poderia tirar do muro milhões de eleitores que oscilam entre votar nulo ou em Haddad. Seria um empurrão.

Assediado pela mídia, por telefone, pela internet e ao vivo, Fernando Henrique reclama que “intimidação é inaceitável”. Parece se deliciar com a insistência e com a própria resistência a apoiar automaticamente o PT, que nunca apoiou automaticamente ninguém. Muito pelo contrário.

Marina e o PDT anunciaram um “apoio crítico” a Haddad, enquanto Ciro Gomes viajava com a família para a Europa e seu irmão Cid fazia a papagaiada no evento do PT – “Vocês vão perder! Vocês vão perder!”. Depois, anunciou apoio a Haddad, mas simplesmente ignorou os eventos de campanha do PT no Ceará.

É muito provável que FH, Marina, Ciro e Cid venham a votar em Haddad no domingo, mesmo que não anunciem publicamente o apoio. Mas não pelo PT, nem mesmo pelo próprio Haddad, mas contra Bolsonaro e o que ele representa. Assim como há antipetismo, há um forte antibolsonarismo.

As intenções de voto em Bolsonaro recuam tanto como as de Haddad sobem, mostrando que o sentimento contra Bolsonaro está crescendo, depois do vídeo do deputado federal reeleito Eduardo Bolsonaro dizendo que “bastam um soldado e um cabo para fechar o Supremo” e da acusação dos petistas de que empresários foram pagos por Bolsonaro para disseminar fake news contra Haddad.

Além disso, a diferença entre os dois candidatos diminuiu por causa dos programas do PT com Bolsonaro defendendo a tortura e um torturador, contra direitos das empregadas domésticas e ao lado do presidente Temer e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, um dos presos mais famosos da Lava Jato. Como pano de fundo, a massificação da ideia de que, eleito, Bolsonaro será uma ameaça à democracia, às minorias e aos pobres.

De outro lado, Haddad também andou fazendo besteiras. A principal delas foi usar uma sabatina para acusar o vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, de ter sido torturador na ditadura militar. O general tinha 16 anos na época e a declaração de Haddad não foi apenas irresponsável como voltou como bumerangue na testa dele. Na reta final, o fundamental é não errar.

Rio. A distância entre Witzel (PSC) e Eduardo Paes (DEM), de 12 pontos, é igual à de Bolsonaro e Haddad, com uma diferença: a redução é bem mais acentuada no Rio e as curvas podem cruzar até domingo.

Marielle. Alta fonte nega que o governo tenha jogado a toalha nas investigações sobre o assassinato de Marielle e espera novidades “a médio prazo”. Quem tem razão?


Folha de S. Paulo: Arroubo autoritário faz Bolsonaro perder eleitores na reta final

São apenas dois candidatos, quando um ganha, o outro perde na mesma proporção

Por Mauro Paulino e Alessandro Janoni, do Datafolha

A diminuição da diferença de Jair Bolsonaro (PSL) para Fernando Haddad (PT), de 18 para 12 pontos percentuais em curto espaço de tempo (uma semana), é acentuada em função da dicotomia que caracteriza o cálculo dos votos válidos nas disputas em segundo turno. São apenas dois candidatos —quando um ganha, o outro perde na mesma proporção.

É impossível afirmar, no entanto, tratar-se de uma migração contínua de votos com potencial para estender-se até o domingo da eleição. Apenas o próximo levantamento, às vésperas da votação, poderá sugerir se a curva se intensificará ou se perderá força e estacionará.

Com isso, ganha importância o contingente de eleitores sem candidato, isto é, aqueles que pretendem votar em branco, anular o voto ou se mostram ainda indecisos. A taxa (14%) é recorde para este período da disputa —em segundos turnos de eleições anteriores chegou no máximo a 10%. Caso parcela pretenda praticar voto útil, resta saber em que direção a atitude se dará.

Entre os que querem votar em branco ou nulo, 78% rejeitam totalmente Bolsonaro, enquanto 74% reprovam Haddad. Entre os que estão indecisos, essas taxas correspondem a 33% e 27%, respectivamente. Uma eventual conversão favoreceria ligeiramente o petista principalmente porque, entre os que ainda não sabem em quem votar, 19% já o escolheram no primeiro turno contra 16% que optaram pelo candidato do PSL e 12% por Ciro Gomes (PDT).

