governo
Luiz Carlos Azedo: Einsten explica
A única relação mecânica entre os resultados das eleições de hoje e as próximas é a seguinte: a campanha eleitoral de 2022 já começou
A teoria da relatividade de Alberto Einstein revolucionou o século passado, estando mais ostensivamente presente no nosso cotidiano do que outra de suas descobertas, o efeito fotoelétrico, que possibilitou o desenvolvimento da bomba atômica, aplicação que nunca passou por sua cabeça. Einstein sempre foi um pacifista. Empregada duas vezes, pelos Estados Unidos, em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, a bomba continua sendo um espectro da política mundial. A Coreia do Norte e Israel, por exemplo, sociedades militarizadas, são temidos porque têm a bomba.
No Brasil, durante o regime militar, a Marinha e a Aeronáutica desenvolveram secretamente um programa nuclear paralelo, cujo objetivo era dominar a tecnologia e produzir uma bomba atômica. Cerca de 700 militares e técnicos civis foram enviados pelo governo para estudar na França, na Inglaterra, na Alemanha e nos Estados Unidos, em 1979, o que resultou na formação de 55 doutores, 396 mestres e 252 especialistas em segurança de reatores, materiais nucleares, ampliação de técnicas nucleares, infra-estrutura de pesquisa e desenvolvimento, além de recursos humanos.
O presidente José Sarney, quando assumiu o poder, mandou encerrar o programa. Já havia até um buraco de grande profundidade na Serra do Cachimbo, construído pela Aeronáutica, para testar a bomba. Após o Brasil assinar o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, restou do projeto o programa do submarino nuclear da Marinha. Isso possibilitou uma mudança da água para o vinho nas relações com os nossos vizinhos, principalmente a Argentina. Quando o presidente Jair Bolsonaro fala em “pólvora” como fator determinante de nossa independência — e sinaliza que o Brasil será o último a reconhecer a eleição do presidente Joe Biden e somos o único país a votar com Donald Trump contra a Organização Mundial de Saúde(OMS) na Organização das Nações Unidas (ONU) —, penso com os meus botões: “Será o Benedito?” Se pudesse, com certeza, Bolsonaro voltaria no tempo.
Felizmente, a teoria da relatividade tem aplicações muito mais úteis para a sociedade. O GPS, por exemplo, utiliza mecanismos advindos da relatividade para determinar com alta precisão as posições na Terra. Os celulares dependem de 24 satélites em órbita ao redor da Terra para determinar a nossa localização. Se não fosse a relatividade, por exemplo, não seria possível a existência do Uber e do iFood, que são a salvação da lavoura para muita gente nesta pandemia. A fórmula mágica de Einsten — E(energia) = m(massa)c2(velocidade da luz elevada ao quadrado) — é necessária para calcular as distâncias e fazer correções, porque os satélites percorrem a órbita da Terra a uma velocidade de 14 mil km/h. É menor do que a velocidade da luz (cerca de 300 mil km/s), mesmo assim, a fórmula possibilita os cálculos necessários.
Eleições
O tempo também é relativo na política, tanto como num parque de diversões meia hora antes de fechar. Passa diferentemente para o avô que brinca com a netinha, o jovem apaixonado que espera a namorada e o pipoqueiro metódico, que confere o faturamento e arruma sua carrocinha. Os militares britânicos têm uma teoria interessante sobre isso: “a sombra do futuro”, uma sacada dos seus estudos de estado-maior sobre a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), uma guerra de posições. Os soldados ingleses e alemães se confraternizaram no Natal de 1914, na cidade de Ypres, na Bélgica. Mas não foi só isso, também houve cooperação tácita em outros momento ao longo dos fronts, quando se atirava no mesmo lugar já conhecido da trincheira inimiga. A “sombra de futuro” dos soldados, que queriam sobreviver e voltar à vida civil, era maior do que a dos seus generais.
A “sombra de futuro” dos que serão eleitos hoje —como os que o foram no primeiro turno — é maior do que a de deputados estaduais e federais, senadores no sexto ano de mandato e governadores, além, é claro, a do presidente Jair Bolsonaro. A única relação mecânica entre os resultados das eleições municipais e as próximas é a seguinte: a campanha eleitoral de 2022 já começou. No mais, tudo é relativo, inclusive os efeito da derrota dos aliados do presidente Jair Bolsonaro, que tem a maioria dos prefeitos eleitos na dependência de financiamentos e outros recursos federais, inclusive os dos partidos de oposição.
É possível inferir das eleições municipais algumas tendências para 2022, do tipo “a extrema-direita foi isolada”, “o centro recuperou suas posições”, “o PT está renascendo das cinzas”, “surge uma nova esquerda”, “a reeleição de Bolsonaro está em risco”, “existe menos espaço para aventureiros”. Essas tendências, porém, podem se afirmar ou não, dependendo da real situação da economia, da superação da crise sanitária com a chegada das vacinas e das entregas administrativas a partir do terceiro ano de mandato de Bolsonaro. Obviamente, o tempo — o recurso mais escasso de seu mandato — vai passar mais rápido para o governo do que para a oposição; para os eleitores descontentes, porém, será uma eternidade. Einstein explica.
Luiz Carlos Azedo: Três cidades
Em São Paulo, Bruno Covas é assediado por Boulos; no Rio de Janeiro, Eduardo Paes está praticamente eleito; em Recife, Marília e João Campos têm disputa acirrada
Muito interessante a disputa nas três principais capitais onde há segundo turno: São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. Apontam tendências políticas completamente diferentes. A única conclusão que podemos inferir em relação a 2022, com segurança, é o fato de que o presidente Jair Bolsonaro caiu do cavalo nas três cidades. Seus candidatos não emplacaram. A queda de sua popularidade em quase todo o território nacional, em razão da pandemia de coronavírus, das altas taxas de desemprego e das suas patacoadas em relação a alguns temas relevantes, como a política externa e o meio ambiente, fez com que seu apoio se tornasse irrelevante.
Em São Paulo, Bruno Covas (PSDB) mantém a liderança, mesmo caindo de 48% para 47%. Guilherme Boulos (PSol) estacionou nos 40%, segundo o DataFolha. Como o candidato de Bolsomaro, Celso Russomano (Republicanos), virou mosca morta no segundo turno, a disputa reflete uma guinada à esquerda na capital paulista. Bruno Covas é um tucano de raiz, com uma narrativa que não nega a herança familiar do ex-governador Mario Covas. É falsa a acusação de que seria um bolsonarista, sua candidatura se posiciona no campo da centro-esquerda.
O que acontece é que Boulos, candidato do PSol, está à esquerda do PT, o que está contingenciando sua candidatura. Não deixa de ser um fenômeno de implicações nacionais, pois sinaliza a quebra de hegemonia do PT e a emergência de uma nova liderança política em São Paulo com projeção para outros estados. Também é falsa a tese de que seria uma espécie de lulismo sem Lula, quando nada porque o transformismo do PT ocorreu no exercício do poder e não à margem dele. Não se pode confundir o aggiornamento de Boulos com isso.
Boulos tem ampla vantagem entre jovens de 16 a 24 anos (61% a 27%); Covas, entre quem tem 60 anos ou mais (61% a 28%). Os mais jovens, porém, pesam menos (12%) no eleitorado do que os mais velhos (23%). Entre os mais pobres, com renda familiar de até dois salários, o candidato do PSDB tem 46% das intenções de voto, ante 39% do adversário. Também lidera entre quem tem renda familiar de dois a cinco salários (48% a 38%). Boulos vence na faixa de renda de cinco a 10 salários (48% a 42%). Entre os mais ricos, com renda superior a 10 salários, Covas tem 53%, e Boulos, 42%. No total de votos válidos, Covas tem 54% e Boulos, 46%.
Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, a situação é completamente diferente da de São Paulo. O segundo turno virou uma disputa entre o centro e a direita. A novidade é o maciço apoio da esquerda ao candidato do DEM, Eduardo Paes, que passou de 54% para 55%. O prefeito Marcelo Crivella, um dos raros candidatos de Bolsonaro no segundo turno, mostra resiliência na sua base evangélica, mas avançou apenas de 21% para 23% dos votos, segundo o DataFolha. Em termos de votos válidos, Paes venceria Crivela por 70% a 30%.
A vitória de Eduardo Paes repercute no cenário nacional porque fortalece o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a ala do partido que namora a eventual candidatura a presidente da República do apresentador Luciano Huck. A disputa também aponta uma tendência de convergência de forças contra o presidente Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2022.
A segmentação da pesquisa também mostra uma derrota profunda do projeto político da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, de quem Crivella é sobrinho. Sua narrativa conservadora em relação aos costumes esbarrou na vida mundana dos cariocas. O aparelhamento da administração da cidade pelos pastores evangélicos também se revelou um fracasso político.
Não é à toa que Paes ampliou a vantagem sobre Crivella entre as mulheres (74% contra 26%); entre os que têm 60 anos ou mais (75% a 25%); entre os mais instruídos (75% a 25%); entre os com renda familiar mensal acima de 10 salários mínimos (85% a 15%); entre os funcionários públicos (83% a 17%); entre os católicos (84% a 16%); e entre os simpatizantes do PT (93% a 7%). Crivella manteve-se em vantagem apenas entre os evangélicos (64% contra 36%).
Recife
A eleição no Recife está eletrizante e virou a política de Pernambuco de pernas para o ar. Marília Arraes (PT) subiu de 41% para 43%, mas João campos (PSB) tem uma curva de crescimento melhor: passou de 34% para 40%. Nos votos válidos, a petista venceria por 52% a 48%, uma diferença que caiu de 10 para quatro pontos, apenas. O mais inusitado da disputa é que ela se dá praticamente no mesmo campo, em todos os sentidos. PT e PSB são partidos de esquerda, socialistas, os dois candidatos pertencem ao clã da família do ex-governador Miguel Arraes e disputam a sua herança.
Curioso é o fato de a direita pernambucana apoiar maciçamente a candidata petista, com objetivo de enfraquecer o governador Paulo Câmara e o jovem deputado federal João Campos, neto de Arraes e herdeiro político do falecido governador Eduardo Campos, que morreu num desastre aéreo na Baixada Santista, em plena campanha eleitoral de 2014.
Marília Arraes leva vantagem entre os homens (46% a 36%); entre as mulheres, fica um pouco atrás (41% a 43%). Entre os mais jovens, de 16 a 24 anos, abre 14 pontos (47% a 33%). Na faixa seguinte, de 25 a 34 anos, tem 43%, ante 41% do candidato do PSB. Entre os eleitores de 35 a 44 anos, Campos lidera (45% a 37%), mas perde entre quem tem de 45 a 59 anos, faixa na qual a petista abre vantagem de 14 pontos novamente. No grupo de eleitores mais velhos, com 60 anos ou mais, o candidato do PSB tem 44% e Marília, 43%.
Luiz Carlos Azedo: Argentina, China e EUA
As relações do Brasil com os três países estão sob estresse político, provocado por declarações inamistosas e de cunho ideológico do presidente Bolsonaro e dos seus filhos
Vamos começar pela Argentina, que ontem perdeu seu maior ídolo, o ex-jogador Diego Maradona, cujo prestígio entre nós era tão grande que a velha rivalidade entre as torcidas brasileira e argentina perde qualquer sentido diante da sua genialidade e importância para o futebol mundial. Aliás, essa rivalidade, do ponto de vista geopolítico, perdeu o sentido desde a Guerra das Malvinas, quando os Estados Unidos, o aliado principal dos argentinos, apoiaram os ingleses, que recuperaram o arquipélago depois de impor dura derrota militar aos nossos vizinhos.
Ao contrário do que imaginava o presidente da Argentina, o general Leopoldo Galtieri, a primeira-ministra britânica Margaret Tatcher não quis saber de negociação e resolveu o assunto pela força, exibindo o poder naval do Reino Unido no Atlântico Sul. Foi um golpe de morte na ditadura militar argentina, desmoralizada na guerra. Muito do prestígio de Maradona se deve à vitória da seleção argentina contra os ingleses, na final da Copa do Mundo do México, em 1986, quando fez dois gols, um com a “mão de Deus” e o outro, numa arrancada em linha reta, driblando todos os ingleses à sua frente. Lavou, em campo, a alma de uma Argentina humilhada.
A Guerra das Malvinas aproximou o Brasil da Argentina, a partir do governo do presidente José Sarney, tanto do ponto de vista diplomático como militar, estreitando a cooperação entre os dois países. Essas relações, porém, vão de mal a pior desde a eleição do presidente Alberto Fernández, um peronista moderado. Bolsonaro nunca esteve com o presidente argentino, contra quem fez campanha aberta na eleição presidencial e a cuja posse nem sequer compareceu, quebrando uma tradição diplomática importante para o Mercosul.
O país vizinho era o nosso terceiro parceiro comercial, agora é o quarto. Com um desempenho comercial de USD 3,7 bilhões tanto em importação quanto em exportação, no primeiro semestre de 2020, mesmo assim, continua sendo o parceiro mais importante para a nossa indústria de automóveis e de eletrodomésticos. Entretanto, em razão da pandemia e da péssima relação de Bolsonaro com Fernández, esse desempenho está muito abaixo do que seria possível. A Holanda passou a ocupar a terceira posição. No primeiro semestre deste ano, exportamos USD 4,5 bilhões para os holandeses, contra USD 647 em importações.
Tecnologia
Nosso segundo parceiro comercial são os Estados Unidos, que estão em guerra comercial com a China. A aliança de Bolsonaro, porém, era com o presidente Donald Trump, que perdeu a eleição. Fez campanha aberta contra o democrata Joe Biden, cuja política está em contradição com os rumos que tomamos na cena internacional e também internamente, em áreas como meio ambiente e saúde pública. Para ajudar Trump na eleição, Bolsonaro fez concessões comerciais que prejudicam a indústria brasileira e não obteve, do ponto de vista prático, nenhuma vantagem significativa.
No primeiro semestre deste ano, a balança comercial do Brasil com os Estados Unidos foi negativa: importamos USD 13,2 bilhões e exportamos USD 10 bilhões. Ou seja, o alinhamento automático com Trump somente nos deu prejuízo. Exportamos petróleo bruto, semimanufaturados de ferro e aço, aviões e pastas químicas; em contrapartida, importamos óleo diesel, gasolina, hulha betuminosa e nafta, principalmente. Por que, com Biden, será diferente?
Há mais de 10 anos, o nosso principal parceiro comercial é a China. No primeiro semestre de 2020, o Brasil exportou mais de USD 34 bilhões para o país. No mesmo período, a importação de produtos chineses foi de USD 16,7 bilhões. Vendemos soja, óleos brutos de petróleo, minérios de ferro e seus concentrados, pastas químicas de madeira e carnes desossadas de bovino congeladas, principalmente. Compramos plataformas de perfuração ou de exploração, flutuantes ou submersíveis; componentes para aparelhos receptores de radiodifusão, televisão etc; para aparelhos de telefonia/telegrafia; células solares em módulos ou painéis; e celulares.
Desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência, porém, as relações do Brasil com a China estão sob estresse político, provocado por declarações inamistosas e postagens provocativas, de cunho ideológico, nas redes sociais do presidente da República e dos seus filhos. Os chineses são conhecidos pela paciência, mas resolveram reagir duramente a um comentário do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL -SP), acusando a China de espionagem, na segunda-feira. “Isso é totalmente inaceitável para o lado chinês e manifestamos forte insatisfação e veemente repúdio a esse comportamento”, diz a nota da embaixada chinesa. O plano de fundo é a disputa pelo mercado brasileiro de internet 5G. Responsáveis por 33,5% das nossas exportações, se forem excluídos da disputa por Bolsonaro, a priori, os chineses vão se reposicionar em relação ao Brasil.
Luiz Carlos Azedo: A grande travessia
A transmissão do novo coronavírus do Brasil deu um salto: formou-se uma segunda onda, na qual 100 infectados contaminam outras 130 pessoas
Os brasileiros estão diante de uma grande travessia, como o jagunço Riobaldo no romance Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa: “Viver é muito perigoso… Porque aprender a viver é que é o viver mesmo… Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e abaixa…”. Essa forma de encarar a vida faz parte do nosso inconsciente coletivo, principalmente em razão da secular iniquidade social em que vive a maioria da população, ou seja, está entranhada na camada mais profunda e inata do nosso inconsciente social. Grande Sertão: Veredas foi publicado em 1956, sem capítulos e com mais de 600 páginas. Guimarães Rosa fundiu o experimentalismo linguístico e a temática regionalista do movimento modernista numa obra universal e, ao mesmo tempo, capaz de capturar a alma dos caboclos mineiros, no relato de Riobaldo sobre suas lutas, seus medos e o amor reprimido por Diadorim.
A analogia faz todo sentido. É mais ou menos o que acontece nesta pandemia, que está entrando numa segunda onda, com a maioria da população se arriscando, estoicamente, para manter algum nível de atividade econômica e renda, enquanto outra parcela está se expondo sem necessidade alguma, por pura irresponsabilidade e/ou negacionismo. A taxa de transmissão do novo coronavírus no Brasil deu um salto, chegando a 1,30 na última semana epidemiológica, o que equivale aos índices de maio passado, segundo o Imperial College de Londres. Isso significa que se formou uma segunda onda, na qual 100 infectados contaminam outras 130 pessoas. Como a pandemia estava em baixa, mas não havia acabado, essa segunda onda começa de um patamar muito elevado. O resultado imediato são enfermarias dos hospitais começando a ficar lotadas, na maioria das cidades.
A situação é agravada pelo fato de o presidente da República, Jair Bolsonaro, ser um negacionista, que paralisa as ações do Ministério da Saúde nas três esferas em que deveria atuar: a prevenção (é contra o isolamento social), o diagnóstico (seis milhões de testes estão se deteriorando nos estoques do governo) e o tratamento (é responsável por apenas 5% dos leitos). Mesmo as vacinas que estão em fase final de testes, não têm ainda um planejamento adequado para a compra do medicamento e a vacinação em massa da população.
Não fosse o Sistema Único de Saúde (SUS), sob comando de prefeitos e governadores, a situação seria muito pior. Entretanto, temos um presidente da República que responsabiliza-os pelos graves prejuízos causados pela pandemia, em vez de agradecer o esforço que fazem para proteger a população. A última de Bolsonaro foi afirmar que os testes de coronavírus que estão se deteriorando nos estoques do governo federal haviam sido distribuídos para os estados e municípios, o que não ocorreu.
Vacinas
Ontem, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou para que, num prazo de 30 dias, o Ministério da Saúde apresente um plano de vacinação em massa da população. É uma missão complicada para o ministro Eduardo Pazuello, em razão das idiossincrasias do presidente Jair Bolsonaro, que transformou a aquisição de vacinas numa guerra política, embora o Brasil tenha parcerias para a futura produção de três vacinas:
A ChAdOx1, desenvolvida pela AstraZeneca/Oxford, que será produzida em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, com investimentos previsto de R$ 1,9 bilhão na produção de 100 milhões de doses.
A CoronaVac, da farmacêutica chinesa Sinovac, que será adquirida pelo governo de São Paulo e produzida pelo Instituto Butantan, com chegada de 120 mil doses para uso imediato, mas que depende de autorização da Anvisa.
E a Sputinik V, do Instituto Gamaleya, da Rússia, que está sendo adquirida pelo governo do Paraná.
Diante da segunda onda, com as finanças do governo exauridas e o sistema de saúde pública sob forte pressão, já passou da hora de o presidente Jair Bolsonaro baixar a bola e deixar que os sanitaristas façam seu trabalho. “Uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas”, diria o Riobaldo. “Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto.” Tudo que a população deseja é acordar do pesadelo e tomar uma vacina eficaz contra o vírus.
Luiz Carlos Azedo: A competência à prova
Nem nos governos militares houve tantos oficiais de alta patente em posições que normalmente seriam ocupadas por servidores civis na Esplanada dos Ministérios
Desde a criação do Dasp, em 1938, no Estado Novo, por Getúlio Vargas, no auge de seu período ditatorial, houve um grande esforço no Brasil para a criação e a manutenção de uma burocracia capaz de garantir a “racionalidade” e neutralizar a “irracionalidade” da política na administração federal. A ideia era formar um quadro de servidores civis capazes de operar uma máquina pública moderna, num país que iniciava a sua transição do agrarismo para a industrialização e que, consequentemente, ingressava num processo de urbanização acelerada.
Mesmo durante o regime militar, essa preocupação foi mantida, consolidando alguns centros de excelência que se formaram ao longo dos anos, como o Itamaraty, a Receita Federal, o Banco Central, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); e alguns órgãos de pesquisas científicas, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), além de empresas estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil. Sem desconsiderar outras áreas técnicas do governo, esses exemplos ilustram o raciocínio.
Obviamente, as Forças Armadas fazem parte desse universo dos centros de excelência, sobretudo após o governo do general Ernesto Geisel, que acabou com a bagunça na hierarquia militar, implantando efetivamente regras que haviam sido concebidas já no governo do general Castelo Branco, o que possibilitou a efetiva profissionalização e renovação da carreira militar. Foi o desfecho de uma disputa com seu ministro do Exército, Sílvio Frota, exonerado do cargo por liderar a “linha dura” contrária à “abertura política” e tentar impor sua candidatura à Presidência, como o fizera o general Costa e Silva com Castelo Branco.
Esses setores radicais viriam, mais tarde, a praticar atentados terroristas contra civis, no governo do general João Batista Figueiredo, como foram os casos dos atentados contra a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que matou a secretária da instituição, Lida Monteiro da Silva, e o frustrado atentado do Rio Centro, cuja bomba explodiu no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu, e feriu gravemente o capitão Wilson Luís Chaves Machado, lotados no DOI-Code do I Exército. O próprio presidente Jair Bolsonaro foi afastado da tropa por indisciplina, suspeito de planejar atentados contra quartéis na Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao), em 1987.
Disfunções
Para profissionalizar as Forças Armadas e entregar o poder de volta aos civis, era fundamental a existência de uma burocracia concursada, capacitada e eficiente. Com a redemocratização, as regras do jogo foram estabelecidas pela Constituição de 1988: os militares voltaram para os quartéis, dedicando-se às suas atribuições constitucionais; os políticos voltaram a exercer o poder; e a burocracia de carreira ficou encarregada de zelar pela legitimidade dos meios por eles utilizados para alcançar seus fins. Quando o trem descarrilou no Executivo, o Congresso entrou em ação (impeachment dos presidentes Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff) e o Judiciário acionou os órgãos de controle do Estado (Mensalão e Lava-Jato).
