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Gustavo Loyola: Incertezas crescentes, economia estagnada
A “solução” para a questão do orçamento federal de 2021, por meio de alteração na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), configura um atentado grave à responsabilidade fiscal. Foi criado um monstro orçamentário que abre espaço para a violação sistemática do teto de gastos estabelecido pela Emenda Constitucional 95, que tende a virar letra morta como mais uma das leis que não pegaram no Brasil. Tudo resultado de um processo orçamentário caótico, em que falharam a equipe econômica e a articulação política do governo, agravado pelo pouco compromisso do Congresso com a higidez e qualidade das contas públicas.
Há pelos menos dois problemas sérios com o orçamento aprovado para 2021. O primeiro decorre do volume extraordinariamente elevado de despesas – mais de R$ 100 bilhões – que ficam fora do teto de gastos, por estarem ligadas ao enfrentamento da pandemia (gastos com saúde e com programas como o Pronampe) e que serão cobertas por créditos extraordinários. O segundo deriva dos vetos do Executivo que foram necessários nas rubricas relativas às despesas discricionárias, com vistas a acomodar o exagerado volume de emendas introduzidas pelo Legislativo, que podem inviabilizar o funcionamento da máquina estatal e a continuidade de políticas públicas essenciais ao país.
Foi criado um monstro orçamentário que abre espaço para a violação sistemática do teto de gastos
Ambos problemas são péssimas sinalizações para o futuro. De um lado, repete-se o duvidoso expediente do qual abusou o governo Dilma, quando deixava de fora da meta do resultado primário certas despesas associadas a investimentos do setor público. Tal como ocorreu no governo petista, deixar de contabilizar gastos na meta fiscal não tem o condão de reduzir as necessidades de financiamento do setor público. Artifícios contábeis apenas contribuem para a diminuição da transparência das contas do governo. De outro, o corte irrealista, por meio de veto presidencial, de despesas discricionárias, assim como a necessidade de contingenciamento orçamentário, antecipa uma piora ainda maior na qualidade dos gastos, como já o demonstram o novo adiamento do Censo, que deveria ter ocorrido no ano passado, e a míngua de recursos para as atividades de preservação do meio ambiente.
Mas há outros prejuízos e incertezas trazidos pela caótica tramitação orçamentária. A começar pela perda adicional de credibilidade na gestão do Ministério da Economia e na capacidade do ministro Guedes de influenciar as decisões relevantes do governo Bolsonaro com impactos sobre temas econômicos.
A influência deletéria de alguns setores do governo sobre o relator do Orçamento no Congresso, com objetivo de amealhar verbas para seus ministérios à revelia da área econômica, aparentemente com o beneplácito presidencial, dá a medida da pouca força que resta ao ministro da Economia, que outrora foi rotulado pelo próprio Bolsonaro como o “posto Ipiranga” do seu governo. Este tipo de episódio leva de maneira inevitável os agentes econômicos a anteciparem dificuldades futuras para a política econômica, notadamente na área fiscal, sujeita a pressões de toda sorte, vindas de dentro do próprio Executivo, mas também do Congresso Nacional.
Por outro lado, iniciativas ventiladas pelo ministério da Economia na busca de uma solução para o impasse orçamentário, principalmente o da emenda “fura teto”, desgastaram ainda mais a imagem da atual gestão econômica junto ao mercado e aos formadores de opinião, afetando negativamente as expectativas e a própria precificação do prêmio de risco soberano.
Ao quadro adverso no campo fiscal somam-se outras incertezas associadas ao ambiente político e ao desempenho da atividade econômica nos próximos meses. A “solução” trazida para o imbróglio do orçamento revelou a força política do Legislativo, com destaque para o Centrão, sempre ávido por cargos e recursos públicos. O início dos trabalhos da CPI da Covid no Senado – na qual o governo não dispõe de maioria – antecipa momentos políticos difíceis para Bolsonaro, que podem ter reflexos sobre as expectativas e sobre o desempenho do governo em áreas relevantes para a economia. Ademais, a reconquistada elegibilidade de Lula pôs no horizonte o risco de uma eleição plebiscitária no ano que vem entre dois extremos que podem igualmente serem danosos para o país.
Além disso, a situação da pandemia continua bastante grave, em que pese a redução recente no número de infectados e de óbitos. Tal redução, afirmam os especialistas, decorreu em grande parte das medidas restritivas adotadas em boa hora pelos governos locais, mas que cobram seu preço em termos da atividade econômica. Sem a aceleração da vacinação, corre-se o risco de ficarmos presos na armadilha do “abre-e-fecha” até pelo menos o final do ano, com consideráveis impactos negativos sobre a economia. O recrudescimento da pandemia na Índia ameaça-nos não apenas com novas cepas do coronavírus, como também com o risco de falta de insumos para a produção de imunizantes necessários à manutenção de um ritmo mínimo de vacinação no Brasil.
Assim, o cenário de incertezas crescentes e de economia estagnada vai se tornando o mais provável para o biênio 2021-2022, após a forte recessão do ano passado e o desempenho anêmico nos anos anteriores. Com isso, torna-se, infelizmente, pouco provável a recuperação do emprego e a melhora dos indicadores sociais nos horizontes de curto e médio prazo.
