guaidó
Daigo Oliva: Juan Guaidó, o breve?
Pobre oratória escancara a falta de repertório e carisma para liderar a oposição
Em janeiro de 2017, já distante da produção literária, o escritor americano Philip Roth retomou as descrições que fazia da bestialidade humana para caçoar de Donald Trump.
Mais do que os adjetivos que os contrários ao presidente dos EUA frequentemente usam para atacá-lo, o romancista apontou, em entrevista à revista New Yorker, um outro aspecto do republicano: o vocabulário enxuto, que teria apenas “77 palavras”.
Ainda que a falta de recursos linguísticos do líder de uma nação como os EUA esteja na prateleira das bestialidades humanas, o número escolhido por Roth foi um exagero cômico.
Talvez seja possível dizer que o vocabulário de Juan Guaidó, líder oposicionista que protagoniza o noticiário sobre Venezuela há três meses, seja tão vasto quanto o de Trump.
Em seus discursos, Guaidó parece um disco riscado que gravita em torno da palavra “usurpador”. Desde que se declarou presidente interino, foram poucas as vezes em que suas falas tenham pegado na veia ou não passassem de déjà-vu.
A pobre oratória do venezuelano escancara a falta de repertório e carisma que seriam necessários para liderar a deposição de Nicolás Maduro. Entretanto, fossem só as palavras o problema de Guaidó, a vida da oposição venezuelana estaria fácil.
Tanto a investida para tirar o chavista do poder com ajuda de militares dissidentes quanto a frustrada tentativa de entrada de ajuda humanitária foram marcadas por improviso.
Por isso, emendou uma turnê por países sul-americanos que o apoiam, decidindo o itinerário a cada dia e mudando agendas a todo momento. O que sobra de ousadia falta em estratégia.
Na terça (30), outro lance surpreendente foi seguido de um deus nos acuda. Ao lado de desertores da Guarda Nacional Bolivariana, Guaidó apareceu com Leopoldo López, que até então estava em prisão domiciliar, para anunciar o apoio de militares para tirar Maduro.
A reação do regime mostrou que as deserções não atingiram altas patentes das Forças Armadas. Guaidó sumiu e só voltou a aparecer ao fim da noite, com mais uma declaração insossa nas redes. Já López não sabia se dormia na embaixada do Chile ou na da Espanha.
Mas agora López não está mais confinado em casa. Mentor do plano de lançar Guaidó à presidência da Assembleia Nacional e depois transformá-lo em “presidente interino”, ele ainda é a grande figura do partido Vontade Popular.
Tão grande que foi condenado a 14 anos de prisão, algo que não ocorreu com o colega. Seria natural que López usurpasse o protagonismo de Guaidó.
Míriam Leitão: Venezuela encurralada
Guaidó fez uma aposta arriscada e perdeu, mas é questão de tempo para que chegue ao fim o poder do ditador venezuelano
O fracasso do movimento de ontem de Juan Guaidó não muda o fato de que o governo Nicolás Maduro está no fim. Não há poder que sobreviva a uma hiperinflação de dez milhões por cento e um PIB em queda livre há cinco anos. É uma questão de tempo. Maduro tem permanecido, apesar de ter demolido a economia, porque entregou o governo aos militares e montou uma máquina de guerra com as Forças Armadas, a Guarda Nacional Bolivariana, as milícias e os coletivos. Contudo, não há saída fácil para a Venezuela.
Os líderes militares brasileiros acompanharam com atenção cada evento no país vizinho ontem, mas desde cedo se convenceram de que o silêncio da cúpula militar e as informações contraditórias não confirmavam a garantia que Guaidó dera de que as Forças Armadas tinham mudado de lado. O líder da oposição fez uma aposta alta e perdeu. No fim do dia, já se ouvia em fontes diplomáticas que ele poderia ser preso. Por contraditório que pareça, a fraqueza de Guaidó não revela força de Maduro.
O ditador venezuelano demorou a dominar os acontecimentos, teve que esperar horas pela declaração do seu próprio ministro da Defesa, Vladimir Padrino López. Teve que dar mais uma volta no ferrolho das comunicações, tirando do ar os últimos canais não oficiais. Teve que reprimir manifestantes com o absurdo de um atropelamento por blindado.
A Operação Acolhida, do governo brasileiro em Roraima, tinha sido reforçada há dois dias com o envio de 500 soldados da Força Nacional para a fronteira. Os 25 militares que pediram asilo à embaixada tiveram imediatamente seu pedido aceito. A chegada deles foi um sinal de que Guaidó estava perdendo a capacidade de continuar o jogo. Do contrário, os militares não pediriam abrigo no Brasil. Venezuelanos vêm para o Brasil às centenas, a cada ano, jogando sobre o estado de Roraima um peso que ele não pode carregar sozinho.
É difícil explicar para um brasileiro o que é a recessão prevista para este ano na Venezuela, porque nada houve dessa dimensão no Brasil em qualquer momento da nossa história. Aqui houve, em 2015 e 2016, uma queda de 7% do PIB no acumulado dos dois anos. Lá haverá um encolhimento de 25% só em 2019. Maduro assumiu em 2013. E de 2014 a 2018 o PIB teve quedas sucessivas, de 3,8%, 6,2%, 17%, 15% e, no ano passado,18%. Uma sangria como essa atinge todas as classes sociais, empobrece, adoece, provoca ondas migratórias e mata. Quando se diz que a inflação saiu de 1 milhão por cento para dez milhões por cento é uma estimativa. Mas processos vorazes como esses e dessa dimensão fogem de qualquer parâmetro de contabilidade. Há muitos anos os venezuelanos, ao comprar, pesam o dinheiro porque é impossível contar as notas.
O caminho pelo qual Hugo Chávez começou a demolição da democracia foi a de assediar e enfraquecer as instituições uma a uma, ao mesmo tempo em que transferia recursos, poderes aos militares e armava os círculos bolivarianos. A milícia começou a ser organizada dentro do Palácio Miraflores na época de Chávez. Hoje, Maduro, seu seguidor, tem um milhão e meio de milicianos armados. Mesmo quando faltou tudo para a população, não faltou equipamento militar para Exército, Marinha e Aeronáutica. Eles sustentavam, até que passaram a ser governo. Têm grande parte dos ministérios e dos governos estaduais.