De certa forma, a eleição do presidente Jair Bolsonaro fez parte desse processo de correção de rumos, pelo voto popular, mas não exatamente na direção em que está indo na Presidência. Político sem compromisso partidário nem quadros técnicos para ocupar o poder, recorreu aos militares para administrar o país, nomeando-os para postos-chave no Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios e em dezenas de órgãos federais e nas estatais. Nem nos governos militares houve tantos oficiais de alta patente em posições que normalmente seriam ocupadas por servidores civis. Despreparados para as novas funções que exercem, mesmo assim trocaram as rodas da administração federal com o carro em movimento; porém, não entendem de mecânica para resolver os problemas quando a engrenagem administrativa enguiça.
Também não estão livres das disfunções da burocracia: “incapacidade treinada”, a transposição mecânica de rotinas; “psicose ocupacional”, as preferências e antipatias pessoais; e “deformação profissional”, a obediência incondicional, em detrimento da ética da responsabilidade. Trocando em miúdos, a competência dos militares está sendo posta à prova num governo errático, como nos ministérios da Saúde, onde milhões de testes da covid-19 estocados estão em vias de serem jogados fora, por vencimento do prazo de validade; e de Minas e Energia, devido ao espantoso “apagão” no Amapá, que já vai para a terceira semana. São pastas comandadas, respectivamente, por um especialista em logística, o general de divisão Eduardo Pazuello, e o ex-diretor do audacioso e bem-sucedido programa nuclear da Marinha almirante de esquadra Bento Albuquerque.
Luiz Carlos Azedo: O Zumbi de cada dia
Existe uma realidade social indelével, que explode na nossa cara, principalmente quando a exclusão, o preconceito e a violência contra os negros atingem níveis absurdos
No livro Escravidão, primeiro volume, de Laurentino Gomes, Zumbi dos Palmares é descrito como um herói em construção. Encurralado e morto no dia 20 de novembro de 1695, pelo capitão André Furtado de Mendonça, estava acompanhado de 20 guerreiros, dos quais somente um foi capturado vivo; os demais lutaram até a morte. “Decepada e salgada”, a cabeça do líder quilombola foi enviada para Recife, onde ficou exposta no Pátio do Carmo. Em carta ao rei de Portugal, o governador Mello e Castro registrou para a história a origem do mito:
“Determinei que pusessem sua cabeça em um poste no lugar mais público desta praça, para satisfazer os ofendidos e injustamente queixosos e atemorizar os negros que supersticiosamente julgavam Zumbi um imortal, para que entendessem que esta empresa acabava de todo com os Palmares”.
Hoje, quase ninguém sabe quem foi o ex-governador de Pernambuco Mello e Castro, seu sobrenome é associado ao engenheiro, escritor, artista plástico e poeta experimentalista português Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro, que se radicou em São Paulo, onde morreu em agosto passado . Zumbi, não; a data de sua morte rivalizava com o Dia da Abolição, 13 de Maio de 1888, como marco da luta dos negros no Brasil. O Treze de Maio foi feriado nacional durante toda a República Velha; o 20 de novembro somente em 2011 foi oficializado como o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, mas é considerado feriado somente no Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Pará e Rondônia.
O conflito de datas não é trivial, reflete uma disputa ideológica entre aqueles que não admitem a existência do racismo no Brasil, com o presidente Jair Bolsonaro — “sou daltônico”— e o vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão – “não existe”—, e os militantes do movimento negro, que lutam contra o racismo estrutural brasileiro, para os quais a Lei Áurea seria um ato de fachada da aristocracia agrária e escravocrata. O Brasil foi o último pais do Ocidente a acabar com o tráfico de escravos, em 1850, e com a escravidão, 38 anos depois. Não haveria o que comemorar no 13 de maio porque os escravos libertos foram abandonados à própria sorte, sendo substituídos por trabalhadores imigrantes europeus nas lavouras, manufaturas e comércio.
Os mitos
Entretanto, uma biografia robusta de Zumbi, segundo alguns historiadores, é uma tarefa impossível, em razão da insuficiência de fontes primárias e da multiplicidade de versões. Haveria três Zumbis míticos:
(1) O Zumbi dos colonizadores. Palmares era apontado como um núcleo de barbárie africana e ameaça à civilização. Joaquim Manoel de Macedo, médico e escritor, autor de A Moreninha e Memórias da Rua do Ouvidor, em 1869, afirmava que os negros carregavam “os vícios ignóbeis, a perversão, os ódios, os ferozes instintos do escravocrata, inimigo natural e rancoroso do seu senhor, os miasmas, a sífilis moral da escravidão infeccionando a casa, a fazenda, a família dos senhores, a sua raiva concentrada, mas sempre em conspiração latente atentando contra a fortuna, a vida e a honra de seus incônscios opressores”. Essa visão permanece subliminarmente na nossa sociedade em relação aos negros.
(2) O Zumbi revolucionário. Está associado “à autêntica luta de classes que encheu séculos de nossa história” — na visão do jornalista Astrojildo Pereira, fundador e secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, no jornal A classe Operária, em 1929 —, cujo momento “culminante de heroísmo e grandeza” fora a república de Palmares, “tendo a sua frente a figura épica de Zumbi, o nosso Spartaco negro”. É uma visão ideológica, que reproduz o determinismo marxista da época na interpretação da História e predomina na velha esquerda, que subordina a questão do racismo à luta de classes.
(3) O Zumbi em construção. É o mito que nasce do movimento abolicionista, que o elegeu como ícone da resistência dos escravos, mas ganhou fôlego no século XX, como ícone literário, consagrado nos livros de Joel Rufino, Décio Freitas e Ivan Alves Filho na década de 1980, e reproduzido na pintura, no cinema, na música e nos desfiles de escolas de samba.“É o Zumbi dos oprimidos, herói das lutas pela liberdade, não só de escravos e negros, mas também dos camponeses, índios, trabalhadores, das minorias”, segundo Laurentino Gomes. É uma visão mais pluralista.
Lugar de fala
Existe um Zumbi para cada oprimido, até mesmo uma versão de que o herói de Palmares seria um gay jaga, do antropólogo baiano Luiz Mott. O mito renasce a cada dia, não por causa dos historiadores, mas em razão da existência objetiva do racismo e da luta identitária, centrada no “lugar de fala”. A exclusão, a injustiça social e a violência física incidem mais contra os negros do que contra outros segmentos da população, independentemente do nível social. Há todo um debate político sobre as agendas identitárias e a política de cotas raciais, que agora chegou à distribuição de recursos dos partidos na campanha eleitoral, e mesmo uma polêmica sobre a reprodução de conceitos e práticas do movimento negro norte-americano aqui no Brasil, que não seriam compatíveis com a realidade de um pais miscigenado como nosso, capaz de “traduzir” toda e qualquer identidade étnica do ponto de vista cultural.
Entretanto, existe uma realidade social indelével, que explode na nossa cara, principalmente quando a exclusão, o preconceito e a violência contra os negros atingem níveis absurdos. É o caso do assassinato de João Alberto Silveira de Freitas, espancado até a morte por dois seguranças de uma loja do Carrefour em Porto Alegre. O crime ocorreu na véspera do dia da morte de Zumbi dos Palmares, cujas comemorações se transformaram em manifestações de protesto em todo o país. Episódios como esse fazem o mito de Zumbi ser mais forte a cada dia, ainda mais se levarmos em conta que o herói de Palmares inspira uma nova elite artística e intelectual negra, que lidera a tomada de consciência sobre o racismo estrutural no Brasil, contra o qual lutou com relativo êxito individual, mas que permanece à espreita em cada esquina de suas vidas.