*Gustavo Loyola é doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central e sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo
Fonte:
Valor Econômico
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/incertezas-crescentes-economia-estagnada.ghtml
Gustavo Loyola: O ano que não quer acabar
A extensão da renda emergencial não substitui o enfrentamento sério da crise sanitária
A economia brasileira deve se manter praticamente estagnada no primeiro trimestre do ano. Infelizmente, as expectativas de uma recuperação mais rápida e forte da atividade estão se frustrando, em razão principalmente dos sérios equívocos nas políticas de enfrentamento da pandemia da covid-19. A realidade dá uma dura lição a um país onde o presidente da República e parte de sua elite dirigente acreditaram (e, pasmem, acreditam ainda) que o caminho mais rápido para evitar a recessão econômica seria ignorar as medidas de distanciamento social e encorajar o fim das restrições de mobilidade adotada pela maioria dos governos locais.
O agravamento, a partir do final do ano passado, da disseminação da doença e do aumento do número de hospitalizações e óbitos, ao lado do aparecimento de novas cepas de vírus mais transmissíveis, não apenas está levando ao retorno a fases mais estritas de distanciamento social, mas também tem impactado as expectativas dos agentes econômicos, indivíduos e empresas, minando a confiança, com efeitos negativos sobre as decisões de investimento e consumo, vitais para a sustentação da retomada da atividade econômica. Tais incertezas são mais ainda amplificadas pela percepção de que nem sequer há, no curtíssimo prazo, disponibilidade suficiente de vacinas para o Brasil imunizar os grupos populacionais prioritários.
Não bastasse tudo isso, a nova fase de agravamento da pandemia coincide com o término da maioria dos programas governamentais de estímulo que, no ano passado, atenuaram de maneira relevante os efeitos negativos da pandemia, em particular o auxílio emergencial que evitou consequências sociais mais desastrosas sobre as populações mais vulneráveis.
Estivessem as contas públicas brasileiras numa situação fiscal confortável, e houvesse margem de manobra para corte de despesas menos prioritárias, não haveria muita discussão a respeito da necessidade de extensão dos estímulos fiscais no mínimo por mais um semestre. Países como os Estados Unidos estão agindo dessa forma. Contudo, como fazê-lo aqui, onde, em consequência do enfrentamento da pandemia no ano passado, a dívida pública saiu de 75,8% do PIB para 90,7% do PIB e o déficit primário esperado para 2021 é de cerca de 2% do PIB?
O descolamento da moeda brasileira - excessivamente depreciada em relação ao dólar no contexto do enfraquecimento global da moeda americana e de alta do preço das commodities - é consequência direta da percepção do risco fiscal numa conjuntura que requer expansão do gasto para lidar com a pandemia sem que haja espaço nas contas públicas para tanto.
Uma decisão de simplesmente prorrogar o auxílio emergencial e outras medidas de estímulo tenderia a piorar ainda mais essa percepção negativa, agravando os problemas para a economia, como, por exemplo, a aceleração da inflação que resultaria da queda ainda maior do valor do real, pela piora do risco-país. O aumento da inflação, como vimos o ano passado, prejudicaria mais fortemente as camadas mais pobres da população, agravando um cenário que já lhes é extremamente desfavorável com a pandemia.
Por outro lado, o Banco Central já cogita iniciar o ajuste para cima da taxa referencial de juros, retirando ao menos parte do estímulo monetário que pratica desde o início da pandemia da covid -19 no ano passado. A ata da última reunião do Copom deixa claro que alguns diretores da instituição consideram que o grau de estímulo ora em vigor não é desejável, até porque as projeções de inflação se elevaram nas últimas semanas e se aproximam do centro da meta. Embora compatível com o regime de metas, o movimento de alta dos juros pelo BC, em meio a pandemia e simultaneamente à retirada dos estímulos fiscais tenderia a tirar ainda mais fôlego da economia.
Desse modo, o caminho sensato a percorrer é o de trocar a elevação emergencial e temporária da despesa pública - em razão da persistência dos efeitos da pandemia - por reformas que ajudem a ancorar as finanças públicas no médio e longo prazo, evitando que a dívida pública entre numa trajetória insustentável. Em razão da carência de recursos, os estímulos devem ser focados na população mais vulnerável e mais duramente atingida pela pandemia, não podendo ter a abrangência observada em 2020. Uma solução dessa natureza poderia ao mesmo tempo contribuir para a mitigação dos efeitos da covid-19 e aumentar a confiança dos agentes econômicos, reduzindo os prêmios de risco e aliviando a pressão sobre o câmbio.
A questão é que uma negociação do gênero com o Congresso esbarra nas dificuldades da articulação política do governo, em grande parte devidas à agenda ideológica do presidente da República, mais inclinado a satisfazer seguidores radicais do que forjar consensos em prol da governabilidade.
Finalmente, é preciso não cultivar falsas ilusões. A extensão da renda emergencial e de outras medidas paliativas de estímulo econômico jamais substituirá o enfrentamento competente, sério e enérgico da crise sanitária, principalmente por meio da imunização abrangente e rápida de parcela relevante da população brasileira.
*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV. Ex-presidente do Banco Central
Gustavo Loyola: Riscos no horizonte
O fracasso na aprovação de reformas trará um quadro de turbulência econômica em 2021
A mediana das projeções para o crescimento do PIB brasileiro em 2021 está em 3,47%, segundo a pesquisa Focus divulgada pelo Banco Central na última segunda-feira. Entretanto, alguns riscos relevantes se acumulam no horizonte e podem levar tais previsões a se frustrarem, deixando a economia brasileira bem aquém de uma recuperação em “V”, após o gigantesco tombo provocado pela covid-19.
O risco mais óbvio deriva da provável queda da renda disponível das famílias, em razão do término do programa do coronavoucher, para o qual não há substituto possível em razão das limitações fiscais. Alguma mitigação parcial deste efeito pode ser viabilizada, observadas as possibilidades orçamentárias, mas somente uma recuperação mais forte da ocupação faria a massa real de renda das famílias crescer em 2021 e sustentar o aumento do consumo.