Guaidó, por seu turno, tem vivido uma ficção. Ele se declarou presidente, mas pela Constituição venezuelana, artigo 233, ele teria que convocar eleições em 30 dias para confirmar seu nome. Ele jamais teve o domínio do território, portanto, presidente nunca foi. Os países que o reconhecem como chefe de governo vivem uma ficção política. Ele jamais governou, mas é o maior líder da oposição venezuelana. A partir do que aconteceu ontem, ele tem poucas opções pela frente para continuar a exercer essa liderança.
Maduro ficará até o momento em que os militares quiserem. Hoje já praticamente donos do poder, eles podem se livrar dele no momento que desejarem. A transição não será fácil num país com este grau de deterioração econômica, política e social. Não há lado bom na Venezuela. Guaidó quis personificar a intervenção direta americana nas questões do país. Maduro é uma ditador corrupto e violento, que não sobreviverá no poder.
Eliane Cantanhêde: Juan Guaidó foi o grande derrotado na Venezuela
O autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó, blefou e perdeu feio. Assim como Jânio Quadros imaginou ser carregado nos braços do povo em São Paulo, após a renúncia, em 1961, Guaidó pensou que bastaria convocar novas manifestações para o dia 1.º de Maio e puxaria uma deserção em massa nas Forças Armadas. Jânio ficou sozinho.
Guaidó demonstrou fraqueza. Assim, a crise na Venezuela vive seu pior momento, mas uma solução parece cada vez mais distante. “Vai demorar”, lamentou ontem à noite o vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, que acompanha de perto as idas e vindas venezuelanas e analisou que Guaidó “foi para o tudo ou nada”. Só restam duas alternativas: ou Maduro sai, ou os opositores são presos.
O chanceler Ernesto Araujo conversou, em Washington, justamente na segunda-feira, com o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeu, e com o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, e um dos temas foi a Venezuela. Todos sabiam que Guaidó convocaria manifestações de rua, mas o governo brasileiro jura que não sabia que o opositor se aquartelaria de véspera numa base militar, esperando um apoio das Forças Armadas que não veio.
Na avaliação de oficiais brasileiros, há um forte motivo para os militares manterem o apoio ao presidente oficial, Nicolás Maduro: eles são cúmplices, que vêm comprando as Forças Armadas ao longo dos anos, até mesmo dando mais de mil patentes de general para eles. Logo, não acreditam nas promessas de anistia, que seriam demolidas em questão de meses.
Se havia “muita expectativa” positiva diante das manifestações de ontem, como disse Ernesto Araújo nos EUA, a sensação no Palácio do Planalto e arredores era de uma grande derrota de Guaidó, que perdeu força e deixou ainda mais longe uma saída para a crise. O primeiro sintoma disso foi a manifestação do comando militar em favor de Maduro.
O próximo a fugir pode ser o próprio Guaidó, até porque a tendência do regime é endurecer ainda mais a repressão aos opositores. Resumindo: foi uma operação desastrosa. Para Hamilton Mourão, porém, ainda há um fiapo de esperança. Por quê? Porque Maduro não apareceu nem abriu a boca e porque o Exército também não foi para as ruas defender o regime. Para o vice, portanto, a situação continua “indefinida” e, por isso, pode demorar.
Folha de S. Paulo: Líderes da oposição se unem a militares dissidentes para derrubar Maduro, que reage
Operação Liberdade, de Juan Guaidó e Leopoldo López, leva a confrontos com forças de segurança leais à ditadura
Nesta quarta-feira (1º), a oposição da Venezuela convocou novos protestos contra o ditador Nicolás Maduro, no segundo dia de ações pra tentar retirá-lo do comando do país.
Na terça (30), houve confrontos em Caracas. O líder da oposição, Juan Guaidó, e o preso político Leopoldo López se dirigiram à base aérea de La Carlota e anunciaram uma ação contra Maduro, com apoio de militares dissidentes.
Em resposta, o ditador disse que as Forças Armadas do país seguem leais a ele, e convocou uma manifestação popular em apoio a seu governo.
López, que estava prisão domiciliar desde agosto de 2017, cumprindo pena de quase 14 anos por incitação à violência em protestos contra o governo, disse ter sido "liberado por militares à ordem da Constituição e do presidente Guaidó".
Os dois deixaram a base quando o local passou a ser alvo de bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela Guarda Nacional Bolivariana (GNB), alinhada ao regime Maduro.
Isso deu início a uma série de confrontos pelas ruas de Caracas entre os opositores e as forças leais a Maduro. Dezenas de pessoas ficaram feridas na ação e López acabou se refugiando com a família na embaixada do Chile em Caracas.
A situação teve repercussão internacional, com diversos líderes se manifestando a favor e contra o regime de Maduro.
O chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, acusou o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, de ser uma "peça no xadrez de [Donald] Trump".
Já Bolsonaro afirmou que é "próxima de zero" de Brasil participar de ação armada na Venezuela.
Siga os fatos mais recentes da situação na Venezuela.
William Waack: Lição americana
Toda política externa sofre quando profissionais são desprezados e vence a gritaria na internet
Para interessados em diplomacia e política externa, vale a pena ler The Back Channel, as memórias profissionais de William Burns, um dos mais importantes diplomatas americanos dos últimos 30 anos. Ele serviu a cinco presidentes e dez secretários de Estado e acompanhou todos os principais momentos que vão da vitória na Guerra Fria à concepção de mundo de Trump. É uma rica descrição da transição da diplomacia da era pré para a era pós-Twitter.
É uma obra com importantes lições para o debate atual sobre política externa brasileira, desatado pela crise da Venezuela. Burns serviu a republicanos e democratas e sua principal crítica a figuras como George W. Bush ou Barack Obama é basicamente a mesma: a de que o profissionalismo de diplomatas (e suas escolas) cedeu lugar à esfera do Twitter e ficou em segundo plano a ideia de que diplomacia serve sobretudo para comunicar, convergir e manobrar para obter vantagens futuras, especialmente por meio de alianças. Lição para o Brasil.