Luiz Carlos Azedo: Decifra-me ou te devoro
A política no Brasil está no campo da moderna complexidade. As eleições municipais são um momento decisivo desse processo de ordem-desordem das relações políticas
Quem foi aluno de cursinho do falecido professor Manoel Maurício de Albuquerque, um expurgado do Instituto Rio Branco pelo regime militar, antes de qualquer aula sobre História do Brasil, aprendia a diferença entre uma totalidade simples e uma totalidade complexa. Ele desenhava um círculo com quatro traços verticais e pedia que um dos alunos o descrevesse em voz alta. Depois, desenhava o mesmo círculo e dispunha os demais elementos na posição da boca, do nariz e dos olhos. O primeiro representava a totalidade simples; o segundo, a complexa. Mais Paulo Freire, impossível.
Na sociologia moderna, a discussão é mais complicada. Newton consolidou o paradigma cartesiano de totalidade complexa a partir da lei da gravitação universal. Daí resultam conceitos que buscam separar a mente e o corpo, a verdade objetiva externa do observador, a estrutura dividida em parcelamentos e a noção de tempo flecha, entre outros. Trata-se da ideia de que a natureza tem uma ordem dada e, para decifrá-la, é preciso esquartejá-la em pequenos pedaços, mensuráveis.
O moderno paradigma da complexidade é mais complicado, surge da mecânica quântica e da teoria da relatividade, muda o entendimento da relação entre tempo e espaço, considera inseparável o sujeito do objeto e usa modelos matemáticos não lineares. Não existe uma estrutura dada, mas uma tensão entre equilíbrio e desequilíbrio, auto-organização e caos, com forças de atração e dissipação. O princípio da separação não morreu, mas é insuficiente. É preciso separar, distinguir, mas também é necessário reunir e juntar. O princípio da ordem renasce na ordem-desordem-organização. Morre o princípio da simplificação e da redução, jamais chegaremos ao conhecimento de um todo a partir do conhecimento dos elementos de base.
No exemplo do Maneco, a chave da transformação era a mão de quem reorganizou os pauzinhos, ou seja, o trabalho direto. Agora, é mais complicado. A crise que enfrentamos resulta da modernização da sociedade e de suas estruturas de produção, com novos problemas, como a ressignifição do trabalho na sociedade do conhecimento, a separação entre o conhecimento e a consciência pela inteligência artificial, o novo papel das escolas, as novas relações entre a produção do conhecimento científico e tecnológico com o Estado, as universidades, empresas, mercado e a sociedade em geral. A tensão resultante de tudo isso deságua na política, cujas estruturas de representação se originaram na velha ordem das coisas e têm dificuldades para encontras as soluções. Boa parte dos problemas que enfrentamos no Brasil resulta desse processo — são de ordem objetiva — e de nossas seculares desigualdades e injustiças sociais, mas são agravados pela tentativa de simplificação desses problemas e da busca de soluções toscas, de um subjetivismo que nega a ciência e se baseiam no senso comum. A pandemia, por exemplo, resulta de um dos grandes fenômenos da criação: o encontro de um vírus com uma bactéria, que provoca uma mutação genética. Desprezar a ciência para enfrentá-la é uma derrota por antecipação.
Eleições
A política no Brasil está no campo da moderna complexidade. Nesse sentido, as eleições municipais são um momento decisivo desse processo de ordem-desordem das relações políticas, equilíbrio e desequilíbrio, caos e auto-organização. As pesquisas divulgadas ontem pelo DataFolha ilustram isso sobre vários aspectos; chocam o senso comum do que seria um processo linear. Em São Paulo, a reeleição do prefeito Bruno Covas (PSDB) é muito provável, porém, a emergência da liderança de Guilherme Boulos (PSOL) sinaliza o fim do hegemonismo petista no campo da esquerda e uma espécie de volta às origens jacobinas da esquerda, muito mais do que uma iminente ruptura político-administrativa.
Já no Rio de Janeiro, o prefeito Marcello Crivella (Republicanos) conseguiu a proeza de isolar as lideranças evangélicas, que aparelharam a administração e fracassaram como modelo para a ideia retrograda de governos teológicos. Tudo indica que Eduardo Paes (DEM) já está praticamente eleito, com apoio de toda a esquerda, inclusive do principal líder político do PSol, Marcelo Freixo, o que sinaliza uma tendência de frente única contra um inimigo comum cuja matriz está na eleição de Negrão de Lima (PSD), na antiga Guanabara, em 1965, a tática que ensinou a oposição o caminho para derrotar o regime militar. É uma tendência a se observar em 2022, principalmente no segundo turno.
Nada, porém, é mais surpreendente do que a disputa no Recife, entre Marília Arraes (PT) e João Campos. (PSB), um embate no campo da esquerda tradicional, entre a neta e o bisneto do ex-governador Miguel Arraes, na qual emerge uma inusitada aliança entre petistas e toda direita pernambucana, para quebrar a longa hegemonia do velho clã pernambucano, apoiando uma liderança dissidente da própria família para implodi-lo. Se levasse em conta essas e outras disputas, e os resultados do primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro veria diante de si a travessia de um grande deserto. A complexidade do novo cenário político é como o enigma da esfinge de Tebas: “Decifra-me ou te devoro”. Não se resolve somente reposicionando os pauzinhos.
Luiz Carlos Azedo: A nova onda
O presidente Jair Bolsonaro continua com sua postura negacionista da covid-19, a ponto de, ontem, mandar apagar mensagem do Ministério da Saúde recomendando isolamento social
A pandemia da covid-19, no Brasil, virou um endemia e assim será, até que a população seja vacinada em massa. A segunda onda, que está sendo avassaladora nos Estados Unidos e na Europa, aqui está começando, sem que a primeira tenha ido embora, ou seja, se inicia de um patamar muito alto, como aconteceu nos EUA. O presidente Jair Bolsonaro continua com sua postura negacionista, a ponto de, ontem, mandar apagar mensagem do Ministério da Saúde recomendando isolamento social. Deveria prestar um pouco de atenção ao que acontece na Suécia, que tratou o novo coronavírus como uma gripezinha, mas, agora, mudou de paradigma e resolveu aceitar as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
São Paulo, por ser o estado mais populoso e também o mais conectado com os demais e o exterior, registra um aumento de 18% no número de casos de internações nas redes hospitalares pública e privada neste mês. Como na primeira onda, as classes A e B estão sendo as mais afetadas; a explosão deve ocorrer quando chegar à população de mais baixa renda, com menos capacidade de se manter a salvo do contato com o vírus. O grande dilema é como lidar com as medidas de proteção individual e, ao mesmo tempo, evitar o colapso econômico e social.
Bolsonaro reage a isso como quem entra em pânico numa emergência, apesar da retórica de valentão. Insiste na tese de que o isolamento social é a causa da crise econômica, culpando governadores, prefeitos, o Supremo e os “maricas” que têm medo do vírus, ou seja, a maioria de nós. Não reconhece que, em todo mundo, a origem da crise econômica é a pandemia; e que a política de isolamento social é uma maneira de evitar desastre ainda maior.
Um breve comentário de um confeiteiro do Sudoeste, bairro do Plano Piloto, em Brasília, resume a questão. Ele observa o comportamento dos clientes e conclui: a maioria dos que tomam os devidos cuidados no balcão de seu pequeno comércio — máscara e higienização das mãos — não teve a doença. Os que chegavam com máscara no queixo e não utilizavam o álcool em gel, em sua maioria, com a evolução da pandemia, disseram-lhe que contraíram a doença. “Um deles me disse que 22 pessoas da sua família tiveram a covid-19.”