Ocorre que a dinâmica do mercado de trabalho no pós-pandemia vem sendo afetada negativamente por diversos fatores que ainda estarão presentes nos próximos meses. Há, é verdade, um processo de recuperação do emprego em curso, mas com uma velocidade inferior à que seria desejável. Além disso, a retomada ocorre de maneira heterogênea, com desempenho ainda negativo do segmento de serviços. Isso decorre não apenas do legado de estragos que a pandemia deixou sobre as empresas - muitas quebraram e outras diminuíram de tamanho - como também das incertezas ainda existentes tanto no campo da saúde quanto no da economia.
Com relação à pandemia, o agravamento da situação europeia e também nos EUA nas últimas semanas tem sido um balde de água fria sobre o otimismo que vinha se construindo aqui com a redução da taxa de infecção e de mortalidade que trazem maior relaxamento das restrições à movimentação das pessoas. Não se pode descartar a possibilidade que uma segunda onda de infecções ocorra também aqui no Brasil em alguns meses. Nesse contexto, é bem compreensível a relutância de algumas empresas em retomar plenamente a recontratação de mão-de-obra, enquanto não fique mais clara a questão da covid-19.
O ambiente de incertezas em relação à pandemia pode se dissipar caso se viabilize no curto uma vacina efetiva contra o novo coronavírus que possa ser massivamente aplicada nos próximos meses.
Contudo, há outro fator que está afetando negativamente as expectativas: a percepção sobre o estágio atual do debate público a respeito do risco fiscal, no contexto de um endividamento público fortemente magnificado pelas despesas e renúncias de receita associadas ao combate aos efeitos econômicos negativos da pandemia. Preocupa especialmente a falta de definição do governo federal sobre o que fazer diante dos desafios sérios que se apresentam no campo das finanças públicas.
O ministro Paulo Guedes, infelizmente, não tem conseguido liderar o debate do tema no seio da administração, contestado que tem sido até pelo próprio Presidente da República em questões viscerais para a manutenção da responsabilidade fiscal.
Não bastasse isso, os demais poderes da República parecem absolutamente descompromissados com o tema, como se restrição orçamentária fosse apenas uma criação ficcional de alguns economistas amalucados. A propósito, deve ser mencionado que o aumento do risco fiscal já está levando o mercado a exigir prêmio crescentes nos leilões de títulos públicos, o que é um sinal grave e incontestável da degradação das expectativas.
A questão fiscal, vale dizer, não se cinge apenas à manutenção ou não do teto constitucional de gastos. Pode até surgir um remendo qualquer que preserve o teto em 2021, mas sem um ataque mais direto às fontes endógenas do crescimento das despesas públicas e uma reforma tributária mais abrangente o ambiente de incertezas se manterá ao longo do ano que vem, derrubando o ritmo da retomada da economia. Cabe lembrar que em 2022 haverá eleições presidenciais, quando será muito mais difícil a aprovação de reformas ou medidas impopulares no Congresso Nacional. Em razão disso, é bem provável que um eventual remendo fiscal dure pouco, não sobrevivendo ao início do debate sobre o orçamento de 2022.
Assim, para restaurar a confiança dos agentes econômicos e afastar o risco de insolvência no endividamento público, o Brasil necessita de instrumentos estáveis e embutidos no nosso quadro legal que sejam compatíveis com a responsabilidade fiscal numa perspectiva de médio e de longo prazos. O fracasso na aprovação nos próximos meses de reformas que sejam conducentes à restauração do equilíbrio fiscal no futuro imediato trará um quadro de turbulência econômica em 2021, com maior volatilidade no câmbio e aumento das taxas de juros, que inviabilizará a retomada sustentável da atividade e a queda do desemprego.
*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo
Gustavo Loyola: Bancos Centrais não operam milagres
Não se pode ter a vã ilusão de que juros baixos por longo período seja a receita certa para o crescimento econômico
Em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária do Banco Central colocou a taxa Selic em seu mais baixo patamar histórico - 2% ao ano - e ao mesmo tempo, como “forward guidance”, sinalizou para a manutenção da política de estímulo monetária pelo menos até o final do ano de 2022. Contudo, por mais que as ações da autoridade monetária afetem o comportamento da demanda agregada no curto prazo, seria equivocado contar com os juros baixos como instrumento para elevar de modo sustentado a taxa de crescimento da economia brasileira nos próximos anos. Quando muito, a política monetária expansionista facilitará a recuperação cíclica da economia no pós-pandemia.
De início, deve ser registrado que ter os bancos centrais como pilares do combate aos efeitos econômicos da pandemia foi uma tendência global que abrangeu não apenas as economias maduras como também as emergentes. Não poderia ter sido diferente. A crise sanitária criou um formidável “gap” entre as receitas e despesas operacionais das empresas e provocou uma queda abrupta e substancial na renda disponível das famílias.
No curto prazo, o alívio passaria necessariamente, como de fato passou, pela expansão do crédito para os agentes econômicos de modo a lhes permitirem enfrentar a fase mais aguda da crise, quando a necessidade do distanciamento social enfraqueceu a atividade econômica de maneira substancial. Coube aos bancos centrais, nesse contexto, o papel de prover a necessária liquidez aos mercados, por meio da expansão de seus balanços, entre outras medidas.