Burns contribui para provar que um “staff” profissional bem conduzido é capaz de identificar tendências com grande antecedência, como demonstra memorando que ele enviou a Bill Clinton, em 1992, afirmando que a vitória americana na Guerra Fria traria maior fragmentação e o mundo recuaria para nacionalismos e extremismo religioso, ou uma combinação dos dois – é uma boa descrição de parte das crises internacionais atuais. Como governantes se preparam ou reagem a contingências é outra história. Nesse sentido, Burns é duro com Obama, mas a paulada maior é na política da “America First” de Trump. “Uma sopa nojenta de unilateralismo beligerante, mercantilismo e nacionalismo bruto”, caracterizada por “posturas de força e afirmações desvinculadas de fatos”, escreve Burns. Lição para o Brasil.
O maior problema de Trump, porém, é o que Burns chama de “sabotagem ativa” contra o Departamento de Estado, ou seja, o “staff” profissional. Mais uma lição para o Brasil. Quando Lula assumiu em 2003 o Itamaraty foi subordinado à influência de um guru com ideias totalmente desvinculadas da realidade (e presas ainda ao esquerdismo infantil dos anos cinquenta) e um chanceler dedicado a vendetas contra qualquer um identificado com o “ancien regime” na casa, ou seja, que não fosse da turma dele. É muito similar ao que acontece agora, e as consequências começam a se desenhar da mesma maneira: perda de foco, ênfase no espetáculo em torno de um líder “infalível” e a confusão entre postulados ideológicos de franja do espectro político com interesse nacional de longo prazo.
A “lacração” típica do comportamento de militantes, empenhados em ganhar no grito “debates” em redes sociais, leva a afirmações do tipo “o Brasil guiou os Estados Unidos” na crise da Venezuela. A frase fica valendo como argumento para o qual não há fatos – a não ser que se despreze o fato básico de que só os americanos têm recursos para bater (com poderio militar sem rival no planeta) e para pagar (com o músculo financeiro para impor sanções ou conseguir alívio para amigos). E são eles os que batem e/ou pagam, que teriam sido conduzidos numa crise de amplas proporções internacionais por quem não consegue nem um nem outro.
A atual crise da Venezuela não foi uma “escolha” brasileira. Mas demonstra como a falta de profissionalismo na condução da política externa, ideias erradas e cumplicidade oportunista de classes empresariais (não só no episódio da molecagem diplomática que colocou a Venezuela no Mercosul) criam problemas de difícil solução. A época do Twitter, lamenta o veterano Burns, sepultou o frio racionalismo da diplomacia de contatos, informação e influência. Pior ainda quando a política externa fica a cargo de amadores arrogantes.
El País: Guaidó reaviva a pressão contra Maduro com seu regresso à Venezuela
Presidente da Assembleia Nacional enfrenta a ameaça de prisão e retorna ao país pelo aeroporto de Caracas, uma concessão de Maduro que aumenta a disputa entre os dois
A disputa política na Venezuela entra em uma nova fase. Juan Guaidó se livrou na segunda-feira da primeira ameaça de detenção e retornou ao país de modo triunfal. O presidente da Assembleia Nacional, reconhecido como presidente interino por mais de 50 Governos, voltou após desafiar Nicolás Maduro com sua saída há mais de uma semana após ser proibido pela Justiça. O fez em um voo comercial, entrando pelo aeroporto internacional de Maiquetía (Caracas), como havia anunciado, um sinal da determinação do político venezuelano e uma concessão de Maduro, já que não faz sentido pensar que poderia aterrissar e passar pelos controles de imigração sem sua aprovação.
A entrada de Guaidó por Maiquetía pode ser interpretada como um sinal de fraqueza do chavismo, submerso como nunca em uma pressão internacional após a violenta resposta dada em 23 de fevereiro na fronteira e que até essa segunda-feira continuava dividido, de acordo com vários líderes oposicionistas conhecedores dos passos de Guaidó, entre a ala mais radical, liderada por Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, e o círculo mais próximo a Maduro, entre eles os irmãos Rodríguez, Jorge e Delcy [ministro da Comunicação e vice-presidenta], partidários de se evitar uma prisão. Pelo menos, não por enquanto. Também não esclarece a incógnita de se o alto comando militar optou por não se submeter a outra tentativa de pressão que permita rachá-lo, após a deserção de mais de 700 militares nas últimas semanas.
Depois de mais de uma semana fora do país e após o fracasso na tentativa de entrada de ajuda humanitária pelos diversos pontos da fronteira, as expectativas que a liderança de Guaidó geraram enfraqueceram. De modo que também há uma boa dose de cálculo político em uma parte do comando chavista, que procura diminuir a relevância e Guaidó, à espera de seus próximos movimentos, sabendo que controlam todos os estamentos do país com exceção da Assembleia Nacional, cujas decisões, de fato, quase não têm importância. “Não iremos cair em provocações”, disse um dirigente de alto escalão. Nos primeiros momentos, o hermetismo diante do retorno de Guaidó era absoluto. Se geralmente o chavismo tende a contra-atacar os atos da oposição, nesse caso, os únicos movimentos públicos percebidos eram nas contas das redes sociais, em que se pedia à população que continuasse comemorando carnaval.
A presença de Guaidó na Venezuela submete também a oposição a sua própria encruzilhada. O fantasma de uma intervenção militar, que os setores mais radicais agitaram com força nos últimos dias, ficou, pelo menos por enquanto, diluído, enquanto o chavismo diminui a tensão ao não deter Guaidó. Entre os dirigentes mais jovens, a chamada Geração 2007, que se fortaleceu em torno da figura do presidente da Assembleia Nacional, a sensação é que o principal é evitar um cenário que permita a Maduro ganhar tempo e resistir, porque, sentem, é onde melhor se sai. Para consegui-lo, muitos deles têm certeza que não se deve voltar à situação de duas semanas atrás em que Guaidó ia de um lado para outro apresentando seus planos, como também são necessárias medidas e propostas concretas ao chavismo para se chegar a uma saída pacífica. Quais devem ser adotadas e como fazê-lo são motivos de intensos debates na oposição, um amálgama de forças e espectros ideológicos, em que os veteranos políticos começam também a tentar se aproveitar de uma situação que não esperavam no começo do ano. Um compêndio de líderes em que tem papel determinante o que permanece, por decisão do chavismo, preso: Leopoldo López, detido em 2014 e ainda em prisão domiciliar.