Dívida pública
Este é o xis da questão: é impossível manter as atividades econômicas sem protocolos rígidos de procedimento nas empresas e um comportamento equivalente por parte dos consumidores. A maioria das pessoas não está contraindo o vírus nos locais de trabalho, que seguem regras rígidas de funcionamento, mas em razão de seu comportamento social. A generalização das aglomerações — e não apenas os bailes funks — e a campanha eleitoral, de certa forma, contribuíram para a segunda onda, mas é preciso verificar as características do vírus que está circulando, para saber seu grau de mutação genética. Mesmo quem já teve a doença, por essa razão, deve tomar cuidado.
O presidente continua negando a chegada da segunda onda, mais ou menos como fez na primeira. O problema é que não terá como negar seu impacto na economia, porque a situação do Tesouro é muito diferente. A dívida pública deve chegar a 100% do PIB no fim do ano. O governo não terá como prorrogar o auxílio emergencial por longo período, mesmo mantendo seu valor em R$ 300.
Eleições
Estão saindo as primeiras pesquisas do segundo turno. Em São Paulo, o prefeito Bruno Covas (PSDB) lidera a corrida com 47% de intenções de votos, 12 pontos de vantagem em relação a Guilherme Boulos (PSol), com 35%, segundo o Ibope. Será uma disputa que reproduz a polarização tradicional da capital, com o candidato do PSol no lugar de um petista.
No Rio, o Ibope apurou uma grande vantagem de Eduardo Paes (DEM), com 53% de intenções de votos, contra o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), que empacou nos 23%. Devido à rejeição astronômica do atual prefeito carioca, a eleição está no colo do ex-gestor da cidade.
No Recife, Marília Arraes (PT) assumiu mesmo a liderança, com 45%, contra João Campos (PSB), com 39%. A novidade é a coalizão entre a petista, que disputa a herança política do avô Miguel Arraes, e a direita pernambucana.
Luiz Carlos Azedo: Efeitos colaterais
Lucena (duas vezes), ACM (duas), Sarney (quatro) e Renan (quatro) presidiram o Senado mais de uma vez, mas nunca foram reeleitos na mesma legislatura; existe, porém, precedentes na Câmara
O primeiro impacto das eleições municipais na política nacional se dará nas disputas pelas Mesas do Congresso, principalmente a da Câmara. Do ponto de vista da composição das duas Casas, não houve grande mudança na correlação de forças, apesar dos suplentes que deverão assumir, porém, o desempenho dos partidos na eleição de prefeitos e vereadores, que estão na base da reprodução e renovação dos mandatos dos deputados, influencia — e muito — os humores dos congressistas. As articulações para o comando do Senado e da Câmara ganharam nova dinâmica já a partir desta semana.
A premissa a se resolver é a questão da reeleição na mesma legislatura, que a Constituição de 1988 proíbe. Um parecer da consultoria jurídica do Senado diz que o assunto é regimental e que, portanto, dependeria apenas de decisão dos senadores. Essa questão, porém, será dirimida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). As articulações para que os ministros do Supremo lavem as mãos, como Pilatos, seguem o percurso que todos conhecem: as relações entre senadores e ministros, tecidas ao longo do tempo. Entretanto, não dá para apostar que o Supremo aceitará a mudança das regras de jogo, pelo precedente que abre.
Na hipótese de que a reeleição seja permitida, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), está com quase tudo dominado. Já se acertou com as bancadas do MDB e do PT. O seu problema é o grupo Muda Senado, que originalmente foi um esteio de sua vitória contra o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Na Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que é contra a reeleição, caso isso seja permitido, não terá adversários capazes de derrotá-lo. Essa possibilidade lhe cairia no colo, pois quem trabalha abertamente para a reeleição é Alcolumbre.
No período republicano, foram poucos os presidentes da Câmara que se reelegeram na mesma legislatura: Sabino Barroso (1909-1914), Arnolfo Rodrigues de Azevedo (1921-1926) e Ranielli Mazzini (1958-1965), que, por duas vezes, assumiu a Presidência da República em situação de crise institucional. A primeira, na renúncia de Jânio, em 1961; a segunda, na deposição do presidente João Goulart, em 1964, mas acabou tendo de entregar o cargo para o marechal Castelo Branco. No Senado, nunca houve esse precedente. Embora Humberto Lucena (duas vezes), Antonio Carlos Magalhães (duas), José Sarney (quatro) e Renan Calheiros (quatro) tenham presidido a Casa mais de uma vez, nunca foram reeleitos na mesma legislatura.
Bolsonaro
Caso não seja mesmo permitida a reeleição na mesma legislatura, no Senado, o candidato mais forte à sucessão de Alcolumbre é o senador Eduardo Braga (MDB-AM), líder do governo na Casa. O circo pega fogo, porém, na Câmara, onde está instalada a disputa entre o líder do PP, deputado Arthur Lira (AL), e o líder do MDB, deputado Baleia Rossi (SP). O primeiro, é o candidato apoiado pelo Palácio do Planalto, com objetivo de domar a Câmara, controlando a sua pauta. O fortalecimento do PP nas eleições municipais, nas quais saltou de 495 para 682 prefeituras, foi resultado da estratégia de aproximação com Bolsonaro desenvolvida pelo senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, e Arthur Lira, que, por isso mesmo, aumentou o seu cacife na disputa da Câmara junto ao Palácio do Planalto.
Do outro lado do balcão, Baleia Rossi, que também é presidente do MDB, candidato apoiado por Rodrigo Maia, amarga a perda de 261 prefeituras (caiu de 1.035 para 774). Entretanto, o MDB continua sendo o partido mais forte do país em termos de prefeitos, vereadores e número de votos. Além disso, para Baleia, o apoio do DEM foi robustecido pelo desempenho eleitoral dessa legenda, que aumentou o número de prefeituras de 266 para 459 (193 a mais). Seu problema é a resistência da esquerda, o que faz de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), mesmo com candidato avulso, um azarão. É óbvio que essa matemática não se reflete automaticamente na eleição da Câmara, mas mexe com os ânimos dos deputados, que se envolvem diretamente nas eleições municipais e captam os humores do eleitorado.
É aí que a derrota dos candidatos apoiados por Bolsonaro no primeiro turno pesa na balança. Fragiliza sua relação com os partidos do Centrão, entre os quais o PSD de Gilberto Kassab. Se tivesse mais senso estratégico, Bolsonaro não teria se envolvido, como se envolveu, no primeiro turno. Nada garante que não repita o erro no segundo turno, correndo risco de ter o apoio rejeitado pelos candidatos com quem tem afinidade. Mesmo no caso de Crivella, no Rio, seu apoio pode ser desastroso, pois as primeiras pesquisas mostram que o eleitorado de esquerda e centro-esquerda já desembarcou na candidatura de Eduardo Paes (DEM), e a eleição está praticamente perdida. Além disso, envolver-se diretamente na disputa pelo comando da Câmara é um jogo perigoso. Por exemplo, custou muito caro para a ex-presidente Dilma Rousseff, que foi derrotada por Eduardo Cunha (MDB-RJ), de quem era inimiga figadal. Ele abriu o processo de impeachment da ex-presidente da República, antes de ser afastado do cargo e preso por causa do Petrolão.