Contudo, igualmente como tendência global, os bancos centrais não estiveram solitários na tarefa de enfrentamento da crise. A política fiscal também foi largamente utilizada, por meio de programas de transferência direta de renda para as famílias e empresas, alívio de impostos e garantias em operações de crédito. Aqui no Brasil, também não foi diferente, tendo o Tesouro Nacional praticado uma política fortemente expansionista, que deve elevar o déficit primário de 0,9% do PIB em 2019 para quase 10% do PIB em 2020, segundo projeções de mercado.
Como mencionamos numa coluna anterior, o esforço fiscal no Brasil deixou as contas públicas extremamente vulneráveis, pelo crescimento da dívida pública para quase 100% do PIB. Tal fato indica a necessidade de contenção fiscal nos próximos anos, de maneira a recuperar o equilíbrio das contas primárias e afastar o risco de insustentabilidade do endividamento público. Daí a necessidade da preservação das regras fiscais - como o teto constitucional de gastos - e simultâneo esforço de reforma em várias frentes para reduzir a rigidez orçamentária, de forma a viabilizar ao longo do próximo quinquênio a restauração da saúde no campo das finanças públicas.
As implicações do atual estado sofrível das contas públicas para a política monetária são de várias naturezas. De um lado, a necessidade da prática de uma política fiscal contracionista, ainda que gradualista, nos próximos anos, coloca sobre os ombros da política monetária o papel solitário de estimular a demanda agregada, com vistas a fechar o hiato do produto que se formou os últimos anos com as crises recessivas de 2015-2016 e 2020.
De outro, o risco associado à precariedade fiscal impõe um limite para as quedas das taxas de juros de longo prazo, tendo em vista o prêmio de risco exigido pelos credores da dívida pública. Aqui se tem a velha questão da dificuldade, ou mesmo incapacidade, de os bancos centrais afetarem os juros de longo prazo, o que cinge sua atuação à região curta da curva de juros. Portanto, a própria efetividade da política monetária é amortecida pela situação fiscal.
Ademais, no caso de o Banco Central ter que elevar a taxa de juros, em aderência ao arcabouço do regime de metas para inflação, pode ressurgir o temor da ocorrência de uma situação de dominância fiscal, como ocorreu brevemente no segundo semestre de 2015, caso paradoxal em que o aperto monetário faz piorar as expectativas inflacionárias.
Desse modo, a manutenção dos juros baixos depende da preservação da responsabilidade fiscal, além, é claro, da credibilidade do Banco Central construída nos últimos anos no bojo do regime de metas para inflação.
Porém, mesmo que as condições apontadas no parágrafo anterior prevaleçam nos próximos anos, o crescimento mais acelerado e sustentado da economia brasileira não estará assegurado. Como aponta a teoria econômica consagrada, o crescimento da produtividade é que, em ampla medida, determina a capacidade de crescimento de uma economia no longo prazo.
Obviamente, a contribuição dos bancos centrais não é desprezível nesse particular, pois cabe a eles assegurar a estabilidade da moeda que é um dos pilares essenciais para o bom funcionamento da economia. Contudo, não se pode ter a vã ilusão de que a manutenção de juros baixos pelo BC por longo período seja a receita certa para o crescimento econômico. Esse tipo de ilusão serve apenas para diminuir o apoio da sociedade à imprescindível agenda de reformas que conduza à aceleração do crescimento da produtividade no país.
Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo
Gustavo Loyola: A prioridade do emprego
Faz todo sentido reformar os programas sociais do governo e caminhar na direção de sua unificação
O IBGE divulgou recentemente a pesquisa Pnad Covid que busca monitorar as condições do mercado de trabalho após a eclosão da pandemia da covid-19. Seus resultados são muito preocupantes.
Considerando o trimestre encerrado em maio, a pesquisa indica uma redução de 7 milhões de pessoas ocupadas em relação ao mesmo período de 2019. No momento, dos 170 milhões de brasileiros em idade de trabalhar, somente 83,7 milhões (49,3%) estão ocupados, segundo estimativas da instituição. Os números mais recentes do Caged vão igualmente na mesma direção. No trimestre encerrado em maio, houve uma perda de cerca de 1,5 milhão de empregos formais.
Vale recordar que no período anterior ao surgimento da covid-19, o mercado de trabalho ainda não havia se recuperado completamente do choque recessivo de 2015-2016. Vinha apresentando alguma reação, mas de maneira lenta, até porque a economia brasileira cresceu apenas cerca de 1% ao ano no triênio 2017-2019, ainda longe de se recuperar da forte queda do PIB em 2015 e 2016. Os números do Caged indicam que, no quinquênio 2015-2019, houve a perda de 1,7 milhão de vagas formais no mercado de trabalho.
Ou seja, dois impactos de alto poder destrutivo atingiram o mercado de trabalho, no curto período de apenas seis anos. A consequência dessa catástrofe em dose dupla tem sido o aumento generalizado da pobreza, não apenas pelo desemprego em si, mas também pelo aumento da informalidade no mercado de trabalho. Foram perdidos praticamente todos os avanços que o país havia obtido na década anterior, no que tange à melhora dos indicadores de renda.
Nesse contexto, trava-se no momento uma discussão sobre a necessidade de reforçar os mecanismos de transferência de renda para as famílias mais pobres, para além das medidas emergenciais que corretamente foram adotadas como resposta aos efeitos da pandemia do novo corona vírus. A ideia de se estender uma ampla rede de proteção às famílias mais vulneráveis é obviamente meritória e necessária, mas é preciso evitar a adoção de medidas voluntaristas e desarticuladas que trazem o risco potencial de favorecer quem não deve ser favorecido e de deixar de fora quem necessita da proteção do governo, além de sobrecarregar ainda mais as já depauperadas finanças públicas, caso em que o populismo triunfaria sobre a racionalidade econômica.