Para evitar qualquer problema na entrada do aeroporto de Maiquetía, Guaidó era esperado por uma dezena de embaixadores europeus, entre eles o espanhol, Jesús Silva, informa Maolis Castro. Não foi preciso. Pelo contrário, funcionários de algumas companhias aéreas se aproximaram para apoiá-lo e comemoraram seu retorno. Existiam muitas dúvidas. As imagens de Guaidó falando com a tripulação e os passageiros do voo comercial em que viajou do Panamá; sorrindo para um agente de imigração no aeroporto ao entregar seu passaporte; na sequência entrando em uma caminhonete levando a bandeira venezuelana e, depois, mostrando seu passaporte a milhares de seguidores em Caracas, estão carregadas de um simbolismo que a liderança de Guaidó precisava. Confirma, também, que o jovem político se desenvolve muito melhor dentro do país, como dizem muitos dos deputados de sua geração que o acompanham, e nem tanto fora, onde fica apagado entre tantos mandatários internacionais, como aconteceu na fronteira da Colômbia.
“O mundo irá nos respaldar, mas quem precisa avançar somos nós com a união de todos os setores, somos cidadãos poderosos”, afirmou Guaidó em sua primeira manifestação após seu retorno à Venezuela, informa Florantonia Singer. Em seu discurso, o presidente da Assembleia Nacional voltou a enviar mensagens às Forças Armadas, a quem pediu que “não fiquem de braços cruzados”. Para a oposição ao chavismo, a ruptura da cúpula militar é fundamental para conquistar seu objetivo. Guaidó faz questão que o Exército detenha os coletivos, grupos armados ligados ao chavismo, para que não ajam contra a população, como aconteceu nas localidades de fronteira em 23 de fevereiro. “Usaram sua última linha de defesa para massacrar o povo”, criticou Guaidó em referência à tentativa de levar ajuda humanitária que, admitiu, não pode “ser chamada de bem-sucedida”.
El País: Volta do líder opositor Juan Guaidó coloca a Venezuela em expectativa
Decisões do chavismo e da oposição marcam o futuro da crise após semana de "impasse" que deu oxigênio a Maduro. Pela internet, Guaidó disse que se o opositor o prender será seu último erro
Há uma semana a sensação na Venezuela é que, novamente, tudo dá voltas sobre si mesmo. Um impasse que, tudo parece indicar, irá pelos ares com o regresso de Juan Guaidó ao país nas próximas horas. O presidente da Assembleia Nacional anunciou no final do sábado sua intenção de voltar a seu país, sem esclarecer quando, mas convocou mobilizações para segunda e terça-feira, feriado pelo carnaval. A oposição acredita que a volta de Guaidó reativará o entusiasmo de seus seguidores, mas as consequências de seu retorno ainda são uma incógnita. Em uma mensagem transmitida via redes sociais, no domingo à noite, de um lugar não especificado, Guaidó disse, ao lado da mulher, que se Maduro decidir prendê-lo, seria "o último erro que cometeria".
Guaidó se encontra fora da Venezuela há mais de uma semana. Seus movimentos, decididos durante a viagem e comunicados a conta-gotas, o levaram à Colômbia para liderar a tentativa frustrada de introduzir material médico e suplementos nutricionais através da fronteira. De lá foi para o Brasil, Paraguai, Argentina e Equador, reunindo-se com os presidentes desses países da região que são os que mais o apoiaram e procurando um contrapeso ao protagonismo da Administração de Donald Trump na crise, como se deduz das conversas com uma dezena de fontes, entre deputados próximos a Guaidó, assessores, líderes políticos da oposição e o entorno do chavismo, consultadas para essa reportagem. Uma estratégia que não está isenta de riscos, já que Guaidó saiu da Venezuela apesar de ser expressamente proibido pelo Supremo Tribunal de Justiça (TSJ), controlado pelo Governo.
Nicolás Maduro e os principais dirigentes chavistas sugeriram nos últimos dias que o líder oposicionista deve ser levado à Justiça. Ninguém pediu abertamente sua prisão e fontes do alto comando chavista afirmaram nessa semana que a intenção é “evitar cair em provocações”. Com toda a probabilidade, o sucessor de Hugo Chávez tomará a decisão final no último momento após se consultar com um pequeno grupo de colaboradores.
Entre as opções na mesa existe a possibilidade de que as autoridades de imigração impeçam sua entrada na Venezuela e, em uma tentativa de menosprezá-lo, o Governo lhe condene a uma espécie de desterro à espera de que o processo que colocou em andamento esfrie. A máquina chavista pode, também, detê-lo, uma vez que tecnicamente é um fugitivo. Essa hipótese lembra o caso de Leopoldo López, principal apoiador de Guaidó e líder de seu partido, o Vontade Popular, preso em 2014. E teria repercussões internas e externas imprevisíveis, que vão da explosão de um novo ciclo de protestos ao endurecimento do cerco diplomático e uma reação mais contundente de Washington, que nunca deixou de agitar o fantasma de uma intervenção militar.
Se por fim conseguir entrar será obrigado a retomar iniciativas, a mover peças. Ou seja, após um regresso ao qual sua equipe tentará dar contornos épicos não pode se permitir outra falha. Tampouco retornar ao setor anterior a 23 de fevereiro, quando se reunia com diversas instituições e apresentava seus planos. De alguma forma, o desafio de Guaidó passa por conseguir feitos concretos que possam chegar a uma saída da crise e manter viva a esperança dos amplos setores da sociedade que apoiam sua causa.
O desafio do presidente da Assembleia Nacional para derrubar Nicolás Maduro teve um impulso inicial que fez pensar em uma mudança iminente. Quase um mês e meio após o jovem político venezuelano se declarar presidente, entretanto, a intensidade do confronto diminuiu e as fileiras da oposição temem que esse processo acabe no enésimo falso alarme. “Impasse” é uma das palavras que mais acompanham a conversa sobre a situação da Venezuela, junto com “bloqueio”, “parada” e até “retrocesso”. Depende do otimismo dos interlocutores.
O erro de cálculo mais evidente ocorreu em 23 de fevereiro. A tentativa de levar ajuda aos venezuelanos mais vulneráveis se transformou em um instrumento político para enfraquecer o chavismo. Apesar de ter a partida quase nas mãos (alguns carregamentos já se encontravam no território venezuelano) foram geradas expectativas muito altas e o chavismo foi subestimado. A maior parte da oposição estava convencida de que o custo de um cenário violento pesaria sobre eles. Ainda mais quando Diosdado Cabello, na véspera, sugeriu que estavam dispostos a deixar entrar a ajuda. “Quem quiser comer comida desidratada é problema seu”, disse.