Luiz Carlos Azedo: As forças centrífugas
“Nas disputas de segundo turno, há todo tipo de combinações. Não se pode falar de polarização entre Bolsonaro, que saiu do primeiro turno com fama de pé frio, e a oposição”
As eleições municipais no Brasil, mesmo na época do regime militar, sempre funcionaram como forças centrífugas, mitigando a polarização política das eleições gerais, para que um novo ciclo de reaglutinação de forças ocorresse. Tínhamos, a partir da redemocratização de 1945, um sistema partidário consolidado, no qual três grandes partidos nacionais predominavam — PSD, PTB e UDN —, com uma força regional importante — o Partido Social Progressista, de Ademar de Barros, em São Paulo — e a esquerda ideológica dividida entre o PSB, de João Mangabeira, e o então proscrito Partido Comunista, liderado por Luiz Carlos Prestes.
Com o golpe de 1964, para se manter no poder, os militares acabaram com os partidos políticos, impondo artificialmente o bipartidarismo oficial, com a criação da Arena e do antigo MDB, que se tornou uma frente legal de oposição; suprimiram as eleições presidenciais, marcadas para 1965; e acabaram com as eleições para governadores e prefeitos das capitais. Mas não puderam eliminar completamente as eleições municipais — ocorrera a mesma coisa durante o Estado Novo —, canceladas apenas naqueles municípios considerados “áreas de segurança nacional”. Mesmo assim, não conseguiram conter as forças centrífugas da política local, sendo obrigados a criar um subterfúgio, as sublegendas, para impedir que as eleições municipais implodissem a Arena, com suas dissidências migrando para o MDB, o que acabou ocorrendo com o passar dos anos, principalmente depois das eleições de 1974.
As eleições municipais do último domingo não fugiram à regra. Seus resultados mostram que atuaram como forças centrífugas do quadro político nacional, que estava muito polarizado entre Jair Bolsonaro e a oposição de esquerda. Os números permitem múltiplas interpretações, mas algumas conclusões são consensuais: 1) os partidos de centro cresceram muito, principalmente o PP, PSD e DEM; 2) a esquerda tradicional perdeu terreno, principalmente o PT; 3) os partidos de extrema-direita não hegemonizaram o pleito. Se há um grande derrotado no primeiro turno, é o presidente, que participou da disputa como aquele jogador de futebol que entra numa bola dividida, achando que vai chegar primeiro e tirá-la do adversário com o bico da chuteira, mas acaba perdendo para quem entrou na jogada mais decidido, com o pé mais firme.
A opção que Bolsonaro fez por alguns candidatos no primeiro turno, principalmente Celso Russomanno (Republicanos), em São Paulo, e o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio de Janeiro, logo no começo da campanha, foi uma decisão tomada muito mais com o fígado que por estratégia. Sem partido, fora aconselhado a se manter distante das disputas municipais. Viu no apoio a Russomanno, que despontava como líder, uma maneira de derrotar o governador João Doria (PSDB).
No Rio de Janeiro, de igual maneira, seria uma forma de derrotar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), que articula ostensivamente a candidatura de Luciano Huck para 2022. Antecipar definições para 2022 nas eleições municipais é uma aposta de alto risco, porque não se pode combinar com os adversários nem com o eleitor. Bolsonaro ofuscou outros resultados que poderiam até beneficiá-lo.
Prefeituras
PSDB e MDB perderam o maior número de prefeituras na comparação do primeiro turno de 2016 e de 2020. O PSDB foi de 785 para 512 prefeitos eleitos — ou seja, 273 a menos. O MDB perdeu 261 prefeituras (caiu de 1.035 para 774), embora continue sendo o maior partido do país em número de prefeituras, vereadores eleitos e votação. O PT registrou mais uma queda, conquistando 179 prefeituras, 75 a menos que em 2016. DEM e PP foram partidos que ganharam mais prefeituras. O primeiro foi de 266 para 459, ou seja, 193 a mais, sendo três dos sete prefeitos eleitos no primeiro turno nas capitais. O segundo, saltou de 495 para 682 prefeitos, 187 a mais. Destaque também para o PSD, que passou de 537 para 650 prefeituras.
Nas disputas de segundo turno, há todo tipo de combinações: direita contra centro-direita, esquerda contra centro-esquerda, centro-esquerda contra o centro-direita. Nesse sentido, não se pode falar numa polarização entre Bolsonaro e a oposição. Além disso, o presidente da República saiu do primeiro turno com fama de pé frio — os políticos são muito supersticiosos —, o que desaconselha seu apoio. Vamos ver o que vai acontecer entre Bolsonaro e seus aliados neste segundo turno, no qual o objetivo de derrotar seus prováveis adversários em 2022 subiu no telhado.
No campo governista, digamos assim, o PP e o PSD emergiram como grandes forças políticas, fortalecendo setores mais moderados do Palácio do Planalto. A ala de extrema-direita ideológica do bolsonarismo foi derrotada no primeiro turno. No campo da oposição, o hegemonismo petista também está sendo derrotado, principalmente em razão do resultado de São Paulo, no qual Guilherme Boulos levou o PSol a ocupar um lugar que sempre fora do PT.
Finalmente, há que se destacar que o resultado das eleições municipais inviabilizou a sobrevivência de muitos partidos, à direita e à esquerda, que terão de repensar o próprio projeto, buscando fusões e incorporações àqueles com quem tem alguma afinidade ideológica e/ou programática e mais viabilidade eleitoral em 2022.
Luiz Carlos Azedo: A volta ao leito natural
O cenário mostra recuperação dos partidos de centro e um enfraquecimento da polarização direita versus esquerda. Isso pode se repetir no segundo turno
Na elite brasileira, existe muito desprezo em relação à política municipalista, rivaliza com o preconceito em relação a Brasília. Duas causas destacam-se: (1) o fato de que sempre haverá políticos espertalhões, falsos moralistas e corruptos, imortalizados pelo prefeito Odorico Paraguaçu, genial personagem de Dias Gomes, interpretado por Paulo Gracindo, ainda hoje lembrado, mas em razão da política nacional; 2) o velho positivismo, que atribui à União a tutela da nação, como se o povo fosse incapaz de se autogovernar, quando o contrário acontece na maioria dos municípios brasileiros, apesar da crescente centralização política do governo federal, embora a Constituição de 1988 tenha dado aos municípios o status de entes federados.
Os indicadores mostram que os municípios gastam mais e melhor do que os governos estaduais e a União, em termos de investimentos públicos e prestação de serviços básicos, principalmente, nas áreas da saúde e da educação. Nesse aspecto, as eleições municipais têm colaborado para que essa tendência se afirme cada vez mais, em termos de qualidade da gestão e do gasto público, entre outras coisas, por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal. Além disso, a alternância de poder e a continuidade administrativa, como deve ser na democracia, funcionam como um mecanismo de peso e contrapeso bastante eficiente, tanto nas metrópoles quanto no Brasil mais profundo. A nota negativa é o aumento da violência nas áreas de expansão da atuação das milícias, no Rio de Janeiro e nas periferias de outras metrópoles; e nas regiões de fronteira agrícola, principalmente no norte do país, nas quais grileiros, madeireiros, garimpeiros e pecuaristas truculentos tentam tomar o poder político dos municípios onde atuam.
Nas capitais, cinco candidatos estão com chances de vencer as eleições no primeiro turno: Bruno Reis (DEM), em Salvador; Gean Loureiro (DEM), Florianópolis; Rafael Grega (DEM), Curitiba; Alexandre Kalil (PSD), Belo Horizonte; e Marquinhos Trad (PSD), Campo Grande. São os exemplos de continuidade administrativa, seja porque vão para o segundo mandato, seja porque houve transferência de votos de gestores bem-sucedidos. Nessa linha, destaca-se o candidato do PSDB em São Paulo, Bruno Covas, que lidera a disputa com folga e pode surpreender com uma vitória de primeiro turno.