O caminho para se evitar más decisões de políticas públicas em relação ao tema da erradicação da pobreza e da melhora dos indicadores sociais do país exige uma abordagem holística que envolva não apenas as características e o volume das transferências diretas de renda pelo governo às famílias mais pobres, mas também a estrutura tributária do país, a composição e qualidade da despesa pública - notadamente em educação e saúde - e a existência de políticas conducentes a um ambiente de negócios propício ao crescimento econômico e à geração de emprego e renda.
Ninguém duvida que a economia brasileira voltará a crescer após o profundo vale atingido no segundo trimestre deste ano com o fechamento compulsório da economia como resposta à pandemia. A discussão que importa é se o país conseguirá voltar a crescer de forma sustentada e suficiente para gerar empregos e provocar resultados positivos sobre a distribuição de renda, e a redução da pobreza, fato que não ocorreu no triênio que se seguiu imediatamente à crise recessiva dos anos 2015-2016.
Desse modo, mantém-se imprescindível a reforma do Estado brasileiro, em suas várias dimensões. O sistema tributário precisa ser simplificado e se tornar menos regressivo. O gasto público deve perder sua rigidez, abrindo espaço para políticas mais efetivas e focadas na oferta de serviços de qualidade à população. A intervenção estatal no domínio econômico, quando necessária, não deve significar sobrecarregar a sociedade com um emaranhado de normas e regulamentos que prejudicam a economia e induzem a comportamentos oportunistas. E assim por diante. Nesse contexto, faz todo sentido reformar os programas sociais do governo e caminhar na direção de sua unificação.
Portanto, seria um grave erro abandonar a agenda de reformas que vinha sendo discutida no Congresso antes do aparecimento da covid-19. Ao contrário, os efeitos deletérios da crise pandêmica sobre a parcela mais vulnerável da sociedade brasileira tornaram ainda mais urgente sua aprovação para que haja o rápido retorno da confiança aos agentes econômicos, favorecendo o aumento do investimento e da produção. Além disso, não se deve esquecer que as consequências do esforço fiscal requerido no combate à pandemia - que vai levar o déficit primário a se situar na vizinhança dos 10% neste ano - exigem urgência na adoção de algumas das medidas postas em discussão em 2019.
Vale alertar ainda que o grande risco com que o Brasil se defronta no momento é o de que a tragédia provocada pela pandemia sirva de pretexto para a adoção de medidas que, travestidas de programas de socorro às populações carentes, não sejam nada mais do que peças de populismo econômico, cujos malefícios a América Latina experimenta há décadas.
*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do BC do Brasil, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo
Gustavo Loyola: O mal da ignorância
Quaisquer medidas que enfraqueçam a capacidade do setor bancário de ofertar crédito prolongarão a crise econômica
A severa crise econômica e social desencadeada pela pandemia da covid-19 tem estimulado o surgimento no Congresso Nacional de propostas com medidas cujos resultados podem vir a ser muito mais desastrosos do que o próprio mal que se pretende combater. O setor bancário, em particular, tem sido especialmente visado por iniciativas legislativas que, se levadas adiante, terão efeitos extremamente nocivos na economia, tanto no curto prazo quanto no longo prazos.
Uma principais alavancas para a recuperação da economia brasileira no pós-covid terá que ser necessariamente a expansão do crédito para famílias e empresas. Desse modo, quaisquer medidas que enfraqueçam a capacidade do setor bancário de ofertar crédito terão como consequência inevitável o prolongamento da crise econômica, agravando o desemprego e a crise social.
Os bancos e por consequência o mercado de crédito têm sido vítimas costumeiras de um tripé formado pela ignorância, pelo preconceito e pelo oportunismo. No Brasil, a história demonstra que a prevalência desse tripé - notadamente em situações de crise econômica - trouxe à luz políticas públicas de péssima qualidade que apenas contribuíram para comprometer o desempenho da economia.
No capítulo da ignorância - que frequentemente é deliberada - o equívoco predominante é desconsiderar não apenas as características complexas dos mercados de crédito, mas até mesmo princípios comezinhos que não escapariam à atenção de um primeiranista de Economia. Por exemplo, é absolutamente errada a ideia de que o tabelamento dos juros de um produto de crédito, como pretendido por um projeto ora em exame no Senado Federal, possa trazer algum benefício para empresas e indivíduos necessitados de recursos.
Uma característica fundamental dos mercados de crédito é justamente o risco do credor não receber de volta os recursos emprestados. Esse risco tem que ser corretamente avaliado sob pena de a própria atividade de concessão de crédito se inviabilizar ao longo do tempo. Outro aspecto frequentemente ignorado é que o dinheiro emprestado pelos bancos não lhes pertence, mas sim aos seus depositantes. Desse modo, as instituições bancárias não podem, nem devem, sair emprestando recursos sem se preocuparem com a capacidade de pagamento dos devedores.
Os bancos são empresas altamente reguladas justamente por lidarem com recursos de terceiros e pelo risco de que sua má gestão possa trazer crises sistêmicas que paralisariam a economia e trariam elevados prejuízos para seus depositantes. Nesse sentido, os dirigentes e os acionistas controladores dos bancos estão sujeitos a ter seu patrimônio sequestrado para cobrir prejuízos que eventualmente causem aos credores dessas instituições.