O chavismo, entretanto, mobilizou sua artilharia, não somente as forças de segurança, para reprimir os protestos. Coletivos armados foram à fronteira e intervieram depois, após uma fase inicial liderada pela Guarda Nacional e, posteriormente, a Polícia Nacional Bolivariana. Para garantir que as ordens de Maduro seriam respeitadas e prevenir qualquer problema, o chavismo enviou em cada ponto fronteiriço uma espécie de comissário político, como foram os casos da ministra de Prisões Iris Valera e o ex-ministro e coordenador dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP) Freddy Bernal.
A violência desativou a operação, apesar da oposição aventar a possibilidade de introduzir ajudas através de passagens fronteiriças informais, ao longo das trilhas, como acontece diariamente. Ocorreram também as desordens produzidas por militantes violentos, os chamados guarimberos, cuja presença foi reconhecida pelos próprios opositores. E alguns episódios que afetaram a imagem de Guaidó, como a detenção do ex-preso político Lorent Saleh.
Após um dia marcado pelos confrontos na fronteira, Guaidó, no Twitter, afirmou que pediria à comunidade internacional que deixasse abertas “todas as opções para conseguir a libertação da Venezuela”, o que foi interpretado como um pedido de intervenção militar e ceder aos setores mais radicais da oposição e à ala dura dos Estados Unidos, os chamados falcões de Trump, liderados pelo chefe de Segurança Nacional, John Bolton. A confusão causada por suas palavras obrigou Guaidó a abrandar sua mensagem. Em seu entorno defendem que ele não queria atiçar o fogo e que fez até referência à possibilidade de se sentar para negociar com o chavismo. Mas já era tarde. Pouco depois, um dos líderes da oposição no exílio, Julio Borges, representante de Guaidó no Grupo de Lima, afirmou que durante o encontro previsto para um dia depois exigiriam do órgão “um aumento na pressão diplomática e no uso da força contra a ditadura de Nicolás Maduro”. Nem mesmo o Governo da Colômbia, que junto com Washington é o principal apoiador da oposição no tabuleiro internacional, aceitou o desafio. O Grupo de Lima descartou essa possibilidade e somente a Administração de Donald Trump deixou todas as portas abertas.
A ideia de uma intervenção militar está em cada conversa sobre o futuro da Venezuela. No chavismo estão convencidos de que é algo mais do que uma ameaça retórica. Sentem que não pode ser descartada com Trump na Casa Branca e o que consideram uma traição golpista de uma parte da oposição. Conscientes de que não poderiam enfrentar um ataque durante muito tempo, não hesitam no momento de afirmar que tentarão resistir a um assédio até o último momento, com todas as consequências.
Diante desse contexto, a oposição caminha sobre uma linha muito fina. A maior parte dos próximos a Guaidó, deputados com capacidade de tomar decisões e assessores, refuta o uso da força para conseguir uma saída à crise. Sabem, entretanto, que deixar o chavismo sem essa ameaça diminuiria a pressão psicológica e poderia significar um retrocesso nesse processo. Mais um. De modo que a fórmula de que todas as opções estão sobre a mesa seja a mais recorrente. O risco, admitem as fontes consultadas, é que a estratégia estremeça com o sentimento de grande parte da população, do qual o setor externo pretende amealhar frutos. O cansaço e o desespero com o chavismo são tais que ela não se importaria com a forma com que pudesse ser tirado do caminho. Os setores mais radicais, com María Corina Machado na liderança e apoiados por muitos venezuelanos no exílio de Miami e Washington, deram força a essa opção.
“A intervenção já chegou”, comenta este colaborador. A intervenção, entretanto, não é, por enquanto, de caráter humanitário e militar. Como é feito, então, o cerco dos Estados Unidos? Com sanções diretas e individuais à cúpula do chavismo e alto comando militar e a oferta de incentivos (vistos, desbloqueios das contas) em troca do abandono a Maduro. Por enquanto, esse caminho se mostrou ineficaz ou, pelo menos, ineficiente. Por volta de 700 oficiais e soldados desertaram desde 23 de fevereiro. Um número que pode parecer significativo e que, entretanto, é risível diante dos números das forças armadas venezuelanas, que possuem aproximadamente 250.000 membros.
Um dos objetivos da viagem de Guaidó dessa semana era pedir aos mandatários com os quais se encontrou que adotem sanções concretas contra Maduro e seu entorno para apertar o cerco. No começo também foi avaliada a possibilidade de que Guaidó viajasse à Europa, para realizar uma minireunião na qual estivessem presentes, pelo menos, a Alemanha, França e Espanha.
A União Europeia é vista pelos dois lados como um caminho para se chegar a uma saída pacífica e diplomática à crise. A oposição quer que o Grupo de Contato criado pela chefa da diplomacia europeia, Federica Mogherini, dê passos mais rápidos e concretos diante de uma eventual negociação com o chavismo. Isso permitiria ao chavismo não ceder aos Estados Unidos, mesmo que deem como certo que qualquer acordo com a oposição deve ter o sinal verde da Casa Branca.
Vários diplomatas destacam que, nesse ano, Maduro, que não costumava se reunir com os embaixadores europeus, se encontrou com eles duas vezes e os canais continuaram abertos com as embaixadas mais importantes apesar da maioria dos países da UE ter reconhecido Guaidó como presidente interino da Venezuela. A sensação dentro da diplomacia europeia é que o chavismo continua sendo uma caixa preta difícil de decifrar, em que não se sabe se há divisões e até debates internos que possam produzir uma ruptura. Vários participantes desses encontros lembram uma das falas de Maduro: “Eu não sou Gadafi e Saddam, mas se me matarem surgirá outro e será mais radical”.
Demétrio Magnoli: Diante do enigma venezuelano
A negação de uma estratégia desvairada não equivale à definição de uma positiva
O "Deus de Trump" invocado por Ernesto Araújo não funcionou. No 23 de fevereiro, suposto Dia D, Maduro escapou do "xeque-mate humanitário", provando que ainda mantém controle sobre a alta oficialidade. A estratégia fracassada representou uma nítida derrota para o líder opositor Juan Guaidó, mas também para Donald Trump e o presidente colombiano Iván Duque. O Brasil só não amargou completa desmoralização porque, na hora H, Bolsonaro entregou o comando ao vice, Hamilton Mourão, assinando uma demissão branca do chanceler Araújo. Há lições a extrair do episódio.