Partidos
Na maioria das capitais e cidades com mais de 200 mil habitantes, a política voltou ao leito natural, sem muitas candidaturas disruptivas, ao contrário do que ocorreu em 2016 e 2018. Era de se esperar, se levarmos em conta que as eleições municipais existem desde o período colonial, mais precisamente, da criação da comarca de São Vicente (SP), em 1534. A tradição do voto uninominal vem daí, o que explica a resiliência dos partidos. Nosso sistema proporcional uninominal foi idealizado por Assis Brasil e adotado na redemocratização de 1945, com objetivo de canalizar para os partidos a tradição de votar nas pessoas. Nesse aspecto, o fim das coligações proporcionais ajudará a fortalecer e dar mais identidade às legendas que sobreviverem à cláusula de barreira em 2022.
No universo das capitais e municípios com mais de 200 mil eleitores, neste primeiro turno, segundo levantamento do site Poder360, grandes partidos despontam como líderes isolados em muitas cidades: PSDB (15), PSD (8), DEM (7), MDB e PT (6), PP e Podemos (5 cada), PDT (3), PSB, SD e Pros (2 cada), Cidadania, PL, PTN, PCdoB e PSol (1 cada). Além disso, em outras cidades, disputam a liderança: MDB (9), PT (6), PP (5), PSD (4), Cidadania e Republicanos (3 cada), DEM e Pros (2), PDT, SD, PL, PTB, Rede, PSL e DC (1 cada).
Esse cenário mostra recuperação dos partidos de centro e um enfraquecimento da polarização direita versus esquerda. Isso pode se repetir no segundo turno, mas não significa que será a tendência das eleições de 2022, embora o protagonismo do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha sido reduzido e/ou até negativo no pleito deste ano. Diante da mudança de conjuntura internacional, com a eleição do democrata Joe Biden, e das grandes dificuldades econômicas que o governo enfrenta, o cenário eleitoral — a se confirmar no segundo turno — aponta para uma reestruturação do quadro partidário, forçada pela cláusula de barreira, e uma disputa aberta pela Presidência, na qual Bolsonaro continua sendo o favorito, mas terá dificuldades para se reeleger, correndo risco de virar um Trump dos trópicos.
Luiz Carlos Azedo: Quanto pior, pior mesmo
O ministro da Economia, Paulo Guedes, antecipou que pretende prorrogar o auxílio emergencial caso a pandemia de COVID-19 tenha uma segunda onda
As eleições de domingo já estão razoavelmente desenhadas nas pesquisas de opinião, principalmente no chamado Triângulo das Bermudas — Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte —, que revelam opções prudentes dos eleitores. Estão preferindo manter os prefeitos Bruno Covas (PSDB), em São Paulo, e Alexandre Kalil(PSD), em Belo Horizonte, e trazer de volta o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), diante da desastrosa administração do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio de Janeiro.
Com exceção de Kalil, que deve ser eleito no primeiro turno — está com 63% de intenções de votos, contra João Vitor Xavier (Cidadania), que tem 8%, em segundo —, Covas e Paes provavelmente terão que suar a camisa no segundo turno, principalmente se os adversários forem Marta Rocha (PDT) e Guilherme Boulos(PSOL), respectivamente. Num balanço rápido pelas capitais, as expectativas de que o presidente Jair Bolsonaro teria influência decisiva nas eleições se confirmaram com o sinal trocado: está puxando os candidatos que apoia para baixo.
Os melhores exemplos são Celso Russomano, que liderava em São Paulo, cuja candidatura desidratou completamente e está fora do segundo turno. E a Delegada Patrícia (Podemos), no Recife, que parecia ir para o segundo turno contra o líder nas pesquisas, João Campos (PSB), mas, a partir do apoio de Bolsonaro, também definhou. Marília Arraes (PT) e Mendonça Filho (DEM) disputam o segundo lugar. Ontem, pesquisa DataFolha mostrou o porquê de o apoio de Bolsonaro se tonar tóxico nessas disputas eleitorais: sua rejeição aumentou muito, chegando a 50% em São Paulo.
Bolsonaro havia sido aconselhado a somente se definir no segundo turno, buscando aliança com um dos dois candidatos em confronto, mas não resistiu ao apelo de alguns aliados e resolveu meter a colher na sopa das capitais, entornando o caldo. Agora, no segundo turno, terá dificuldades para fazê-lo, pois é muito provável que essa aproximação seja considerada desvantajosa eleitoralmente. Quem mais vai querer um apoio que pode tirar mais votos do que transferir? Tudo bem que o segundo turno é outra eleição, mas suas tendências principais estão dadas. Uma delas é de que os eleitores está rejeitando aventuras quando têm opções mais razoáveis.
As dificuldades de Bolsonaro nas eleições estão diretamente relacionadas à pandemia do novo coronavírus e às altas taxas de desemprego, sem que haja um horizonte seguro para a maioria da população, afora as bobagens que faz e fala. E ao fato de que R$ 300 de auxílio emergencial não são a mesma coisa que R$ 600, ainda mais com a inflação de alimentos. O auxílio dado a mais de 60 milhões de pessoas que perderam a fonte de renda havia alavancado a popularidade de Bolsonaro, mas sua redução parece estar neutralizando esse efeito. O projeto de Renda Cidadã, que Bolsonaro quer implantar para atender essa demanda popular, não tem fonte de receita ainda, ou seja, subiu no telhado.
Pandemia
Entretanto, numa reunião com empresários do setor de abastecimento, o ministro da Economia, Paulo Guedes, antecipou que pretende prorrogar o auxílio emergencial caso a pandemia tenha uma segunda onda. Os sinais de que isso pode acontecer não vem apenas do Reino Unido, França, Itália e Espanha; nos hospitais particulares de São Paulo e do Rio Janeiro, o número de casos voltou a aumentar neste começo de semana. O relaxamento da política de isolamento social, principalmente com a reabertura dos bares, os bailes funk e a volta ao trabalho presencial, pode ter algum impacto nisso, mas não se deve desconsiderar a campanha eleitoral. Nestas últimas semanas, os candidatos que não estavam com covid-19 foram para o corpo a corpo com o eleitor.
Além disso, o presidente Bolsonaro faz tudo o que pode para atrapalhar a vida dos profissionais de saúde que lutam contra a pandemia. A última foi comemorar a morte de um dos voluntários da pesquisa da vacina CoronaVac, de procedência chinesa, que está sendo realizada pelo Instituto Butantã, de São Paulo. Bolsonaro culpou a vacina, mandou a Anvisa suspender a pesquisa, mas a agência teve que voltar atrás quando ficou comprovado que a causa da morte foi suicídio, por meio de sedativos fortíssimos, e não a vacina. O presidente da República não percebeu ainda que a conta da pandemia está chegando para ele também.
É aí que chegamos ao quando pior, pior. A situação da economia emite sinais preocupantes de deterioração, por causa do aumento da dívida pública, que já está em 100% do PIB, e as dificuldades para rolar essa dívida sem a venda de títulos públicos de curto prazo, com juros duas ou três vezes maiores do que a taxa Selic, que é de 2%. O ministro Guedes ainda não sabe o que fazer para fechar as contas públicas e criar o Renda Cidadã, sem romper o Teto de Gastos, a balisa do mercado financeiro para não entrar em estado de emergência. Quanto fala na segunda onda, aposta no quanto pior, melhor, porque a dívida pública explodirá de vez e, aí sim, se nada for feito para restabelecer o equilíbrio fiscal, vamos ingressar num cenário de hiperinflação.