No levantamento divulgado hoje, o apoio ao capitão reformado apresenta tendência de queda em quase todos os segmentos socioeconômicos e demográficos. Apesar de cair em maior proporção entre os jovens, o deputado também perdeu eleitores em estratos onde sempre teve desempenho positivo como no Sul, entre os homens, entre os mais escolarizados e especialmente entre os mais ricos.

No estrato feminino, a disputa está empatada. No total de votos, Bolsonaro perdeu sete pontos entre as mulheres mais ricas, apesar de ainda liderar no subconjunto, com vantagem de 21 pontos sobre Haddad. Entre as que têm menor renda, o petista abre 15 pontos sobre o candidato do PSL.

Entre os homens mais pobres, segmento que havia mudado para o ex-deputado ao longo do primeiro turno, um refluxo agora equilibra a disputa com vantagem numérica para o substituto de Lula. No estrato dos homens mais ricos, a perda de Bolsonaro, de quatro pontos percentuais, é residual diante de sua liderança folgada por mais de 30 pontos.

Movimento espraiado, como o que se observa, indica reação da opinião pública a fatos que alcançam diferentes perfis do eleitorado.

A suspeita de caixa dois na contratação de serviços de WhatsApp, revelada por esta Folha, por exemplo, chegou ao conhecimento da maioria dos brasileiros, mas especialmente junto aos que mais têm recursos para consumir informação –os mais escolarizados e mais ricos, nichos dominados pelo capitão reformado desde o início da corrida presidencial.

As oscilações nesses estratos, no entanto, são insuficientes para gerar movimentos expressivos no total da amostra. Um dos pontos que também pode explicar as mudanças é a nova comunicação de Haddad. A campanha abriu canais com linguagem adaptada a conjuntos de menor renda da classe média (com maior peso na população) ao divulgar, por exemplo, o preço do gás de cozinha que pretende praticar, caso eleito presidente.

O outro vetor, talvez o principal, refere-se às turbulências que atingiram “a velocidade de cruzeiro” da candidatura do PSL desde a última pesquisa há sete dias –episódios que sugerem intervenções autoritárias em instituições nacionais, protagonizados por Bolsonaro, por seu filho Eduardo e aliados acabaram por corroborar a campanha do PT, que o vinha classificando de antidemocrático e violento.

Segundo dados do Datafolha, os brasileiros nunca valorizaram tanto a democracia como agora, apesar de metade identificar o risco de uma nova ditadura militar no país. A grande maioria condena as práticas como tortura de suspeitos, censura da imprensa e fechamento do Congresso Nacional.

Com esse cenário, agressões entre eleitores em discussões políticas, ameaças à presidente do TSE, insinuações de intervenção no STF, estímulo à perseguição tanto de jornalistas como de adversários podem ter minado parte da confiança que o candidato vinha obtendo junto a diferentes setores do eleitorado.

Na análise anterior, o Datafolha alertava que a liderança folgada de Bolsonaro na disputa não significava cheque em branco ao ex-militar –a opinião pública o lembra agora que, na democracia, o representante deve prestar contas a seus representados.

Mauro Paulino é diretor-geral do Datafolha e Alessandro Janoni, diretor de Pesquisas


Luiz Carlos Azedo: Chegada eletrizante

“A maior dificuldade enfrentada por Haddad para virar a eleição é sua própria rejeição. A de Bolsonaro subiu de 41% para 44%, mas a do petista é quase intransponível: 52% não votam nele”

Caiu a distância entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), segundo pesquisa Datafolha divulgada ontem, o que confirma as previsões de que parcela significativa dos eleitores começa a definir ou mesmo rever o voto que pretende sufragar no próximo domingo. Realizada na quarta e na quinta-feira, a pesquisa mostra uma diferença de 12 pontos percentuais entre os dois candidatos, considerando-se os votos válidos: 56% a 44%, ou seja, uma queda de seis pontos no decorrer de uma semana. Dessa vez, a movimentação de ambos está fora da margem de erro.

A alteração decorre dos erros cometidos por Bolsonaro e seu filho, Eduardo Bolsonaro. Os ataques ao Judiciário, à imprensa e às ameaças de prisão e exílio aos adversários “vermelhos” favoreceram as acusações de Fernando Haddad quanto ao viés autoritário do adversário. O petista também foi beneficiado pela adesão de personalidades e políticos que são desafetos do PT, mas foram empurrados para esse reposicionamento em razão dessas atitudes. Na verdade, o salto alto e o fogo amigo complicaram uma disputa que parecia decidida. Entretanto, a pesquisa ainda mostra que uma virada nos próximos dois dias é muito difícil.