A disputa de poder na Venezuela contrapõe o Executivo (isto é, a ditadura do chavismo terminal) ao Parlamento (isto é, a maioria oposicionista oriunda das derradeiras eleições livres no país). O Parlamento conta com apoio internacional majoritário e o respaldo da maior parte do povo. Contudo, o Executivo tem as armas, pois o regime equilibra-se sobre a aliança entre o aparato político chavista e a cúpula militar. Nesse cenário, a queda de Maduro depende de uma cisão entre os componentes da aliança cívico-militar que o sustenta.
A ideia de uma intervenção militar liderada pelos EUA só passa pelos desvarios conspiratórios de correntes extremistas com as quais o neófito Araújo extravasa seus impulsos infantis. Trump não organiza retiradas americanas da Síria e do Afeganistão para se envolver numa ação isolada na América do Sul. Duque não reativará a guerra civil colombiana em nome da democracia na Venezuela. Os militares brasileiros rejeitam a perspectiva de produzir uma Síria na faixa de fronteira amazônica. O chefe do Itamaraty que clamou por um corredor de invasão a partir de Roraima é evidência dos riscos que Bolsonaro corre ao nomear acólitos do Bruxo da Virgínia a postos de responsabilidade.
No Dia D que não houve, os Estados Unidos, a Colômbia e o Parlamento venezuelano tentaram emparedar os militares entre as alternativas de usar munição real contra o povo ou romper com o Executivo. A encruzilhada, porém, não se materializou. De um lado, superestimou-se a mobilização popular na fronteira colombiana. De outro, subestimou-se a coesão das Forças Armadas, que sofreram defecções apenas periféricas. A vitória pontual de Maduro não altera a paisagem de fundo, que descortina um regime falido e fraturas estruturais na aliança de poder. Mas exige a substituição das proclamações triunfalistas por iniciativas realistas.
O Brasil perdeu o confortável papel de ator coadjuvante. Na reunião doGrupo de Lima, o chanceler de facto Mourão reorientou a diplomacia regional, afastando a sugestão de intervenção militar externa aventada por Guaidó. A negação de uma estratégia desvairada não equivale, porém, à definição de uma estratégia positiva. A ditadura venezuelana não cairá sob golpes retóricos ou a multiplicação de sanções econômicas americanas. É preciso remover as últimas esperanças da cúpula militar e, ao mesmo tempo, convencê-la de que não sofrerá a vingança de um futuro governo democrático.
As chaves do enigma encontram-se na Rússia e na China. As duas potências devem ser persuadidas a abandonar o esquife do regime chavista, ajudando a negociar um pacto de transição com os chefes militares. Sem o pulmão financeiro providenciado por elas, a ditadura seria asfixiada. E, com a garantia delas, os comandos das Forças Armadas venezuelanas dariam crédito à promessa de anistia formulada pelo Parlamento.
Não é missão impossível. Putin carece de meios para projetar poder na América do Sul. O governo chinês não trocará suas relações com os principais países sul-americanos pela proteção a um regime sem amanhã. Contudo, para realizá-la, o "Deus de Trump" precisa sair de cena. Se pretende exercer liderança na crise regional, Bolsonaro deve ter a coragem de apagar as luzes do quarto das crianças. Afinal, já passa da meia-noite.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
El País: Bolsonaro dá a Guaidó apoio político com uma recepção informal em Brasília
Bolsonaro: “Não regularemos esforços dentro da legalidade para reinstaurar a democracia na Venezuela”
O venezuelano Juan Guaidó chegou ao Brasil em um avião das Forças Aéreas colombianas, mas dormiu em um hotel. Esta “visita pessoal” a Jair Bolsonaro — assim foi oficialmente definida — só foi incluída em cima da hora na agenda do presidente, mas depois ambos falaram à imprensa lado a lado no Palácio do Planalto. O Brasil procura o equilíbrio entre dar apoio político a quem reconhece como presidente interino e legítimo da Venezuela, mas sem lhe conceder honras de chefe de Estado. “Não regularemos esforços dentro da legalidade e de nossa tradição para reinstaurar a democracia na Venezuela”, declarou Bolsonaro junto ao venezuelano.
Guaidó insistiu em exigir “eleições livres e o fim da usurpação do poder” por Nicolás Maduro e a cúpula chavista. “Para resgatar a indústria, é preciso resgatar a democracia, os direitos humanos e o estado de direito”, insistiu, antes de criticar “o falso dilema entre guerra e paz. Todos queremos a paz”. Embora os Estados Unidos, o principal respaldo a Guaidó ao lado da Colômbia e do Brasil, insistam em que “todas as opções estão sobre a mesa” para lidar com a crise venezuelana — como reiterou Washington durante anos a respeito do Irã e seu programa nuclear —, o Grupo de Lima descartou expressamente o uso da força em sua última reunião.
O venezuelano reiterou que retornará à Venezuela “nos próximos dias”, sem dar detalhes. Na sexta-feira viaja ao Paraguai com a esperança de manter o fôlego da sua aposta em derrubar Maduro.
Guaidó também se reuniu em Brasília com os embaixadores de 25 dos países da União Europeia antes de visitar Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo. Insistiu aos diplomatas da UE sobre a necessidade de uma saída pacífica, uma solução pactuada e, em curto prazo, a formação de um novo conselho eleitoral que organize eleições, conforme informaram fontes diplomáticas europeias. Bolsonaro por sua vez disse esperar “não só eleições, mas eleições livres e confiáveis”.
As constantes mudanças na agenda da breve visita de Guaidó — a coletiva originalmente seria no Itamaraty, um cenário menos graduado — refletem as tensões dentro do próprio Governo brasileiro sobre como lidar com sua figura e, em geral, com a crise do país vizinho. O vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro Araújo encarnam esses dois lados. Mourão, um general da reserva que foi adido militar em Caracas, lidera uma abordagem mais temperada. Certamente sem recorrer à força. “Para nós, a opção militar nunca foi uma opção. O Brasil sempre apoiou as soluções pacíficas de qualquer problema que ocorra nos países vizinhos", declarou ele na segunda-feira em Bogotá depois da reunião do Grupo de Lima. O vice-presidente sempre defendeu que o líder chavista Nicolás Maduro deveria ir para o exílio. Já Araújo é um trumpista mais partidário do alinhamento com os Estados Unidos para restaurar a democracia na Venezuela, com a qual o Brasil compartilha 2.100 quilômetros de uma fronteira que está fechada há seis dias.