O preconceito em relação aos bancos é outra fonte de ideias amalucadas em relação ao mercado de crédito. A noção de que o dinheiro é coisa do diabo está muita arraigada na cultura judaico-cristã, amplificada aqui no Brasil pelo nosso desprezo pelo lucro e pelo sucesso do outro. O preconceito em relação aos bancos (às vezes ligado a puro oportunismo) é tão enraizado que frequentemente traz à luz situações que beiram o ridículo. Como, por exemplo, a postura de alguns empresários que, no afã de se queixar publicamente dos bancos, se esquecem de que suas poupanças e as de suas empresas estão sob guarda das mesmas instituições contra as quais açulam os políticos a adotarem medidas danosas à higidez do sistema bancário.
Tendo presidido o Banco Central numa época em que o Brasil estava passando por uma séria crise bancária (1995-1997), vivenciei na pele a força desse preconceito. Muito embora o Proer tenha sido um programa muito bem-sucedido em seus propósitos de fortalecer o sistema bancário e evitar prejuízos para os depositantes, tivemos muito pouco apoio da sociedade ao programa; ao contrário, o Proer foi vilipendiado como “ajuda aos banqueiros” e os dirigentes do BC tornaram-se vítimas de diversos processos judiciais oportunistas e de caráter político.
Quanto ao oportunismo, é o que mais se vê na crise atual. Infelizmente muitos querem dela tirar algum proveito, seja político, seja econômico. O próprio ministro do Meio Ambiente patrocinou em reunião ministerial a ideia de “passar a boiada” aproveitando-se da crise. No caso dos bancos, atirar-lhes pedras sempre pode render algum dividendo eleitoral, além de serem convenientes bodes expiatórios. Deve ser lembrado à exaustão que os bancos não são responsáveis pela crise atual e, ao contrário, serão peças fundamentais para sua mitigação e superação.
No romance “A Peste”, de Albert Camus, há uma frase que pode ser muito adequada aos tempos atuais de pandemia e ignorância: “O mal que existe no mundo provém quase sempre da ignorância, e a boa vontade, se não for esclarecida, pode causar tantos danos quanto a maldade”.
*Gustavo Loyola é doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do BC do Brasil e sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada em São Paulo.
Gustavo Loyola: Falsos dilemas e perda de tempo
Os riscos de o Brasil sofrer uma tragédia em termos humanos, sociais e econômicos são grandes demais
No meio da grave pandemia da covid-19, o país se viu envolvido nas últimas semanas num debate estéril e absurdo a respeito de um falso dilema, por obra principalmente do presidente da República. A ideia de que as medidas drásticas de distanciamento social (DS) trazem maiores prejuízos para a economia do que políticas menos severas de restrição (“isolamento vertical”) é completamente falaciosa. Resulta de uma visão míope e egoísta que toma em consideração apenas os efeitos de curto prazo sobre a atividade econômica.
Sem contar com as implicações éticas derivadas da defesa de políticas que desvalorizam a vida humana, os defensores do “isolamento vertical” cometem grave erro, como amplamente mencionado em vários artigos de especialistas publicados recentemente mundo afora. Para poupar espaço, menciono aqui, de modo sucinto, apenas três dos graves equívocos da posição a favor da política de afrouxamento das medidas de DS como possível forma de abrandar os efeitos da crise sobre a economia.
O primeiro e mais grave erro é o de desconsiderar os riscos do colapso do sistema de saúde com consequências econômicas, sociais e políticas provavelmente muito mais danosas e permanentes do que a perda temporária de consumo e produção derivadas das políticas mais duras de DS. As imagens do que ocorre no norte da Itália já falam por si mesmas, porém num país com as desigualdades sociais maiores e com um gigantesco déficit habitacional, como é o caso do Brasil, é necessário ter em conta o risco de a catástrofe ser ainda maior do que se observa na velha Europa.
Outro problema é ignorar os efeitos negativos sobre as expectativas dos agentes econômicos que resultariam de meias medidas adotadas no enfrentamento da pandemia. Como uma espada de Dâmocles pendendo sobre a economia, os riscos de um agravamento do surto da covid-19 mais adiante seguirão impactando as expectativas e assim restringindo as decisões de consumo e investimento e adiando a retomada da economia.
Um terceiro problema é hipótese subjacente de que não existem, à disposição dos governos, políticas compensatórias que podem mitigar de modo relevante os custos econômicos de curto prazo trazidos pelas medidas de distanciamento social. Neste ponto, o equívoco salta ainda mais aos olhos quando se têm em conta a reação praticamente universal dos governos com o intuito de amortecer os impactos da crise sobre as economias. Neste ponto, aliás, há uma contradição gritante entre a postura desarrazoada do presidente contrária ao chamado isolamento horizontal e as ações que seu próprio governo vem adotando na esfera da economia.
Nunca é demais lembrar que o enfrentamento de uma crise do porte da covid-19 exige alto grau de coordenação entre todas as esferas de governo e uma comunicação eficiente e transparente com a sociedade. Cabe aos governantes, principalmente nas situações de crise nacional, o papel de alinhamento das expectativas da população. No campo da economia, o governo deve reduzir as incertezas que, se amplificadas, trazem consequências ainda mais danosas sobre a vida econômica.
Quanto às ações anunciadas pelo governo federal, pode-se dizer que estão na direção correta, mas sua efetividade ainda está para ser provada. Algumas dessas medidas são de fácil implementação - como por exemplo as ações do Banco Central para assegurar a liquidez no sistema financeiro - mas outras - justamente as de impacto mais imediato e direto - são de execução complexa que demanda capacidade de gestão por parte dos diversos componentes do governo. Nesse ponto é que a postura divisiva de Bolsonaro pode atrapalhar a consecução tempestiva das medidas, já prejudica a coordenação entre os vários envolvidos em sua implementação.