Os votos totais revelam queda de 50% para 48% de Bolsonaro e a subida de 35% para 38% de Haddad; redução de 10% para 8% nos votos nulos e brancos; e aumento de 5% para 6% dos que não sabem ou não quiseram responder. Ambos estão na margem de erro. A maior dificuldade enfrentada por Haddad para virar a eleição é sua própria rejeição. A de Bolsonaro subiu de 41% para 44%, mas a do petista, mesmo caindo de dois pontos, continua sendo uma muralha quase intransponível: 52% dizem que não votam no petista de jeito nenhum. Enquanto 94% dos eleitores de Bolsonaro não admitem mudar de posição, no caso de Haddad, são 91%.

Narrativas
Na reta final da campanha, Haddad centralizou sua propaganda eleitoral na defesa da democracia, com uma narrativa alarmista em relação aos riscos de implantação de uma ditadura por Bolsonaro. Ao mesmo tempo, mudou o discurso para atrair os políticos e personalidades que apoiaram outros candidatos no primeiro turno, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que já admite votar no petista, e Ciro Gomes, que somente chegará do exterior hoje à noite. Todas as declarações autoritárias do candidato do PSL estão sendo exibidas à exaustão. Criou-se um clima de verdadeiro pavor entre os militantes das chamadas causas identitárias, como os movimentos negro e LGBT, que temem perseguições racistas e homofóbicas.

Em resposta, Bolsonaro centralizou seus ataques no envolvimento do PT com os escândalos de corrupção, principal causa da rejeição de Haddad. Foram exibidos depoimentos do ex-ministro Antônio Palocci e da marqueteira Mônica Moura ao juiz Sérgio Moro, na Operação Lava-Jato, nos quais ambos acusam Haddad de ter se beneficiado de recursos desviados da Petrobras. Também as ligações de Haddad com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi visitado todas as semanas pelo candidato petista no primeiro turno. Até o assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André, foi exumado por Bolsonaro, que aparece no vídeo como paladino da luta contra a corrupção.

O tempo é muito curto para uma mudança de curso das campanhas, o jogo já foi jogado. Agora, o que vai decidir a eleição é a vontade soberana do eleitor. Os erros cometidos na reta final da campanha vão pesar apenas na faixa de eleitores que admitem ainda mudar o voto: 6% no caso de Bolsonaro; 9% no de Haddad. Essa margem é muito estreita, sobretudo, se não houver um fato extraordinário na campanha. A artilharia dos dois candidatos, porém, não tem nenhum Exocet capaz de pôr a pique o adversário. Não há outro protagonista na eleição que possa influenciarr no processo. A carta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em apoio a Haddad, depois que a pesquisa do Ibope revelou que apenas 11% estão votando no petista por causa do apoio de Lula, serviu mais para atrapalhar do que para ajudar o candidato petista.

A diferença entre os dois candidatos está em 13 milhões de votos, num universo de 147, 3 milhões de eleitores. O próximo presidente da República governará um país dividido, que precisará ser pacificado. O Congresso terá um protagonismo grande na negociação das políticas governamentais, assim como o Supremo Tribunal Federal (STF), como poder moderador. O grande apoio de militares, policiais e agentes de segurança a Bolsonaro — uma militância política armada — aumenta sua responsabilidade na reta final de campanha, para evitar incidentes. Não são em vão os apelos que faz para que seus partidários mantenham a calma e evitem confrontos.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-chegada-eletrizante/


Maurício Huertas: Votar no Bolsonaro não dá! #EleNão #EleNunca

Mas, cá entre nós, quem conhece o PT, testemunhou seus erros e malfeitos (termo que alguns preferem para atenuar a ação da bandidagem que assaltou os cofres públicos), presenciou a arrogância de seus líderes e a tentativa de monopolizar o pensamento de esquerda (que acabou enxovalhando todo o campo democrático), não tem como, em sã consciência, votar no PT outra vez.

Será que é de um lado só que está a semente do autoritarismo? Fake news, bravatas, ameaças à independência dos três poderes, ataques a juízes e instituições, defesa de corruptos, demagogia, hipocrisia, ideias para controlar e censurar a imprensa, fanatismo, violência, ódio, intolerância?