A posse de Bolsonaro representou uma mudança muito profunda na relação com a Venezuela chavista, e ele não desperdiçou a chance de recordar isso com críticas a seus antecessores. “Faço aqui um mea culpa de que dois ex-presidentes do Brasil foram em parte responsáveis pelo que está acontecendo na Venezuela hoje em dia”, disse em referência a Luiz Inácio Lula da Silva, preso por corrupção, e Dilma Rousseff, ambos do Partido dos Trabalhadores. “Essa esquerda gosta tanto dos pobres que acabou multiplicando-os e os nivelou por abaixo”, disse, adotando a linguagem que mais agrada aos seus seguidores.
Visita a Israel depois de Chile e EUA
Com esta visita ao líder ultradireitista brasileiro, um duríssimo crítico do chavismo e de tudo o que cheire a esquerda, Guaidó pretende manter o impulso que recebeu de seus compatriotas e da comunidade internacional ao tentar introduzir alimentos e material sanitário pelas fronteiras. Mas a iniciativa foi um fracasso. Os Estados Unidos sobretudo, mas também a Colômbia e o Brasil, doaram alimentos e os levaram até as fronteiras, mas os partidários de Guaidó não foram capazes de superar o bloqueio imposto por Maduro e trazer o material para o território venezuelano. Quatro pessoas morreram alvejadas pelas forças de segurança, e em meio à tensão fronteiriça Maduro rompeu relações com a Colômbia. As 800 toneladas de ajuda continuam nos armazéns.
O presidente do Brasil terá um março muito viajante. Bolsonaro irá a Israel em uma visita oficial de 31 de março a 4 de abril, conforme relatado pelo Ministério das Relações Exteriores de Israel nesta quarta-feira. O ultradireitista vai retribuir ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu na véspera das eleições gerais israelenses a sua visita ao Brasil por ocasião da posse do Governo brasileiro. Bolsonaro, que tem um apoio muito forte dos grupos evangélicos mais pró-Israel no Brasil, foi batizado no rio Jordão em 2016. Antes, o presidente planeja ir ao Chile em sua primeira viagem oficial — para desagrado da Argentina, o destino tradicional — e aos Estados Unidos, para ser recebido por Donald Trump na Casa Branca.
O Globo: Enfraquecido, Guaidó vem pedir apoio mais contundente do Brasil
Líder opositor quer saber em primeira mão até onde governo Bolsonaro está disposto a ir na ofensiva regional contra Maduro
Por Janaína Figueiredo e Eliane Oliveira, de O Globo
BRASÍLIA — A inesperada viagem de Juan Guaidó a Brasília tem dois objetivos centrais, confirmaram ao GLOBO fontes brasileiras e venezuelanas: encontrar-se com o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e mostrar que ainda conta com respaldo firme do governo brasileiro, e saber em primeira mão até onde o Brasil está disposto a chegar na ofensiva regional contra Nicolás Maduro.
Na reunião do Grupo de Lima de segunda-feira passada, em Bogotá, o bloco e o Brasil especialmente descartaram a possibilidade de uma intervenção militar na Venezuela. Isso deixou os Estados Unidos sozinhos ao lado de Guaidó, caso esse seja o cenário em algum momento em curto e médio prazo. Para colaboradores do presidente da Assembleia Nacional, autoproclamado presidente interino da Venezuela desde 23 de janeiro, "a atitude do Brasil decepcionou e surpreendeu".
— Nós estamos pensando, eventualmente, numa cooperação internacional. Não falamos mais em intervenção, porque Guaidó é um presidente legítimo e pode ter acordos de cooperação, inclusive na área militar. Se for só com os EUA será assim. Queremos saber a real situação — assegurou uma fonte venezuelana.
Em Brasília, a visão é diferente. Fontes que presenciaram o encontro em Bogotá asseguraram que "o Brasil está fazendo a sua parte desde o início, não pode ser acusado de ter falhado". Em conversas internas, funcionários do governo Bolsonaro apontam que "Maduro ainda tem a força bruta e Guaidó, o poder moral". Quando são perguntados sobre a possibilidade de uma intervenção militar internacional, respondem enfaticamente que "essa consulta já se tornou cansativa, o Brasil e o Grupo de Lima já deixaram clara sua posição".
Embora tenha garantido que retornará a Caracas, mesmo sob risco de prisão, Guaidó decidiu vir a Brasília para entender melhor a posição brasileira. Sua expectativa na Colômbia "era outra". Pela manhã, o líder opositor, que chegou a Brasília com uma pequena delegação de deputados e com sua mulher, Fabiana Rosales, tem uma agenda privada que não foi revelada. Especulam-se reuniões em embaixadas, entre elas a dos EUA.
A visita foi organizada por sua "embaixadora" em Brasília, professora Maria Teresa Belandria, junto com altas autoridades do governo Bolsonaro, confirmaram fontes brasileiras. Um dos envolvidos na elaboração da agenda de Guaidó teria sido Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional. Itamaraty e Planalto têm trabalhado juntos na questão Venezuela. Inclusive, a participação em Bogotá do vice-presidente, Hamilton Mourão (ex-adido militar em Caracas), foi elogiada pela área diplomática.
Outras fontes brasileiras indicaram que houve um recuo na posição do presidente Bolsonaro no que diz respeito à Venezuela, entre outros motivos, pelas críticas que o chefe de Estado e seu governo receberam de congressistas da base aliada. Circularam nos últimos dias vídeos nos quais o governo é acusado praticamente de ter se tornado uma marionete dos Estados Unidos. Esses questionamentos, enfatizou a fonte, incomodaram Bolsonaro e outros, como o ministro Heleno, e teriam pesado na análise que o governo vem fazendo da crise venezuelana e levado à adoção de uma posiçãp mais cautelosa.
Os próximos passos de Guaidó ainda são uma incógnita. Fala-se em eventual encontro com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ou até mesmo num retorno a Venezuela após a visita ao Brasil.