Vale ressaltar que o volume de recursos envolvidos nas medidas até aqui divulgadas não é pequeno, em torno dos R$ 750 bilhões, segundo o ministro Paulo Guedes. Dessas medidas, cerca de R$ 200 bilhões têm impacto fiscal direto, o que se trata de esforço razoável considerando que a situação fiscal do Brasil no pré-crise não era confortável. Exatamente por isso, é mais necessário ainda que as ações do governo sejam bem executadas, evitando-se desperdício de recursos que são escassos.
Nesse contexto, a desarticulação provocada pelas falas inoportunas e equivocadas de Bolsonaro restringem a efetividade das iniciativas de seu próprio governo. Preocupa especialmente as críticas do presidente da República aos governadores e prefeitos que aderiram massiva e corretamente às medidas de isolamento social. As características da federação brasileira e as competências concorrentes em áreas como a saúde exigem que as três esferas de governo trabalhem de modo coordenado em situações de crise como a que agora se encontra o Brasil.
Definitivamente, não é o momento para se perder tempo com debates inúteis. Os riscos de o Brasil sofrer uma tragédia em termos humanos, sociais e econômicos são grandes demais para que dirigentes políticos como Bolsonaro sigam estimulando a divisão entre aqueles que deveriam estar na frente de batalha contra a pandemia.
*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, foi presidente do BC e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo
Gustavo Loyola: De qual reforma falamos?
São evidentes os ganhos que podem ser colhidos com a adoção de um IVA nacional, com a tributação no destino
O Congresso Nacional acaba de constituir uma Comissão Mista para tratar da reforma tributária. Se praticamente unânime é a opinião de que o sistema tributário necessita urgentemente ser reformado, há, entretanto, grande divergência sobre qual deve ser o teor das mudanças, tendo em vista os múltiplos interesses particulares em jogo.
Esse problema ocorre no Brasil de maneira mais aguda, em razão da coexistência de um sem número de regimes especiais de tributação que favorecem determinadas categorias de contribuintes, sacrificando a coerência e a consistência do Sistema Tributário Nacional. Em vista disso, dependendo da dinâmica da tramitação do tema no Legislativo, pode-se criar um clima de incerteza entre os agentes econômicos, prejudicando a recuperação do investimento privado esperada para 2020.
Com relação aos objetivos prioritários da reforma tributária, há distintas percepções em jogo, não necessariamente conciliáveis entre si. Há aqueles que buscam com a reforma aumentar a progressividade da taxação, como meio de reduzir as desigualdades de renda no país. Para outros, a reforma teria como alvo principal a simplificação do sistema tributário, reduzindo os custos de compliance e aumentando a segurança jurídica para os contribuintes. Por outro lado, a eliminação ou redução da interferência da taxação sobre a alocação eficiente de recursos na economia é a prioridade para os que têm como objetivo o aumento do potencial de crescimento econômico. Há ainda aqueles que prioritariamente enxergam na reforma uma oportunidade para repensar a Federação, alterando a distribuição da receita e da administração tributárias entre a União, os Estados e os municípios.
O fato é que nenhum grupo de contribuintes quer o aumento da sua carga tributária, do mesmo modo que nenhum dos entes da Federação quer sair da reforma com uma arrecadação menor do que têm hoje. Nessas condições, a única maneira de viabilizar um consenso mínimo para a aprovação de um projeto de reforma parece repousar no convencimento dos diversos grupos de interesse e dos entes arrecadadores de que com a mesma seria possível impactar positivamente o crescimento econômico, afetando favoravelmente as receitas futuras, sem necessariamente implicar um aumento da carga tributária como proporção do PIB. Isso sugere que a questão da melhora do ambiente de negócios deveria ter centralidade no debate sobre as mudanças tributárias, precedendo quaisquer outras considerações.
Nesse contexto, levando em conta a teoria e a prática internacional, quanto mais próximo do conceito de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) nacional chegar a pretendida reforma tributária, maiores resultados devem ser esperados em termos de aumento do potencial de crescimento econômico ao longo do tempo. São evidentes os ganhos que podem ser colhidos com a adoção de um IVA nacional, com a tributação no destino. Haveria uma simplificação enorme do emaranhado normativo hoje vigente, com fortalecimento da segurança jurídica, além da obtenção de maior neutralidade do sistema tributário nas decisões dos agentes econômicos, notadamente nos investimentos.
Ademais, as exportações deixariam de ser taxadas, elevando a competitividade da produção nacional. Vale dizer ainda que a adoção de um IVA alinharia o Brasil aos melhores padrões de tributação sobre o consumo existentes no mundo.
Dentre os projetos que se encontram hoje sob exame do Congresso Nacional, a meu ver, o que melhor atende a esse objetivo é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, cujo autor é o deputado Baleia Rossi. O projeto, baseado em estudo do economista Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal, tem como principal ponto a unificação de tributos federais (PIS, Cofins e IPI), estaduais (ICMS) e municipais (ISS), mediante a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), tributo que seguiria o modelo do IVA, aplicado em muitos países.
O projeto do IBS é particularmente engenhoso, pois prevê uma transição gradual de dez anos para o novo regime e a gestão conjunta do tributo pela União, Estados e municípios. Com isso, se amortece bastante os impactos da transição e se reduz as incertezas para os agentes econômicos, aumentando a viabilidade política de sua aprovação pelo Congresso. Evidentemente, não se pode minimizar a complexidade do período de transição, mas trata-se de um investimento relativamente pequeno diante dos ganhos que podem ser colhidos com a adoção plena de um IVA.