Vamos fechar os olhos agora para os erros do PT? Vamos eleger um presidente petista para endossar tudo o que vocês praticaram e pregaram nos últimos anos, como se estivesse tudo bem no Brasil?

Então, como apelar para o bom senso, a moral e a ética, ou mesmo para um espírito democrático ou os princípios republicanos e votar no Haddad? Impossível!

Curioso é como o PT ataca os eleitores de Bolsonaro, como se a maioria dos brasileiros que vota no adversário petista neste 2º turno fosse um bando de fascistas ou ignorantes. Ora, fiéis do lulismo do meu Brasil, o eleitorado que hoje vota neste candidato boçal da direita mais chucra é o mesmo que elegeu Lula presidente duas vezes e Dilma outras duas.

Mudou o eleitor ou mudou o PT, traindo a confiança e a esperança que os brasileiros depositaram quatro vezes na urna, democraticamente? A ausência dessa autocrítica é que estimula muito democrata, de saco cheio do PT e igualmente avesso ao salto no escuro com Bolsonaro, a optar pelo voto nulo neste 28 de outubro.

Portanto, não busquem fora a culpa pela derrota. Assumam seus erros e responsabilidades. E, por favor, dessa vez aprendam alguma coisa (Ah, detalhe: ouçam mais o Mano Brown, meus caros petistas. Em dois minutos, ele falou na cara o que vocês não ouviram em 20 anos). PT, saudações.

#NemUmNemOutro #VotoNulo #ElesNão

Assista: https://youtu.be/l_6qaiK19LA

Leia: http://23pps.blogspot.com/2018/10/em-dois-minutos-mano-brown-resume-20.html

 

 


Bernardo Mello Franco: Mano Brown pôs o dedo na ferida do PT

Em ato pró-Haddad, o líder dos Racionais disse que o petismo ‘deixou de entender o povão’. O rapper cresceu no Capão Redondo, que já abandonou a sigla na eleição de 2016

Num palanque com Chico e Caetano, o centro das atenções foi Mano Brown. O rapper fez o discurso mais forte do ato dos artistas com Fernando Haddad. A fala surpreendeu o candidato e a plateia, que encheu a Lapa na noite de terça-feira.

O líder dos Racionais começou reclamando do clima de festa. “Não tá tendo motivo pra comemorar”, disse. Na contramão dos petistas que prometiam uma “virada”, ele admitiu que não acreditava em vitória no domingo. “Não estou pessimista. Sou realista”, justificou.

Brown criticou quem estigmatiza os eleitores de Jair Bolsonaro, que recebeu 46 milhões de votos no primeiro turno. “Não consigo acreditar que pessoas que me tratavam com tanto carinho se transformaram em monstros”, disse. Ele também detonou a comunicação da campanha do PT. “Se não tá conseguindo falar a língua do povo, vai perder mesmo”, sentenciou.

A militância começou a vaiar, mas o rapper não se intimidou. “Não vim aqui pra ganhar voto, porque eu acho que já tá decidido”, disse. Enquanto os políticos tentavam disfarçar o constrangimento, ele concluiu: “Deixou de entender o povão, já era. Se nós somos o Partido dos Trabalhadores, o partido do povo tem que entender o que o povo quer. Se não sabe, volta pra base e procura saber”.

O rapper cresceu no Capão Redondo, um dos bairros mais violentos de São Paulo. A região já foi reduto eleitoral do PT. Em 2016, abandonou a sigla e ajudou a eleger o tucano João Doria. No último dia 7, deu 36,6% dos votos para Bolsonaro e apenas 28,4% para Haddad.

Se quiser sobreviver, o petismo terá que seguir a receita de Brown. No ano passado, a Fundação Perseu Abramo fez uma pesquisa em busca de respostas. O estudo afirma que o eleitor da periferia “passou a se identificar mais com a ideologia liberal”. Comprou a ideia de que o Estado atrapalha e abraçou o discurso que prega a meritocracia e a redução dos impostos.

Na disputa presidencial, estas bandeiras foram empunhadas pelo candidato do PSL. Ontem Haddad deu razão ao rapper e começou a reconhecer o problema. “A periferia das grandes cidades não votou conosco no primeiro turno. Nós temos que reconectar com este povo”, disse.