Hélio Schwartsman: Dia D fracassa na Venezuela
Plano não era ruim, mas deixa agora maioria dos atores numa situação difícil
Fracassou a tentativa do Ocidente de atiçar uma mudança de regime na Venezuela. O plano até que não era ruim. Só o que segura Nicolás Maduro no poder é o apoio dos militares. Se a oposição, liderada por Juan Guaidó, tivesse conseguido fazer com que soldados deixassem de reprimir venezuelanos em busca de alimentos e remédios nas fronteiras com a Colômbia e o Brasil, poderia ter desencadeado um movimento de deserção em massa que acabaria por derrubar o governo. Mas isso, até o momento em que escrevo, não aconteceu.
A não materialização desse cenário deixa a maioria dos atores numa situação difícil. Maduro sobreviveu à investida, mas está ainda mais isolado do que há um mês, quando Guaidó se declarou presidente. Os militares que apoiam o regime perderam a chance de bandear-se com a promessa de anistia e num contexto preparado para reduzir a probabilidade de uma transição violenta. Não se sabe se terão outra oportunidade dessas.
Guaidó viu seu plano fracassar. O Dia D não definiu nada, e o impasse deve agora prolongar-se. Os mais de 50 países ocidentais que reconheceram o jovem parlamentar como presidente legítimo veem-se agora na delicada posição de apoiar um dirigente que não tem controle do país. Pior, o fracasso pode levar Donald Trump e outros incautos a flertar com uma intervenção militar, o que seria desastroso para a Venezuela e para toda a região.
Quem mais perde, como sempre, é a população venezuelana. Não há a menor perspectiva de futuro com o governo bolivariano. Acho que nem o próprio Maduro acredita que ele pode presidir a um processo de recuperação econômica. Só em 2018, o PIB experimentou uma retração de 18%, e a inflação se encaminha para a impressionante marca de 10.000.000%. Falta tudo no país, de comida a liberdade. Ficar com Maduro é condenar-se ao inferno, mas cabe aos venezuelanos encontrar a forma de livrar-se do ditador.
Míriam Leitão: A estreita via da saída pacífica
Ação militar é o pior caminho para a crise da Venezuela e o grande desafio é ser efetivo pelos canais diplomáticos
A ofensiva do fim de semana dos países que apoiam o líder Juan Guaidó de entregar alimentos e remédios fracassou nas duas fronteiras. Isso deixa à região unicamente a via diplomática como saída para a crise na Venezuela. Apesar de Guaidó ter dito que todas as opções têm que estar em cima da mesa — mesma frase do vice-presidente americano, Mike Pence — o pior que pode acontecer é a alternativa de uma escalada militar na região. Isso, felizmente, é o pensamento também da cúpula militar brasileira.
O problema é quem pode ser o mediador de alguma saída que levasse, por exemplo, a novas eleições com o controle internacional. A União Europeia e o Uruguai conservaram sua capacidade de diálogo, mas o Brasil já a perdeu há muito tempo. Apesar de ser o maior país da América do Sul, o Brasil, na época do governo petista, assumiu completamente o lado chavista e perdeu a confiança da oposição; agora, assumiu integralmente o lado de Guaidó e portanto não tem canais com os governistas. As notas do Itamaraty do atual governo esqueceram qualquer estilo diplomático. Mais parecem panfletos. Felizmente, o serviço consular lá nas cidades próximas da fronteira tem funcionado.
O governo Maduro é condenável por inúmeros motivos e comete, há muito tempo, os maiores desatinos. Minou a democracia e demoliu a economia. Mas demonstrou ter o controle do território neste fim de semana. O governo perdeu o apoio popular que já teve no passado e se mantém no controle porque ao longo dos últimos 20 anos o chavismo foi construindo camadas sucessivas do aparelho de segurança. Além das Forças Armadas, da Polícia e da Guarda Nacional, o chavismo criou um exército paralelo através das milícias bolivarianas e dos coletivos. Muitos desses grupos paramilitares estão envolvidos em tráfico de drogas e outros crimes. Os brasileiros que estavam no Monte Roraima viram na cidade de Santa Elena de Uiarén pessoas encapuzadas e com facão em seu caminho até o território brasileiro. Eram provavelmente integrantes de uma dessas duas forças. O papel do vice-cônsul Ewerton Oliveira foi fundamental para garantir a vinda dos brasileiros.
O presidente Nicolás Maduro fez uma bravata quando disse que poderia comprar todo o suprimento que o Brasil queira vender. O comércio entre os dois países encolheu dramaticamente por incapacidade de pagamento por parte da Venezuela.
Em 2013, os dois países tiveram uma corrente de comércio de US$ 6 bilhões. No ano passado, a soma das exportações e importações foi de apenas US$ 740 milhões. Com a hiperinflação e a escassez de dólares, os venezuelanos perderam capacidade de comprar produtos do Brasil, ao mesmo tempo em que se isolaram economicamente na região. As exportações brasileiras para a Venezuela caíram de US$ 5 bilhões para US$ 570 milhões nesse período.
A produção de petróleo também está em queda livre. Isso é reflexo do sucateamento da PDVSA, a estatal que explora petróleo no país, e do afastamento de empresas estrangeiras, como a própria Petrobras. A Venezuela tem a maior reserva do mundo, 302 bilhões de barris comprovados, mais do que os 266 bilhões da Arábia Saudita. Em janeiro, produziu apenas 1,1 milhão de barris/dia, um terço do que já produziu, enquanto a Arábia Saudita produz 10 milhões de barris.
Ironicamente, os EUA são o principal destino do óleo venezuelano, e os venezuelanos são o terceiro país do qual os EUA mais importam, atrás apenas do Canadá e da Arábia Saudita. Trump tem ameaçado acabar com as importações, e de fato elas caíram 50% na primeira quinzena de fevereiro, sobre o mesmo período de 2018. A Venezuela é dependente dos dólares americanos, e apesar da crise os EUA continuam importando do país.
Existe caminho para continuar o cerco diplomático e o isolamento financeiro e comercial do governo de Maduro. O que não pode ser sequer pensado é a alternativa de uma ação militar americana. Ontem, o vice-presidente, Hamilton Mourão, descartou a possibilidade de tropas estrangeiras em território brasileiro e lembrou que isso dependeria de autorização do Congresso Nacional. Seria um óbvio risco para o Brasil ser um dos caminhos para esta ação militar contra o país vizinho. Há também o perigo de Maduro aumentar a coesão das Forças Armadas em torno do seu governo com o argumento do inimigo externo. Este é um momento de extrema delicadeza. E todo o bom senso é necessário.