As críticas ao projeto do IBS surgidas até aqui não o desmerecem como sendo a melhor opção para a reforma. Por exemplo, a crítica de que o novo tributo elevaria proporcionalmente as receitas dos Estados mais ricos em desfavor dos mais pobres poderia ser eliminada pela introdução de algum critério redistributivo de parte das receitas para beneficiar as regiões mais pobres do país.
De todo modo, a âncora da reforma tributária deve repousar sobre uma perspectiva de ganhos longo prazo, em que é possível a todos os agentes econômicos se beneficiarem dela. No curto prazo, porém, é inevitável haver perdedores e ganhadores, o que sugere que mecanismos devem ser adotados com o intuito de mitigar os efeitos redistributivos mais imediatos.
Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, é ex-presidente do BC e Sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo
Gustavo Loyola: Perspectivas de avanços significativos
Congresso tem diante de si as chaves para abrir o caminho para superar o estigma do baixo crescimento
A agenda do Legislativo em 2020 está recheada de matérias de grande relevância para o fortalecimento institucional do Banco Central e do mercado financeiro brasileiro, com reflexos positivos sobre a percepção de risco dos investidores em relação ao nosso país. Além da própria autonomia do BC, estão na pauta das casas do Congresso a nova legislação cambial e o projeto de lei complementar que trata de resolução bancária. A aprovação de tais matérias pelo Congresso Nacional ao longo do corrente ano reforçaria em muito as perspectivas de crescimento sustentável da economia brasileira nos anos vindouros.
Como se sabe, o projeto de lei complementar da autonomia do Banco Central, encaminhado pelo presidente Bolsonaro ao Congresso em abril do ano passado, dá à instituição as condições para o exercício da política monetária ao abrigo de pressões políticas, atribuindo mandato fixo ao seu presidente e a seus diretores, ao mesmo tempo em que estabelece os mecanismos de “accountability” indispensáveis no regime democrático. Trata-se de um texto enxuto, bem redigido, cuja aprovação legislativa aumentará a confiança dos agentes econômicos na preservação do poder de compra da moeda e na estabilidade do sistema financeiro, atributos essenciais na tomada de decisões de investimento principalmente em horizontes mais longos.
No passado, o debate no Brasil sobre a autonomia do Banco Central foi marcado pela dificuldade de se vencer ideias preconcebidas de parte dos políticos eleitos que viam na autonomia da autoridade monetária o risco de criação de um quarto poder, que poderia atuar totalmente a revelia das instituições típicas do Estado democrático. A experiência internacional, contudo, mostra hoje que tal temor é infundado, mesmo no caso de bancos centrais que legalmente dispõem de grande raio de ação para executar a política monetária.
Por outro lado, a estabilidade monetária obtida pelo Brasil no último quarto de século, após o Plano Real, mostrou claramente à sociedade os benefícios trazidos aos cidadãos pela ausência das incertezas e outras mazelas associadas à inflação galopante que caracterizava a economia brasileira antes de 1994. A maior aversão ao risco inflacionário presente na sociedade brasileira hoje dá uma sustentação mais ampla e profunda à ideia de um banco central com autonomia para executar as políticas necessárias à preservação do poder de compra da moeda.
Outro aperfeiçoamento relevante nas regras do jogo da economia seria a aprovação pelo Poder Legislativo do projeto da nova lei cambial apresentado pelo Executivo em outubro último. Em linhas gerais, o projeto busca substituir o emaranhado de dispositivos legais que disciplinam hoje o mercado cambial - alguns deles anacrônicos e datados ainda dos tempos da grande crise de 1929 - por um conjunto de normas sistemicamente coerente e que preparam o país para a livre conversibilidade de sua moeda.
São muitos os benefícios potenciais para a economia brasileira da adoção de um novo marco legal para o mercado de câmbio. Haverá a diminuição da insegurança jurídica que hoje existe em razão do patchwork de normas que regem a matéria e a redução da burocracia para exportadores, importadores e outros participantes desse mercado. Com isso, haverá o aumento da atratividade para os investimentos estrangeiros na economia brasileira e a possibilidade de aumento das trocas comerciais com o exterior.
Algumas críticas ao projeto da nova lei cambial destacam o risco de que a moeda brasileira se torne mais volátil e sujeita a ataques especulativos. No entanto, deve ser ressaltado que o projeto tem salvaguardas suficientes que permitem a atuação do Banco Central em situações de crise, além da previsão de implantação gradual da livre conversibilidade do Real.
Uma terceira iniciativa relevante no âmbito da economia é o projeto de lei complementar que trata da resolução bancária, encaminhado em dezembro passado ao Congresso. Trata-se de um projeto que vinha sendo gestado há muito tempo no Banco Central e que passou por várias rodadas de discussão com os especialistas da área. Moderniza e consolida a legislação que trata dos regimes de resolução, ao tempo em que alinha o Brasil às recomendações do FSB (Financial Stability Board).
O projeto vem coroar uma jornada iniciada há 25 anos, antes mesmo da crise global de 2008, que dotou o Brasil de instituições e instrumentos que asseguram a estabilidade financeira e minimizam o risco de crises financeiras sistêmicas. Sua aprovação ajudará também a melhorar a percepção de risco dos agentes econômicos em relação ao Brasil, trazendo fluxos adicionais de recursos para investimento.
Por tudo isso, o ano que se inicia pode ser memorável em termos de mudanças no ambiente institucional com vistas a abrir caminho para o crescimento sustentável da economia na próxima década. A responsabilidade recai sobre o Congresso Nacional que tem diante de si as chaves que podem abrir o caminho para a superação do estigma do baixo crescimento que por décadas flagela a economia brasileira.
*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV e ex-presidente do BC