Míriam Leitão: O kit oferecido por Bolsonaro

Cada grupo de eleitores projeta em Bolsonaro a solução para o seu problema, ainda que ele não esteja oferecendo uma proposta que indique a solução

Os eleitores de Jair Bolsonaro foram atraídos por uma das várias promessas que estão incluídas em seu apelo eleitoral. Mas cada um fez sua escolha no kit que o candidato do PSL ofereceu. Alguns acreditam que ele tem uma solução milagrosa contra a violência, como um dia houve quem apostasse que Collor mataria a inflação com um tiro. Outros acham que o conservadorismo dos costumes vai prevalecer. Há os que votam nele porque os pastores mandaram. Muitos votam com raiva da crise econômica e do desemprego. Uma grande parte dos eleitores está com ele por ser antipetista. Alguns imaginam que ele acabará com a corrupção.

Todo candidato que chega tão confortável à reta final da campanha é porque conseguiu se vender bem como produto eleitoral. Pela soma de seus acertos e dos erros dos adversários. Mas cada grupo de eleitores projeta em Bolsonaro a solução para o seu problema, ainda que ele não esteja oferecendo uma proposta concatenada que indique saber o caminho para aquele drama. A violência, por exemplo, é assunto complexo que não será resolvido com liberação de posse e porte de armas, nem com redução da maioridade penal. Ele não deu qualquer resposta para quem quer de fato saber como vai enfrentar e vencer o poder das facções criminosas, do tráfico, das milícias, da falta de integração entre as polícias, dos presídios. Para nada disso houve respostas nas entrevistas, no programa ou na mídia social. Mas, o sinal dos dedos do candidato simulando uma arma passou a ideia de que ele dará “um tiro” e tudo estará resolvido.

A corrupção vem sendo enfrentada pelas instituições que o Brasil construiu ao longo dos últimos 30 anos, as mesmas que tantos na sua campanha afrontam, como fez seu filho Eduardo contra o STF. O governo ajudou quando não interferiu na Polícia Federal. O Ministério Público e a Justiça Federal continuarão seu trabalho de investigação e punição dos casos de desvios, mesmo os que venham a acontecer num eventual governo Bolsonaro. Mas sua campanha tem o discurso mítico de que vai resolver tudo rapidamente, só por chegar lá. Não há uma proposta de transparência e controle que confirme racionalmente essa ideia. É apenas o marketing de que vai limpar tudo, como prometeu Jânio Quadros com sua vassoura, ou Collor com os seus marajás. É da natureza das campanhas eleitorais que as propostas sejam simplificadas pelo marketing, mas uma democracia já amadurecida como a do Brasil merecia ter mais do que meia dúzia de clichês sem significado concreto.

Na economia, Jair Bolsonaro promete tirar o Estado “do cangote de quem produz”. Mas até agora tudo o que falou não mostra como o governo vai reduzir impostos na atual crise fiscal. Pelo contrário, algumas ideias aumentam o rombo. O mercado financeiro começou a aderir com alguma reserva, mas agora o discurso que se ouve é consensual. Jair Bolsonaro virou o capitão dos liberais. Ele não tem qualquer track record, para usar palavras deles, de um liberal, mas quando o mercado monta uma posição, azar dos fatos. Até fora da área financeira há eleitores dizendo que votam nele porque ele é um liberal. As contradições entre o que dizem e pensam os núcleos político e econômico do candidato são conhecidas, mas aqui a crença de poderes mágicos é transferida para o economista Paulo Guedes.

Há também os que se identificam com as declarações do candidato que reforçam os preconceitos. Eles sempre existiram, evidentemente, do contrário não estariam mulheres e negros em condições de desigualdade. Gays em situação de fragilidade. Negros sendo as maiores vítimas de homicídio. Mulheres com problemas que vão das distorções no mercado de trabalho ao feminicídio. Bolsonaro diz agora que acabará com o “coitadismo” desses grupos. Nunca deve ter olhado uma estatística das desigualdades brasileiras.

O que ocorre é que muitos eleitores explicam seu voto não pelo kit Bolsonaro inteiro. Um diz que é porque está desempregado, o outro, revoltado com a corrupção, ou é contra o PT, outro porque acha que ele representa os valores da família, há os que acreditam que os impostos vão cair ou que ele é um liberal. E assim vão para as urnas com partes do seu candidato.


Merval Pereira: Tiros no pé

Não faz sentido para um político que busca a Presidência da República pelo voto direto defender a ditadura

Essa eleição é tão atípica que os disputantes do segundo turno, além de terem índices de rejeição semelhantemente altos, vivem às voltas com problemas que seus próprios aliados ou seguidores criam.

São campanhas desorganizadas, a do PT pela fragilidade das posições que foram mudando ao longo da campanha de maneira patética, até fazer desaparecer por completo a cara do ex-presidente Lula. A de Bolsonaro, por soberba, pois já se consideram dentro do Palácio do Planalto.

Os candidatos têm que se haver também com seus passados políticos, Haddad não exatamente com o seu, que é escasso, mas com o do PT. Aceitando o papel de poste de Lula, levou consigo toda a rejeição ao próprio Lula e ao PT, e não tem luz própria para compensar essas perdas.

Já Bolsonaro está sempre às voltas com suas declarações, passadas e presentes. Impossível esquecer que ele se declarou a favor da tortura, que elogiou o torturador Brilhante Ulstra, que disse que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque ela não merecia.

Não faz sentido para um político que busca a presidência da República pelo voto direto defender a ditadura militar. Assim como o PT teria que fazer o mea culpa para tentar se recolocar no cenário político, livrando-se dos erros do passado, também Bolsonaro deveria ter formalmente renegado suas palavras, para ganhar governabilidade e uma imagem externa não tão degradante quanto a que os grandes meios de comunicação internacionais divulgam.

Mas o PT não pode admitir que houve grande roubalheira sob seus auspícios porque, além de perder a narrativa política, teria que abandonar Lula à sua própria sorte. Já Bolsonaro perderia uma parte ponderável de seus apoiadores, especialmente entre os seus companheiros militares.

Por isso estão sempre às voltas com fogo amigo, com militantes sendo incentivados a atos radicais pela retórica agressiva de seus líderes. Bolsonaro continua às voltas com as frases irresponsáveis de seu filho, e com reflexos da própria linguagem desabrida.

Defender que os “vermelhos” sejam expulsos do país se não se enquadrarem às decisões da maioria não indica um presidente democrático. Nem o conceito várias vezes defendido de que as minorias têm que se submeter à maioria. Defender a extinção da Folha de S. Paulo, ou não aceitar críticas dos meios de comunicação, é incentivo a atitudes violentas de seguidores, como as ameaças que jornalistas da Folha estão sofrendo devido à reportagem, repito, inconclusiva, sobre o uso ilegal do WahtsApp.

Mesmo que tenha razão quando disse que não podia ser responsabilizado por ações de terceiros, a respeito do assassinato de um capoeirista em Salvador por discussão política, Bolsonaro tem a responsabilidade da liderança. Assim como Haddad, que criticou Bolsonaro por esquivar-se da responsabilidade, não pode ser culpado pela tentativa de assassinato contra Bolsonaro, e nem pela automutilação, segundo a Polícia Civil do Rio Grande do Sul, de uma mulher que acusou falsamente bolsonaristas de marca-la à faca em aeu corpo a suástica.

Essa fake news é apenas uma das muitas que, nos últimos dias, abalaram o discurso do PT, a mais grave a acusação de ter sido torturador, feita por Haddad ao vice de Bolsonaro, General Mourão,. Sem que Haddad se desculpasse, como pelo menos fez o cantor Geraldo Azevedo, origem da denúncia falsa.

Os tiros no próprio pé que a campanha petista sofreu nos últimos dias mostram como bateu o desespero. Primeiro foi o senador eleito e ex-governador do Ceará Cid Gomes que, chamado a falar em uma solenidade em favor de Haddad, acabou revelando todo seu constrangimento. O que seria uma homenagem, foi o estopim de um desabafo.

Entre outras coisas, disse que se o PT não fizer um mea culpa, será "bem feito perder a eleição". Ao ouvir a reação de um petista, ele emendou: "Pois tu vai perder a eleição. (...) É bem feito perder a eleição!". Quando os militantes começaram a cantar o nome de Lula, Cid não se conteve: “Lula tá preso, babaca. Tá preso”.

Já na terça-feira à noite, nos Arcos da Lapa, uma reunião de artistas com a presença de Haddad teve no rapper Mano Brown seu ponto alto, embora negativo para o PT. Na mesma linha de Cid Gomes, Mano Brown disse que se o PT "não conseguiu falar a língua do povo, tem que perder mesmo".

Depois de criticar o ambiente festivo, advertiu o rapper: "Tá tendo quase 30 milhões de votos pra tirar. Não estou pessimista. Sou realista. Está perdido mesmo”.